segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

DEFINIÇÃO e ESTRUTURA da VERDADE

Gleserman G Koursanov 1907- 1980   Intelectual orgânico autor de várias obras sobre materialismo dialético sendo as mais conhecidas, traduzidas para francês: Le marxisme et les problèmes de la logique de la science e Problémes fondamentaux du materialisme historique, Éditions du Progrés, Moscú, 1968.

Tradução do russo para o francês por Jacqueline Cohen.  Publicado Em: “Recherches Internationales– Travaux pnilosophiques dans Pays Socialistes". pp 129/144 Les éditions de la Nouvelle Critique nº 82 . Paris 1975.
Tradução do francês para o português por Frank Svensson

A teoria moderna e científica da verdade é a teoria do materialismo dialético. Lenin a desenvolveu aprofundando suas principais ideias e proposições em vários de seus textos mesmo não tendo deixado nenhuma obra consagrada especialmente ao problema da verdade.

As ideias de Lenin são de uma importância capital para a teoria do materialismo dialético: elas abarcam seus componentes lógicos básicos, bem como as definições necessárias aos seus principais conceitos. Por outro lado a teoria da verdade do materialismo dialético é uma teoria dinâmica, em contínua evolução. Algo que não se aplica unicamente às teses fundamentais de Marx e Engels, mas também, à evolução das ideias de Lenin na doutrina da verdade. Trata-se da lei que rege todo o processo de conhecimento científico, o qual é condicionado pelo conhecimento contraditório, complexo e incessante, do mundo material em sua infinita diversidade.

Examinaremos neste texto duas questões da teoria geral da verdade: definição e estrutura da verdade. Essas questões não esvaziam seu conteúdo, mas têm para a mesma uma importância fundamental.


Definição de verdade

O pensamento filosófico sempre avançou rumo à elaboração de um conceito de verdade que traduza plena e adequadamente sua essência, superando ilusões e enganos. Parafraseando Bacon, superando ídolos, sob forma de falsas e não científicas definições apresentadas por enganadoras doutrinas idealistas e metafísicas. Como momentos os mais válidos e racionais devemos, contudo considerar as primeiras representações de um verdadeiro saber, contido nas filosofias grega e hindu, mesmo que não alcancem o conceito de verdade embora se aproximem diretamente à compreensão da verdade como tal.

Na escola de Sócrates/Platão; A primeira representação do conceito de verdade como tal dado por Aristóteles e que veio a seguir a base da definição clássica ou tradicional, a saber: A expressão Adaequatio rei et intellectus formula tradicionalmente a teoria segundo a qual a verdade consiste na correspondência entre a coisa e o conceito produzido pelo intelecto. Esta concepção da verdade foi mantida por muitos filósofos antigos; como Aristóteles e São Tomás de Aquino, e foi reformulada no século XX por Tarski, sendo conhecida como a teoria semântica da verdade.

A formalização dessa definição, sua redução a uma definição nominal da verdade é o avanço de um importante ponto para o conceito de verdade -- seu critério.

Descartes, com a ampliação do conceito de verdade até incluir os princípios dum verdadeiro método de conhecimento e de interpretação da Natureza;

O estabelecimento duma relação entre o conceito de verdade e os princípios da lógica indutiva (Bakon depois Mill);

As ideias e definições dadas pela filosofia clássica alemã, coroada pela teoria da verdade de Hegel com sua série de definições que explicam a partir de distintos pontos de vista uma compreensão geral da verdade. Por entre tais definições, citemos a verdade como processo; a verdade geral como verdade objetiva; a verdade como concreta etc., mas o caráter hermético e conclusivo de seu Sistema idealista, leva a filosofia hegeliana à sua absolutização, à sua transformação em verdade absoluta. em saber absoluto no qual se confundem Teologia e Filosofia, Religião e Razão.

A história do pensamento filosófico indica que o termo verdade --, aparece e se fixa nos documentos escritos da filosofia grega antiga. Esclarecem tratar-se de um termo expressando a forma histórica-mente primeira do conceito de verdade e não de palavras indicando as representações determinadas de verdade fixadas nos documentos da literatura oriental, indu principalmente.  A estrutura do termo é a seguinte: & -- partícula de negação, Xiriew – que quer indicar estar oculta, ignorada, escondida. Consequentemente a verdade é aqui aquilo que não está oculto ou bem é aquilo que se desnuda sob o olhar intelectual equivalente. O esforço por conhecimento do mundo que até então era desconhecido. A isso podemos adicionar que por PCXOO-opt.a se entende amor por sabedoria. O termo cro96g pode ser considerado sinônimo de clareza, compreensão, confirmação. Já cro96g significa amor da verdade.

