sexta-feira, 23 de novembro de 2012

LIBERALISMO E TEORIA DA ARQUITETURA parte I


Frank Svensson, 16.04.2000. 

Espiritualizar a matéria cósmica com a ajuda da ideia idealista não é uma solução verdadeira.  Pois justamente, para ser verdadeira, a solução deverá ser real e participar da mesma realidade que o homem; para ser verdadeira, a solução deverá ser humanamente real. 
Uma dialética puramente teórica, que só faz transformar, no plano das ideias, a matéria cósmica em espírito, não dá nenhuma solução; ela é apenas o ponto de partida para a solução.  Não basta libertar o homem da crença na matéria.  A ideia idealista deve se encarnar em uma dialética que, ultrapassando o plano teórico, se transforme em uma dialética real, cujas etapas devem se tornar históricas no sentido pleno da palavra.

Pois vivemos exatamente em meio a uma civilização construída sobre a materialidade do homem e cujas instituições todas têm por fim manter o homem na materialidade.  A solução do problema da liberdade é portanto inseparável da destruição real, isto é, histórica, desses instrumentos de materialização: a dialética não pode, portanto, avançar em direção à espiritualidade do homem, a não ser sobre as ruínas desses instrumentos.  Ora, essa destruição só pode ser operada pelo próprio homem.  A dialética de que falo é bem concreta, pois que, em um momento dado, o homem concreto deve intervir para fazê-la avançar: resumindo, a dialética da liberdade implica etapas que são revoluções. (Georges Politzer, em A filosofia e os mitos).

A base econômica do liberalismo
Denominamos "liberalismo" o ideário surgido num momento em que o moderno capita-lismo industrial estava iniciando e que o elemento básico do novo sistema de produção era o empresário privado individual.  Depois disso o liberalismo e a burguesia que lhe concerne sofreram significativas mudanças, mas a base de sustentação desse sistema produtivo continua o mesmo: ao capitalista é permitida a liberdade de dispor dos meios de produção sob sua propriedade, e o Estado e as leis devem garantir a posse e o usufruto de tal propriedade privada.  Esse é o fulcro ideológico do liberalismo, sua irredutível base de sustentação.  Em torno do mesmo as opiniões quanto ao econômico e ao social podem variar até quase o irreconhecível, desde que se mantenha o fulcro.  O liberalismo pode até exigir intervenções estatais desde que assegurem a manutenção da liberdade e da segurança da propriedade privada, do acúmulo de capital e da concretização de mais-valia.  Apesar de louvar a liberdade de expressão o liberalismo tolera que poderosos interesses particulares manipulem a formação de opinião por meio do domínio econômico da mídia.

Mesmo sendo democrático o liberalismo não se opõe a que as empresas privadas delibe-rem sobre o bem estar de milhares de pessoas e até mesmo de povos e nações inteiras.  O poder na sociedade é  distribuído de forma muito desigual e o continuará sendo enquanto o sistema de produção desigualizante persistir.  Os teóricos do liberalismo defendem, no entanto, o capitalismo como a única ordem plausível para as relações sociais.  O programa do liberalismo pode ser resumido numa só palavra: "propriedade, ou seja, posse privada dos meios de produção... todas suas demais demandas derivam dessa exigência central".1

