domingo, 4 de novembro de 2012

Como nasce um arquiteto


Frank Algot Eugen Svensson nasceu na cidade de Belo Horizonte, sendo filho do casal sueco Algot e Elin Rosalie Svensson. O pai era um pastor evangélico, de maneira que, desde muito cedo, Frank foi instigado a conhecer, a compreender e – provavelmente – a questionar (sempre!) as coisas da religião; a mãe era telefonista do estado sueco e acumulara uma rica experiência de vida comunitária em sua vila natal, de modo que, desde criança, Frank ouvira relatos de tipos diferentes e, por vezes, mais harmônicos de sociedades – sempre em contraste com a dura realidade brasileira, que o pai ajudava a melhorar. O casal veio para o Brasil em 1928, com um objetivo evangelizador, primeiro em Recife e logo em Belém; no entanto, a malária obrigou Algot a voltar à Europa, permanecendo lá por alguns anos. Os Svensson, ainda assim, retornaram ao Brasil no início da década de trinta, direto para Maceió; finalmente, em 1934, mudaram-se para Belo Horizonte, em substituição ao pastor local. Naquele mesmo ano, em 25 de setembro, nasceu Frank Svensson. Ainda em 1934, um jovem político de Diamantina, o médico Juscelino Kubitschek, elegera-se Deputado Federal.
Da infância, Frank se lembra dos cafés da manhã, com o pai lendo – em voz alta – um versículo da Bíblia retirado da Caixinha de Promessas, seguido das principais manchetes da edição diária do  Estado de Minas Gerais; lembra da Escola Malheiros, do coro da igreja e da comunidade erguendo seus templos sob a direção do pai-pastor (sua primeira experiência com a arquitetura!).
Em 1940, Juscelino Kubitschek foi eleito prefeito de Belo Horizonte e, com dezesseis anos, Frank começou a trabalhar em uma firma de engenharia que prestava serviços ao governo. Durante o dia, apontava as solicitações dos mestres, encomendava os materiais necessários e realizava o pagamento semanal do pessoal de obra; durante as noites, cursava o científico no Colégio Marconi. Em 1950, quando Juscelino Kubitschek foi eleito Governador de Minas Gerais, a capital Belo Horizonte já era uma outra cidade.   A região da Pampulha estava urbanizada e, para as margens da Lagoa, Oscar Niemeyer havia projetado algumas das mais importantes obras da arquitetura brasileira: a capela e o cassino. De 1953 a 1954, Frank prestou serviço militar como soldado na aeronáutica, encarando-o como uma experiência de cidadania, pois pôde conviver pela primeira vez, dia e noite, com pessoas das mais variadas classes sociais. Foi motorista de ambulância e trabalhou na biblioteca do Cassino dos Oficiais. Era para ser aviador, mas virou arquiteto...
De estudante a camarada
No ano em que Frank deu baixa na aeronáutica, Juscelino Kubitschek lançou sua candidatura à Presidência da República. A tumultuada posse ocorreu em 1956, inaugurando o nacional-desenvolvimentismo. Lúcio Costa projetou Brasília e Oscar Niemeyer seus monumentos. Segundo Roberto Schwartz, o Brasil estava “irreconhecivelmente inteligente”[1].
Ainda vivendo em Belo Horizonte, Frank cursou – de 1958 a 1962 – a tradicional Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, a primeira criada na América do Sul sem um vínculo direto com as Belas Artes e as Escolas Politécnicas[2] (mesmo assim foi, por muito tempo, caracterizada por um ensino bastante técnico – com uma maioria de professores engenheiros). Tal perfil só começou a mudar quando os primeiros alunos formados pela Escola começaram a retornar à Instituição para nela lecionarem. Entre eles estavam Raphael Hardy Filho, Eduardo Mendes Guimarães e Sylvio de Vasconcellos.
Embora a biblioteca da Escola fosse uma das melhores do Brasil, naquela época, não existia um mercado editorial voltado para a arquitetura, bem como a oferta de títulos em português era insignificante. Frente a esses fatos, os cursos terminavam por produzir edições “artesanais” de obras significativas. A Escola de Minas Gerais foi responsável pela publicação de uma série destas obras, hoje consideradas paradigmáticas: Arquitetura no Brasil - sistemas construtivos, de Sylvio de Vasconcellos; Arquitetura e o homem, de Edgard Graeff; A arquitetura da sociedade industrial, de Paulo Santos; Lúcio Costa – obras completas; entre outras. Frank participou da publicação do livro de Graeff (1959)[3], enquanto Roberto Sussmann organizou o de Lúcio (1961)[4].