O sânscrito está na origem de todas as línguas romanas, assim como de algumas línguas germânicas. O termo var se encontra na raiz do latim verus, do alemão war do gaulês gwyr e mesmo do irlandês lir, firinne. War designa o que é perfeito em si, aquilo que se deve venerar, respeitar, preferir, escolher. É claro que aqui eleva-se muito a representação da verdade, ou mais exatamente, daquilo que é verdade, mas é impossível deduzir diretamente da raiz var o significado concreto e substancial dos termos veritas e wahrheit como principais derivados.

Em russo, o termo istina tem geneticamente um significado ontológico evidente. Advém do verbo est’ – ser presente, estar. Ele não decorre da fusão do ontológico com o gnosiológico, mas de um plano de compreensão do que é verdadeiro como se referindo a qualquer coisa que existe realmente, que faz parte da realidade.

É interessante constatar que em grego, oriundos de &M têm um sentido análogo: -- 75.4XTJ0E4 -- em verdade, verdadeiramente em realidade; Caliek exatamente, inefectivamente, justamente;          ?LX:1E11Jw — ser verdadeiro, conforme à realidade.

A etimologia do termo verdade espraia luz sobre seu significado original o qual detêm certo número de ideias gnosiológicas determinadas. Na verdade descobrimos o que está oculto e desconhecido antes que se descubra aquilo que estava ocultando.    A verdade assim compreendida adquire um alto significado singular, contendo as proposições o que está presente na realidade mesmo. Primeiro, o termo verdade, independente das distintas línguas, tudo intervem sob uma forma não evidente, e depois a simples significação do termo não constituindo de inicio uma definição científica; isso exige iluminar o conteúdo do conceito por suas características essenciais.

É igualmente verdade que a essência do conceito de verdade, em seu conteúdo gnosiológico concreto, não pode ser liberado adequadamente através das obras de arte que dão uma imagem artística e uma representação da verdade. As obras de arte, as mais emotivas, expressam, entretanto certo número de ideias válidas e interessantes que caracterizam a representação e mesmo, em certa medida, o conceito de verdade.

A começar pela imagem antiga da verdade, uma boa quantidade de obras de arte traduz a ideia de que o tempo nos permite descobrir a verdade. É isso que expressa a gravura de um artista francês do século XVI Jobst Amman, intitulada Os tempos tirando a verdade do abismo da obscuridade; O quadro de Poussin O Tempo subtraído às violações da inveja e discórdia; a famosa escultura de Bernini, A verdade descoberta pelo tempo, que representa uma mulher que se despoja, gradualmente, descobrindo seu corpo lindo. Muitas vezes a verdade é simbolizada por uma mulher segurando em sua mão direita um espelho e na mão esquerda uma tocha, o que é bastante expressivo.

Em 1855, na Exposição Internacional de Paris, foi apresentada uma escultura feita por Cavelier, famosa com o passar do tempo e atualmente exposta no Museu do Palais de Luxembourg. Trata-se de uma mulher simbolizando a verdade com seus distintos atributos. Na mão direita, ela tem um espelho no qual todos podem ver seu próprio e autêntico reflexo.  De seu braço esquerdo curvado para trás despoja suas vestes e seus véus exibindo-nos sua rigorosa e esplendida nudez. Sua fronte está coberta de uma estrela dourada cujos raios iluminam o espaço em volta. Pode-se constatar que nessa famosa obra de representação profundamente pensada da verdade o artista expressou  todo um conjunto de ideias.

No entanto trata-se em tudo isso somente de representação e nunca do conceito de verdade nas suas estritas determinações. Isso implica inúmeras dificuldades e a formação de um conceito científico de verdade é exposto a inúmeros obstáculos. Por entre os mesmos os principais não são tanto o caráter complexo e contraditório do processo do conhecimento do qual nasce a verdade como a influência negativa sobre o pensamento gnosiológico das definições inexatas e não científicas de diferentes tipos avançadas nas doutrinas filosóficas metafísicas e idealistas. Aqui nós devemos observar os momentos seguintes: definições da verdade (ou frequentemente substituições da substituição real) a partir de critérios absolutos e apriorísticos.

As encontramos nos diferentes sistemas do idealismo absoluto onde o critério é identificado ao absoluto, no conhecimento como princípio supremo e resultado final, abarcando o conhecimento do mundo em toda sua plenitude, sua totalidade. É normal que tal compreensão da verdade reúna diretamente sua interpretação religiosa, A elevação das verdades da religião ao nível de verdades superiores, absolutas, universais, divinas, dominando todas as verdades humanas cientificas, filosóficas. Donde o dogmatismo que caracteriza a afirmação de semelhantes verdades, a começar pelas Sagradas Escrituras e até as concepções idealistas religiosas contemporâneas. Naturalmente, declarar dessa forma as verdades não é defini-las, a declaração substitui de fato à definição, pois ela de fato não faz aparecer a essência do conceito de verdade.