No campo do liberalismo encontramos uma tendência de considerar as leis que regulam as mudanças internas do sistema capitalista como sendo leis naturais e o capitalismo como a forma natural de produção.  Quer-se com isso afirmar que: 1) a ideia de uma formação ulterior à do capitalismo, e socialmente justa, vai de encontro à natureza, e que cada intervenção no livre jogo das forças econômicas deve ser punida;  2) condicionando-nos, no entanto, às denominadas leis naturais da economia, as contradições entre distintas necessidades e o contínuo conflito entre os interesses públicos e privados se dissolverão numa abrangente harmonia.  Com essa redução da sociedade em naturalidade procura-se encobrir a irracionalidade de uma ordem social contraditória no intuito de mantê-la como tal.  Não esqueçamos, no entanto, que o liberalismo é por princípio racionalista, enquanto que sua evolução para as fases do capitalismo decadente é nitidamente irracionalista.  As crises inerentes ao capitalismo forçam-no a apelar para medidas irracionais, haja visto, por exemplo, o nazismo e o fascismo que desembocaram na Segunda Grande Guerra.  A livre concorrência entre empresas formam grandes consórcios, trustes e cartéis, exigindo novas formas de exercício de poder.  Na fase imperialista do capitalismo o ideário liberal da livre concorrência evidencia-se inteiramente inadequado.  À tendência de concentração do capital e do domínio econômico do capital monopolista segue a exigência de desmantelamento das organizações obreiras e o apelo às camadas intermédias da sociedade, atingidas por inflação, falência e desemprego de universitários, técnicos e funcionários, para passarem a constituir a massa da nova ordem social.  Um estado apoiado em princípios do liberalismo não dispõe dos meios necessários para esmagar, eliminar e desmoralizar uma classe social composta por  milhões de pessoas.  A história mostra que para tanto é necessário um movimento de massas no sentido contrário à mesma, altamente manipulado pelos aparelhos formadores de opinião.

Durante o período entre guerras tais movimentos desenvolveram-se em torno de "heróis" que demagogicamente iludiram as massas com suposta genialidade política.  Hitler, Mussolini e Hiroíto são os nomes mais lembrados.  Na América Latina tivemos Batista, Somoza, Stroessner, Peron e, entre nós, Vargas.  Hoje não é tão fácil atribuir genialidade a líderes políticos como naquele tempo.  A moderna psicologia e a ciência marxista solaparam o conceito de gênio.  Autores como Freud, Kretschmer e Lange Éichbaum desnudaram a duvidosa relação entre grandeza e genialidade, por um lado, e loucura, e componentes psicopatológicos bionegativos por outro lado.  O enfoque histórico do marxismo mostrou os limites impostos pela realidade social à atuação pessoal.  O capitalismo tardio afastou-se do princípio da livre concorrência  propugnado pelo liberalismo gerando o novo capitalismo imperialista e agressivo da oligarquia monopolista e dos gigantes financeiros que nos nosso dias só fazem crescer e concentrar-se.

Com o apoio dos regimes fascistas do período entre guerras os traços mais obscuros da Idade Média como que ressurgiram dentro de uma modernidade que se queria marcada por cálculatória racionalidade e a mais sóbria cientificidade.  Em carta a Roman Roland, Sigmund Freud lembra que todos os níveis culturais percorridos pela humanidade -- o da Idade Média, o da Pré-história animista, o da Idade da Pedra  -- ainda vivem sua vida nas grandes massas; e Adolf Loos caracterizou os arquitetos de Viena como os malandrões da história por tosquiarem todos os estilos e sítios da arquitetura: juntos e na mesma época convivem pessoas as quais mentalmente e espiritualmente pertencem a distintas épocas e formas de conhecimento.  Ernst Bloch em sua obra Ehrschaft dieser Zeit (1935) caracteriza isso como o fenômeno da incontemporaneidade.  Pessoas, grupos sociais inteiros, vivem no seu tempo mas também em outro com o qual são ligados pela tradição.  Na economia bem como na consciência dos homens sobrevivem restos não superados do passado; nesse sentido a Alemanha, que nunca superou plenamente o feudalismo e o absolutismo e onde um capitalismo supermoderno foi inserido numa estrutura marcada por status e autoritarismo, tornou-se o cenário clássico da incontemporaneidade.

