segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

MILTON SANTOS: POR UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO — A DE TODOS !

Délio Mendes

Além de militante comunista Délio Mendes milita como professor jamais perdendo nesta militância a prática e a visão humanista. Alimenta a esperança cotidiana de que o mundo poderá ser muito melhor, e coloca nesta esperança utópica a força de seu pensar e a ternura da sua escrita.


Para o mundo intelectual brasileiro entrou em encantamento um dos seus principais pensadores. E se encantou em plena produção, no seu momento mais fértil. Produzia uma crítica à globalização considerando que a mesma tem sido levada a efeito do ponto de vista do capital financeiro. Propunha uma outra globalização. Intelectual estudioso do espaço e do tempo compreendeu, em seu tempo, o espaço como produção do homem em relação com a totalidade da natureza e a intermediação da técnica. Técnica que corresponde a um tempo determinado pela produção dos homens. Homem do seu tempo, Milton Santos se fez presente em todos os grandes embates intelectuais da última metade do século passado. O seu tempo e o seu espaço foram o tempo e o espaço da globalização. Que ele queria que fosse outra. Ou melhor, a outra, a globalização de todos os excluídos, resgatados em uma sinfonia de humanização. Milton se fez maestro da paz e da felicidade. Felicidade de todos. Buscou uma globalização que unisse todas as mulheres e todos os homens, sob a égide do encontro.

Conheci Milton, no Recife, em 1978, quando estava às voltas com a Pobreza urbana. Inovava ao compreender o mundo formal e informal, como duas faces de um circuito comandado desde a acumulação ampliada do capital.2  Inovava e agitava. Milton era, sobretudo, um agitador. Agitador de ideias, no melhor sentido de um intelectual da sua estatura. Avesso aos partidarismos, falava da isenção do intelectual para exercitar a crítica. Por isso, sempre esteve radicalmente ao lado do seu povo. Em Pobreza urbana se faz crítico de um debate sobre a desigualdade que se presta, mais e muito mais, à louvação mesquinha de intelectuais vazios entre si, do que a colocação correta e crítica dos grandes problemas da exclusão.

Indubitavelmente, o tom de certos trabalhos, nos quais o jogo conhecido das referências recíprocas entre autores frequentemente substitui uma análise dos fatos, tem contribuído para a perpetuação do debate, que, embora, pretenda atacar o problema em profundidade, perde-se numa guerrilha semântica confusa.3

Esta crítica direta acompanha uma análise da produção intelectual da pobreza que, segundo Milton, pouco tinha contribuído para a resolução dos problemas da pobreza. Para este jogo de vaidades não se contava com a sua participação.

A história do homem, compreendida como a história da superação, fez o autor de Pobreza urbana, um profeta da evolução.

A história do homem sobre a terra é a história de uma ruptura progressiva entre o homem e o entorno. Esse processo se acelera quando, praticamente ao mesmo tempo, o homem se descobre como indivíduo e inicia a mecanização do Planeta, armando-se de novos instrumentos para poder dominá-lo. A natureza artificializada marca uma grande mudança na história da natureza humana. Hoje, com a tecnociência, alcançamos o estágio supremo dessa evolução.4

A visão da técnica, do espaço e do tempo, assume, nesta compreensão, um caráter inovador, na medida em que passa a apreender a dimensão da história de temporalidades técnicas que permite produzir uma sociedade determinada, empregando, de acordo com a técnica predominante, certa quantidade de trabalho humano. Milton abre o conceito território, mostrando-o como o lugar do drama social.

Bom, há nessa desordem a oportunidade intelectual de nos deixar ver como o território revela o drama da nação, porque ele é, eu creio, muito mais visível através do território do que por intermédio de qualquer outra instância da sociedade. A minha impressão é que o território revela as contradições mais fortemente.5

Da relação técnica, espaço, tempo revela-se a história, ou melhor, uma outra história, no palco iluminado expresso no território. Esta outra história aponta para as desigualdades. Faz emergir a exclusão da maioria da população concentrada em um território degradado, onde os pobres de todas as naturezas lutam contra todos os carecimentos.

Milton se mostra mais crítico no livro recente, Por uma outra globalização — do pensamento único à consciência universal.6   onde nos aponte para um mundo de difícil percepção por conta da confusão reinante que nos tem levado à perplexidade. Portanto, toma para análise a realidade relacional do ser humano, e a esta realidade relacional perversa atribui os males revelados pelo território. Não aceita explicações mecanicistas pelo seu caráter insuficiente. Atribuindo ao desenrolar da história, capitaneada por determinados segmentos da sociedade, os males que tornam difícil a vida da maioria das mulheres e dos homens. Coloca na base deste processo confuso, a tirania do dinheiro e da informação, transcende a Marx, e o dinheiro passa a produzir dinheiro, dominando o mundo da produção de mercadorias. Especulação, financeirização. A globalização é feita menor, sob a égide dos bancos e dos banqueiros, criando uma fábrica de perversidades. o desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes.7

Caminhando no terreno da mais valia global, Por uma outra globalização, apreende o papel dos intelectuais. Todos trabalhando a ampliação desta mais valia. Trabalhando para ampliar a produtividade como se este fosse um trabalho abstrato, e não a produção de uma vantagem para o capita1.8  É preciso reconhecer este momento e a sua peculiaridade. A de ser um momento para o capital. E todas as ações movem-se na direção do reproduzir para os ricos. Entretanto, se esta é uma constatação, não é, felizmente, uma fatalidade. Milton nos aponta para um outro conhecimento. Para modificar o mundo. Para que o conhecimento se produza no interior da crítica, sem abstrações alienantes, sem reconhecimentos incompletos que produzem falsas compreensões e encobrem os verdadeiros dramas sociais. E, assim, pode-se evitar a espera para que cresça o bolo, evitando a indigência de uma quantidade grande de seres humanos.

É o início de uma outra cognoscibilidade do planeta. Um planeta que conta com todas as possibilidades de ser desvendado. Mas, nem sempre o conhecer é possível. A informação nem sempre se propõe a informar, e sim, a convencer acerca das possibilidades e das vantagens das mercadorias. O que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde.

 A contradição se faz e se refaz na impossibilidade de se produzir, de imediato, uma informação libertadora. A alienação é a face que brota aguda da globalização financeira, da globalização do dinheiro. Encanta-se o mundo. O princípio e o fim são o discurso e a retórica. Então o que fica para o ser comum é a farsa do consumo. Não há referência à transformação do espaço e do tempo. O homem consumidor caminha no espaço do desconhecimento do mundo relacional e do falso e alardeado conhecimento do mundo das mercadorias. O fetiche, como e desde sempre, se realiza no ocultamento do valor de troca e no falso evidenciamento do valor de uso. É a utilidade que aparece, e que é proclamada em todo o universo informacional. Fala-se ao peito sangrando das mulheres e homens que não são consumidores. Para a competitividade, tem-se de chamar os consumidores, tem-se que oferecer o melhor, o mais barato, produzido desde a produtividade aumentada pelo trabalho dos intelectuais. Tudo para melhorar a competitividade.