Em oposição à proclamação à priori de verdades absolutas temos diversas representações e definições empíricas da verdade. Sublinhamos aqui a estreiteza e a debilidade teórica da identificação empírica da verdade (considerada como categoria gnoseológica) à realidade física mesmo, da representação da verdade como reflexo elementar passivo, empirista, sensualista do que é, sem a penetração na essência interna das coisas à qual atingimos no processo de formação de formas conceituais ou seja, de abstrações científicas, O enfoque fenomenológico  da verdade é ligado a esse tipo representações positivistas. Ele também limita sua compreensão da verdade à análise das propriedades e características aparentes dos fenômenos eventuais, sem jamais abordar a análise de sua natureza.  O verismo na arte corresponde a este conceito do mundo: é a verdade naturalista, ao ar livre, como manifestado na escola pictórica e italianoliterária. no naturalismo de Émile Zola e seus sucessores, etc.  A definição científica da verdade fica muito remota das representações desse tipo.

Definições de publicações oficiais como os dicionários filosóficos, literários ou enciclopédicos legais, aproximam-se muito mais de uma compreensão racional da verdade. Aqui, devemos sublinhar a ligação entre as noções de verdade como correspondência -- independente da forma que faz com que este projeto é -- como coerência logico formal de diferentes proposições. Assim, no livro francês, o Dicionário da língua filosófica, P. Foudquié começa por definir o conceito de verdade como conforme à realidade. Em seguida, examina a clássica fórmula segundo a qual a verdade se manifesta como adaequatio intellectus e rei. Essa fórmula é entendida sob um duplo aspecto: primeiro um aspecto lógico, no sentido da conformidade da razão com as mesmas coisas e em segundo lugar, um aspecto ontológico, no sentido de verdade, que deve ser coerente com seu ideal.1 
1 – Pàul Foulquié e Raymond Saint-Jean, Dictionaire de la langue philosofique , P.U.F., 1969, p. 755. Em Grand Dictionaire Universel Larousse, encontramos como a verdade é o que se encontra em conformidade com  certa representação de coisas ou com a realidade l: (t. XV, p. 908). Em Encyclopedia Britanica, a compreensão aristotélica da conformidade é interpretada como a crença (belief) no que a proposição p é verdade se admitimos que existe um fato que lhe corresponde (vol. XXII, p. 522). Constatamos que todas as definições desse tipo se afastam completamente da compreensão materialista da conformidade, e são destituídas desse fato de valor objetivo científico.
O princípio materialista racional da Fórmula, introduzido originalmente por Aristóteles, tem sido gradualmente excluído.  A realidade a qual nossos pensamentos devem corresponder foi vista na lógica da Idade Média, como a realidade da Razão Divina, mas na evolução ulterior das tendências formalistas em lógica e em gnosiologia, começou-se a considerar igualmente como realidade as representações que dela temos, e as definições puramente verbais como na análise linguística contemporânea.  Tudo isso conduz obrigatoriamente a empalidecer o critério real de veracidade de nossas idéias e das formas cognoscíveis em geral, a deslocar todo o problema da verdade para uma esfera lógica autônoma e em definitivo o problema real da verdade se dilui em esquemas e construções de linguística formal.

A compreensão científica da verdade baseada nos princípios da filosofia do Materialismo Dialético e Histórico; encontrou sua mais alta expressão nas ideias de Lenin. Ele chegou, por necessidade lógica, à definição científica da verdade. Não se trata evidentemente de um ato automático da filosofia marxista pois é duvidoso que se possa programar os princípios dessa filosofia para dela deduzir uma definição exata do conceito de verdade com ajuda de uma construção automática ou de formulas logico-matemáticas.

Tal definição científica resulta da atividade de um Sujeito Sapiente, da atividade da razão no conhecimento, mas não no sentido dado pelo apriorismo kantiano afirmando que o jogo livre das forças do espírito permitem chegar a conceitos e definições livremente criadas. Definir um conceito é destacar o seu conteúdo, expressando o mesmo  através de características essenciais determinantes, decisivas: a definição dá ao conceito um caráter substancial, seu valor objetivamente verdadeiro aparece.