Em meio a uma comunidade empobrecida e evangélica – no coro da igreja do pai – Frank conheceu um trabalhador gráfico que, em conversas descontraídas, constantemente dava notícias das lutas operárias. Falava da classe trabalhadora.          Na Escola de Arquitetura, o tema ganhou força e, pouco a pouco, o jovem estudante foi encontrando colegas esclarecidos e mais engajados, entre eles muitos latino-americanos, militantes comunistas. A inquietação e a necessária reflexão sobre a situação da classe trabalhadora levaram à organização de um grupo de estudos e o estabelecimento de relações com o movimento estudantil de esquerda, inclusive com o Partido Comunista. Não tardou muito, Frank estava no Partido:
“Meu encontro com Marx foi em Minas, lendo Caio Prado Jr. (...) Só em Recife passei a questionar Marx e Arquitetura ou vice-versa”[5].
“...Entrei para o PC, que na época era clandestino, sem data exata nem ficha de filiação. Minha primeira tarefa, a pedido da direção local, foi em outubro de 1959. Pediram-me para dirigir uma reunião no sindicato dos bancários em Belo Horizonte e ali apresentar o palestrante, um advogado trabalhista por nome Mario Alves, depois trucidado pelo regime militar. Na Escola de Arquitetura da UFMG havia uma célula do PCB na qual militei até ir para o Nordeste, onde passei a militar numa das duas bases da SUDENE”[6].
Durante a construção de Brasília, Oscar Niemeyer costumava passar por Belo Horizonte. Em uma destas viagens, Frank com mais dois colegas (todos do Partido), foram visitá-lo no hotel Amazonas. Da conversa e reflexão sobre a situação do país, surgiu o convite para um estágio na nova Capital. A partir de então, todas as férias escolares foram dedicadas a Brasília – com exceção de uma, quando Frank participou, sob coordenação de Luis Saia, da equipe que inventariou Pirenópolis para o SPHAN. “Luis Saia nunca foi do Partido, mas um nacionalista ardoroso. Lutou muito pelo Patrimônio Histórico”[7]. Destas férias tão bem aproveitadas, ficaria o carinho permanente por Oscar Niemeyer e pelas coisas do patrimônio (temas que seriam retomados anos mais tarde).
Brasília foi inaugurada em 1960. Eleito no mesmo ano, Jânio Quadros governou o país por apenas sete meses. O vice João Goulart assumiu o poder em meio a uma grande crise institucional e econômica. Eram tempos de grande efervescência política-cultural. Em São Paulo, foi realizado o 1º Encontro de Arquitetos e Estudantes de Arquitetura[8]. Na oportunidade, Frank deu início a um contato fraterno com os arquitetos Vilanova Artigas, Demétrio Ribeiro e Edgard Graeff.  O curso de graduação em arquitetura de Frank culminou com a elaboração – juntamente com os colegas José Expedito Prata, Ivan Cupertino, Haroldo Nogueira, Léo de Judá Barbosa e Fernando Camacho – em 1961, do projeto de uma Universidade Operária no Vale do Rio Doce, MG. O trabalho, com características inovadoras e de forte conteúdo social, foi laureado com o Prêmio Internacional destinado a escolas de arquitetura, durante a VI Bienal de São Paulo. O Prêmio foi entregue ao Diretor da Escola, José Geraldo Faria, pelo próprio presidente da República, João Goulart, que em discurso afirmou: “A democracia traduz as formas mais belas da convivência humana, da qual a arte é uma superior expressão. Ambas exigem, para florescer, o mesmo clima de liberdade. E, para serem autênticas, não se pode desvincular de sua raiz comum, a vida do povo”.
O projeto do grupo mineiro ficou exposto durante toda a Bienal, ao lado de outros concorrentes, entre os quais o do grupo paulista, assinado por Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre e Flávio Império[9] (que receberam Menção Honrosa). A VI Bienal foi organizada por Mário Pedrosa e ficou marcada pelas mostras de arte religiosa das missões do Paraguai, de arte bizantina iugoslava e de arte dos aborígines australianos – um impressionante passeio pela arte universal de origem popular (vernacular) e erudita. Na mesma exposição, Paulo Mendes da Rocha recebeu o Grande Prêmio Presidência da República, pela construção do Ginásio do Clube Atlético Paulistano (1958) – exemplo de obra com solução estrutural arrojada e grande espacialidade. Sobre arquitetura e arquitetos, mais tarde, Frank concluiria: “A criação arquitetônica, como qualquer criação artística, implica numa atitude de coragem e desprendimento. A gente percebe pela arquitetura a mesquinhez do arquiteto...”[10]
A colação de grau ocorreu em 1962. Vilanova Artigas foi o paraninfo e Frank Svensson o orador da turma. Os respectivos discursos foram publicados. O do mestre, na íntegra; e o do jovem arquiteto, com trechos censurados...