Para Milton, a competitividade é a ausência de compaixão. Tem a guerra como norma, e privilegia sempre os mais fortes em detrimento dos mais fracos. Busca fôlego na economia e despreza os que pensam mais para além. Para tudo isso, também contribui a perda da influência da filosofia na formulação das ciências sociais, cuja interdisciplinaridade acaba por buscar inspiração na economia.I0   Esta é uma das mais importantes reflexões levadas a efeito no interior de Por uma outra, na medida em que coloca um ponto focal que não e localizado costumeiramente no campo da ideologia. Cientistas sociais dos mais diferentes matizes sucumbem aos encantos da facilidade dos números e do falso realismo de uma formulação econômica ideologizada, que esquece os seres humanos e os substitui pelas equações e as tabelas estatísticas que ilusionam os dirigentes e metem medo a todos os que não querem padecer no inferno apontando pelos proclamadores da nova única. Se não aceitas as premissas e as evidências das projeções estatísticas da nova única, serás responsável pelo caos que há de vir.

Empobrece a ciência social em geral, nada para além da numerologia estatística. Investir nos setores sociais acarreta um custo que o capital não se propõe a pagar, e a ciência se curva, entra em letargia, deixa o mundo nas mãos dos economistas que vão levá-lo adiante de mãos com a lógica da relação produto capital e competitividade. A ciência humana se faz pobre para interpretar um mundo confuso e conturbado e, desde logo, tudo a ciência econômica. Este enfoque modernoso atinge por caminhos nunca dantes navegados a maioria das falas e dos discursos. Grandes farsas são inventadas e reinventadas. O privilégio continua privilegiando o privilegiado. Os atores mais poderosos se reservam os melhores pedaços do território.11   Inclusive do território do pensar para impedir o pensar. Apoderam-se das mentes e dos corações e, por consequência, das vidas no pleno movimento da vivência. Tudo isto no mundo da competitividade. A competitividade revela a essência do território, os lugares apontam para as lutas sociais, trazendo a tona virtudes e fraquezas dos atores da vida política e da sociedade.

A cidadania se torna menor do que sua percepção. O cidadão pretende transcender o seu espaço primitivo. Todavia, o mundo, expresso desigualmente, não tem como regular os lugares em suas diversidades e, por consequência, a cidadania se faz menor. A desigualdade aponta a impossibilidade da generalização da cidadania. O espaço é esquizofrênico na expressão da exclusão social. Uns homens sentem-se mais cidadãos do que outros. Mas estes homens são apenas consumidores, pois a cidadania depende de sua generalização. Não existem cidadãos num mundo apartado. Não se é cidadão em um espaço onde todos não o são. São consumidores os que expressam direitos e deveres no âmbito do mercado e não no âmbito do espaço público, onde a política é realizada e o poder distribuído. Portanto, este é um mundo de alguns consumidores e poucos, pouquíssimos cidadãos. É preciso construir a cidadania.


A transição (conclusão)

O novo nasce sem que se perceba. Quase na sombra, o mundo muda de maneira imperceptível, todavia constante. Neste início de século, temos a consciência de que estamos vivendo uma nova realidade. As transformações atuais colocam os homens em permanente estado de perplexidade. A poluição e a desertificação se alastram. A superpopulação e as tecno-epidemias etc., tornam o mundo diverso negativamente. A pobreza e a desigualdade são produtos desta forma da produção do modo civilizatório capitalista. Este novo apresenta diferentes faces. Tudo isto como conseqüência da desestruturação da ordem industrial. O atual período histórico não é apenas a continuação do capitalismo ocidental, é mais. Melhor, é muito mais, é a transição para uma nova civilização. Esta transição que está em curso é preocupante para determinadas sociedades, desprotegidas na guerra das nações pela primazia da história.
Milton chama a atenção para esta realidade.

No caso do mundo atual, temos a consciência de viver um novo período, mas o novo que mais facilmente apreende-se diz respeito à utilização de formidáveis recursos da técnica e da ciência pelas novas formas do grande capital, apoiado por formas institucionais igualmente novas. Não se pode dizer que a globalização seja semelhante às ondas anteriores, nem mesmo uma continuação do que havia antes, exatamente porque as condições de sua realização mudaram radicalmente. É somente agora que a humanidade está podendo contar com essa nova realidade técnica infomacional. Chegamos a um outro século e o homem, por meio dos avanços da ciência, produz um papel de elo entre as demais, unindo-as e assegurando a presença planetária desse novo sistema técnico.I2

É necessário, para compreender esse novo, o conhecimento de dois elementos fundamentais na formação social das nações: a formação técnica e a formação política. Uma permite a compreensão dos elementos tecnológicos que formam as composições necessárias à produção, a outra indica que setores serão privilegiados com a organização possível da produção. Na prática social, sistemas técnicos e sistemas políticos se confundem e é por meio das combinações então possíveis e da escolha dos momentos e lugares de seus us que a história e a geografia se fazem e refazem continuamente.I3 Desde esta compreensão, esta nova sociedade pode, inclusive, abrir uma nova época com a colocação de um novo paradigma social. Este paradigma pode ser posto como: a superação da nação ativa pela nação passiva.
Ou melhor, voltando ao velho Marx: a nação em si é superada pela nação para si. Para isto, é necessário que o velho/novo mundo periférico retome um projeto político de independência, fora dos moldes de projetos como o Mercosul, que nada mais representam do que a dependência em bloco, na medida em que este tipo de associação só serve à subserviência coletiva, levando grupos de países periféricos a deixar de submeterem-se isoladamente, para cair em bloco nos ardis do capital financeiro.

Finalmente, utilizando a dialética como referência, Milton mostra a batalha travada entre a nação passiva e a nação ativa, em uma transição política que envolve todos os espaços do viver, desde o espaço da vida cotidiana. A nação ativa, ligada aos interesses da globalização perversa, nada cria, nada contribui para a formação do mundo da felicidade, ao contrário da outra nação dita passiva que, a cada momento, cria e recria, em condições adversas, o novo jeito de produzir o espaço social, mostrando que a atual forma de globalização não é irreversível e a utopia é pertinente. "É somente a partir dessa constatação, fundada na história real do nosso tempo, que se torna possível retomar, de maneira concreta, a idéia de utopia e de projeto".I4 Desde esta compreensão, a globalização é um projeto irreversível da humanidade. Entretanto, não é esta a globalização desejada, e sim uma outra, a de todos.


N o t a s :

1 - Resenha Publicada em Política Democrática — Revista de Política e Cultura, Terrorismo X Democracia. Brasília: Fundação Astrogildo Pereira, Ano 1, n° 2, jun-set2001, Trimestral, 212 pág., 2001, pp. 191-197. Sobre o livro: Por uma outra Globalização — do Pensamento Único à Consciência Universal, de Milton Santos, São Paulo: Record, 2000.

2 - SANTOS, Milton. Pobreza Urbana. São Paulo — Recife: Hucitec/UFPE/CNPU, 1978.

3 - SANTOS, Milton. op. cit., 1978, p. 29.

4 - SANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo. São Paulo: Hucitec, 1994, p. 17.