Essa abordagem exclui a arbitrariedade e o subjetivismo da criação e da definição dos conceitos. Mas. também não é um ato passivo e automático.  O Homem, conhecedor do assunto, desenvolve a definição científica de um conceito durante um longo processo de aquisição de conhecimento. Ele se baseia em princípios determinados para entender os fenômenos relevantes e é guiado por idéias dadas. Assim, destaca e expressa consciente e consistente mente as características principais, determina o conteúdo do conceito. Vemos que aqui se manifesta a atividade abstrata da razão humana que cria conceitos como formas lógicas, refletindo as propriedades e os relatos de coisas materiais, Não há forma lógica existindo por si só na Natureza: O Homem não encontra essas formas como os ciclos pré-existentes de Housserl, ele as cria, precisamente como formas lógicas, formas da razão, do pensamento.

A conclusão lógica da definição de um conceito é a fixação do pensamento na palavra. Mas, ao contrário do que afirma o idealismo semântico, esta fixação nâo esvazia absolutamente o processo da definição. Esse último deve ser alcançado  com a ajuda dos termos e palavras para consertar imediatamente os pensamentos associados com os objetos e suas propriedades. Sublinhemos aqui a importância de se exigir a precisão dos termos utilizados para definir um conceito. Desse ponto de vista, não podemos deixar de reconhecer a validade da semântica que exige a exatidão dos termos, a exatidão na expressão das ligações e das relações entre os termos e a exatidão na elaboração de regras exatas permitindo usar os termos. Entretanto deve sempre ser questão da significação substancial, de termos que expressem o sentido e o significado dos conceitos correspondentes. Aqui ainda se apresenta a atividade da razão humana, o papel criador do sujeito no conhecimento; a denominação das coisas não é o fato de um Adão mítico, mas de um homem real, vivo, que ao longo do processo de conhecimento do mundo, elabora conceitos e lhes confere uma expressão de terminologia verbal.
Um conceito é uma formula lógica superior da expressão e da encarnação de um saber verdadeiro, ou seja da verdade mesma. A compreensão verdadeira da verdade,  deve implicar necessariamente sua expressão no conceito científico de verdade.

Sistematizando as ideias fundamentais de Lenin na compreenção da verdade como categoria gnoseológica, podemos propor a definição seguinte:
A verdade é um processo, o processo de refletir na consciência humana, a ciência inesgotável do mundo material infinito e as leis de sua evolução. Ciência que implica ao mesmo tempo o processo de criação pelo homem de uma visão que seja o resultado histórico concreto do conhecimento em que o desenvolvimento se efetua sobre a base da prática sóciohistorica como critério supremo.
Essa definição expressa ideias fundamentais que são as seguintes:
1º - Primeiramente ela expressa a unidade dos métodos analíticos e sintéticos de definição dos conceitos científicos complexos fazendo aparecer os componentes necessários e determinantes do conceito geral, sintético, único, da verdade como processo, os diversos aspectos  ou facetas desse conceito se manifestando com suas relações no movimento único do conhecimento científico.
2º = A definição clássica da verdade como aedequatto rei et intellectus, ganha aqui necessariamente seu sentido racional, ou seja que ela é a expressão do princípio determinante da objetividade da verdade, e este princípio não implica somente a conformação em geral verdadeiras da essência mas também a expressão em conceitos e categorias verdadeiras da essência objetiva das coisas ou da objetividade vista em sua significação autentica. Mas â diferença de Hegel, o materialismo dialético tem a conformidade como reflexo da essência objetiva dos objetos do mundo material, da essência da realidade material mesmo e não como reflexo de um espirito absoluto tal qual o mundo, a razão etc.
3º - A definição pré-citada expressa o caráter dialético do conceito de verdade que constitui a natureza profunda do mesmo. Na definição mesma este caráter dialético se manifesta: a) no conceito geral de verdade como processo que engloba eo ipso todos os momentos dialéticos; b) na definição da verdade como criação dum quadro dialético do mundo se desenvolvendo continuamente sobre a base da pratica social do homem, que ele mesmo por sua vez se desenvolve. c) na compreensão da verdade como resultado histórico concreto do conhecimento, e aqui a verdade se manifesta como processo histórico, não processo amorfo em geral, mas processo real de aquisição de resultados do conhecimento visto em seu conjunto ou considerado como serie continua de resultados particulares concretamente verdadeiros.

