terça-feira, 18 de março de 2014

POR UMA HISTORIOGRAFIA MARXISTA DA FILOSOFIA – Parte III


Nicolao Merker

Artigo extraído de Marxismo e storia delle idee, pp. 115 a 47, Editori Riuniti, Roma, 1974.

Tradução: Frank Svensson

Nota do tradutor: O interesse pelo conteúdo do texto aqui apresentado deve-se ao fato de que crítica da arquitetura na formação de seus profissionais limita-se sobremodo à oferta de disciplina Teoria e História da Arquitetura limitando o conhecimento da mesma à sua historiografia.


Vinculo histórico-funcional de antecedentes, de consequências, e circularidade de razio e de fato

Retomando a análise pela qual havia demonstrado a especificidade histórica da abstração muito geral que o trabalho representa em Smith, o caráter de abstração determinada que essa categoria tem, Marx observava que as categorias que exprimem e fazem compreender as relações complexas e evoluídas da sociedade burguesa permitem compreender ao mesmo tempo a estrutura e as relações de produção

de todas as formas de sociedade desaparecidas com as ruinas e os elementos com os quais ela foi cons-truida.  Certos vestígios, parcialmente ainda não superados, continuam a subsistir nela, e dos quais certos simples sinais, desenvolvendo-se, assumiram todo o seu significado.67  

Marx recomendava também uma prudência muito grande no método. Se é verdade que as formações históricas mais desenvolvidas constituem uma chave para as menos desenvolvidas, isso não pode ser admitido senão cum grano salis (com um grão de sal): 

1 -- porque a diferença especifica (ou a generalidade maior) das categorias que expressam as relações mais desenvolvidas não excluem aquelas que contem também, de maneira mais apagada e caricatural, etc., as formas precedentes menos desenvolvidas; e 

2 -- geralmente a forma posterior considera as formas passadas como etapas que conduziram ao seu próprio grau de desenvolvimento e, portanto, ela concebe-as sempre sob um aspecto unilateral.68

0 alcance dessas observações reside no fato de incidirem direta, por um lado, na questão da continuidade e/ ou descontinuidade na transmissão de um patrimônio categorial de uma época ou de uma geração para outra ao nível da estrutura formal interna das próprias categorias, e por outro lado, no problema do ponto de partida da analise historiográfica.
.
Na realidade, segundo o paralelismo marxiano entre tipos de abstração e tipos de sociedade, as categorias determinadas dentro das quais se exprime a ideologia da sociedade mais desenvolvida, ou sociedade burguesa, constituiriam da mesma forma uma chave para compreender as diversas formas de ideologias próprias das sociedades passadas. Mas a chave tem um perfil duplo: no interior das categorias conceptuais que correspondem à formação econômico-social mais desenvolvida e mais complexa subsistem, por um lado, resíduos não superados de ideologias pertencentes a formações econômico-sociais antigas e historicamente transatas e, apesar disso, numa medida maior ou menor, transferidas para a nova estrutura ideológica por intermédio do processo de transmissão do material de pensamento, enquanto que, por outro lado, certos elementos teóricos já presentes em embrião nas categorias originadas e utilizadas durante as épocas passadas, não se desenvolvem nem assumem todo o seu significado senão na época e na sociedade mais moderna ou mais ricamente articulada, nas quais só então eles se tornam praticamente verdadeiros, isto é, inteiramente correspondentes a um certo tipo (atual, moderno ou verdadeiramente presente") de práxis humana, social e específica).

No tocante à continuidade na utilização dos materiais de pensamento anteriores, esta ocorre tecnicamente graças aos elementos gerais que, nas categorias, são comuns a diversas épocas: e esse são os elementos que exprimem uma racionalidade ou uma problemática recorrente e geral devida antes de tudo ao fato de que — empregando as palavras de Marx -- em cada época o sujeito, a humanidade, e o objeto, a natureza, são idênticos;69 por outras palavras, em cada época a produção das ideias é uma reprodução categorial do objeto. Assim, as ideias gerais como ser, devir, identidade e diferença, particular e universal, unidade dos contrários, unidade e multiplicidade, essência e fenômeno, necessidade, conteúdo e forma, matéria etc. representam, como resultados conceptuais, tentativas de estabelecer relações de coordenação e subordinação entre os objetos, um continuum categorial indubitavelmente comum a todas as épocas.

Porém, visto que o conjunto das circunstâncias históricas reais, variáveis e específicas (forças produtivas, relações sociais etc.), transmitidas por cada época à seguinte, impõe a esta última suas próprias condições de existência e imprime-lhe um desenvolvimento determinado, um caráter específico,70 os problemas novos que são, portanto, específicos dessa época, imporão também, todavia, que no interior desse continuum sejam pouco a pouco ultrapassadas à guisa de instrumentos específicos aos quais se referir, aquelas formulações categoriais que são adaptadas aos problemas determinados a resolver, ou, em suma, que constituem antecedentes lógico-históricos seus mais ou menos afastados.

Não é dito que esses instrumentos ordenam-se segundo uma coincidência mecânica entre a simples sucessão cronológica das categorias (ou seu continuum acrônico) e a utilização histórico-funcional destas, ou que, em suma, a ordem cronológica se identifi-que com a sua ordem lógica de utilização. Pelo contrário: Platão, por exemplo, não empregou indistintamente todo o patrimônio conceptual da filosofia grega anterior, mas unicamente, afinal de contas, as categorias (os gêneros supremos do ser e do não ser) que eram realmente úteis ao seu problema relativo à tauto-heterologia ou mediação da identidade da razão com a alteridade ou multiplicidade das coisas, e que, contudo, aplicadas a esse problema determinado, a essa fase determinada de desenvolvimento do mundo grego, receberam o cunho de especificidade que distingue a dialética de Platão da de Kant ou de Hegel. Da mesma maneira, a problemática mais original e mais viva de Aristóteles está ligada à maneira específica como ele ultrapassou, interpretou e empregou criticamente apenas alguns resultados da tradição filosófica anterior (um certo Platão, mas não Platão todo; uma certa acepção do principio de não contradição etc.), aqueles portanto, que eram realmente antecedentes lógico-históricos do seu objeto problematizado (ou presente de maneira problemática). E assim por diante, o assunto podendo se repetir até Hegel, Marx e Engels; para estes dois últimos, Hegel inteiro era evidentemente um precedente cronológico, mas nem todas as partes de sua filosofia eram um verdadeiro antecedente lógico-histórico.

A perspectiva histórica habitual, isto é, a sucessão cronológica por assim dizer natural das categorias, surge, desta forma, invertida. As categorias não se tornam determinantes como instrumentos de pensamento segundo a morfologia da sua sucessão diacrônica, mas, ao contrário, segundo a relação na qual se encontram no interior da filosofia ou da ideologia mais desenvolvida, segundo a ordem de não cronologia em que as utilizam a filosofia ou a ideologia sempre mais desenvolvida; essa ordem -- ressalta Marx referindo-se às relações existentes entre elas na sociedade burguesa moderna -- é exatamente o inverso do que parece ser a sua ordem natural ou corresponder à sua ordem de sucessão no decorrer da evolução histórica,71 concebida como estritamente cronológica. Portanto, para as categorias filosóficas também -- à
luz do vínculo dialético, dentro de um patrimônio ideológico, entre os conseqüentes específicos atuais e seus antecedentes lógico-históricos --, o que Marx observou para as categorias econômicas também seria válido: o fato de que é inoportuno e errôneo dispô-las na ordem diacrônica segundo a qual elas foram historicamente, isto é, cronologicamente, determinantes. Mas se, considerando tudo o que acabamos de dizer, em cada época e formação econômico-social, em toda ideologia, em toda orientação ou todo sistema filosófico, a duração e a funcionalidade histórica dos instrumentos categoriais são reveladas por um vínculo passado/presente no qual, de uma vez por outra, é o presente, com suas solicitações problemáticas, que impõem a escolha de certos antecedentes e não de outros no passado, a tarefa do historiador da filosofia pareceria articular-se em torno dos seguintes pontos:

1) um equilíbrio filológico rigoroso na análise do objeto da pesquisa, a fim de compreender todas as suas características, sejam gerais, sejam específicas, isto é, o aspecto gera-abstrato das categorias na especificidade de suas transformações provocadas pelo presente histórico (pela formação econômico-social progressivamente presente) tanto quanto a característica determinada pela qual a abstração categorial em si se manifesta de uma vez para outra como abstração histórica (a respeito disso, pense-se outra vez no exemplo marxiano: a categoria trabalho em geral),

2) uma prudência igualmente rigorosa na distinção, para cada época e cada filosofia examinada, entre as formas mais desenvolvidas de ideologia e as tendências de desenvolvimento e as formas atrofiadas ou resíduos que se mantiveram, distinguindo-as, todavia, segundo a maior ou menor aderência das formas categoriais às reais estruturas econômico-sociais de fundo.  Não com base nas ilusões que as épocas ou os sistemas filosóficos criam acerca de si mesmos, como quando, por exemplo, à maneira da síntese historiográfica, especulativa, idealístico-hegeliana, eles concebem o passado unilateralmente, vendo suas formas como projeções ao avesso de forma última ou do último sistema, razão pela qual Hegel pôde tranquilamente concluir que não existe história verdadeira, já que não tratamos de um passado, mas do pensamento, no qual o que é histórico, isto é, o passado como tal, não existe mais, está - morto.72

3) uma escrupulosa elaboração histórica da articulação formal interna das categorias, a respeito da qual, como para concluir sua análise da Introdução de 1857, Galvano Delia Volpe observou: "a ordem histórico-cronológica ou puramente empírica e analítica das categorias (sistemas) deve ser substituída pela ordem exatamente inversa, que é a ordem sintético-analítica de médias hipotéticas de antecedentes e consequentes, donde todo conceito-médio, sendo a satisfação de uma solicitação presente ou histórico-material, satisfaz tanto a solicitação da experiência corno a da razão, mas só a satisfaz e só pode satisfazê-la experimentalmente: no sentido preciso de que a média de antecedentes e consequentes, longe de ser absoluta ou definitiva, só é verdadeira graças à sua corres-pondência esclarecedora com as solicitações histórico-materiais, ou efetivamente problemáticas, de que nasceram a pesquisa e o conceito-hipótese.73 

Sob esse aspecto, a média de antecedentes é, portanto, o modo categorial específico segundo o qual um consequente, relacionando-se a uma série de precedentes específicos (e não a todos sem distinções, mas aos que correspondem ao concreto a resolver e de uma vez a outra imposto pelas solicitações problemáticas ou pelas dificuldades da época da pesquisa atual), estabelece uma ligação funcional concreto-abstrato-concreto, isto é, entre o concreto da experiência presente da qual parte a pesquisa, as solicitações racionais mais gerais e mais recorrentes do passado consideradas elas também, entretanto, como abstrações não meta-históricas e determinadas; e finalmente a convergência das médias conceptuais -- ou, em suma, do patrimônio ideológico-histórico recebido, utilizado de maneira crítica e transformado pouco a pouco -- com as interrogações concretas e progressivamente presentes da práxis social.