5´- SANTOS, Milton. Entrevista com SEABRA, Odete; CARVALHO, Mônica & LEITE, José Corrêa. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000, p. 21.

6 - SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização — do Pensamento Único à Consciência Universal. São Paulo: Record, 2000.

7 - SANTOS, Milton. op. cit., 2000, p.19.

8 - SANTOS, Milton. op. cit., 2000, p. 31.

9 - SANTOS, Milton. op. cit., 2000, p. 39. Região Metropolitana do Recife: Globalização e Política

IO - SANTOS, Milton. op. cit., 2000, p. 47.

11 - SANTOS, Milton. op. cit., 2000, p. 79.

12 - SANTOS, Milton. op. cit., p. 142.

13 - SANTOS, Milton. op. cit., 2000, p. 142. SANTOS, Milton. Pobreza Urbana. São Paulo — Recife: Hucitec/UFPE/CNPU, 1978.
1994
. - - - Técnica, Espaço, Tempo. São Paulo: Hucitec,
. - - - Por urna outra Globalização — do Pensamento Unlco à Consciência Universal. São Paulo: Record, 2000.

14 - SANTOS, Milton. op. cit., 2000, p. 160.

Délio Mendes - Entrevista com SEABRA, Odete; CARVALHO, Mônica & LEITE, José Corrêa. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000.


terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

NOVAS VILAS PARA O BRASIL COLÓNIA Planejamento espacial e social no século XVIII Parte IX (e última):



Roberta Marx Delson

Tradução: Fernando de Vasconcelos Pinto


Roberta Marx Delson, nascida na cidade de Nova York, recebeu o seu MA (Master of Arts, mestrado em Ciências Humanas) e o seu PHD (Philosophy Doctor, doutorado) em Estudos Latino-Americanos e História na Universidade de Colúmbia. Lecionou na Universidade Estadual de Rutgers (em New Brunswick, estado de Nova Jersey) e na Universidade de Princeton (em Nova Jersey), e tem trabalhado como consultora em programas de estudos latino-americanos e também para o Serviço do Patrimônio Histórico do Estado de Nova Jersey. Atualmente é lente da Academia da Marinha Mercante dos Estados Unidos. Suas obras publicadas compreendem o presente livro, cuja edição original em inglês, data de 1979, Readings on Caribbean History and Economics (Conferências sobre a História e a Economia do Caribe,) (1980) e Industrialization in Brazil: 1700-1830 (1991), esta em coautoria com John Dickenson, bem como muitos artigos especializados. Presentemente está elaborando The Sword of Hunger: A Latin-American History (A Espada da Fome: Uma História da América Latina), conjuntamente com o eminente brasilianista Robert M. Levine.


O PROGRAMA DE NOVAS VILAS NUMA VISÃO PANORÂMICA.

É claro que a intenção de Portugal ao criar novas vilas pelo interior do Brasil era mais que um simples exercício de estética. No final do século XVIII, as reformas urbana e fundiária haviam modificado estruturalmente, ou pelo menos desafiado, muitas das instituições mais caras da colônia. Durante todo o tempo em que o objetivo principal do programa evoluiu de uma tentativa inicial de estabelecer um controle, por meio de uma rejeição tanto da oligarquia agrária como do princípio da sesmaria e, finalmente, para um programa em grande escala de reforma das normas culturais do Brasil, a fórmula permaneceu essencialmente a mesma: estabelecer uma municipalidade bem construída, provê-la de administradores leais e certificar-se de que a sua autoridade não fosse trans-gredida. Essa abordagem normativa aplicava-se não apenas às colônias de açorianos, mas igualmente às comunidades indígenas; tratava-se de um plano diretor no sentido mais lato do termo.

Estilisticamente, o formalismo barroco das vilas interioranas do Brasil adequava-se perfeitamente às metas ostensivas da Coroa portuguesa. Tendo chegado à conclusão de que o crescimento urbano regulamentado era indispensável para aumentar o controle governamental, os portugueses, em suma, estavam buscando uma política urbano-estatal que diferia pouco das estratégias coetâneas empregadas na Europa. É um fato amplamente reconhecido que o planejamento urbano na Europa setecentista apresentava uma correspondência notável com a filosofia da época. Praças rigorosamente quadradas e alturas e fachadas das edificações uniformes eram as contrapartes físicas das preferências daquela época pela regulamentação e racionalidade do comportamento. Em vez de deixar o crescimento da cidade seguir um curso aleatório e sem controle, o urbanista do século XVIII confiava em planos diretores previamente elaborados que se caracterizavam por um cumprimento rigoroso da fórmula da regularidade tanto na aparência como nas medidas. Tal era a abordagem racional do desenvolvimento urbano; ela demonstrava esmagadoramente a capacidade do homem de submeter a natureza e a sociedade às suas próprias exigências.

Assim sendo, as vilas criadas no Brasil no fim da era colonial necessariamente apresentavam algumas analogias surpreendentes com os projetos urbanos europeus da mesma época. Comparando-se, por exemplo, a criação de São Petersburgo, no noroeste da Rússia, com o estabelecimento de Vila Bela, em Mato Grosso, torna-se evidente que se visava a objetivos semelhantes. Em primeiro lugar, ambos os núcleos urbanos foram construídos em regiões remotas, com a finalidade expressa de demonstrar aos observadores internacionais que as fronteiras do território nacional haviam sido efetivamente ampliadas. Ambos foram projetados como capitais-vitrinas, exigindo o concurso de uma numerosa força de trabalho no esforço da construção. Nos dois casos foi necessário recorrer à coerção para formar o núcleo demográfico inicial. Finalmente, ambos os centros urbanos revelaram a influência do monumentalismo, o idioma barro-co então popular da grandiosidade.1

O planejamento urbano no Brasil, e na Rússia também, foi considerado como uma expressão das ideias da política do bom governo. A mentalidade setecentista europeia estava convencida pelos filósofos iluministas (entre eles Montesquieu) de que a vida decente consistia em obedecer às leis do gênero humano. A verdadeira liberdade consistia não necessariamente em fazer o que se queria, mas sim o que se devia fazer, de acordo com leis naturais, mas estabelecidas.2  O busílis aí era definir o que constituía a lei natural; de que maneira um governo benevolente, ou iluminado, podia esclarecer as questões, desenvolvendo códigos de conduta que enfeixassem as normas esperadas. Uma administração verdadeiramente moderna dessa época considerava a regulamenta-ção e a ordem como o outro lado dessa lei natural; por conseguinte, a boa política pressupunha uma abordagem sistematizada do funcionamento da sociedade, em lugar da atitude do laisser-faire (não interferência). Para autoridades bem-intencionadas, mas com pouca ou nenhuma fé real no seu semelhante, era claro que um governo mais rígido era preferível à ausência total de governo.

No Brasil, essa filosofia do Iluminismo orientou o desenvolvimento do programa de construção de vilas. Consequentemente, a configuração da vila cuidadosamente desenhada e executada foi racionalizada como uma representação simbólica da boa política administrativa, um aferidor do funcionamento suave da sociedade. Dentro desse contexto, a lógica das declarações do ouvidor Monteiro3  de que casas análogas em Porto Seguro assegurariam a ordem interna é evidente; se cada habitante fosse obrigado a ajustar-se a um modelo padronizado de casa e de estilo de vida e, além disso, possuísse exatamente as mesmas comodidades que seus vizinhos, as causas de inveja e conflitos seriam eliminadas. Daí se poder esperar que os membros da comunidade coexistissem naturalmente dentro dos parâmetros de uma lei benevolente.