4º - A verdade como processo não é o desenvolvimento do conhecimento em geral, mas precisamente o processo de criação de uma visão cientifica do Mundo. De momentos não definidos, hipotéticos, falhos, que não são verdadeiros e podem ser mesmo seu contrário, surgem ao longo do processo geral do conhecimento. O que é próprio do à verdade é o conteúdo científico, objetivo, do processo do conhecimento, seu resultado necessário, em desenvolvimento histórico. Tudo aquilo que não expressa a essência objetiva das coisas, suas propriedades e relações objetivas não pode ser considerada como verdade, bem se inserindo no processo geral do conhecimento. O conceito de atividade de aquisição  engloba também formas tais como o reconhecimento, o aprendizado, o diagnóstico, o prognóstico.  Em cada uma dessas formas encontramo-nos em presença de elementos verdadeiros, científicos, mas também de um conteúdo tal que ele pode a um momento histórico qualquer contradizer um valor científico.

A necessidade do conhecimento da verdade leva à criação e ao desenvolvimento de uma visão científica do mundo que expressa diretamente e encarna o desenvolvimento da verdade mesma, tudo em excluindo (e é isso que constitui o rude trabalho do espirito humano) o errado, indefinido, sofisticado, quase verdadeiro, mas nunca verdadeiro. Tal rigor gnosiológico contem ainda, uma imensa força de verificação que se manifesta diretamente como  a força da ciência na pratica social e na vida do homem.

5º - Na definição apresentada afirmamos que a verdade como processo é um processo de criação pelo homem de uma visão cientifica do mundo. É aí que o princípio leninista da atividade da razão humana encontra sua plena expressão. A visão científica do mundo não resulta da contemplação passiva do meio ambiente como o afirmam os velhos sábios chineses. Siu Tsaï pode passar mil anos a contemplar o céu sem se mover, a verdade, no entanto não descerá para o solo sob forma de um pássaro de fogo cintilante. A verdade se conhece ao longo de um processo de atividade de criação do homem e de sua razão: esse conhecimento da verdade é a criação da visão científica do mundo como processo histórico que também verdadeiro. A criação e o desenvolvimento de uma visão cientifica do mundo que constitui o processo mesmo de conhecimento e de desenvolvimento histórico da verdade constitui por si mesma a criação da verdade ela mesma como processo (e não como moeda de troca). A compreensão da verdade como processo de reflexo e simultaneamente de um processo de criação de uma visão científica do mundo expressa a dialética real de momentos objetivos e subjetivos no conhecimento. Certos filósofos ocidentais não podem absolutamente reconhecer essa dialética. Afirmam obstinadamente, metafisicamente, que os filósofos soviéticos recusam escolher entre a verdade como reflexo e a verdade como criação. Mas porque introduzir a ideia de escolha? Trata-se ao contrario da unidade interna dos dois momentos na compreensão da verdade. Essa ultima é o produto da atividade do homem, sujeito conhecedor o produto do reflexo ativo criador na consciência do sujeito da essência e das leis do movimento do mundo objetivo. O resultado dessa atividade (como processo em desenvolvimento histórico) é a criação de uma série continua de formas verdadeiras de conhecimento, de categorias lógicas como produto da atividade de aquisição de conhecimento tendo por substancia o conteúdo objetivo dos objetos materiais.

2 – Ver, por exemplo, a introdução à obra: As categorias do materialismo dialético. Dordrecht, 1965. Paris 1965.


Estrutura da verdade como sistema de categorias gnosiológicas

Consideramos acima a verdade como um sistema científico definido. Não encontramos nos trabalhos de Lenin esquemas que de um ponto de vista formal correspondam à construção de um tal sistema. Entretanto podemos sem dúvida nos apoiar numa série de ideias e de proposições avançadas, desenvolvidas e formuladas por Lenin para propor de acordo com as exigências científicas modernas, um sistema perfeitamente definido que expressa a estrutura do conceito de verdade como categoria gnosialógica fundamental.
Esse sistema é um sistema de formas e categorias teóricas, de componentes lógicos, do conceito geral de verdade e como tal aparece como um elevado grau de abstração, ou seja, como uma das formas superiores do pensamento científico abstrato e teórico. O que determina a força imensa e a eficácia das formas teóricas de conhecimento de alto grau de abstração, é que elas são ao mesmo tempo a condição necessária de toda teoria científica. Quanto a isso a ideia geral contida em A ciência da lógica de Hegel nos parece admiravelmente fundamentada.

Sua parte fundamental é a teoria de conceito, dos julgamentos, das deduções de outras formas lógicas segundo as quais o pensamento atinge seu nível mais elevado, a ideia absoluta, A teoria da verdade se forma, portanto precisamente nessa esfera de categorias onde onde o sistema não é uma soma mecânica mas a síntese generalizante que indica um grau ainda mais elevado de abstração. Essa teoria deve dar, segundo palavras de Hegel , uma imagem racional da verdade,
Mas, (somos hoje e seremos sempre convictos da grandeza dos pensamentos hegelianos) o fato de construir a teoria da verdade, como sistema de categorias abstratas não é uma simples liberdade de consciência que não toma por liberdade o pensamento puro privado de substancia vital;  se o  conceito persiguir o grande dialético tendo a abstração desligada da diversidade das coisas.