Transfiramos esse círculo concreto-abstrato-concreto para a esfera de trabalho do historiador da filosofia, que deve analisar sistemas e orientações ideológicas já estabelecidos historicamente, em que o tema real ou concreto material já está elaborado pelo pensamento e, portanto, aparece como um resultado do pensamento, como um concreto de pensamento no qual o ponto de partida real e material (a sociedade ou tema real, segundo Marx) não é mais diretamente visível.

Como “concreto” inicial, teremos uma construção ideológica que, na qualidade de concreto de pensamento (qualquer que ele seja: a dialética descendente de Platão ou a tríada hegeliana, a crítica de Aristóteles a Platão ou a crítica de Marx a Hegel, as teorias ético-políticas do tempo da Reforma, ou a ideologia da filosofia das Luzes ou o Estado de direito kantiano e suas continuações, para enumerar alguns exemplos), já é por si mesma uma síntese de numerosas determinações conceptuais e, ao mesmo tempo, na medida em que o historiador trata dela, o objeto inicial da experiência para o próprio historiador, em suma, o fato a explicar. Esse objeto a analisar, com suas numerosas determinações, isto é, suas articulações formais particulares (quer gerais e comuns, quer pontuais e específicas) através das quais a sociedade ou tema real transparece mesmo assim ao longo de uma série complexa de anéis ou filtros de mediação, exige, no entanto, -- precisamente para evidenciar a dialética dessas articulações -- que se discerne nele os antecedentes lógico-históricos que estão ali por assim dizer embutidos. Exige, pois, que, do objeto analisado, se remonte ao continuum ou abstrato (histórico) das solicitações racionais do passado que convergem logicamente para o objeto ou o fato filosófico presentes.  Neste ponto, retraça-se de novo a viagem em sentido contrário, para o fato ou objeto de que partiu a pesquisa, esclarecido doravante como sendo uma totalidade complexa na qual a síntese-análise categorial de antecedentes e consequentes lógicos revela a disposição deste numa fase concreta da práxis social. Só então o historiador da filosofia terá respeitado as indicações do método científico correto de que falava Marx.

Levando em conta a morfologia geral histórico-racional das categorias ou produções ideológicas, o historiador da filosofia teria definitivamente uma chave para avaliar também a estrutura formal interna de um sistema filosófico, além das ilusões que esse sistema cria sobre si mesmo. Por exemplo, em Hegel, a ideia da mediação lógica e a idéia, correlativa, de sistema lógico, não é uma ideia-hipótese, no sentido de que entre a ideia racional-unitária de sistema e os dados filosóficos de fato que deviam ser explicados por intermédio dessa ideia se institui uma circularidade de razão e de fato (fato filosófico, ou seja, racional-histórico), Os dados de fato, as filosofias historicamente determinadas, eram vistos, pelo contrário, como manifestações mais ou menos completas da filosofia, ou seja, do idealismo absoluto, e elas não podiam, pois, sendo apenas manifestações, reagir sobre a ideia do sistema no sentido de exprimir as solicitações que eram diferentes deste; solicitações que, de uma ideia de sistema concebida de maneira problemática, hipotética, poderiam ter sido recebidas como solicitações suscetíveis (como fatos filosóficos múltiplos) quer de contribuir, integrando-a ou eventualmente até modificando-a, para a elaboração dessa idéia, quer mesmo de refutá-la ou de refutar também a idéia da totalidade especulativa e meta-histórica que está na base desta.

Portanto, a circularidade de que acabamos de falar é sempre o elemento decisivo que permite avaliar a estrutura e a funcionalidade formais internas de um sistema. Na realidade a relação entre a ideia de sistema e os dados filosófico-históricos instaura-se como urna tensão problemática na qual estes, na qualidade de co-elementos históricos na formação do sistema lógico, exprimem solicitações autônomas e tais que, em relação a elas, o sistema possa verificar experimentalmente sua própria capacidade mediadora e, assim, sua própria validade -- e então a crítica filosófica também permanece tendencialmente aberta e não condicionada pelo pressuposto de uma solução absoluta por a priori, realizada e definitiva; ou então a ideia lógica de sistema reduz a tensão problemática sob o denominador comum restritivo de sua própria auto mediação e apresenta-se como podendo resolver tudo -- e então não se pode mais falar dos dados filosófico-históricos corno de uma experiência (no sentido próprio do termo) em contato com a qual o filósofo se encontra, visto que, logo que ele se põe em contato com ela, essa experiência perde suas próprias referências e suas próprias solicitações particulares, para receber a marca da solução especulativa.

Mas lembramos aqui a crítica de tipo lógico que Marx teceu contra os processos de hipóstase em Crítica do Direito Político Hegeliano, de 1843: à superação por especulação dos fatos, de qualquer natureza que sejam, segue-se por consequência direta a transformação da especulação em empirismo, de um empirismo que não é mais controlado porque não é mais mediatizado. Disso resultará que em Hegel, por exemplo, esses elementos lógico-históricos ou fatos filosóficos particulares que, se bem que constando em sistemas anteriores, não haviam sido mediatizados por Hegel segundo a sua especificidade, mas imediatamente ultrapassados, agirão, no seu idealismo, como um resíduo insuspeito, perturbado filosoficamente, depois recebido acriticamente e por fim transtornando repetidas vezes o encaminhamento do pensamento hegeliano.


A localização da estrutura econômico-social por meio dos veículos categoriais

A dupla conversão denunciada por Marx, do empirismo em especulação e da especulação em empirismo, e as implicações metodológicas gerais da crítica marxiana sobre o processo de hipóstase, têm uma incidência direta e ao nível da conclusão sobre a questão capital da qual partiu toda a nossa exposição: isto é, de que maneira as relações sociais reais dos homens transparecem na produção das ideologias não em virtude de seu reflexo mecânico e imediato sobre as ideias, mas, ao contrário, filtrados pela estruturação completa do caráter formal das representações das categorias etc. As implicações da crítica marxiana na matéria indicam-nos na realidade também a complexidade articulada dos filtros formais através dos quais passa necessariamente uma situação histórica real-material (por outras palavras, uma fase determinada das relações econômico-sociais com todas as contradições reais que a caracterizaram) quando ela é registrada conceptualmente. Essas implicações indicam-nos outrossim que só uma análise atenta da estrutura formal específica desses filtros permite apreender de modo justo, nem mecanicista nem determinista, a maneira como a realidade material se reflete sobre e nas elaborações conceptuais de um filósofo.

Tomamos como exemplo a questão da origem e da natureza do proverbial conservadorismo de Hegel.

Na crítica feita pelo jovem Hegel em relação às condições alemãs, Lukács registra oscilações e incertezas que teriam posteriormente engendrado as formas mais diversas de ilusões socialmente necessárias, mas mais ou menos reacionárias, as quais de-terminaram o pensamento de Hegel até o fim de sua vida.74

Explicando as ilusões reacionárias como socialmente necessárias, isto é, reforçando o apesar de tudo justo critério da miséria alemã em categoria historiográfica que permitiria esclarecer imediatamente toda uma série de produções ideológicas, efetuar um salto da estrutura às superestruturas, ainda não sabemos evidentemente nada sobre a razão lógica do aparecimento destas nem de sua fenomenologia particular. Pelo contrário, o problema é ver como a conciliação (Lukács) com a sociedade burguesa que o conservadorismo de Hegel é tem, no interior da filosofia hegeliana, na sua morfologia, uma força específica que a faz funcionar e a torna logicamente coerente.

A dificuldade está próxima de sua solução quando se considera que a realidade histórica, não obstante ultrapassada por Hegel de maneira especulativa pela mediação ideal, continua a existir efetivamente com toda a autoridade e a materialidade de seus próprios conteúdos específicos; e que, nesse duplo tratamento que a realidade sofre no idealista Hegel (uma vez, de um ponto de vista descritivo, como realidade histórico-determinada; e outra vez de um ponto de vista interpretativo, como manifestação da ideia), o fato de tomá-la como uma manifestação da ideia naturalmente não elimina dela a materialidade manifesta e obstinada. Bem entendido, pode-se dizer também que, neste sentido, as ilusões chegaram a Hegel por intermédio do veículo conceptual que é o princípio dialético especulativo: o qual, dissolvendo a realidade de maneira especulativa (a transformação da realidade em especulação, segundo a crítica de Marx), mesmo assim deixa efetivamente subsistir, como antes, essa mesma realidade, cuja determinação especifica foi ultrapassada apenas pelo princípio, mas cujo conteúdo material real, tendo permanecido o mesmo, é apresentado corno força -- e, pior, com uma força agora incontrolada e viciosa: a transformação da especulação em empirismo, segundo a critica de Marx -- por meio justamente das diversas ilusões reacionárias (as classes como corporações, o poder legislativo concedido à camada essencial, ou seja, à nobreza de morgado, ao monarca hereditário etc.).