Por tentador que seja analisar o fenômeno da vila criada a partir do zero no Brasil como um reflexo do Iluminismo em plagas distantes, afirmar que a única motivação subjacente à política portuguesa era a vontade e implantar novos padrões intelectuais europeus seria um engano. O programa de construção de vilas era decididamente mais abrangente que uma simples pretensão filosófica de missões civilizatórias a em-preender, quando, exatamente no próprio século XVIII, os objetivos dos portugueses para a sua colônia e a sua maneira de vê-la tomaram um rumo inteiramente novo. Portanto, é essencial relembrar essas características peculiares do século XVIII, não só para perceber as diferenças em relação aos dois séculos de ocupação anteriores, mas também para adquirir um discernimento de todos os efeitos da nova política das vilas.

Em primeiro lugar, deve-se assinalar que o volume total da construção urbana aumentou extraordinariamente no século XVIII, enquanto o interior era aberto lentamente para a colonização (Figura 27). Na realidade, no decurso do século XVIII, pode-se observar uma série de vagas ou fases de povoamento urbano, que primeiramente avançaram rapidamente pelo interior e só na última década refluíram para o litoral, num ressurgimento da planificação urbana e da fundação de novos centros na faixa costeira. Conforme se demonstrou em capítulos anteriores, um modelo padronizado de vila foi sintetizado num código de construção, simplificando o processo de edificação. Aroldo Azevedo observou que nada menos que 118 comunidades foram elevadas à categoria de vila no Brasil no decorrer do século XVIII.4  Embora nem todas se tenham ajustado às novas normas urbanas (muitas dessas vilas, sobretudo as da zona de mineração, evidentemente foram criadas a partir de núcleos já existentes), a orientação geral para a regulamentação foi uma característica desse ciclo, e, na minha opinião, a maioria dessas novas comunidades obedeceram ao modelo predeterminado.
 
O século XVIII também assistiu ao crescimento da importância dos engenheiros militares, não só em Portugal, mas no Brasil também. Não raro esses engenheiros eram encarregados exclusivamente da construção de novas comunidades no sertão, e era muito lógico esperar que a ins-trução militar desses homens os tornasse afeiçoados a um modelo de vila que destacava a retilineidade e a sistematização. Como salientara o arquiteto e urbanista renascentista italiano Leon-Battista Alberti (Gênova, 1404 -- Roma, 1472) quase quatro séculos antes,6  ruas retas eram um símbolo da imponência de uma cidade, e mais , fáceis de controlar, as vielas tortuosas das comunidades não planificadas ofereciam a turbas de camponeses rebeldes (ou de soldados ou índios, no caso do Brasil) muitas possibilidades de se esconderem dos olhos vigilantes das autoridades.

Fig. 27 - Localização de aglomerações urbanas planificadas no Brasil-colônia.

Outra característica peculiar do século XVIII, que se tornou particularmente percep-tível depois da ascensão de Pombal ao poder, foi a freqüência com que os administradores portugueses operaram no nível macroeconômico do desenvolvimento. Malgrado a maior parte dos estudos convencionais da história latino-americana descreva os administradores reais portugueses como altamente ineptos,7 as informações apresentadas aqui comprovam que a Coroa tinha um plano de modernização de grande alcance que abrangia o Brasil inteiro e que foi executado por etapas no decurso do século XVIII. Pombal percebeu facilmente a vantagem de estabelecer conjuntos coordenados de vilas em regiões tão diferentes como o extremo Oeste, o Amazonas e o Sul do Brasil, e seus representantes na colônia seguiram a maré. A percepção do papel de polarização exercido pelas comunidades urbanas mais importantes determinou a localização de muitas das novas municipalidades.

Dentro dessa linha de pensamento deduziu-se que a diversificação da produção dos centros interioranos acabaria resultando na ampliação dos mercados dos núcleos urbanos importantes, assim como estimularia o abrimento de novas estradas comerciais no interior. As comunidades padronizadas do Pantanal devem a sua origem a esse reconhecimento, assim como a rede de vilas de abastecimento criada em Porto Seguro. Esses planejamentos regionais, reforçados pelo compromisso oficial com a via comercial fluvial Guaporé -- Madeira e com o estabelecimento de companhias comerciais (e. g., a Companhia do Grão Pará e Maranhão), evidenciaram um tipo de reflexão sistemática acerca do potencial do Brasil que só fora possível depois que se penetrou oficialmente no interior na década de 1700. Além disso, essa reflexão sistemática demonstrou uma compreensão extremamente sofisticada e surpreendente-mente precoce da mecânica dos esquemas de planejamento regional de estilo moderno.

Ela também constituiu uma comprovação suficiente da eficiência crescente evidenciada pelos administradores portugueses e do seu êxito em fixarem as metas de longo alcance para o controle da colônia. Por conseguinte, esta análise refutaria os historiadores que referem o início do governo absoluto no Brasil ao começo da era pombalina.8   Embora a concepção notável de Pombal de que o planejamento de vilas era equivalente a europeização indubitavelmente tenha acrescentado uma nova dimensão ao esquema joanino original, é patente, na legislação examinada neste estudo, que já havia sido desenvolvido e aplicado no Brasil um modelo de governo absolutista muito antes de o marquês chegar ao poder. O rnodus operandi pelo qual o sertão podia ser reduzido à submissão, mediante a criação de municipalidades disciplinadas, foi delineado claramente nos primeiros anos que se seguiram aos achados de ouro dos bandeirantes, e mudou pouco até o meado do século.

Outra questão em que a presente análise diverge das concepções convencionais relati-vas ao século XVIII é o conceito geralmente aceito de que os portugueses procuraram conter a migração de brasileiros para o litoral do País depois das descobertas de ouro. Celso Furtado, por exemplo, afirmou que foram tomadas medidas enérgicas para dificultar a relocalização no Brasil de açorianos e outros imigrantes.9   Entretanto, esta análise mostrou que a inclusão de imigrantes portugueses (casais) em projetos de colonização para o Sul e a Amazônia era considerada uma parte desejável e mesmo essencial do programa de construção de vilas. Por exemplo, Rolim de Moura preferiu povoar a sua capital longínqua, Vila Bela, com recém-chegados da Europa a reunir nela os errabundos e faiscadores bandeirantes. Com referência a isso, ao longo de toda a via fluvial do Madeira, uma zona através da qual muita riqueza de contrabando provavelmente se escoaria, a Coroa achou prudente fundar comunidades não apenas com residentes no local, mas também com colonos europeus. Embora se possa alegar que, a despeito dos planos meticulosos para os imigrantes europeus, os portugueses na realidade não contribuíram muito para o seu bem-estar, isso não invalida a sua clara preferência por colonos europeus no povoamento das zonas escassamente ocupadas do Brasil.

