quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Em face do problema da cultura nacional


Em face do problema da cultura nacional

Frank Svensson - Professor titular aposentado da Universidade de Brasilia e membro do CC PCB

 A predisposição biológica e fisiológica para refletir o mundo objetivo é igual para todos os homens. Independente de raça e de origem social, todas as pessoas têm sistemas nervosos iguais. Mas cada indivíduo acrescenta à sua reflexão do real, algo de original, algo subjetivo. Em formas socialmente organizadas, a reflexão do indivíduo é enriquecida com motivações que reúnem pessoas em diferentes formas de atividades sociais e produtivas.  As propriedades psíquicas não são natas, ao contrário das estruturas anatômicas e fisiológicas, que possibilitam o surgimento e o desenvolvimento das funções psíquicas. É através da atividade, em relações sociais por ela ocasionadas, que as funções psíquicas superiores se apresentam, bem como a complexa interação de seus centros nervosos. Através do trabalho, como atividade produtiva e criativa, o Homem conquista a possibilidade de armazenar e comunicar a matéria histórica de seu desenvolvimento.
O conjunto de imagens ideais, subjetivas, e as associações permitidas pelas mesmas podem ser semelhantes para pessoas que vivem sob as mesmas condições de vida e de trabalho. Tais condições são, no entanto, objeto de mudança em todo o mundo. Por isso, faz-se indispensável ver as características espirituais de uma determinada nação, em relação à sua interação com o resto do mundo.
O mundo espiritual é subjetivo e diferencia-se do consciente, por incluir, também, o inconsciente, a partir da experiência, da vivência e da fruição. O consciente não é a mêsma coisa que o pensamento. O consciente reflete a realidade, não somente em forma de pensamentos, mas também sob forma de sentimentos, imaginação e vontade. As propriedades psíquicas das pessoas formam uma estrutura complexa: a mentalidade, baseada, principalmente, em quatro elementos: a) necessidades e interesses, que explicam a posição do individuo na vida; b) o temperamento, como um sistema das propriedades específicas da atividade psíquica do indivíduo; c) as aptidões do indivíduo, as quais decorrem de suas pro-priedades intelectuais e emocionais; d) o caráter, como sistema dos posicionamentos toma-dos pelo indivíduo, em face das relações e do comportamento social[1].
Os traços comuns dos indivíduos de uma nação expressam-se em sua maneira de apreenderem e refletirem o real, o que, por sua vez, sempre reflete interesses reais de deter-minados grupos sociais. A crença de que existiria um temperamento ou índole nacional não resiste a uma verificação científica. Não existe uma índole nacional capaz de ocasionar relações nacionais específicas. Em determinadas relações sociais, formam-se determinadas relações nacionais, objetivamente definidas, as quais se refletem, com seus traços nacio-nais, na índole do índivíduo. Ao surgirem tais traços, fazem-se relativamente independentes e influem sobre o comportamento das pessoas. Não existe uma mentalidade nacional, mas  a suposição de sua existência pode exercer real influência sobre a mentalidade dos indivíduos[2].
A cultura não constitui um fenômeno homogeneo  Inclui o que é progressivo, mas também aquilo de conservativo que foi criado pelos grupos sociais. Na cultura de uma nação, encontramos uma cultura material e outra cultura espiritual. Torna-se cada vez mais difícil diferenciar as nações naquilo que concerne aos meios materiais, os quais estão submetidos a uma crescente internacionalização. Mesmo na cultura espriritual, encontra-mos uma crescente internacionalização, mas elementos como literatura e arte, modo de vida, hábitos e tradições, grau e caráter da formação cultural trazem traços nacionais.
Há teorias que consideram a cultura como limitada à cultura das classes dominantes e excluem da comunhão cultural de toda a nação as amplas massas do povo que a suporta. As classes inferiores também formam a sua cultura, e é a partir do modo de vida das mês-mas que se desenvolve a ideologia democrática, em busca da sociedade sem classes. Existem outras teorias que vêem isso sob diferentes formas de proletkult e querem limitar a cultura do proletariado à classe social que a origina, não considerando na cultura de outras classes aquilo que beneficia o proletariado, independente de quem a originou. Consi-derando toda a cultura que favorece a transição para uma sociedade sem contradições antagônicas, não podemos ignorar uma cultura de todo o povo.
Na opinião do autor, a cultura não constitui uma categoria nacional, mas uma cate-goria social, com traços nacionais. Na análise dos traços específicos da cultura nacional,     a estética não pode desprezar as ciências sociais, como as ciências da história, da mesma forma como essas não podem menosprezar a estética. Não conseguimos ‘captar’ e comu-nicar o conteúdo do modo de vida e da conformação dos meios que a vida exige, em sua ambiência plena, sem fazer uso dos meios artísticos. Não basta reconhecer teoricamente     o significado contido naquilo que é nacional e, ao mesmo tempo, na prática, idealizar         o nacional como base da cultura, como se esta fosse dada, a priori, para o esclarecimento dos traços nacionais. A partir de um humanismo realista, temos que reconhecer que os traços nacionais da produção humana começam com seus produtores e usuários, e os traços do modo de vida e do processo de produção não podem ser encontrados fora das características da vida, em seu desenvolvimento histórico na natureza e na sociedade. Os traços nacionais refletem aquilo que é imaginado quanto às relações socais reais, inclusive a cren-ça numa índole nacional quanto à conformação do modo de vida nacional em sua espaciali-dade e temporalidade[3].