Em outros termos, o conservadorismo apresenta-se como uma consequência necessária, como o contra piso lógico de mediação idealista ou, enfim, como um aspecto do positivismo acrítico que Marx assinalou como sendo a consequência última da dialética de Hegel.75  Do que resulta que Hegel foi realmente o primeiro a expor larga e conscientemente as formas gerais do movimento da dialética;76  é por esse motivo que desse ponto de vista as categorias da sua filosofia exprimem tendencialmente as rela-ções mais desenvolvidas da sociedade burguesa; mas muito mais -- e, portanto, sem privilegiar prematuramente esse aspecto único do pensamento hegeliano -- convém não esquecer duas coisas.

Em primeiro lugar, Hegel é de fato um filósofo burguês, mas também um burguês alemão, imerso na miséria de uma classe que, estruturalmente, já existe com sucesso; mas que, no seu conjunto, ainda é fraca demais, pouco desenvolvida demais) para travar um embate decisivo com o velho regime e a caricatura informe sob a qual ele se apresentava nos Estados absolutistas alemães: daí os pesados compromissos pré-burgueses, como, por exemplo, as corporações semi-medievais, e as ordens ou Stãnde corporativistas, que nos trinta primeiros anos do século XIX ainda desempenham um papel fundamental na organização política da Alemanha.

Em segundo lugar, todavia e principalmente, é preciso não esquecer que na filosofia hegeliana do direito esses aspectos antiquados, atrofiados, menos desenvolvidos que as relações sócio-políticas, depositam-se como escórias em virtude de um mecanismo lógico irresistível, se bem que sem o conhecimento do filósofo: isto é, que o empirismo, uma vez superado pela especulação que, em proveito das formas gerais do movimento da dialética, esquece as particularidades históricas dos conteúdos, vinga-se, introduzindo-se sub-repticiamente no corpo da especulação e autorizando, por esse meio, uma legitimação especulativa de instituições pré-burguesas mesmo. Então o modo específico corno a estrutura econômica e as relações sociais existentes entram tão frequente e tão massivamente na filosofia de Hegel, e nela se refletem grosseiramente, não depende tanto da realidade alemã atrasada, que não pode ser censurada por existir, quanto, de preferência e antes de tudo, dos veículos conceptuais e dos instrumentos categoriais de que Hegel lançou mão para mediatizar essa realidade.

A via que leva estruturas econômico-sociais à sua reprodução nas superestruturas ideológicas não parece, portanto, nem curta nem simples. E, paralelamente, os problemas que se propõem a uma historiografia filosófica marxista não parecem mais fáceis.
             
Estes resumem-se em:

1) não perder de vista o caráter superestrutural dos fatos filosóficos; por conseguinte, partir, evidentemente, de uma análise atenta da estrutura econômico-social de uma época, mas sem por isso esquecer o modo formal especifico como as ideologias se constituem;

2) avaliar o processo de transmissão histórica das ideologias de uma época para outra segundo o critério do alcance prático (no sentido amplo) das próprias ideologias, isto é, do seu funcionamento quanto à solução das dificuldades que o "presente" histórico oferece progressivamente;

3) efetuar a elaboração formal, nas suas características gerais comuns e específicas determinadas, como aparecem pouco a pouco no continuum da transmissão;

4) entretanto, não considerar esse continuum nem como pura sucessão cronológica ou diacrônica, nem na qualidade de ordem meta-histórica de puras ideias, mas sim na qualidade de média de antecedentes e de consequentes lógico-históricos cuja ordem e cuja ligação funcional são provocadas e impostas de uma vez para outra, em toda época em todo sistema ideológico, por dificuldades presentes que se devem resolver; em suma, sempre, por uma práxis social determinada.

Parece-nos que só seguindo esse caminho, caminho certamente longo e complicado, feito de provas e novas provas, de constantes cotejos entre a continuidade racional-histórica ou histórico-funcional das elaborações filosóficas e a experiência dos fatos ideológicos determinados de que trata o historiador, é que a história da filosofia pode tornar-se uma ciência. Neste sentido, pelo menos onde ela própria é dominada também por aquela lógica específica do objeto específico77  que Marx fazia valer contra as hipóstases idealistas que consistiam em, em toda parte reconhecer unicamente as determinações do puro conceito; lógica que impõe, bem ao contrário, não só reconhecer os fatos filosóficos como fenômenos superestruturais históricos, mas ainda analisá-los com um método adaptado justamente à especificidade do modo for-mal segundo o qual esses fatos ideológicos se relacionam à estrutura.


N o t a s  b i b l i o g r á f i c a s :

66. MARX & ENGELS. O Capital. Éditions Sociales, tomo I, p. 182.

67. MARX, Karl. Contribuição à. .. , p. 169. George Wilhelm Friedrich Hegel. Vorlesungen über die

68. Ibidem, p. 151.

69. Ibidem, p. 170.

70. MARX & ENGELS. A Ideologia Alemã, p. 70.

71. MARX, Karl. Contribuição à. .. , p. 171.

72. Nas Lições berlinenses de história da filosofia de 1825-1826:
George Wilhelm Friedrich Hegel. Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie  (Lições de História da Filosofia). Leipzig, J. Hoffmeister, 1940, p. 133.

73. DELLA VOLPE, Galvano. A Lógica como Ciência Positiva" (1965), atualmente em Obras , tomo 4, p. 484.

74. LUKÁCS, Gyõrgy. O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista (ainda não traduzido).

75. A respeito do positivismo acrítico de Hegel; ver Marx, Crítica do Direito Político Hegeliano. Éditions Sociales, 1975, e Manuscritos de 1844, Éditions Sociales, 1968, pp. 131-140.

76. Marx, no famoso prefácio da 2' edição (1873) do primeiro volume de O Capital. Éditions Sociales, p. 29.

77. MARX, Karl. Crítica do Direito Político Hegeliano.

quinta-feira, 13 de março de 2014

POR UMA HISTORIOGRAFIA MARXISTA DA FILOSOFIA – Parte II


Nicolao Merker - (1931 – ), ensaísta, comunista militante, filosofo, historiador e  docente universitário italiano. 
Artigo extraído de Marxismo e storia delle idee, pp. 115 a 47, Editori Riuniti, Roma, 1974.

Tradução: Frank Svensson

Nota do tradutor: O interesse pelo conteúdo do texto aqui apresentado deve-se ao fato de que crítica da arquitetura na formação de seus profissionais limita-se sobremodo à oferta de disciplina Teoria e História da Arquitetura limitando o conhecimento da mesma a sua historiografia.


A natureza especifica das ideologias filosóficas

Vejamos o que esses textos de Marx e de Engels apresentam de específico para uma situação marxista da historiografia filosófica. Ainda não temos indicações sobre a estrutura formal particular das categorias filosóficas, sobre a maneira conceptual e técnica como as categorias transmitem os conteúdos históricos, indicações que acreditamos poder extrair de outro texto de Marx no qual nos deteremos mais adiante. Não parece haver sido suficientemente analisado pela filologia marxista como fonte de um método válido também para a historiografia filosófica.

Primeiramente concluamos sobre os textos de que acabamos de falar. Eles nos dizem:

1° - que a economia determinando os eventos filosóficos somente de maneira muito mediata, não basta, para explicar a problemática de uma época, considerar exclusivamente o seu desenvolvimento econômico;

2º - que o material conceptual pré-existente exerce uma influência decisiva na maneira específica como cada época elabora seus próprios problemas filosóficos, quer dizer, que cada época não pode tomar consciência das solicitações objetivas histórico-materiais (ou das realidades concretas) senão graças a um veículo cultural bem determinado, constituído antes de tudo pela soma das ideias e das mediações conceptuais que cada geração recebeu das gerações passadas; e,

3º -  que, cada geração utilizando essa herança de mediações conceptuais num contexto de circunstâncias históricas diferentes, o ponto em que cada época atinge a mais alta consciência de suas próprias solicitações histórico-materiais coincide com o momento em que, para poder agir praticamente no contexto das circunstâncias históricas diferentes, a consciência da época rompe parcial ou completamente o esquema de mediações que herdou, superpondo ou mesmo substituindo esse esquema por novas elaborações teóricas, novas mediações, adaptadas em maior ou menor medida aos problemas que a nova práxis impõe.

Nem tudo é utilizado ou retomado da mesma maneira.  Engels, por exemplo, falando das relações suas e de Marx com o método lógico de Hegel, observava que esse método idealista não podia, bem entendido, ser empregado para tratar dos fatos obstinados da economia política.  Para desenvolver uma concepção de mundo que fosse mais materialista que todas as concepções anteriores, mas que, apesar disso, dentre todo o material lógico existente, era o único elemento ao qual se pudesse pelo menos ligar alguma coisa.29   Isso significa que o conjunto do material conceptual pré-existente, o conjunto das elaborações metodológicas anteriores foram essencialmente discriminados no sentido de que se afastaram deles os aspectos (Engels faz referência ao velho racionalismo metafísico de Wolff, que havia voltado à moda então), que não eram em nenhum caso adaptados aos problemas novos (a economia política, a concepção materialista da história).

Pelo contrário, tornam-se objeto de urna apreciação crítica os aspectos que, na forma que se apresentam (dialética hegeliana radicalmente abstrata, especulativa), estão absolutamente deslocados;30  por outras palavras, nem sequer estão por si mesmos adaptados às novas exigências histórico-materiais.  Podem contudo, da crítica profunda a que são submetidas -- como de fato, depois da crítica, apareceram na Introdução de 1857 à Crítica da Economia Política, de Marx -- as linhas de um método dialético novo, isto é, de uma maneira de compreender as abstrações adaptada às novas exigências histórico-materiais impostas pelo presente.