Uma questão talvez menos evidente em que se pode insistir, com referência ao programa de novas vilas, é que ele representa uma inversão no modelo tradicional de transferência cultural.

Antes do século XVIII, a assimilação cultural no Brasil, quase invariavelmente, havia se orientado das zonas costeiras para dentro, em direção ao interior; em consequência disso, a mudança no sertão foi um processo lento decorrente das modificações operadas inicialmente em comunidades litorâneas. Todavia, na década de 1700, a maior parte das experiências urbanas foi levada a efeito pela primeira vez em povoações interioranas. A tendência de arborizar as composições urbanas apareceu primeiramente nas praças cercadas de árvores de postos avançados fronteiriços.10  O cuidado extremo com o detalhe, igualmente, foi visto primeiramente em comunidades longínquas tais como Mocha, no Piauí. Incontestavelmente, o fato de os portugueses estarem construindo da estaca zero no interior permitiu-lhes efetuar inovações numa escala impossível nas cidades costeiras já construídas. Não obstante, a imitação cuidadosa dos desenhos barrocos europeus e a tentativa consciente de lançar os postos avançados do sertão na corrente principal da cultura europeia indicam que os administradores provinciais estavam tão cientes das tendências artísticas usuais no Velho Mundo, e dispostos a adotá-las, quanto seus confrades do litoral. Na realidade eles muitas vezes estavam        à frente dos seus contemporâneos da costa.

Da mesma forma, observa-se uma modificação interessante no fluxo da assimilação cultural entre o país-metrópole e a colônia brasileira. Certamente é evidente que o impulso de planejamento e o princípio diretor do programa de construção de vilas do século XVIII tiveram origem nas pranchetas de desenho em Portugal, com plena aprovação do governo. Não obstante, antes do terremoto de Lisboa (1755), poucos projetos urbanísticos haviam sido executados no próprio país. Embora arquitetos portugueses fossem mandados a outros países para aprender as últimas tendências arquitetônicas e engenheiros estrangeiros fossem trazidos incessantemente à corte portuguesa e enviados além-mar, é evidente que no Brasil colonial havia maiores oportunidades para a experimentação urbana do que na metrópole. Por falta de cidades mais antigas necessitadas de reforma urbana, o sertão brasileiro constituía um campo de provas para os conceitos de planejamento barrocos portugueses. Muitas dessas inovações -- na perspectiva, na uniformidade das fachadas e na iteração dos elementos arquiteturais -- reapareceram pelo meado do século na reconstrução de Lisboa. As amplas praças das colônias de açorianos de Alexandre de Gusmão foram reproduzidas na enorme Praça do Comércio da Lisboa de pós-1755. Da mesma forma, as ordens de padronizar as fachadas das habitações, vistas pela primeira vez nas diretrizes para a criação da vila de Mocha e reiteradas numerosas vezes durante todo o século XVIII, tiveram as suas réplicas nas fachadas cuidadosamente alinhadas e idênticas da malha urbana redesenhada do bairro da Baixa de Lisboa. Portanto, o programa de planificação de vilas constituiu um caso singular, em que a Coroa primeiramente experimentou na colônia e em seguida trouxe os resultados para o país-metrópole.

Outra observação que se deve registrar com referência ao século XVIII em geral e ao programa de planificação de vilas em particular foi que, em última análise, o controle total baseou-se num lento desgaste do poder tradicional das câmaras municipais. À medida que o século avançava, a tendência das autoridades do governo português foi inibir a iniciativa local, e não encorajá-la, tornando as câmaras das vilas praticamente impotentes para agir em seu próprio nome. Dauril Alden enumerou vários exemplos de pequenas vilas do século XVIII que foram obrigadas a renunciar ao poder municipal em favor das autoridades reais. Domínios administrativos tradicionalmente da competência da câmara, tais como a coleta de impostos, a fiscalização das eleições e a administração geral da circunscrição municipal, foram absorvidos gradativamente pelas autoridades da Coroa.11  Nos casos das vilas recém-criadas, a tarefa dos portugueses era simplificada de imediato: lotando um número suficiente de funcionários do governo em cada vila logo no início e interligando essas vilas em redes regionais de funcionamento sintônico, o controle real ficava praticamente assegurado.

Não só a jurisdição da câmara municipal diminuiu no campo político como também, em cada localidade, as pessoas importantes sofreram uma drástica perda de autoridade no tocante ao seu poder de regulamentar a distribuição da terra. Na Idade Média, a responsabilidade pela concessão de terras tinha sido deixada a cargo dos administradores locais. Com a possível exceção da outorga de terra nas poucas cidades reais do Brasil, o tratamento medieval da posse da terra foi transferido intacto para a colônia; dessa forma, primeiramente os donatários e depois os poderosos do sertão ficaram sendo as únicas autoridades em questões agrárias. O direito de aquisição de terra não foi propugnado senão-, anos 1690 e no século seguinte, quando a Coroa aproveitou a oportunidade de ampliar a sua autoridade, assumindo total respon-sabilidade pela distribuição de terras, bem como pela criação de novas vilas. Esse processo foi característico notadamente das povoações de fronteira, onde se negou aos habitantes locais qualquer influência na escolha de terras e, em vez disso, um funcionário designado outorgou a cada um trato de terra para lavrar. Nas metrópoles costeiras maiores, foi igualmente significativo o êxito da Coroa em fomentar a aceita-ção do princípio do domínio público. Assim, mesmo em áreas ocupadas há muito tempo, a Coroa tinha precedência sobre os direitos locais à terra, no caso de surgir uma necessidade efetiva.

Interpretando-se tudo isso numa escala mais ampla, percebe-se que os portugueses estavam procurando não só reformar as práticas brasileiras de posse da terra como desafiar a própria fonte de poder que estava por trás das grandes propriedades. Vendo-se sob esse prisma, é inteiramente plausível que os esforços conjugados para relocalizar colonos das ilhas portuguesas do Atlântico e para reunir os índios tenham sido empreendidos visando a suplantar a linhagem nativa, bem como a fornecer exemplos da cultura europeia. O mais importante para os objetivos de Lisboa era a conclusão evidente de que esses camponeses resgatados sentir-se-iam obrigados à Coroa pela sua boa sorte de serem reassentados. A gratidão podia ser ampliada facilmente até à franca lealdade; certamente não é mera conjetura que no final das contas a Coroa esperava substituir a oligarquia agrária por mini fundiários satisfeitos.

Não obstante vários estudos do Brasil pós-colonial12 terem mostrado que essas tentativas de enfraquecer a classe latifundiária estiveram longe de lograr êxito, não deixa de ser claro que as motivações subjacentes a esses esforços eram notavelmente avançadas para o século XVIII. Apesar dos fracassos, nesse espaço de tempo a Coroa conseguiu estabelecer precedente para o controle da distribuição de terras pela autoridade real, para a supervisão governamental das subdivisões urbanas e para a planificação oficial do desenvolvimento interiorano. Hoje se percebe claramente que a Coroa superestimou as suas possibilidades; contudo, o desafio à ordem social e econômica colonial vigente evidentemente estava séculos à frente do seu tempo e era sem paralelo em matéria de política colonial naquela época.

