segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O ESPAÇO ARQUITETONICO


Elias Cornell, Professor Emérito de Teoria e História da Arquitetura, Gotemburgo.

Para esclarecer espaço arquitetônico - criação, entendimento, história - considere-se a exigência imposta à ciência de continuamente (re)conquistar partes desconhecidas ou esquecidas da realidade. O espaço é uma das propriedades da arquitetura. A totalidade comporta muitas mais, dada a necessidade de tê-la todo o tempo em vista, focando-a com maior apuro para se investigar quaisquer partes.
Muitos e diversos são os caminhos para se entender arquitetura, cada um segundo a propensão, a experiência, o interesse, o gosto. Nossa escolha é pelo explícito e pelo óbvio, enquanto ajude a perceber “o todo” alcançando mais espaço e lugares, aspectos pouco considerados por quem estuda e escreve sobre a arquitetura, sua história, sua teoria e sua prática.

O todo maior e seus dois lados
Cumpre entender como totalidade a construção edificada pelo homem para nela estar e agir, com os lados externo (fachadas voltadas para nós) e interno (espaço que nos envolve e do qual participamos). Ao frequentar edificações, distinguimo-las parados ou em movimento. O exterior e o interior proporcionam permanente e recíproca expe-riência. Um pressupõe o outro, apresentam-se em simultânea e rica contradição.
As formas de existenciação do espaço arquitetônico são singulares. Ante a obra é possível postar-se como observador e pensante, ou como quem só contempla, como a imagens, pinturas, esculturas, murais. Nos dois casos mais se percebem o exterior edificado, as fachadas, como introdução, prelúdio, anteato. E nos predispomos à expectativa de conhecer-lhe o interior, onde se realizará um ato ou um fato.
Ao se estar no interior do edifício, a experiência alcança a segunda fase. Aprofunda-se, estende-se da expectativa à constatação da finalidade de sua concepção. A contemplação do exterior costuma ser passiva, e a descoberta interna traz o compor-tamento ativo. Entramos e apropriamo-nos do lugar, usamo-lo para agir, participar, perceber como é ou imaginamos. Em certas edificações cria-se mais a situação que a atividade, ou a contradição entre as situações.
O lugar onde se está é edificado e equipado no convite à ação, à inspiração, à sugestão, à viabilidade, à predisposição, à correspondência, ao esclarecimento, à conscientização, à prescrição, à orientação; serve de espaço, é palco e cenário do ato e do fato. De modo algum se admita a existenciação do espaço arquitetônico como excludente da ação, ou vista independentemente da experiência artística, porque por meio da ação experimentamos a arquitetura-arte, levando à plenitude sua existenciação.
Ato ou fato que motivam o lugar, que o pressupõem, podem ser manifestos, palpáveis, evidentes, permitir movimentos, exigir equipamentos, acomodações especiais. Contudo, ato pode ser tranquilo, simbólico, inusitado, surpreendente, tratar de algo oculto ou esquecido que exija esclarecimentos para uma experiência arquitetônica completa.
As questões de construção são claras, compreensíveis. As necessidades a satisfazer costumam ser de amplo domínio, embora os construtores as enfoquem conforme condições inerentes às sociedades. Para interpretar a arquitetura atenhamo-nos à linguagem livre de expressões especiais, visitemos edificações ou as conheçamos por imagens, desenhos, descrições, confiemos na nossa imaginação e respeitemos os dados objetivos.
Tectônica e estereotômica descrevem os caracteres da expectativa externa e da plenitude interna, a ação recíproca, a contradição externo x interno e como se imbricam as duas dimensões.

Tectônico e stereotômico
A arquitetura é tectônica quanto a seu exterior e estereotômica quanto ao interior de seus lugares.
O tectônico significa “construído com partes e componentes construtivos, independente-mente dos necessários ou dos representativos”. Templos gregos antigos são tectônicos quanto ao exterior, principalmente, com palpáveis bases, colunas, capitéis, vigas, empenas.
“O estereotômico visa ao que paira, ao que está em balanço, ao escavado, à sustentação, à profundidade, ao infinito”. Há muitos forros estereotômicos, sobretudo cúpulas e abóbadas cuja profundidade acentua-se à nossa vista, frequentemente pintadas para aparentar o céu. Coberturas de construções religiosas, em geral, são estereotômicas, como em grandes halls e tetos pendentes que cobrem locais para jogos, reuniões, exibições.
O tectônico e o estereotômico pouco existem de forma absoluta. Coexistem, contrastam. Grandes nichos em fachadas podem ser incrustações estereotômicas entre colunas tectônicas. Portas e outras reentrâncias apresentam incrustações estereotômicas. Colunas tectônicas e outros suportes sustentam abóbadas e cúpulas estereotômicas, em compartimentos.
As denominações são corretas, mas não devem ser usadas para quaisquer edifícios. Adotá-las com ponderação ajuda-nos a avançar no caminho da compreensão da arquitetura. Auxiliam a superar o equívoco de não dizer impossível descrever, interpretar o espaço arquitetônico.
Algum pesquisador de arquitetura afirmou: o espaço arquitetônico não constitui factum (feitura, fato). Um historiador da arte defende: a arquitetura é tectônica e nada mais. Ambas as opiniões expressam extraordinária falta de vontade de entender a totalidade.

Organização artística e realidade prática
Ao criarem, os construtores valem-se da organização artística da realidade prática, que abrange técnica e finalidade. Não existe lado puramente artístico nem o somente prático. Nada importa se o artístico é expresso - como em muitos arquitetos - ou implícito, inconsciente, desconhecido ou negado por auto construtores, mestres de obra, engenheiros e até por arquitetos. As qualidades da totalidade são determinantes, acima de tudo.
Preocupemo-nos em “Como deve ser o artístico?” Isto testemunha a totalidade. Sem a forte visão do global, resulta um capricho mecânico, vazio, deprimente, frustrado, reflexo até de desprezo humano.

O campo visual
Ao entender a arte de construir, cabe ver o que temos diante dos olhos e o que apreendemos com os outros sentidos. Campo visual é profundidade unívoca, espaço em que volumes delineiam-se como corpos e lugares, nítidos ou imprecisos. A visão humana torna tudo nítido, inteligível, e a percepção das cores ajuda-nos muito mais.
Não cumpre antecipadamente ocuparmo-nos das dimensões comprimento, largura e altura, que pertencem às técnicas de construção, desenho, perspectiva. Por mais familiares como apoio, não participam da vivenciação da arquitetura e da existenciação do espaço arquitetônico, são apenas distintas formas para construir. Precisa-se criticar imprecisas afirmações quanto à harmonia, beleza e o mais que se vincular à busca de regras objetivas para garantir qualidade artística ao trabalho arquitetural.

O desenvolvimento histórico
Para avançar na arte de construir, constate-se o óbvio das obras que o homem cria, o valor para cada uma isoladamente e para todas entre si, do nascer do homem ao futuro dele. A aptidão de apreender e sequenciar conhecimentos e experiências, geração a geração, constitui meio capital para desenvolvermos atos e obras, a cultura, o desenvolvimento. À parte isto, a história faz-nos compreender que a dinamização da cultura distingue-se da evolução da natureza. Não há que confundi-las, mesmo se nos parecerem similares.

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