Numa passagem célebre do Prefácio da Contribuição à Crítica de Economia Política, Marx salientava que quando se quer estudar uma época de perturbações econômicas e sociais,

é preciso distinguir sempre entre a perturbação material (que se pode verificar de uma maneira cientificamente rigorosa) das condições econômicas da produção, e as formas ideológicas sob as quais os homens tomam consciência desse conflito e o levam até o  fim, 31

está implícito que o estudo das transformações das formas ideológicas não pode ter uma precisão da ciência natural, e isso justamente por causa da ação que todo o complexo material de pensamento das mediações conceptuais pré-existentes exerce ao nível das formas ideológicas, influenciando-as de forma variada. Por outras palavras, a distância entre a possibilidade da reconstrução exata da base histórico-material e a dificuldade, por outro lado, de controlar a correspondência que as elaborações histórico-conceptuais têm com a própria base depende do fato de não ser dito que, em regra geral, os instrumentos categoriais que os homens utilizam tenham, falando com propriedade, contido os interesses concretos da época. Esses interesses, por outras palavras, o ser social real de uma época, retratam-se na consciência do filósofo de preferência segundo módulos conceptuais pré-existentes. Segundo um patrimônio ideológico de mediações, por um lado, já fixado na esfera mais ampla da consciência social31  dessa época, e por outro lado, registrado em seguida de acordo com as diferentes combinações que se apresentam no quadro mais restrito da formação pessoal do indivíduo.

Na realidade o modo de transmissão do material pré-existente é tornado muito complicado pela morfologia específica das ideologias em geral e das construções filosóficas em particular. Essa foi a dificuldade posta em evidência por Gramsci quando observara que uma das características dos intelectuais como categoria social cristalizada, em outros termos, como categoria que se concebe ela própria como uma continuação ininterrupta no decorrer da história, é em primeiro lugar, ligar-se, na esfera ideológica, a uma categoria intelectual anterior por meio de urna mesma nomenclatura de conceitos.32   

O problema torna-se então o de examinar se realmente a identidade de termos assim constituida é também uma identidade de conceitos; examinar em que medida uma terminologia idêntica seria na realidade, eventualmente, empregada para designar conteúdos sociais realmente novos. Por fim, procurar quais grupos sociais, mesmo na situação nova, ainda estão no plano ideológico, imersos na cultura de situações históricas que precedem algumas vezes mesmo a ultrapassada mais recen-temente.33 

Num segundo tempo, observava ainda Gramsci, as filosofias, na qualidade de construções sistemáticas, são expressões puramente (ou quase) individuais,34  nas quais, ao lado do aspecto historicamente atual, isto é, correspondente às condições de vida contemporâneas. Estando em presença de uma ideologia historicamente orgânica, logo necessária a uma dada estrutura econômico-social, existe sempre uma parte que, seja por estar ligada às filosofias anteriores por puras necessidades exteriores e pedantes de arquitetura do sistema, seja simplesmente por refletir as idiosincrasias pessoais do filósofo,35  é abstrata, no sentido pejorativo do termo.  É por isso que, a fim de não con-fundir essas deformações individuais e arbitrárias do material de pensamento pré-existente com a ideologia como superestrutura organicamente necessária, Gramsci salientava o risco que existe em pensar que a filosofia de uma época se identifica com tal ou tal sistema individual: Ela é o conjunto de todas as filosofias individuais e de tendência, mais as opiniões científicas, mais a religião, mais o senso comum,36 ou ainda: ela não é a filosofia de tal ou tal filosofo, nem de tal ou tal outro grupo de intelectuais, nem de tal ou tal grande parte das massas populares, mas uma combinação de todos esses elementos que culmina numa direção determinada.37
    
Tendo em conta todas essas indicações, a filosofia de uma época aparece como um conjunto lógico-histórico constituído de uma espécie de média composta

a) das solicitações histórico-materiais que emergem como dificuldades históricas e exigências objetivas, ligadas so ser social, que os filósofos equacionam como problema e resolvem; e

b) das formas ideológicas ou de uma atividade histórico-racional que a consciência da época utiliza como função operacional (conscientemente ou não) para produzir as mediações e as soluções dessas solicitações e dessas dificuldades.


A validade ou o alcance histórico das filosofias

A partir de qual perspectiva uma historiografia filosófica marxista pode iniciar concretamente um reconhecimento e uma reconstrução dos dados de fato, isto é, daqueles fatos ideológicos circunstanciados e determinados constituídos pelas orientações, os métodos e os sistemas filosóficos (combinados com as opiniões científicas, a religião, o senso comum etc., conforme as observações de Gramsci)?

Será preciso antes de tudo, com escrúpulos filosóficos rigorosos, joeirando os documentos, ou seja, os textos, determinar o que os filósofos de uma época realmente quiseram dizer propondo suas soluções: dado que estas não representam outra coisa senão a maneira particular, histórico-racional, pela qual a consciência de uma época tentou transmitir certas solicitações histórico-materiais determinadas do seu tempo.  Uma primeira indicação sobre o grau de validade objetiva e de verdade das elaborações conceptuais -- por conseguinte, sobre o fato de que elas não são elucubrações individuais e arbitrárias -- é constituída pela medida segundo a qual elas apresentam uma certa homogeneidade e uma certa congruência funcional com as suas solicitações histórico-materiais, isto é, com os problemas reais (dessa época, dessa sociedade, dessas classes).  O processo de mediação devia esclarecer e conduzir a uma solução; por conseguinte, no plano teórico.

A eficácia das elaborações individuais é diretamente proporcional à possibilidade e à capacidade, por parte dos intelectuais que as produzem, de coordená-las no âmbito de uma teoria geral, de um sistema orgânico de mediações conceptuais que sirva para consolidar as conquistas reais realizadas por toda a sociedade ou por uma nova classe histórica, e para atingir objetivos ulteriores (pensa-se, por exemplo, na filosofia dos Lumières como expressão filosófica da burguesia, que se estava tornando uma classe hegemônica).

Definitivamente, e aqui recorremos ainda a Gramsci, pode-se dizer que o valor histórico de uma filosofia pode ser 'calculado' pela eficiência 'prática' que ela adquiriu. Se de fato toda filosofia é a expressão de uma sociedade, essa filosofia deveria também reagir sobre a sociedade, ocasionar certos efeitos, positivos e negativos,38  e a medida segundo a qual ele é um fato histórico e não uma elucubração individual (tem, pois, um alcance histórico) é a medida precisa segundo a qual a filosofia superestrutural (ideo-logia) reage sobre a estrutura. Em suma -- ainda Gramsci --, a elaboração teórica é válida quando, construída sobre uma prática determinada, é uma teoria que, coincidindo e identificando-se com os elementos decisivos da própria prática, acelera o processo histórico em marcha, tornando a prática mais homogênea, mais coerente e mais eficaz em todos os seus elementos, quer dizer, potencializando-a ao máximo, ou então também quando, inversamente, uma posição teórica determinada tem a capacidade de organizar o elemento prático indispensável à sua utilização.39

Sob esse aspecto, os problemas que uma época deixa propostos e, por conseguinte, transmite e difere para posteriores problematizações e elaborações, são localizáveis e surgem, no plano teórico, no momento em que a mediação histórico-racional tentada diverge e afasta-se das solicitações histórico-materiais, evitando-se por eliminação na heterogeneidade ou por falta de congruência com elas. Nesse caso, então, as soluções propostas são ineficazes, mesmo colocadas do simples ponto de vista do seu funcionamento lógico, pois são metabases de outra espécie. Na realidade soluções de acomodação (ou de compromisso, de um ponto de vista ideológico) toda vez que, diante de situações problemáticas novas, as mediações conceptuais propostas tomam o caminho da menor resistência e pretendem resolver os problemas especificamente novos servindo-se de critérios metodológicos e de coordenadas aciológicas carregadas de peso pela tradição. Ou então quando as mediações categoriais, embora novas na sua forma, chegam a ter uma incidência apenas parcial sobre os conteúdos, visto que estes, como é o caso, por exemplo, em Hegel, são superados por aquelas e situados numa dimensão que afasta deles a especificidade material. Ao mesmo tempo que as soluções falhas porque não pertinentes, a filosofia de uma época (ou mesmo de um único  filósofo) transmite então o inventário de um conjunto de solicitações histórico-materiais detectadas mas mal dominadas, cuja permanência na qualidade de resíduo não mediatizado exerce uma ação perturbadora sobre todo o curso do pensamento ulterior. E no entanto, cada dificuldade objetiva que a permanência de resíduos não mediatizados representa constitui aqui, por sua vez, para o pensamento sucessivo, um estímulo para problematizar de novo esses resíduos e para elaborar instrumentos conceptuais mais funcionais em relação à sua mediação e à sua solução em perspectiva.

Em contrapartida, aqui está uma segunda indicação sobre a verdade ou a validade lógico-histórica das conclusões a que chegam uma época ou um filósofo: nos é dada pela medida em que as soluções das interrogações e dos problemas suscitados pelas solicitações histórico-materiais da época contribuíram com mais do que se lhes pedia. Apresentando mediações que esclarecem não só os aspectos particulares contingentes, mas englobam também os componentes mais gerais e tendentes ao universal. Ao mesmo tempo que as soluções particulares e bem sucedidas, a filosofia de uma época (ou mesmo um único filósofo) transmite neste caso um patrimônio de médias conceptuais que, em virtude da sua generalidade histórico-racional, contêm indicações de alguma maneira adequadas sobre a experiência das gerações sucessivas. O presente atual pode, assim, utilizar ou escolher como antecedentes lógico-históricos de sua própria problemática: em suma, como soluções parciais, apresentadas pela história, de problemas recorrentes da práxis humana.