Essa compreensão extraordinariamente moderna dos grandes problemas que o desen-volvimento do Brasil enfrentava salta aos olhos quando se confronta o tratamento português da construção de vilas com 6 dos seus vizinhos do hemisfério ocidental. O trono espanhol havia manifestado preocupação com a regulamentação urbana ainda na Idade Média, quando textos clássicos sobre o assunto eram lidos avidamente. Essa predileção pelo crescimento urbano controlado transmitiu-se às colônias do Novo Mun-do, pois em 1502 o governador Ovando dotou a cidade de São Domingos [capital da atual República Dominicana, que, junto com o Haiti, formava a ilha de Hispaniola] com uma disposição das ruas grosseiramente retilinear. 71 anos depois, as idéias espanholas de planificação urbana foram codificadas nas chamadas Leis das índias, que supostamente expunham detalhadamente uma fórmula a ser seguida para toda nova vila fundada no Novo Mundo. Essas leis impunham a criação de cidades em xadrez, construídas com base em progressões geométricas teóricas. Uma pequena vila seria baseada num quadrado perfeito composto de nove quarteirões. As comunidades maiores seriam construídas em disposições de cinco quarteirões por cinco, enquanto as excepcionalmente grandes podiam atingir um máximo de 81 quarteirões. Cada comunidade devia ter a forma de um quadrado perfeito e tinha de ser orientada de acordo com as correntes eólicas predominantes no local. O quarteirão central dessa composição era destinado à praça da vila.13

O modelo espanhol da Lei das índias era uma adaptação de fórmulas renascentistas de planejamento urbano. Ele objetivava produzir cidades ideais, seguindo o modelo clássico apresentado nos escritos do antigo planificador romano Vegetius.14 A preocupação principal do modelo espanhol era como a comunidade aparecia no papel; a sua realidade tridimensional parece ter sido secundária.

Estilisticamente, tanto o tratamento espanhol como o português da planificação de vilas eram rígidos, embora este último desse destaque à uniformidade barroca grandiosa. Não obstante, parece que, no século XVIII, enquanto as cidades da América espanhola se desenvolviam cada vez mais organicamente, no Brasil acontecia o oposto. Por exemplo, as vilas chilenas da década de 1700 normalmente apresentavam uma falta de previsão no seu traçado.15  Em regra geral, as vilas coloniais que ficavam longe dos grandes centros da autoridade real, como a cidade do México e Lima, tendiam a crescer desor-denada ou espontaneamente. Nessas condições, há indicações que apoiam o ponto de vista de que os planos espanhóis para as cidades coloniais nunca foram integrados em programas mais amplos com vistas a ampliar o controle real, como aconteceu no Brasil. Só num número restrito de zonas fronteiriças, como partes da Argentina e da Venezuela e no Norte do México, a coroa espanhola realmente procurou regulamentar a sociedade mediante o reassentamento ou a fundação de núcleos primários.16

Essa dicotomia contraria a proposição recente de Morse de que existia uma filosofia ambiental para uma grande parte da planificação urbana colonial espanhola,17  o que, por sua vez, pode ter levado a um afrouxamento do controle sobre o desenvolvimento das vilas no século XVIII. Por outro lado, o princípio diretor preponderante subjacente à regulamentação das vilas no fim da era colonial no Brasil não era o fator econômico, mas sim a associação conscientemente estabelecida entre o crescimento urbano controlado e a aceitação da autoridade real no sertão.

Conquanto a mentalidade moderna possa compreender ou mesmo aceitar a necessidade de uma associação como essa, a vila padronizada resultante que apareceu por todo o Brasil no século XVIII hoje seria menosprezada como apenas uma multiplicidade de Levittowns coloniais. A simetria e a uniformidade das fachadas nas vilas brasileiras significavam o alinhamento de casas simples de portas e janelas sem ornamento algum; a imponência das composições barrocas europeias, tais como a meia-lua de Bath, na Inglaterra, inexiste no cenário brasileiro. A austeridade do modelo colonial, repetida em alas infindáveis de moradias de um só pavimento, dificilmente seria apreciada pelo observador moderno, ensinado a valorizar a inovação arquitetônica.

Porém para os portugueses do século XVIII e seus fiéis partidários do interior, essa regularidade era um símbolo de beleza, sofisticação, civilidade e progresso. Ainda hoje existem urbanistas que preferem firmemente a abordagem colonial sistemática da construção a realizações criativas tais como Chandigarh, na índia, ou mesmo Brasília. Na época atual, de superpovoamento, em que o financiamento de habitações populares pelo governo é impositivo e a pré-fabricação é uma necessidade econômica, as unidades habitacionais padronizadas de uma vila típica do Brasil setecentista, tal como São José de Macapá, fazem cada vez mais sentido.

Além disso, os portugueses parece terem atingido o seu objetivo de aproveitar ao máximo os recursos demográficos limitados. Com base na pesquisa pioneira de Dauril Alden sobre os censos brasileiros do fim da era colonial,18  eu fiz uma avaliação grosseira do grau em que a reunião forçada de indivíduos no interior foi realizada. Em comparação com uma família média de 5,4 pessoas para a totalidade do Brasil, a região do alto Amazonas (rio Negro) tinha uma média de 7,9 pessoas por família; o Pará, 7,6; e Mato Grosso, 7,7. Dauril Alden não conseguiu explicar por que as famílias eram mais numerosas no interior, mas levando-se em conta que os recenseadores incluíam na unidade familiar (fogo) todas as pessoas que vivessem numa mesma, idade habitacional, fossem elas da família ou não,19  o significado desses números torna-se claro. Os dados indicam que as novas vilas cumpriram a função a que se destinavam: atuar como pontos de agrupamento para indivíduos dispersos, a fim de desenvolver melhor aquelas regiões longínquas.

Não existem dados numéricos de real utilidade para um estudo sério sobre a magnitude da população dessas comunidades, uma vez que o recenseamento só se tornou comum no Brasil no final do século XVIII. Além disso, não havia nenhum critério demográfico fixado oficialmente para distinguir entre cidade e vila que pudesse fornecer uma indicação sobre o número mínimo de pessoas que viviam nos novos núcleos urbanos. Mesmo assim, algumas informações pontuais existentes indicam que essas novas vilas, que foram supervisionadas desde o início, continuaram a atrair novos habitantes: uma das vilas da rede de Porto Seguro foi inaugurada com uma população inicial de 130 habitantes; dez anos depois essa população já havia crescido para cerca de 400 almas, segundo uma estimativa.20  Outro exemplo é São José de Macapá, que começou como um núcleo de umas 300 pessoas;21  em 1817, 66 anos depois da sua fundação em 1751, um observador descreveu-a como um dos maiores centros da região.22

Todavia, a lição mais importante que se pode obter da experimentação urbana dos portugueses talvez seja o reconhecimento da necessidade de lidar com os problemas até das comunidades mais remotas. Diversamente dos planificadores de cidades mais antigos, os urbanistas do século XVIII não se restringiram a projetos de grandes cidades. Até mesmo a aldeia indígena mais modesta era considerada digna de receber um tratamento de planificação completa, cujo escopo final era atingir a civilização. Conquanto hoje, passados dois séculos, seja claro para nós que essa concepção de modernização era calcada numa visão etnocêntrica (e tinha uma semelhança desagradável com uma coletivização forçada), os portugueses estavam convencidos de que a cultura europeia era o suprassumo da civilização e, conseqüentemente, a chave do desenvolvimento.