A ideologia da incomtemporaneidade mostrou-se útil às classes dominantes da Alemanha bem como dos países cujas estruturas eram a conjugação de distintos estágios de desenvolvimento.  Seria de se pensar que assim os regimes ditatoriais do período entre guerras combateriam o liberalismo, mas não, rapidamente surgiram sinais de conciliação no plano econômico.  Como já afirmamos foram regimes gerados para garantir o direito da propriedade privada e a nova intensidade de concentração do capital.  De fato foi só no plano ideológico que os regimes ditatoriais combateram o ideário do liberalismo: liberdade, igualdade e fraternidade.

A oposição ao racionalismo
Georg Lukács faz ver em Introdução a Machiavelli que não existe visão de mundo inocente.  Os principais filósofos defensores do irracionalismo -- como Schelling, Schopenhauer, Nietsche, Scheler, Simmel e Dilthey -- não podem, naturalmente, ser tachados de fascistas.  Mas o direcionamento filosófico dos mesmos implicou uma traição à obrigação de comedimento e sensatez, humanismo e racionalidade por parte da filosofia levando-os a capitularem  ante obscuras forças sócio ideológicas.   O posicionamento a favor ou contra a razão não é somente um posicionamento filosófico -- é também um posicionamento em face de racionalidade ou irracionalidade da vida em sociedade.  Definindo conceitualmente e delineando um certo direcionamento do desenvolvimento social, a filosofia favorece ou retarda o racional desenvolvimento da existência rumo ao bem.  O irracionalismo na filosofia europeia, à partir do romantismo, ajudou a abrir o caminho para a visão de mundo do fascismo, por meio da desintelectualização e brutalização do pensamento, foi precursor dos motivos diretores do fascismo e contribuiu para formar a visão do mesmo quanto ao homem, a natureza e a sociedade.  Assim como o conservadorismo em geral, a filosofia reacionária da época dos movimentos de massa fez apelo a que muitos constituíssem uma base para os seus anseios.  Tornou-se cada vez mais difícil para seus defensores preservar uma integridade com base no distanciamento para com as massas.  O pensamento dos filósofos irracionalistas, não tendo por intenção educar os homens rumo à razão mas ao questionamento da mesma, levaram à barbarização da filosofia -- a assim também a da própria sociedade.  Nesse sentido não existe visão de mundo inocente.

A filosofia irracionalista constitui uma reação ao realismo crítico, bem como, à univer-salidade e ao humanismo do Iluminismo.  À partir de sua ancoragem inicial no feudalismo e no absolutismo tornou-se, como visão de mundo, uma das motivações para a burguesia vitoriosa sustentar a sociedade de classes em oposição ao ideário da emergente classe operária como base do novo sistema de produção.  A reativação do método dialético por Hegel, bem como o reconhecimento da razão e do método científico por Marx, foram as armas filosóficas com as quais o proletariado enfrentaria a metafísica e o obscurantismo.  Ao invés de reconhecer que o novo sistema produtivo, com suas doutrinas sobre leis de mercado e sobre a livre concorrência das empresas, não levaria à harmonia preconizada por ideólogos como Adam Smith, preferiu-se obstruir o acesso a um enfoque objetivo das relações vigentes.  A razão crítica como instrumento cognitivo foi substituída por posicionamento intelectual ou por intuição, para poder descrever como a irracionalidade das relações sociais tinha raízes na vida, na existência, ou mesmo no popular.   Acontece que por  toda parte onde se abdica de uma explicação racional da realidade, abdicando-se do pensamento dialético, o irracionalismo atua como apologética direta ou indireta das relações sociais estabelecidas na sociedade de classes.  Equiparar entendimento e conhecimento, confundir os limites do entendimento com os limites do conhecimento, instalar o suprarracional (intuição etc.) onde seja possível ou necessário avançar com conhecimento racional afirma Lukács, é o traço mais característico do irracionalismo filosófico.