As recepções e as interpretações sucessivas de um patrimônio histórico representam na realidade, em sentido amplo, o índice da sua eficiência ou do seu alcance prático, isto é, da sua capacidade de atuar sobre os homens (ao nível da influência ideológica) bem mais longe que e além das realizações contingentes que esse patrimônio conceptual pode ter tido na práxis imediata, na sociedade e na ideologia do período durante o qual ele se constituía. Mas as maneiras particulares como a herança de uma época é acolhida ou repelida, a transcrição e a transformação ou ainda a intensificação diferente que essas solicitações problemáticas sofrem, a permanência de lugares comuns na sua avaliação ou a repetição de equívocos e deformações relativas à função do seu patrimônio concep-tual: toda a fenomenologia do processo de mediação graças ao qual as ideias de uma época passam às gerações sucessivas é um aspecto que tem uma incidência fundamental se quiser tentar determinar quais componentes de um patrimônio historicamente delimitado por solicitações, problemas e soluções estão historicamente esgotados. Por outras palavras, iniciaram e terminaram a sua função de ideias operativas (de ideologia) no âmbito circunscrito dessa época, e quais componentes, contrariamente, ainda têm algo a dizer numa transcrição ou avaliação moderna.

A recepção seletiva que as épocas sucessivas reservaram a um patrimônio anterior pode oferecer, desse ponto de vista, uma indicação que não é despresível no âmago do problema de saber quais são, numa época dada, as solicitações, os problemas e as soluções que, em relação à experiência e às necessidades do presente, devem ser considerados como precedentes puramente cronológicos, como acidentalidades históricas não essenciais e sem desenvolvimento possível, porque esgotadas de solicitações, problemas e soluções daquela época somente, e .que constituem, ao contrário, um a mais diacrônico, no sentido de que são antecedentes que o presente ainda pode escolher e utilizar para resolver suas próprias dificuldades.

Pode-se supor que esses antecedentes (justamente na medida em que são os antecedentes de um cronológico consecutivo, que é  entendido, pouco a pouco, como um presente em relação a seu próprio passado).  Contudo, devem ter necessariamente uma conotação diagnostica específica, que é na realidade a que os distingue dos puros momentos do passado.  Por outras palavras, que elas sejam, apesar da sua historicidade, isto é, na sua vinculação ao passado, elementos que correspondem de certa forma aos problemas que o presente apresenta. Pelo menos tendencialmente homogêneos nas estruturas problemáticas e nas soluções propostas e projetadas pelo presente. Em outros termos, o patrimônio das médias conceptuais (histórico-racionais), elaboradas por uma época do passado, pode servir, isto é, ser funcional no que se refere à experiência do presente ou ainda (concretamente) no que diz respeito aos problemas e interrogações que o presente deve resolver com sua própria práxis
.
Unicamente na medida em que a experiência atual do presente saiba localizar e escolher, nesse patrimônio, os antecedentes que não são negativos em relação às solicitações histórico-materiais com as quais, na práxis e em teoria, o presente deve acertar contas com os antecedentes que, em suma, não revelam uma orientação contrária à tendência ou à direção do progresso humano. A um antecedente dessa espécie aconteceria faltar, na realidade, a única conotação essencial que o transforma em antecedente lógico-histórico (no passado) de um consecutivo (isto é,  precisamente do presente, que se desenvolveu a partir desse passado e não de outro qualquer).  Uma conotação como essa consistindo nesse a mais da universalidade (histórica) graças ao qual uma solução ou uma mediação de problemas -- ou mesmo apenas uma tentativa de solução ou de mediação -- efetuada numa dada época passada não se esgotou nessa época, mas encerra elementos e sugestões que se projetam no futuro.


A morfologia das abstrações filosóficas

As ideias filosóficas são abstrações, no estilo bom ou mau desse termo: um concreto de pensamento; por outro lado, no entanto, a maneira particular como o real se deposita nos módulos categoriais faz correr o risco de que a autonomia relativa destes -- isto é, o fato de que eles estão, de um ponto de vista formal, ligados à realidade por intermédio do veículo ideológico-conceptual do patrimônio das abstrações transmitido pelas gerações anteriores -- seja considerada como uma autonomia absoluta, ou, em suma, que nasça a ilusão segundo a qual as ideias são puras e o pensamento é criador até mesmo do concreto, além do abstrato.

Depois de as ideias que dominam uma época serem separadas (...) das relações que decorrem de um estágio dado do modo de produção, torna-se fácil, observa Marx, estabelecer um laço místico entre as idéias dominantes sucessivas,40  apresentá-las como uma pura proliferação de ideias a ideias (como se, dirá Gramsci ironicamente, a história da filosofia tivesse um desenvolvimento porque a um grande filósofo sucede um filósofo maior41 ), e ao mesmo tempo considerar os pensamentos, as ideias, a expressão conceptual, tornada autônoma, do mundo existente, como o fundamento desse mundo existente. 42

Contudo, as ideias filosóficas -- e não só estas, mas também as abstrações conceptuais em geral -- são também produções humanas no sentido próprio do termo, produtos dos homens no campo da atividade mental da mesma forma como, na esfera da estrutura, são produtos dos homens o tecido de lã e o morim, bem como as relações sociais dentro das quais eles elabora o morim e a lã.

Isto representa, a partir de A Ideologia Alemã, uma aquisição definitiva nos escritos marxianos que, de um ponto de vista metodológico geral, alimenta também o discurso de Marx em Contribuição à Crítica da Economia Política.  Assim, a Introdução de 1857 parece-nos o texto do qual uma historiografia filosófica pode extrair indicações essenciais. Se é certo que a tarefa do historiador marxista da filosofia não é unicamente localizar o verdadeiro vinculo que liga as elaborações filosóficas (ideológicas) às relações subjacentes da produção material de uma dada formação econômico-social, mas principalmente explicar:

a) as mediações formais entre estas e aquelas ao nível de categorias ou de abstrações mentais. Seja, o lado formal, o modo especifico segundo o qual as representações ideológicas se constituem, Engels;

b) o processo de transmissão -- tecnicamente ligado a esse lado formal -- no decorrer do qual um patrimônio ideológico precedente passa à época sucessiva e, finalmente, a ação reciproca e de retorno que a ideologia (aqui sob a aparência de elaborações filosóficas) exerce sobre o terreno da estrutura econômico-social da qual ela nasceu.

Falando desses produtos da abstração que são as categorias da economia política, Marx as compara explicitamente aos produtos da consciência filosófica, ao ponto de incluir na lista que, no final da Introdução, enumera as questões ainda propostas e a desenvolver com base nos critérios de método estabelecidos para tratar das abstrações econômicas, mesmo o problema da historiografia filosófica. Entre os pontos a mencionar e que não devem ser esquecidos, há, com efeito, o que trata das relações entre a história idealista tal como foi descrita até aqui e a história real, e das diferentes espécies de história escrita até agora, inclusive a história dita objetiva, já fustigada por Marx em A Ideologia Alemã, e semelhante a ela, a história filosófica.43

Portanto, não parece arbitrário, pelo menos como hipótese de trabalho, tentar estender às categorias filosóficas e à sua história os enunciados de método estabelecidos por Marx para as categorias econômicas e seu desenvolvimento histórico.

A consciência filosófica -- escreve Marx na terceira secção (O método da economia política) da Introdução de 1857 -- é feita de tal modo que para ela o pensamento que concebe constitui o homem real e, em consequência, o mundo só aparece como real depois de concebido. Do ponto de vista da consciência, o movimento das categorias aparece como o ato da produção real (...) cujo resultado é o mundo. Do ponto de vista da consciência -- portanto, também do ponto de vista da consciência filosófica --, isso é tautológica mente exato,

na medida em que a totalidade concreta como totalidade pensada, como representação mental do concreto, é na realidade um produto do pensamento;44  por outras palavras, o conjunto da elaboração de conceitos a partir da visão imediata da representação (...) tal como aparece no espirito como uma totalidade pensada é um produto do cérebro pensante, que se apropria do mundo da única maneira que lhe seja possível.45

O fato de servir-se de abstrações para explicar o concreto -- e o espírito não tem outros meios -- é a maneira particular como o pensamento, não cria o concreto material (contra a ilusão idealista de Hegel!), mas simplesmente o reproduz sob a forma de um concreto pensado, como uma síntese de múltiplas determinações, logo unidade da diversidade.46

O verdadeiro ponto de partida de que se formam as categorias, a partir da visão e da representação (Marx já havia dito isso claramente em A Ideologia Alemã) é o real material, a economia, os modos de produção e as relações sociais, mas este é um ponto de partida que não é diretamente visível nas categorias, pois aparece nelas sob as formas como foi mediatizado pelo pensamento, pela reprodução mental do concreto material. Os filósofos também, assim como os economistas, de que Marx trata especificamente, passando da intuição e da representação do concreto a abstrações cada vez mais finas,47 a categorias mais gerais e mais simples, acabam sempre extraindo pela análise algumas relações gerais abstratas determinantes48 que constituem em seguida as estruturas conceptuais que são o arcabouço dos sistemas filosóficos.

Lemos em Marx que logo que esses fatores isolados, isto é, as relações gerais, se tornaram mais ou menos fixados e abstraídos, os sistemas econômicos tiveram início: mas não pode haver dúvida sobre a analogia entre o processo de formação dos dois tipos de categorias, econômicas e filosóficas, e dos sistemas que a elas se relacionam, pois o texto de Marx o destaca intencionalmente.