Assim sendo, o governo português e seus fiéis funcionários no Brasil consideravam-se como apóstolos do progresso -- os instrumentos através dos quais a cultura europeia moderna penetraria na sua colônia rústica. A meta do seu programa era a modernização por meio da padronização, não só das ruas e casas, mas também, como a experiência de Porto Seguro demonstra eloquentemente, dos próprios colonos. O século XVIII mostrou reiteradamente que os portugueses não mais admitiriam vilas formadas aleatoriamente como Jaguaripé, na Bahia, traçada sem nenhum ordenamento e baseada apenas nos caprichos arbitrários dos seus habitantes.23   Daí em diante seria diferente: se as vilas e cidades do Brasil fossem construídas segundo os cânones de regularidade do desenho barroco, e se os habitantes de cada localidade se ajustassem aos mesmos princípios na sua conduta, então o Brasil poderia ser considerado europeizado, não obstante a sua formação cultural mista. Pode ser que os europeus daquela época tenham sorrido das plantas das miniaturas dos Versailles e dos Champs-Élysées [famosa avenida de Paris que liga a Place de la Concorde à Place de l'Étoile] criadas a partir de comunidades indígenas; porém os portugueses nunca duvidaram da seriedade da sua missão. O modelo de homogeneidade urbana a que o Brasil foi submetido não poderia deixar de introduzir um estilo de vida mais sofisticado às miríadas de habitantes semibárbaros da colônia e, concomitantemente, um poder mais absoluto para a Coroa. Como o go-vernador Cunha Menezes anunciou tão expressivamente no seu plano para a reconstrução de Vila Boa, a sua capital provincial agora poderia beneficiar-se com o sistema praticado em todas as nações mais adiantadas da Europa.24

Durante os últimos anos do século XVIII também muito tempo depois de instaurado o Império, a prevalência das malhas urbanas ortogonais foi assegurada. Nas localidades onde, ocasionalmente, disposições estilísticas tais como a homogeneidade das fachadas foram abandonadas em favor de um tipo de construção menos onerosa, as aglomerações, alinhadas desde o início segundo as diretrizes modernas, continuaram a apresentar um aspecto regular. Agora se construíam jardins públicos de formas geo-métricas estritas e alamedas metódicas para servir de pulmões para os centros urbanos, ao mesmo tempo em que eles realçavam a invariável regularidade da construção urbana brasileira. Os conceitos de ordem e precisão, outrora ditados pelo programa disciplinar para o interior sem lei, agora se haviam tornado padrões de bom gosto para toda a nação.


N o t a s :      
(1) - Duas descrições da construção de São Petersburgo podem ser encontradas em Eighteenth-Century St. Petersburg, de Tamara Talbot Rice, in Cities of Destiny, de Arnold Toynbee (editor) (McGraw-Hill, Londres, 1968), pp. 242-257; e em Urban Development in Bastem Europe: Bulgaria, Romania and lhe USSR, de E. A. Gutkind (Free Press, Nova York, 1972), pp. 368-395. Ver também Urban Networks in Russia, 1750-1800, and Premodern Periodization, de Gil-bert Rozman (Princeton University Press, Princeton, Nova Jersey, 1976).

(2) - Eugen Weber, A Modern History of Europe: Men, Cultures and Societies from the Renaissance to the Present (W. W. Norton & Co., Nova York), pp. 673-4.

(3) - Ver o Capítulo VII.

(4) - Aroldo Azevedo, Vilas e Cidades, p. 35.

(5) - Como Apêndice deste livro, há um quadro que contém uma relação de novos centros urbanos com alguns dados sobre eles.

(6) - W A. Eden, The De Re Edificatoria de Leon-Battista Alberti, in The Town Planning Review, vol. 19, n" 1 (1943), pp. 15-16. (O humanista e arquiteto Leon-Battista Alberti nasceu em Gênova, em 1404, e faleceu em Roma, em 1472. Em Theogonius, no Tratado da Família e nos seus diálogos, ele propôs o ideal do equilíbrio e da medida. Escreveu ainda Della Pintura e De Statua.

(7) - Uma reiteração clássica desse conceito é encontrada em A Hislory of Latin America: From lhe Beginnings to lhe Present, de Herbert Herring (Alfred A. Knopf, Nova York, 3a edição, 1968), p. 221. Ali se lê o seguinte: Um cotejo da administração portuguesa no Brasil com a espanhola no Peru e no México indica que os portugueses raramente foram tão rigorosos e coerentes quanto os espanhóis

(8) - Por exemplo, Donald E. Worcester, op. dl., considera Pombal como um marco divisório na História do Brasil. Kenneth R. Maxwell, op. cit., também dá um destaque especial à rigorização do regime administrativo no Brasil, que ele relaciona com o início da era pombalina.

(9) - Celso Monteiro Furtado in The Economic Growth of Brazil: A Survey from Colonial to Modern Times (University of California Press, Berkeley, 1965), pp. 80-81.

(10) - Ver a citação de E. A. Gutkind na primeira página do Capítulo VIII, mais atrás. Uma excelente descrição do tratamento paisagístico barroco pode ser encontrada no Capítulo X ("The Leaf and the Stone") da obra The City, of Man: A New Approach to Recovery, of Beauty in American Cities, de Christopher Tunnard (Charles Scribner's Sons, Nova York, 1970), pp. 235-258.
 
(11) - Dauril Alden, op. dl., pp. 309-322 e 422-423.

(12) - Em outro texto, eu fiz uma crítica dos modelos agrários brasileiros. Ver Land and Urban Planning: Aspects of Modernization in Early Nineteenth-Century Brazil, de minha lavra e que, na época em que escrevi este volume, estava prestes a vir a lume em Luso-Brazilian Review. Ver também "Latifundia and Land Policy in Nineteenth-Century Brazil", de Warrren Dean, in HAHR, vol. 51, nº 4 (novembro de 1971).

(13) - Uma tradução para o inglês das leis espanholas de 1573 pode ser encontrada em "Royal Ordinances Concerning the Laying-out of Towns", de Zelia Nuttall, in HA_HR, vol. V, n'2 2 (maio de 1922), pp. 249-254. Ver também "Early Spanish Town Planning in the New World", de Dan Stanislawski, in Geographical Review, vol. XXXVII, n? 1 (1947), pp. 94-105; e Los origenes del urbanismo imperial en América, de ,N, Erwin Walter Palm, Instituto Panamericano de Geografia e Historia, México, 1951). Nenhum dos documentos e planejamento portugueses que examinei continha regulamentações sobre a orientação geográfica das vilas, a não ser a determinação de que a povoação deveria ser fundada num local bem arejado e onde houvesse abundância de madeira e água.