3 – Hegel, Science de la Logique. Aubter, t. IV, p. 214.

A teoria da verdade pelo fato de se tratar da verdade, e não de uma construção lógico-formal aparece como um sistema de categorias gnosiológicas, ou de formas logicas superiores, profundamente arraigadas, tanto sobre o plano genético como sobre um plano gnosiológico geral, no conteúdo real dos objetos do mundo material, de suas propriedades e relações efetivas. Podemos como sublinha Marx,  erguer os pilares lógicos da ciência sem haver assentado os fundamentos deste edifício, mas a ciência em sua totalidade não constitui um ”castelo na Espanha” fora do tempo e das distancias, em torno dos condicionamentos terrestres reais. A lógica, diria Hertzen, é uma flor da qual a raíz se encontra na terra. Ele precisou bem, uma flor, não somente uma raiz: lógica é a lógica, suas formas e categorias constituem sua esfera própria, relativamente autônoma, submissa às leis imanentes de sua própria vida e de seu próprio movimento, e em última instância submissa ao princípio das circunstancias materiais.
O sistema de categorias gnosiológicas formam a estrutura conceitual da verdade como conceito generalizável, superior, é um sistema complexo, multiforme, que reflete abstrações científicas elevadas, através da esfera intermediaria das categorias do processo de conhecimento científico, toda a diversidade do mundo circundante, suas diferentes ligações e relações sendo expressas, em categorias particulares, à saber categorias generalizantes. A polifonia da realidade, que é objeto de conhecimento, deve normalmente e inevitavelmente encontrar sua  expressão na polifonia da verdade como sistema de categorias que evidenciam ceu conteúdo concreto, rico e multiforme.

A combinação mecânica e a conexão externa dos conceitos não são suficientes para criar a estrutura real de qualquer objeto conhecível complexo. Uma estrutura é um sistema definido, que é por assim dizer governado por uma ideia única, pela conexão interna, orgânica, de seus elementos, o que permite considerar essa estrutura como unidade da diversidade. No que concerne os sistemas conceituais complexos, é ainda mais importante sublinhar que a conexão interna dos conceitos determinantes, longe de se manifestar sempre sob uma forma evidente e unívoca, apresentam frequentemente um caráter complexo quando interferem várias ideias e princípios; mas em todo caso trata-se precisamente da conexão interna sobre a base de todos os elementos determinantes, e em um caso dado sobre a base de conceitos os mais importantes cujo conjunto forma a estrutura do objeto estudado.  Essa proposição teórica geral implica a necessidade de se construir a estrutura da verdade como conceito geral fundamental que deve aparecer como um sistema ao mesmo tempo único e multiforme de definições concretas ligadas organicamente. Trata-se de um sistema comportando na base das ideias e princípios determinantes, um sistema da diversidade dos conceitos, fundamentais esclarecendo os diferentes aspectos do conceito geral da verdade, as ligações e relações recíprocas entre as mesmas e o sistema no seu todo, um sistema de etermos e de definições necessárias atribuídas aos conceitos determinantes e à suas relações, sistema que constitui a carcaça linguística  de todo esse sistema conceitual complexo.

Do ponto de vista da teoria leninista da verdade, essa estrutura não pode ser considerada como um sistema canonizado, imutável em sua essência, nem a fortiori no conteúdo concreto de seus componentes mulltiformes, aqui, uma question  s’avere, desde determinar o caráter da análise da verdade como sistema de categorias gneológicas; é a questão da correlação entre os métodos modernos especiais de pesquisa da dialética como metodologia do conhecimento científico.

Em ligação com o desenvolvimento, o progresso científico e técnico de nossa época, com as novas exigências às quais devem responder as pesquisas científicas efetivas, diversos métodos especiais e particulares conheceram um vasto desenvolvimento e fecundas aplicações, assim nas ciências naturais, como em matemática, ou no conjunto das disciplinas sociais. Nós pensamos aqui nos métodos da cibernética, da modelização matemática, aos métodos estatísticos probabilísticos, sistemo-estruturais, dos quais o valor  nas esferas as mais diversas do conhecimento é indiscutível-mente e brilhantemente demonstrado pela ciência moderna e prática. Tiram-se frequente-mente desse fato conclusões abusivas, dando um papel absoluto a seus métodos, negando o valor metodológico do materialismo dialético cujos princípios não seriam adequados ao saber moderno. Tal niilismo vis–a-vis da dialética é absolutamente gratuito, assim como ser o niilismo para com os métodos especiais ou sua subestimação.
 