O surgimento do irracionalismo
Por força de seu atraso econômico e social com relação à Inglaterra e à França, pela sua falta de tradição democrática e de uma burguesia autoconsciente e progressista, a Alemanha veio a ser o terreno mais fértil do irracionalismo.  Já Frederico H. Jacobi (1743-1819), declarava, em oposição ao Iluminismo e à clássica Escola Filosófica Alemã, existir  um conhecimento divino imediato, uma intuição liberta da razão e superior a qualquer órgão cognitivo.  Mas é em Schelling, Schopenhauer e Nietsche que os clássicos motivos do irracionalismo aparecem já plenamente desenvolvidos.  Enquanto o enfoque intelectual em Kant ainda é menos essencial, em Schelling torna-se central.  Apresenta-se como órgão cognitivo de uma filosofia não racionalista, reúne o pensamento intuitivo-visionário, variando depois de diferentes formas em Scho-penhauer e Nietsche, na psicologia descritiva de Dilthey, assim como na fenomenologia de Husserl e no existencialismo de Heidegger.  Em Schelling o enfoque intelectual vai mais tarde ser substituído pela religião, num esforço de salvar a religião positiva, depois substituída pelo esforço de se estabelecer uma religião desinstitucionalizada, de conteúdo abstrato: o ateísmo religioso em Schopenhauer e Nietzsche.  Importante também é o fato de Schelling já defender  o conceito de tempo subjetivo intuitivamente vivenciado.

O vitalismo de Henri Bérgson
Para o conhecimento da arquitetura desenvolvido no período pós-guerra, principalmente após o "maio-vermelho" de 1968, são mormente os enfoques vitalistas que serão considerados.  O vitalismo é na atual fase do capitalismo um fenômeno internacional em visível luta pelas almas no campo do conhecimento arquitetônico.  Um dos seus principais teóricos é o influente filósofo francês Henri Bérgson (1859-1941) que apresenta contra o positivismo e o materialismo mecanicista uma filosofia idealista e anti-intelectualista que destitui do pensamento conceptual  a capacidade de alcançar a essência da realidade e eleva a intuição à condição de órgão cognitivo somente ele capaz de captar o espírito, a liberdade e o movimento.  Segundo Bérgson a verdadeira realidade, o tempo real, a duração, -- distinto do movimento como propriedade da matéria --, só podem ser captadas por meio da intuição.  A inteligência, segundo ele, é incapaz de captar a vida em sua unidade, em seu criativo desenrolar, bem como, a consciência em sua furtiva origem.  Para Bérgson a inteligência só capta plenamente o mundo dos corpos sólidos e do espaço; em si é somente um meio à serviço da vida, comunica em si imagens momentâneas de uma realidade dinâmica e mutável.  A isso Bergson chama de duração ou o tempo psicologicamente vivenciado, colocando-o em acentuada contradição com o tempo matemático, astronômico, o qual para ele não passa de uma construção auxiliar das ciências naturais e é entendido como uma dimensão do espaço.

Para Bérgson a duração constitui a real realidade, ou seja, as coisas em si.  Para captar essa realidade espiritual em sua pureza, é necessário um elemento cognitivo totalmente distinto do da inteligência, ou seja, a intuição, a qual segundo Bérgson, constitui uma forma mais desenvolta do instinto o qual, independente de qualquer conceito, capta o livre impulso da vida em todas as suas formas existenciais e em nossa própria vida espiritual.  Desse impulso da vida, onde tudo é intensidade e onde tudo penetra tudo, deriva uma longa sequência de condições cada vez mais discursivas, fragmentadas e espacializadas que vão até o mundo da matéria e do espaço homogêneo, ou seja, ao ponto final da deterioração da energia espiritual.

A esse enfoque soma-se a interpretação de Bérgson quanto à relação entre a alma e o cérebro.  Ele despreza a teoria da psicofísica e abarca um dualismo peculiar o qual vê no cérebro uma continuação da alma sob forma de um órgão para a realização de nossos atos e a expressão pantomímica da vida espiritual.  Dessa forma Bérgson retrocede da experiência à intuição, da fisiologia ao vitalismo, encaminhando-se ao sobrenatural como força motriz do universo.