[1] Sobre o pensamento como forma de atividade, ver: Luria, A. R., El cérebro em acción. Ver, também, Gazzaniga, Michael, S. & LeDoux, Joseph., The integrated mind. Quanto à formação e ao desenvolvimento do caráter do indivíduo, ver: Ash, William, Marxismo e Moral. Quanto ao desenvolvimento da moral, ver Shiskin, A. F., Ética marxista.
[2] Ver Kataljchian, K. O leninismo sobre as nações e as novas comunidades internacionais. O trecho: “O pro-blema da constituição psíquica da nação à luz da teoria leninista dos reflexos e da psicologia científica”.
[3] É mais importante chegar-se à clareza sobre o que os povos expressam em si mesmos, em sua vida prática   e quotidiana, do que analisar o que os povos pensaram e pensam a respeito de si mesmos. O problema da cultura consiste na transformação das pessoas por si mesmas, através de trabalho criativo, de desenvovimento material e de câmbios sociais.
   Os humanistas da Renascença criaram as bases de uma cultura totalmente nova, uma cultura de leigos, dirigida e dada às pessoas, caracterizada pela criação espiritual e subjetiva das mesmas. A cultura libertou-se do culto, dos mitos e das tradições para transformar-se numa obra dos homens, um conhecimento dos homens, um trabalho dos homens. O homem não é entendido mais como um ser genérico, mas como tipo ativo do desenvolvimento da divisão social do trabalho: produção material e produção espiritual.
   A crise do homem da Renascença foi ocasionada pela carente correpondência entre o que a vida se mostrava ser e a opinião humanista a respeito. O humanismo romântico busca, ainda hoje, vínculos preferenciais para a criatividade do indivíduo. Alguns buscam fundamento dentro de si mesmos, nalguma forma de realização intropesctiva. Outros sentem-se mais seguros em relação com a Natureza e o meio ambiente mais próximo. Ainda outros deixam-se seduzir por aquilo que parece interessante no passado.
   A conceituação marxista de cultura busca as leis da realidade e a explicação da mesma,dentro da própria realidade, numa proposição de que a existência social dos homens determina a sua consciência. Dessa forma  a cultura não é limitada ao nostálgico ou ao local. Cultura implica desenvolvimento, melhoria e aumento de conhecimento sobre aquilo que existe. A cultura é entendida como uma categoria do desenvolvimento da totalidade.  

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