Detenhamo-nos ao ponto de vista segundo o qual a relação entre a dialética e os métodos especiais não é:

a) Nem uma relação de exclusão recíproca;
b) Nem uma relação de subordinação e de absorção de um pelo outro;
c) Nem uma relação de aplicação separada, independente, paralela.

A essência da relação recíproca entre a dialética como metodologia geral do saber e o conjunto de métodos especiais consiste (como o demonstra o processo real de conhecimento cientifico) na interação harmoniosa dos dois no processo do saber em desenvolvimento constante.  Os princípios gerais do materialismo dialético têm interações racionais e harmoniosas com todos os métodos especiais onde o lugar, o papel e o valor do conhecimento da verdade podem ser estabelecidos sobre a base das ideias e das teses metodológicas em geral da dialética e em relação com elas. 4
  
4 – Expusemos e desenvolvemos esse ponto de vista em uma monografia coletiva; Istoria marksistkai dialektiki. Leninskii etapa. Histoire de la cialectique marxist. L’ètape leniniste. Moscou, 1973. Ver: Em guise de conclusion: Quelques problemes de la theorie de la dialectique materialiste.


Os métodos especiais que temos invocado não implicam absolutamente um caráter estreito e particular sob essa relação.  Elas exprimem certo número de aspectos gerais, de ligações, de relações concernentes a diferentes conjuntos de objetos.  Tampouco, não substituem, e não podem substituir, a dialética; por seu sentido mesmo e seu caráter mesmo, não podem ignorar a essência dinâmica, contraditória do mundo ao qual pertencem e seus processos materiais e espirituais. Elas não analisam e não ignoram as leis do desenvolvimento do mundo e inclusive as do desenvolvimento incessante do conhecimento humano, do conhecimento da verdade, como processo com toda sua complexidade e seu caráter contraditório. Tudo isso é do campo da dialética como teoria universal e única a respeito, e metodologia do saber.
O sentido e o valor da criação de um sistema de conceitos cientificose que expressam o conteúdo concreto dos objetos estudados, em particular dos objetos de alto grau de complexidade como aqueles aos quais concerne exclusivamente o objeto geral mesmo de verdade, tal sentido e esse valor portanto em definitivo, não podem ser  esclarecidos  se não vistos à luz da compreensão dialética de tais sistemas como de todo o processo de aquisição de conhecimento em geral; A estrutura é a invariável do sistema, por consequência uma correlação dada e uma ligação entre conceitos formando um sistema tendo um valor constante determinado. Mas essa ultima não deve nunca ser absolutizada, se bem que a estrutura desapareça de fato fora da constância dada das ligações entre os conceitos. A metodologia dialética permite considerar as estruturas conceituais em sua constância concreta, real, que definiu e exprime o caráter do sistema dado e simultaneamente de lhes considerar em seu dinamismo, em sua variabilidade histórica e lógica. O sistema das categorias gnosiológicas que formam a estrutura de um conceito também complexo como o geral de verdade, não é absolutamente dado uma vez por todas e imutável. Ao contrário, trata-se de um sistema em desenvolvimento histórico, e, tomando um exemplo, não há comparação possível entre o conjunto das definições formando o conceito de verdade em Aristóteles e o sistema de categorias da lógica em Hegel, sistema no qual a dialética interna é a característica principal. Aqui o princípio da lógica e do histórico no conhecimento científico. Guarda toda a sua força.

A teoria leninista da verdade parte do valor decisivo, a prática, e este fato encontra sua expressão na definição mesma da verdade. Disso não resulta, entretanto, a nosso ver, que a categoria da prática deve ser diretamente incluída na estrtura do conceito de verdade. A prática é a atividade social e material das gentes, e como tal não pertence à esfera lógica que constitui um sistema de categorias como a estrutura da verdade. Admitir o contrário será dissolver o material no ideal, ou voltar à compreensão hegeliana da prática como atividade do espirito. Ou seja, incluir a prática na estrutura lógica da verdade, retornar a deslocar sua função principal, a de critério, cujo critério é manifestar segundo seu próprio conceito, como qualquer coisa diferente, daquilo de que é seu critério.  A questão do critério lógico, interno, da verdade não substitui nunca a do valor decisivo do critério da prática; é um problema que se deve estudar à parte. Mas aqui ainda sublinhamos que a estrutura da verdade é um sistema de categorias gnosiológicas, uma esfera do pensamento teórico que não podemos confundir com o fundamento prático e ontológico da verdade.
A construção da estrutura da verdade deve naturalmente expressar as idéias contidas na definição mesma da verdade como conceito geral em que a estrutura em questão é chamada a evidenciar os apectos multiformes. Mas não se trata nunca de fazer o desmembramento mecânico das categorias que figuram diretamente no conceito geral de verdade, na definição generalizada. Trata-se de expressar os conceitos que decorrem dessa definição, de seu conteúdo, eles não são dados sob uma forma evidente, mas lhe são organicamente inerentes. Ou seja, esclarecem seu contúdo, ou mais exatamente: são chamados a distinguir o conteúdo da definição, e é porque devem ser especialmente postos em evidência e formulados. Sobre a base que aqui vem de ser dita, nós propomos um esquema possível que expressa sob uma forma generalizada a estrutura da verdade como sistema de categorias gnosiológicas que definem  no seu conjunto o seu conteúdo.
  