(14) - Woodrow Borah, em "European Cultural Influence in the Formation of the First Plan for Urban Centers that Has Lasted to Our Times", contido em XXXIX Congresso Internacional de Americanistas - Actas e Memorias, vol. 2 (Lima, 1972), p. 53, é de opinião que as plantas espanholas procedem de Vegetius, gênio militar romano, e não de Vitruvius. Por outro lado, uma comparação entre os princípios vitruvianos e as Novas Leis das Índias Espanholas pode ser encontrada em Dan Stanislawski, op. cit..

(15) - Gabriel Guarda, em La ciudad chilena dei siglo XVIII (Centro Editor de América Latina S. A., Buenos Aires, 1968), pp. 18 e 19, examina as comunidades não planificadas do século XVIII. Segundo esse autor, muitos desses núcleos urbanos não planificados originaram-se de antigas aldeias indígenas, ou então de fazendas que foram divididas em pequenas propriedades. As zonas de mineração também tinham muitas aglomerações não planificadas. Isso se aplica também ao México, onde as cidades mineiras de Tasco, Guanajuato e Zacatecas apresentam traçados irregulares; ver Woodrow Borah, op. cit., p. 42.

(16) - Ver, por exemplo, "New Towns of Eighteenth-Century Northwest Argentina", de David Robinson e Teresa Thomas, in Journal of Latin American Studies, pp. 1-33, vol. 6, ri2 1 (1974).

(17) - Ver Richard M. Morse, "Brazil's Urban Development: Colony and Empire", in Journal of Urban Histogi, vol. 1, r1.2 1 (novembro de 1974), p. 42 et passino. É interessante observar que nes-se ensaio o autor manifestamente mudou radicalmente suas concepções iniciais citadas no Capítulo I desta obra. Evidentemente com ba-se na sua leitura de Nestor Goulart Reis Filho (cuja obra é descrita no Capítulo I), Morse ago-ra reconhece a existência de uma tradição de planejamento urbano no Brasil colonial, que culminou com o "triunfo" da malha ortogonal no século XVIII (p. 41).

(18) - Dauril Alden, "The Population of Brazil in the Late Eighteenth Century: Preliminary Study", in HA_HR, vol. XLIII, n" 2 (maio de 1963), pp. 199-200.

(19) - Isso foi observado por Donald Ramos em "The Traditional Mineiro Family: The Adaptative Houseful, 1804-1838", monografia apresentada no Congresso da American Historical Association de dezembro de 1977.

(20) - "Relação Individual do que o Ouvidor da Capitania de Porto Seguro (José Xavier Machado Monteiro) n'ella tem operado nos 10 para 11 annos, que tem decorrido desde o dia 3 de maio de 1767 athé o fim de julho de 1777". AHU-CA, n2 9493.

(21) - A carta de Mendonça Furtado a Alexandre Metello de Souza Menezes datada do Pará, 20 de dezembro de 1751, menciona esse número aproximado. MCM, vol. I, p. 122.

(22) - Manuel Aires de Casal, Corografia Brasílica ou Relação Histórico-Geográfica do Reino do Brasil (1817) (Edições Cultura, São Paulo, 1943), vol. II, p. 252. (23) Essa observação está registrada na legenda da "Planta da Vila de Nossa Senhora da Ajuda de Iaguaripe", 1705. AHU-Iria, ri2 155. (24) Ver o Capítulo VII. Os comentários de Kenneth R. Maxwell sobre a conduta politica do governador confirma a atenção excessiva que este dava ao detalhe. O governador é descrito como um militar rigoroso e elegante rodeado de sicofantas venais e parasitas.... Seu gosto pela aparência e sua lealdade aos seus camaradas sobrepujavam o seu senso de justiça. Op. dl., p. 99


A p ê n d i c e :

Relação das municipalidades coloniais planificadas estudadas e constantes na Figura 27

N.°, Topônimo primitivo Ano' Ano, Topônimo atual, Classificação, Estado.
1- Paranaguá 1646-9 1721 Paranaguá V PR
2 - Curitiba 1661 1721 Curitiba V PR
3 - Mocha (Victória) 1716 Oeiras V PI
4 - Piracuruca 1716 Piracuruca V PI
5 - Cuiabá 1727 D. de 1750 Cuiabá V MT
6 - Fortaleza 1725 Ca. de 1730 Fortaleza V CE
7 - Icó 1736 Icó V CE
8 - Vila Boa 1736-778-82 Goiás V GO
9 - Mariana 1746 Mariana C MG
10 - Aracaty 1747 Aracaty V CE
11 - Vila Bela 1752 — V MT
12 - Bragança 1753 Bragança V PA
13 - São José do Rio Negro (Barcellos) 1755 1762 Barcellos V AM
14 - Borba (Trocano) 1756 Borba V AM
15 - São José de Macapá 1758 São José/Macapá V PA
16 - São João de Parnaíba 1761 Parnaíba V PI
17 - São Miguel 1765 A AM
18 = Balsemão 1768 A AM
19 - Monte-Mor 1768 Baturité V CE
20 - Trancoso D. de 1760 V? BA
21 - Verde D. de 1760 V? BA
22 - Viçosa 1768 V BA
23 - Portalegre 1769 V BA
24 - Prado 1772 V BA
25 - Guaratuba 1768 Guaratuba V PR
26 - Lajes 1766-8 Lajes V SC 27 - Mazagão 1771 Mazagão V AP
28 - Iguatemy (Prazeres) Ca. de 1772 PF SP
29 - Albuquerque 1778 Corumbá V MT
30 - Vila Maria do Paraguay 1778 Cáceres V MT
31 - Casalvasco 1783 — V MT
32 - Aldeia Maria Ca. de 1780 A GO
33 - São José de Mossamedes Ca. de 1780 — A GO
34 - Piracicaba 1808 Piracicaba NR SP
35 - Limeira 1808 Limeira NR SP
36 - Niterói (Praia Grande) 1819 Niterói V RJ
37 - Linhares 1819 Linhares V ES.  
38 - Salvador (Bahia) 1549 1785 Salvador C BA
39 - Rio de Janeiro 1565-67 D. de 1790 Rio de Janeiro C GB
40 - São Paulo 1560 1792-1808 São Paulo C SP.

Notas relativas ao apêndice:

(1) - Ano em que foi concedido o título oficial à localidade, ou então ano de sua fundação.
(2) - Ano da remodelação da localidade surgida sem planificação ou da sua modificação.
(3) - Nesse sistema de classificação, C = cidade; V = vila; A = aldeia; NR = não reconhecida oficialmente na época do planejamento; e PF = praça forte (cidade fortificada). Aléjujiáso, com referência às datas, Ca. de = cerca de; e D. de = década de.
(4) - As siglas dadas nessa coluna correspondem aos seguintes estados: AM = Amazonas; AP = Amapá; BA = Bahia; CE = Ceará; ES = Espírito Santo; GB = Guanabara; GO = Goiás; MA = Maranhão; MG = Minas Gerais; MT = Mato Grosso; PA = Pará; PB = Paraíba ; PE = Pernambuco; PI = Piauí; PR = Paraná; RJ = Rio de Janeiro; SC = Santa Catarina; e SP = São Paulo.