Em seu livro Duração e simultaneidade, Bérgson resume as ideias de suas obras ante-riores.  Entende a duração como continuidade da vida interior do homem.  O tempo do mundo exterior forma "certa participação sentida, vivida, do mundo material que nos rodeia, nesta duração eterna." (51 p. 48 Askim)  Distinguindo-se do idealismo tradicional e, diga-se de passagem, do materialismo dialético, declara que a realidade não é a matéria, nem a idéia como tal, mas a duração.  Para ele a duração não é simplesmente real: apresenta-se como encarnação da própria realidade, que se reduz àquela.  Ora, como a duração do ponto de vista de Bérgson, é algo subjetivo, imanente à consciência, o resultado de toda a teoria consiste em subjetivar a realidade.

Bérgson foi contemporâneo de Einstein.  No livro antes mencionado é descrito como tentou contrapor-se à teoria da relatividade do mesmo.  Não só rechaçando-a como tentando explicá-la a seu modo:

"A essência da teoria da relatividade baseia-se em pôr num mesmo plano a visão real e as visões virtuais".

Tornou-se inevitável o choque aberto entre Bérgson e Einstein, o que realmente aconteceu no seio da Sociedade Francesa de Filosofia, em abril de 1922.  Bérgson, ao expor na presença do fundador da teoria da relatividade, o conceito de duração, compreendida em seu limite como certo tempo universal, tentou sustentar a ideia de que "não existe antagonismo entre tal critério e a concepção relativista do tempo".  Einstein, na sua resposta, replicou breve, mas energicamente a Bérgson, manifestando não compartilhar em absoluto de suas ideias acerca do tempo. Jean Becquerel, Louis de Broglie e outros físicos posicionaram-se contra a doutrina idealista do tempo, defendida por Bergson, por relacionar o tempo exclusivamente com a natureza viva e negar categoricamente suas existente na natureza inerte.  Mas não é isso o que afirma a ciência.  Os resultados da geologia moderna, por exemplo, partem da determinação do tempo geológico absoluto determinando a idade das rochas e dos minerais.

Quando de seu enfoque sociológico Bérgson justifica a exploração e a agressão militar, e apresenta a dominação e a submissão de classe como o estado natural da sociedade, enquanto a democracia baseada sobre princípios de liberdade e igualdade seria antinatural.  As guerras seriam a consequência de inelutável lei da natureza, o que explica a sua ampla aceitação por teóricos do nazismo alemão e do fascismo italiano.  Bérgson sobreviveu incólume a todo o período de ocupação nazista da França enquanto que pensadores como George Politzer foram sumariamente fuzilados por propagarem ideias avessas ao nacional-socialismo.
 Teóricos idealistas da arquitetura invocam frequentemente Bérgson em favor de uma arquiteturologia que não necessite ser molestada pelos reflexos das contradições sociais na mesma.  Faz-se da intuição um conceito místico sob o pretexto de que a consciência é capaz, às vezes, de encontrar, repentinamente, a solução deste ou daquele problema.  Na realidade, se a consciência advinha por intuição a verdade, deve-o à experiência vivenciada, aos conhecimentos concretos adquiridos precedentemente e não à intuição concebida como uma espécie de conhecimento especial, inato, que não decorre da vivência, excluindo a atividade lógica da consciência.