Conceito geral de verdade

Ideias e princípios primordiais na compreensão da verdade: Reflexo ativo-criador pelo homem do mundo material objetivo; processo ininterrupto de criação e desenvolvi-mento de um quadro científico do mundo; essência contraditória do processo de conhecimento e de descoberta da verdade; prática sócio-histórica como fundamento do processo de criação de uma visão científica do mundo e critério decisivo de verdade.


Objetividade e subjetividade da verdade

Objetividade da verdade: reflexo das formas conhecíveis dos objetos do mundo material, e independência do conteúdo de formas verdadeira em relação  ao homem e à humanidade. Subjetividade da verdade: criação pelo homem, sujeito conhecedor de um quadro científico do mundo, de todos os seus componentes como formas de conhecimento verdadeiro, e de um sistema de categorias gnosiológicas que formam o conceito geral de verdade. Objetividade e subjetividade de formas linguísticas expressando os componentes do saber verdadeiro. Ligação recíproca dialética entre a objetividade e a subjetividade da verdade, é valor determinante do valor do princípio de objetividade.


Caráter geral e caráter concreto da verdade

Caráter geral da verdade: o saber verdadeiro como expressão da essência e da unidade da diversidade dos objetos e fenômenos do mundo circundante, das propriedades e leis gerais de seu desenvolvimento. Caráter concreto da verdade como expressão  do caráter concreto da diversidade conteúdo do mundo, das propriedades e das relações de um conjunto dado de objetos, como resultado histórico concreto determinado do conhecimento. Ligação recíproca entre os caracteres gerais e concretos e caráter contraditório dessa ligação.


Caráter absoluto e relatividade da verdade

Caráter absoluto da verdade como possibilidade real de um saber completo, exaustivo do mundo, possibilidade realizável no processo ininterrupto e infinito do conhecimento do mundo. Relatividade da verdade como conhecimento de diferentes aspectos e relações fragmentárias da realidade, como aproximação dos saberes, grau determinado de penetração de nossa consciência na essência inesgotável das coisas, nível determinado de seu desenvolvimento histórico a uma época dada. Ligação indissolúvel do caráter absoluto e da relatividade no processo histórico de conhecimento.


Unidade e multiplicidade da verdade

Unidade e multiplicidade da verdade como reflexo da unidade geral e da diversidadeo do mundo material. Unidade, universalidade, e caráter absoluto da verdade; multiplicidade, caráter concreto e relatividade da verdade. Multiplicidade da verdade, caráter concreto e relatividade da verdade. Multiplicidade da verdade, e diferentes esferas e formas de sua manifestação.
Podemos naturalmente esquematizar essa estrtura substancial (de definição dos conceitos) da seguinte maneira:


Verdade como processo

Objetividade  x   subjetividade   
caráter geral  x  caráter concreto
caráter absoluto  x  relatividade
unidade  x   multiplicidade


A prática como critério da verdade

Trata-se aí do sistema de conceitos determinantes básicos, que ressaltam em seu conjunto o conteúdo do conceito geral de verdade. É precisamente um sistema, e não um simples conjunto, todos seus elementos básicos são intrinsecamente ligados pelo princípio de objetividade da verdade, de objetividade do conhecimento, que tem um valor geral e por toda teoria da cerdade.  Em ligação orgânica com o princípio de objetividade, o princípio de contradição joga um papel fundamental no sistema de conceito da verdade: esse princípio determina a essência interna de todos os fenômenos do mundo, a essência de todo processo de conhecimento, da verdade mesmo como processo, e de todos seus conceitos todos os componentes de seu sistema, e por consequência toda sua estrutura, são intrinsecamente penetrados desse princípio, baseados exclusivamenteo sobre o mesmo, como princípio do pensamento dialético. Na base do sistema se encontra a prática como critério da verdade e de todos seus componentes.