Os materiais de que trata o historiador da filosofia não são, pois, o concreto real, o ponto de partida verdadeiro, mas o abstrato, as categorias, as formas conceptuais, as abstrações já estabelecidas, o concreto já mediatizado e elaborado pelo pensamento numa síntese de múltiplas determinações em que ele aparece (... ) como resultado, não como ponto de partida, se bem que na realidade, na qualidade de concreto material do qual partiu o processo todo inteiro, ele seja o verdadeiro ponto de partida e, em consequência, também o ponto de partida da visão imediata e da representação.49

Portanto, mesmo a mais simples e a mais geral das categorias jamais pode existir sob outra forma que não seja a de relação unilateral e abstrata de um todo concreto, vivo, já dado.50  A unilateralidade e a abstração provêm do fato de que, se o processo se interrompe neste momento, isto é, no momento em que, da intuição e da representação do concreto, se passou às abstrações categoriais, a plenitude do concreto representado é reduzida a uma abstrata determinação,51  quer dizer, perde seu próprio valor de co-elemento gnóstico na síntese cognitiva, e a representação em si, superada na pura abstração, adquire, ao contrário, um conteúdo caótico que é inteiramente empírico  não  mediatizada, isto é controlada.  Só fazendo novamente a viagem em sentido contrário a partir das formas categoriais gerais abstratas, para chegar de novo aos pontos de partida reais, ao concreto real já dado (ou tema real), mas não, desta vez, a representação caótica de um todo, mas urna rica totalidade de determinações e de relações numerosas,52  se chega ao método científico correto e se obtém a justa e correta reprodução do concreto pela via do pensamento,53  ajusta e correta síntese de múltiplas determinações, nem abstrata nem unilateral, isto é, justamente, não forçada indevidamente, mas na qual -- como em todo método teórico, e o método historiográfico é indubitavelmente teórico -- o tema, a sociedade, permanece constantemente presente no espírito como dado primordial.54

Examinamos assim, seguindo o texto da Introdução de 1857, que círculo complicado as produções humanas que as categorias são (exprimindo formas de existência, condições de existência determinadas de uma sociedade dada55 ) descrevem, reproduzindo, bem ou mal, corretamente ou não, o concreto material, que papel determinante assume, nesse processo de reprodução, o lado formal específico dessas categorias, de que falava Engels.

É a esse lado formal que precisamos voltar agora, seus diferentes aspectos permitindo-nos conduzir para uma solução a dificuldade principal de uma historiografia marxista da filosofia, isto é, dar sucessão histórica do patrimônio categorial, da transmissão deste de uma época para outra ao nível de formas ideológicas, uma explicação que não seja nem mítica nem mística (o vínculo místico entre ideias dominantes sucessivas: Marx), mas materialístico-histórica sem, contudo, recair nos esquemas mecanicistas legitimamente denunciados pelo marxista Galvano Delia Volpe pelo que eles são, ou seja, junções empíricas, extrínsecas, entre superestrutura e estrutura, com, por exemplo, Plekhánov tinha o costume de fazer.56


Características comuns gerais e específicas determinadas das categorias

Comecemos perguntando-nos, com Marx, o que torna gerais as categorias gerais, isto é, as abstrações mais simples cuja ligação com seus próprios dados primeiros reais não é imediatamente visível.

Aplicando a essas produções humanas que são as categorias (abstrações) filosóficas o que Marx diz das categorias (abstrações) econômicas, diremos que todas as épocas da produção, portanto, da produção filosófica também, têm certas características comuns, certas determinações comuns. A abstração em geral é uma abstração racional na medida em que, salientando e precisando bem os traços comuns, ela nos evita a repetição do processo mental em virtude do qual esse elemento comum foi, pouco a pouco, no decorrer da história do pensamento, destacado graças à comparação dos outros elementos colaterais do objeto de análise em questão. Isso significa que, dentre as características de uma categoria, algumas pertencem a todas as épocas, outras são comuns a algumas apenas; e certas dessas determinações categoriais aparecerão comuns tanto à época mais moderna como à mais antiga, e, sem elas, não se pode conceber nenhuma produção,  inclusive, por conseguinte, a produção das ideologias também. Mas "esse geral, isto é, o elemento comum abstrato, requer em si, para poder aparecer, dados primordiais históricos reais concretos; veremos isso mais adiante.

Nessa passagem, Marx ilustra a estrutura das abstrações gerais, com o exemplo das línguas, exemplo muito claro para mos-trar que aqui também se trata do movimento das categorias filosóficas; da mesma forma, em A Ideologia Alemã ele havia evidenciado o vínculo estreito que liga a linguagem e a filosofia: a realidade imediata do pensamento é a linguagem ; não obstante, na linguagem filosófica, os pensamentos, na qualidade de palavras, têm um conteúdo próprio.58  Esse conteúdo particular, isto é, o material categorial diversificado e diversamente articulado que a filosofia utiliza, compreende também, no entanto, justamente, as abstrações gerais.

A Ideologia Alemã havia dado uma apreciação fortemente restritiva dessas abstrações gerais. Visto que, destacadas da história real, essas abstrações não têm absolutamente nenhum valor, sua função historiográfica é, no máximo, servir para classificar mais facilmente a matéria histórica, isto é, muito simplesmente, indicar a sucessão de suas estratificações particulares, fornecer uma síntese dos resultados mais gerais que é possível abstrair do estudo do desenvolvimento histórico dos homens.59  A verdadeira dificuldade, a saber, a utilização das categorias no contexto determinado, diz-nos ainda Marx logo depois, começa quando nos pomos a estudar e a classificar uma matéria concreta e circunstanciada; e só superamos essa dificuldade partindo de premissas que resultem do estudo do processo de vida real e da ação dos indivíduos de cada época60'. A dificuldade deixada em aberto aqui, que é simultaneamente de natureza lógica e histórico-metodológica, chega a uma solução, na Introdução de 1857, com a localiza-ção: a) dos aspectos gerais e comuns a diversas épocas das categorias; b) de suas diferenças específicas ou determinadas conforme cada época, c) do fato de que as mesmas abstrações muito gerais, em virtude das premissas reais que as provocaram, são, por sua vez, indício de condições históricas particulares e mesmo só são práti-camente verdadeiras no contexto destas. 

Voltando ao exemplo das línguas, no qual a exposição anterior de A Ideologia Alemã nos autoriza a substituir o termo línguas pelos de filosofias ou ideologias: daí resulta que de certa forma as filosofias ou as ideologias mais desenvolvidas têm leis e determinações comuns com as que são menos desenvolvidas; enquanto que, por outro lado, elas são dessemelhantes em relação a esse elemento geral, justamente em virtude dessa especificidade que constitui seu desenvolvimento, histórico, evidentemente.

O método correto da análise historiográfica faz então com que, nas determinações que valem para a produção em geral, portanto, também para a produção das filosofias e das ideologias, se isole o aspecto da sua unidade ou da sua comunidade durante várias épocas61   (aliás uma unidade e uma comunidade de fato, impostas pelo fato material, já assinalado por Marx em A Ideologia Alemã, de que esses pensamentos estão realmente ligados entre si pela base empírica 62); mas que, em proveito do lado comum, que, sem o que seria apenas uma má abstração unilateral, não se esqueça a diferença essencial,63 neste caso a conotação histórica específica com que se apresentam as categorias filosóficas no decorrer das diversas épocas .e que lhes confere a sua validade e a sua verdade prática; ao nível das ideologias.

Entretanto, por outro lado -- e isto é descoberta de Marx na Introdução de 1857 o caráter de maior abstração formal que as categorias mais simples e muito gerais têm é, ele mesmo, um lado formal historicamente determinado, no sentido de que corresponde a (e de que é provocado por) relações reais que são próprias de uma sociedade desenvolvida.

Da análise da categoria de Smith sobre o trabalho em geral, Marx conclui de fato que essa abstração mais simples, que a economia política moderna coloca em primeira ordem e que exprime uma relação muito antiga e válida para todas as formas de sociedade, não aparece, contudo, sob essa forma abstrata como verdade prática, isto é, sob seu aspecto histórico, especifico, determinado de abstração, senão na qualidade de categoria da sociedade mais moderna,64  neste caso a sociedade industrial no que se refere à categoria do trabalho em geral. Mas um pouco mais acima, no texto da Introdução de 1856, Marx havia aplicado sua formulação às abstrações em todos os domínios, e não unicamente às da economia política: as abstrações gerais, quaisquer que sejam, no fim de contas só têm nascimento com o desenvolvimento concreto mais rico, em que uma característica surge como comum a muitos, como comum a todos. Deixa-se então de poder penar isso apenas sob uma forma particular.65  O que Marx dirá mais tarde em O Capital acerca das épocas econômicas -- é menos o que se fabrica que a maneira de fabricar, os meios pelos quais se fabrica" -- parece, portanto, convir também à produção das ideologias, no interior da qual a característica distintiva certamente não é o produto, isto é, a ideologia como tal, mas mesmo o modo como é produzido.  Por outras palavras, é a articulação diversificada e específica dos instrumentos categoriais de que se serve o pensamento que nos permite decididamente distinguir, mesmo ao nível formal, as diferentes épocas filosóficas.

Neste ponto da análise do texto de Marx, parece-nos que os critérios metodológicos para uma historiografia marxista da filosofia começam, a se delinear cada vez melhor.

O objeto da análise é constituído pelas superestruturas filosóficas e sua morfologia histórica. Esta é caracterizada por uma sucessão histórica de elaborações categoriais, pela transmissão e a recepção ou pela transformação -- de uma época para outra -- de um patrimônio ideológico. Porém transmissão, recepção e transformação se fazem precisamente por intermédio dos veículos que são não as categorias como entidades mentais indiferenciadas (ou, pior ainda, como hipótese em relações conceptuais eternas e válidas para todos os contextos históricos), mas na verdade as categorias articuladas conforme as suas características comuns a várias épocas e especificas de uma época determinada; portanto, é através do jogo e da ligação dialética das duas características desse elemento conotativo formal que transparecem, através do filtro das categorias sob a ótica do seu emprego histórico, os condicionamentos materiais
.
Se este é o resultado metodológico que parece legítimo deduzir da Introdução de 1857, resultado que influencia diretamente o trabalho do historiador da filosofia, isto é, daquele que trabalha no campo muito particular das produções ideológicas, é preciso salientar enfim que, justamente sob essa ótica, a Introdução, estabelece uma ponte entre as formulações marxianas clássicas do materialismo histórico e as observações de certo modo autocriticas de Engels a esse respeito.  Oferecem ao problema das relações estrutura/superestrutura a indispensável solução integrativa ao nível da analise técnico-formal das categorias.  A Introdução, por conseguinte, representa realmente um texto-chave que não se pode ignorar, uma metodologia marxista da historiografia filosófica.