Uma coisa é entender intuição como algo exclusivamente pessoal, algo que esperamos ser reconhecido sem questionamento.  Quem assim pensa geralmente reage sensitivamente evitando crítica e ensinamento.  O outro extremo seria o de querer pensar só em termos de conceitos e habilidades profissionais.  Não escorregar  para tais extremos implica considerar o desenvolvimento histórico do conhecimento à respeito.  As teorias sobre o inconsciente seguiram etapas lógicas sucessivas as quais, à partir de concepções idealistas,  hoje situam-se intimamente ligadas à teoria moderna dos princípios de organização funcional e dos mecanismos da atividade cerebral.   A esfera do inconsciente é hoje estudada como o domínio de processos cerebrais e de reações psicológicas pelos quais o organismo humano responde aos sinais, sem que toda reação ou certas fases da mesma sejam apreendidas pela consciência.  O inconsciente é também estuda-do num outro plano, do ponto de vista das relações que se estabelecem em diferentes condições entre o mesmo e as atividades da consciência.  De ambos planos decorre o problema de melhor conhecer os mecanismos e os limites das influências exercidas pela regulação não consciente sobre a dinâmica das distintas funções psicológicas e fisiológicas e sobre o comportamento em seu conjunto.  O enfoque materialista-dialético desse problema  é o de reconhecer a consciência como de natureza social; decorre do trabalho e é historicamente determinada.  Com base nesse princípio é que a teoria psicológica da consciência (vista como o conhecimento de qualquer coisa, a qual como objeto se opõe ao sujeito que dela toma conhecimento) tem facilitado enormemente o estudo ulterior das manifestações não conscientes do psiquismo e da atividade nervosa superior.

Como trabalhadores da arquitetura é fundamental o cuidado da nossa capacidade sensorial de vivenciar o espaço arquitetônico, de tornar-nos sensorialmente o mais abertos à captação das sinalizações e significados espaciais.   Como trabalhadores da arquitetura que fazem confiança ao enfoque materialista dialético é natural que incluamos toda a materialidade e dinâmica social no nosso conceito de espaço.   Nosso conceito de espaço é muito mais rico e complexo do que o daqueles que veem o objeto da arquitetura limitado a uma questão de lugares a serem usados, de continentes à espera de um conteúdo social abstrato e não objetivado.   Não ampliamos a nossa capacidade de compreensão da arquitetura simplesmente lançando o nosso olhar para à mesma, mas procuramos conhecê-lo melhor por meio da experiência das mesmas.  A experiência arquitetônica constitui um ativo processo humano que implica em ser receptivo, em captar e demonstrar a espacialidade da ação recíproca entre a vida e o seu cenário.  Implica, outro tanto, em se adestrar quanto à comunicação a si e a outrém do vivenciamento dessa espacialidade.

Como experimentamos a arquitetura varia de indivíduo para indivíduo, além de variar pelo fato de que o fazemos em distintas circunstâncias.   É relatando nossas experiências individuais à caracterização social de nossa participação na sociedade humana maior -- às nossas qualidades como integrantes de segmentos e classes sociais --, e às categorias de totalidade da compreensão do real: cultura, história, democracia etc. que conseguimos depassar as limitações do enfoque meramente individual e comumente individualista da arquitetura.  Para tanto a história nos proporciona instrumentos coletivos, sob formas socialmente organizadas, de produção da consciência coletiva.  Só inserindo a nossa experiência individual nessas formas socialmente organizadas avançamos para  a produção de uma arquitetura que expressa, em grau decrescente, os conflitos antagônicos da sociedade capitalista, apontando, em grau crescente, para uma  sociedade melhor e mais justa.

A luta prática por uma sociedade melhor implica uma luta correspondente ao nível das ideias.   A filosofia de Bérgson, voltando os olhares para o irracionalismo, foi dócil ao avanço do emprego do braço armado do capitalismo em favor da propriedade privada, do melhor fluxo da concentração de capital e da concretização de mais valia.  È da análise da atuação do Estado capitalista contra as forças progressistas da sociedade que se esclarece o verdadeiro conteúdo e termina o caráter abstrato da filosofia.   Quanto a isso produção filosófica de Bérgson decididamente não foi favorável à luta pelas luzes, pela liberdade e pela autodeterminação dos povos.

Continúa em próxima postagem. . .

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