N o t a s  b i b l i o g r à f i c a s :

29. “Apreciação da Contribuição à Crítica da Economia Política”, in Das Volk, 6 e 20 de agosto de 1859, in Estudos Filosóficos, pp. 127.

30. Ibidem.

31. Marx, Karl Contribuição ... pp 4, 5.

32. Gramsci, Antonio: O Materialismo Histórico e a Filosofia de Benedetto Croce, Roma, 1971. p. 175..

33. Ibidem.

34. Ibidem.

35. Ibidem.

36. Ibidem.

37. Ibidem.

38. Ibidem.

39. Ibidem

40. MARX & ENGELS. A Ideologia Alemã. pp. 77-78.

41. GRAMSCI, Antonio. O Materialismo Histórico e a Filosofia de Benedetto Croce.

42. MARX & ENGELS. A Ideologia Alemã, pp. 77-78.

43. MARX, Karl. Contribuição à Critica da Economia Política, pp. 172-173.

44. Ibidem, p. 165.

45. Ibidem, p. 166.

46. Ibidem, p. 165.

47. Ibidem, p. 164.

48. Ibidem, p. 165.

49. Ibidem, p. 165 (grifos em itálico de Nicolao Merker).

50. Ibidem, p. 165.

51. Ibidem, p. 165
.
52. Ibidem, p. 165.

53. Ibidem, p. 165
.
54. Ibidem, p. 166.

55. Ibidem, p. 170.

56. DELLA VOLPE, Galvano. A Lógica como Ciência Positiva", 1950; atualmente em Obras, sob a direção de I. Ambrogio. Roma, 1972-1973, tomo 4, p.590.

57. MARX, Karl. Contribuição à Critica da Economia Política, pp. 150-151.

58. MARX & ENGELS. A Ideologia Alemã, p. 489.

59. Ibidem, pp. 51-52.

60. Ibidem, p. 52.

61. MARX, Karl. Contribuição à. , p. 151.

62. MARX & ENGELS. A Ideologia Alemã, p. 80

63. MARX, Karl. Contribuição à. , p. 151.

64. Ibidem, p. 169 (grifos em itálico de Nicolao Merker).

65. Ibidem, p. 168.


domingo, 9 de março de 2014

POR UMA HISTORIOGRAFIA MARXISTA DA FILOSOFIA – Parte I


Nicolao Merker - (1931 – ), ensaísta, comunista militante, filosofo, historiador e  docente universitário italiano.

Artigo extraído de Marxismo e storia delle idee, pp. 115 a 47, Editori Riuniti, Roma, 1974.

Tradução: Frank Svensson

Nota do tradutor: O interesse pelo conteúdo do texto aqui apresentado deve-se ao fato de que crítica da arquitetura na formação de seus profissionais limita-se sobremodo à oferta de disciplina Teoria e História da Arquitetura, reduzindol o conhecimento da mesma à sua historiografia..


Produção material e produção das idéias

Uma historiografia filosófica de orientação marxista ou materialista-histórica evidentemente não pode fazer abstração, como ponto de partida do seu método, das indicações sobre o caráter superestrutural dos próprios fatos filosóficos. Por outras palavras, dos problemas e dos sistemas da filosofia sob o seu aspecto de elaborações ideológicas correspondentes a estruturas econômico-sociais históricas). Indicações essas dadas por Marx em A Ideologia Alemã (1845-1846), no prefácio de Contribuição à Critica da Economia Política (1859), bem como em outras obras. A produção das ideias, das representações e da consciência -- reza uma passagem célebre de A Ideologia Alemã

...está de início direta ou indiretamente entressachada com a atividade material e com as relações materiais dos homens; ela é a linguagem da vida real.

Esse laço íntimo e direto significa que

são os homens que são os produtores de suas representações, de suas ideias etc., mas os homens reais, que agem, tais como são condicionados por um desenvolvimento dado das suas forças produtivas e das relações a elas correspondentes, inclusive as formas mais amplas que essas relações podem assumir.

O desenvolvimento dos reflexos e dos ecos ideológicos desse processo vital não se explica senão com base no processo real, já que mesmo as fantasmagorias do cérebro humano são sublimações que resultam necessariamente do processo da sua vida material que se pode verificar empiricamente e que se assenta em bases materiais.

      A isso acrescenta-se uma carta de Marx a Annenkov de 28 de dezembro de 1846:

( ) os homens, que produzem as relações sociais de conformidade com a sua produtividade material, produzem também as ideias, as categorias, isto é, as expressões abstratas ideais dessas mesmas relações sociais; portanto, as categorias são tão pouco eternas quanto as relações que elas exprimem e elas são produtos históricos e transi-tórios.2

Chegamos enfim às célebres formulações de 1859 sobre o modo de produção da vida material, o qual condiciona, de modo geral, o processo social, político e espiritual da vida; por conseguinte, na impossibilidade de julgar uma época pela sua consciência de si, visto que é preciso, ao contrario, explicar essa consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito existente entre as forcas produtivas sociais e as relações de produção; e chegamos a seguinte constatação:

A humanidade nunca se propõe senão problemas que ela possa resolver; pois olhando mais de perto, ver-se-á sempre que o próprio problema só surge onde as condições materiais de resolve-lo  já existiam ou pelo menos estejam em vias de se concretizar.

É absolutamente necessário insistir, de vários pontos de vista (historiografia filosófica, método de pesquisa em historia da filosofia) no fato de que as alterações ideológicas dependem objetivamente das estruturas especificas de uma formação econômico-social. S6 desta maneira -- citando Marx mais uma vez, o Marx de A Ideologia Alemã -- é possível libertar a historiografia filosofica dessa maneira de proceder especulativa em todos os pontos, que consiste em achar que o filosofo extrai as suas teorias não "das relações reais existentes entre os outros homens e ele, mas que, em vez disso, as elabora graças a uma reflexão e uma vontade puras.4    Método em virtude do qual, transformando as relações reais em especulação, a filosofia liquida as relações reais, ou seja, as relações sociais existentes, como a realização imaginaria concreta das categorias que aparentemente e de forma abstrata haviam sido deduzidas precisamente dessas mesmas relações empíricas.

O quadro que Marx faz, por exemplo, da ética kantiana como ponto culminante da elaboração filosófica do século XVIII alemão é uma ilustração luminosa disso. Enquanto a burguesia francesa se alçava ao poder -- escreveu ele em A Ideologia Alemã, enquanto a burguesia inglesa, já emancipada politicamente, revolucionava a industria e dominava politicamente a Índia e, comercialmente, todo o resto do mundo, os burgueses alemães, impotentes, só conseguiram chegar a 'boa vontade'. Kant satisfazia-se com a simples 'boa vontade', mesmo ela não tendo nenhum resultado, e transferia para mais adiante a realização dessa boa vontade, a harmonia entre ela e as necessidades, os instintos dos indivíduos.

Essa boa vontade de Kant é o reflexo exato da impotência, do desanimo e da miséria dos burgueses alemães, cujos interesses mesquinhos nunca conseguiram se desenvolver para incarnar os interesses nacionais comuns a uma classe, o que lhes custou serem explorados continuamente pelos burgueses de todas as outras nações ( ). Foi por isso que Kant isolou essa expressão te6rica das necessidades que ela exprimia. A vontade do burguês francês e suas determinantes, que eram motivadas pela situação material, ele as converteu em autodeterminações puras da vontade livre, da vontade em si e para si, da vontade humana, transformando-as assim em determinações conceptuais puramente ideológicas e em postulados morais.5   Portanto, com a conclusão final de que toda a filosofia alemã moderna, inclusive Hegel e seus epígonos de esquerda, é uma consequência das relações pequeno-burguesas alemãs.6  

Da mesma maneira, lembrando outro exemplo de Marx, foi a partir de uma crise real nas relações sociais, a partir da desagregação do mundo antigo por conflitos práticos que os filósofos antigos, os gregos da época de Alexandre, por uma procura que já era um sintoma da decadência interna desse mundo, foram impelidos a penetrar na verdade do seu mundo e, naturalmente, descobriram então que ele havia deixado de ser verdadeiro: Portanto, para apreciar corretamente o verdadeiro significado da última filosofia antiga na época da desagregação da Antiguidade, bastaria principalmente examinar a situação real imposta a seus adeptos sob a dominação romana.8

O que existe atrás desses exemplos dados por Marx é a exigência de efetuar o estudo das produções filosóficas de qualquer época que seja de modo a, antes de tudo, colocar essa época sobre o seu suporte econômico, como disse Mehring a respeito de suas próprias pesquisas sobre o século XVIII alemão. Sabe-se que, sem ir mais longe, o conceito da miséria alemã, o marasmo econômico-social e político de fundo que caracterizou a Alemanha durante os séculos XVIII e XIX, elevou-se ao nível de uma verdadeira categoria historiográfica.  Que se pense em Lukács, mas também, bem antes, em Ludwig Feuerbach, de Engels para explicar, justamente em relação com o módulo clássico do materialismo histórico, a gênese e as contradições teóricas da filosofia clássica alemã.
   
Ora, pôr uma época sobre seu suporte econômico é um ponto de partida necessário e justo da pesquisa filosófica por dois motivos:

1°) porque toda elaboração conceptual teórica é de modo geral, em cada época (de fato e abstração feita de outra coisa por ora), uma maneira de responder a e de ir à frente -- ao plano formal --- de solicitações histórico-materiais que emergem, em última análise, da estrutura econômico social dessa época; e

2°) porque, partindo dali, o historiador da filosofia obtém, para aprender o seu estudo, um ângulo visual que, pelo menos tendencialmente, subtrai a época ao relativismo subjetivista daquilo que ela pensa de si mesma.
Obtém-se assim um ponto de vista que não é forçado a se deter ante a descrição que uma dada época oferece dela mesma nem a aceitá-la de olhos fechados, quando seus representantes filosóficos proclamam, por exemplo, que se trataria de uma época determinada pela autoconsciência ou qualquer outra categoria análoga, como se a ideia ou o espírito puro não fossem, na realidade, as formas ideológicas de que os motivos reais de tal ou tal época se revestiram.9

Precisamente a historiografia pretensamente objetiva -- que consiste em conceber as relações históricas separadas da atividade,10   separadas, portanto, dos homens, que, desenvolvendo a sua produção material e as suas relações materiais, ao mesmo tempo transformam a sua realidade bem como seu pensamento e os produtos do seu pensamento11 -- acredita piamente no que cada época diz de si mesma e nas ilusões que entretém sobre si,12  toma ao pé da letra todas as ilusões dessas épocas e as ilusões filosóficas acerca dessas ilusões.13   Assim sendo, se a forma rudimentar como se apresenta a divisão do trabalho entre os indianos e entre os egípcios origina entre esses povos um regime de castas no seu Estado e na sua religião, o historiador objetivo, que efetuou a separação idealista entre os homens reais e suas representações, acredita que o sistema de castas foi a potência que engendrou essa forma social rudimentar,14 como também, em épocas menos recuadas, se esses historiadores da teoria pura se fundamentam com os temas históricos reais, como, por exemplo, o século XVIII tratado à maneira de Bruno Bauer, sucede-lhes dar apenas a história das representações, isolada dos fatos e dos desenvolvimentos práticos que constituem sua base.15

Assim, observará mais tarde Engels, o ideólogo que trabalha com um material puramente intelectual possui em todos os domínios superestruturais uma matéria que, segundo ele,

formou-se de maneira independente no pensamento das gerações anterio-res e que sofreu sua própria série independente de desenvolvimentos nos cérebros dessas gerações sucessivas,16 

razão pela qual, como Marx já observava em A Ideologia Alemã, uma vez admitido que só as ideias e os pensamentos dominaram a história passada, depois de transformada "a história real dos homens", torna-se muito fácil denominar história do 'homem' a história da consciência, das ideias ( ), das representações estereotipadas, e substituir a história real por ela,17  separar o reflexo ideal dos conflitos reais dos próprios conflitos18  e torná-lo independente; numa palavra, descrever um desenvolvimento e uma história das ideias, um puro encadeamento de ideias e ideias, depois de as haver separado dos indivíduos e de suas condições empíricas, que lhes servem de base.19  


Pôr tudo sobre um suporte econômico ?

E apesar disso, assentar tudo sobre uma base econômica não constitui um critério mais justo, nem um critério suficiente; ao contrário, é um critério perigosamente restritivo para urna historiografia filosófica marxista, que com isso seria reduzida a um esquematismo simplista, no caso em que as teorias filosóficas de uma época teriam de ser interpretadas como sendo condicionadas pela estrutura econômico-social de modo imediato, como se entre a base econômico-social e as elaborações conceituais (super-estruturais) existisse uma correspondência pontual mecânica e determinista. Se nos limitássemos a isso, o método teria precisamente as mesmas carências do materialismo do objeto, carências assinaladas por Marx em Teses sobre Feuerbach. de 1845; por outras palavras, tratar-se-ia (terceira tese) da simples doutrina materialista da transformação das circunstâncias e da educação, que, esquecendo que são precisos homens para modificar as circunstâncias e que o próprio educador precisa ser educado,20  detém-se na recepção teórica das circunstâncias materiais, no seu protocolo, sem chegar a propor os instrumentos conceptuais como outros meios formais graças aos quais, conscientemente ou não, e mesmo quando ele exclui isso em teoria, o filósofo exerce de fato uma intervenção prática nas próprias circunstâncias.

Todos nós -- escreveu Engels a Mehring em julho de 1893, preocupado como estava com a possibilidade de o critério metodológico marxiano se desnaturar em conclusões prematuras e unilaterais –

em primeiro lugar temos chamado atenção, e devemos ter chamado atenção principalmente para a necessidade de que as representações políticas, jurídicas e ideológicas em geral, assim como as ações mediatas dessas representações, sejam deduzidas dos fatos econômicos fundamentais. Todavia, assim fazendo, negligenciamos em seguida, em proveito do lado do conteúdo, o da forma, por outras palavras, o modo específico, segundo o qual essas representações etc. se constituam.21 

Essa exortação a uma escrupulosa prudência de método, em proveito da qual — apesar da dependência do pensamento (do lado do conteúdo) da realidade material (histórica, econômica) -- não se deveria abandonar apesar de tudo o estudo do lado da forma, isto é, a procura dos processos específicos de mediação pelos quais a realidade se traduz em pensamento, e o pensamento, em ação prática, essa exortação já estava implícita em outra carta célebre de Engels, esta dirigida a Joseph Bloch, de 21 de setembro de 1890, na qual Engels declarava:

... diante dos nossos adversários, deveríamos ter salientado o princípio essencial que eles negavam o (fator econômico, a produção etc.) e, naquela época, nem sempre achá-vamos o tempo, o lugar nem a ocasião de dar aos outros fatores que participavam da ação recíproca o seu lugar,22, ou seja, aos diferentes momentos da superestrutura que também exercem a sua ação no decorrer das lutas históricas e, em muitos casos, determinam a sua forma de uma maneira preponderante. 23

Finalmente, numa carta a Conrad Schmidt de 27 de outubro de 1890, depois de observar que no século XVIII a filosofia e a literatura na França e na Alemanha certamente também foram resultado de um desenvolvimento econômico, Engels, todavia, particularizava logo que nesse domínio das superestruturas

a economia não cria nada diretamente dela mesma, mas determina a espécie de modificação e de desenvolvimento da matéria intelectual existente, transmitida pelos predecessores, e quase sempre de maneira indireta, pois são os reflexos políticos, jurídicos e morais que exercem a maior ação direta sobre a filosofia.24

Em 1892, no prefácio da edição inglesa de Socialismo Utópico e Socialismo Cientifico, Engels repetia ainda que as ideias jurídicas, filosóficas e religiosas não são derivações mecânicas e diretas da economia, mas os produtos mais ou menos distantes das relações econômicas dominantes numa dada sociedade.25

Consideremos ainda as passagens de A Ideologia Alemã referentes à maneira como cada geração utiliza para seus próprios fins e em situações modificadas o patrimônio ideológico do passado, e teremos uma ideia suficientemente completa das indicações que o historiador da filosofia pode encontrar na teoria geral do materialismo histórico. Em cada época da história, o mundo é

um produto histórico, o resultado da atividade de toda uma série de gerações cada uma das quais se erguia sobre os ombros da anterior, aperfeiçoava sua indústria e seu comércio e modificava seu regime social em função da transformação das necessidades.26

Por conseguinte, a história não é outra coisa senão a

sucessão das diferentes gerações, cada uma explorando os materiais ( ) que lhe foram transmitidos pelas anteriores, e por isso mesmo, cada geração continua, pois, por um lado, o modo de atividade que lhe é transmitido, mas em circunstâncias radicalmente transformadas e, por outro lado, essa geração modifica as antigas circunstâncias entregando-se a uma atividade radicalmente diferente.27

De modo que as gerações posteriores são condicionadas na sua existência ( ) pelas que as precederam, recebem destas as forças produtivas que acumularam e seus métodos de permutas, o que condiciona a estrutura das relações que se estabelecem entre as gerações atuais.28


N o t a s   b i b l i o g r á f i c a s :

01. MARX & ENGELS. A Ideologia Alemã. Paris, Editions Sociales, 1968,p. 51.

02. MARX, Karl. Estudos Filosóficos. Paris, Editions Sociales, 1968, p.149.

03.-. Prefácio de 1859 a Contribuição à Critica da Economia Política. Paris, Éditions Sociales, p. 5.

04. MARX & ENGELS. A Ideologia Alemã, p. 78.

05. Ibidem, pp. 220-222
.
06. Ibidem, p. 223.

07. Ibidem, p. 159.

08. Ibidem, p. 165.

09. Ibidem, p. 71.

10. Ibidem, p. 71 (nota de Marx à margem).


11. Ibidem, p. 51.

12 Ibidem, p. 79.

13. Ibidem, p. 167.

14. Ibidem, p. 71.

15. Ibidem, p. 73. Marx faz referência a Geschichte der Politik, Kultur und Aufklãrung das achtzehnten Jahrhunderts (História da Política, da Cultura e do Iluminismo do Século XVIII), de Bruno Bauer. 2 vols.,Charlottenburg, 1843-1845.

16. MARX & ENGELS. "Carta a Franz Mehring de 14 de julho de 1893", in Estudos Filosóficos. Éditons Sociales, Paris, 1974, p. 249.

17. A Ideologia Alemã, p. 211.

18. Ibidem, p. 212.

19. lidem, p. 363.

20. MARX & ENGELS. Estudos Filosóficos, p. 48.

21. Obras Completas. Berlim, 1968, tomo XXXIX, p. 96
.
22. Estudos Filosóficos, p. 240.

23. Ibidem, p. 238.

24. Ibidem, p. 246.

25. Socialismo Utópico e Socialismo Científico. Éditions Sociales, 1969, 68. Ibidem, p. 170.

26. MARX & ENGELS. A Ideologia Alemã, p. 55.

27. Ibidem, p. 65.


28. Ibidem, p. 481.