Um camarada na Sudene
A formatura e a premiação na Bienal resultaram em duas oportunidades de trabalho. O professor Edgard Graeff o convidou para lecionar na Universidade de Brasília. O Setor de Construções Escolares Pernambucano o convidou para atuar na Sudene. Em 1963, entre Brasília e Recife, Frank escolheu trabalhar como arquiteto na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, transferindo-se para a capital pernambucana. Até então, não havia tido experiências profissionais concretas, mas optara por enfrentar, e contri- buir para amenizar, a mais dura realidade da miséria nacional. Sobre sua opção de vida, sentenciou:
“Ainda estudante universitário, vivi uma época de intenso questionamento dos destinos do Brasil e cedo assumi a posição de vir a atuar através do serviço público. Reforçar o serviço público, bem como a estatização e a nacionalização da vida prática de um país, constitui medida indispensável de oposição aos interesses privados multinacionais que minam a identidade econômica, política e cultural de uma nação”[11].
Como Brasília, a SUDENE foi criada no governo de Juscelino Kubitschek, a partir do Plano de Desenvolvimento do Nordeste, elaborado por Celso Furtado (que a dirigiu de 1959 a 1964). Provavelmente, a SUDENE foi a primeira experiência revolucionária a que se dedicou Frank Svensson. Naquele momento, o panorama político do nordeste era desafiador. Apoiado pelo PCB, Miguel Arraes do Partido Social Trabalhista (PST), estava à frente do governo pernambucano (1962 a 1964), buscando, também, transformar radicalmente a vida local. Não tardaria, todos seriam perseguidos, cassados e forçados a viver longe do Brasil.
Na SUDENE, Frank conheceu uma experiência de trabalho multidisciplinar que buscava solucionar problemas concretos do povo nordestino. Assim, pode desenvolver alguns projetos significativos e de grande alcance social, como a rede de Escolas Primárias padrão para as cidades do interior nordestino (1963); o Centro de Treinamento para Professoras Leigas e Centro de Supervisão de Ensino[12], de São Luis do Maranhão (1963[13]); e os projetos dos núcleos populacionais de Bebedouro e de Mandacaru, no vale do São Francisco, respectivamente em Pernambuco e na Bahia (de 1967 a 1970).
Elaborados em parceria com o Organismo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), os núcleos populacionais de Bebedouro (10.000 habitantes) e Mandacaru (400 habitantes) envolveram o projeto e a construção de inúmeros espaços qualificados e toda a infraestrutura necessária para o seu pleno desenvolvimento, como as unidades residenciais ampliáveis, a escola primária, o clube, o ambulatório médico-dentário, a sede da administração da área irrigada, a cooperativa de produção e de consumo, entre outras edificações.  Frank projetou tudo.
Em Bebedouro, cada pequeno produtor deveria receber (um lote de dimensões variáveis) para a produção agrícola irrigada e um lote urbanizado (de 800m2 com residência já construída) para a sua morada. O conjunto de residências configuraria uma espécie de vila, complementada com os serviços necessários. Frank criou um núcleo urbano que se desenvolve numa espécie de “espinha de peixe” a partir de uma rodovia de acesso principal (paralela à linha férrea não construída e ao leito do São Francisco). Desta rodovia, partem (quase a 45°) três vias estruturais que organizam todo o núcleo: a via residencial; a via de serviços comunitários, com escola, clube, posto médico e hospedaria; e a via administrativa, com o Centro de Treinamento. Como estratégia de organização dos espaços urbanos, Frank adotou o zoneamento e a dispersão das áreas edificadas. Trata-se de uma pequena cidade funcional, marcada pela hierarquia das vias, pela hegemonia do verde, pelo zoneamento e pelo macro parcelamento não identificado (zonas).
A via residencial também assumiu o desenho de “espinha de peixe”, com derivações de seis  ruas locais de, no máximo, dez lotes. No entanto, reproduz “uma rígida divisão classista dos moradores”[14].
As residências dos agricultores foram pensadas considerando um estudo anterior produzido por Frank para a Sudene: o levantamento de 62 casas de camponeses, buscando os indicativos de uma cultura vernácula. Assim, trabalhou com o conceito de tipo, identificando o que chamou de “casa de faixas”, ou seja, uma arquitetura caracterizada por uma planta de base retangular dividida em “faixas” que correspondem às funções da morada, ao sistema construtivo e ao sistema de cobertura (pequenas peças de madeira sustentando telhado em duas águas). Uma habitação com varanda de frente e de fundos, e com cozinha e sanitário pulverizados no lote.  Do tipo “casa de faixas” foi desenvolvida, para Bebedouro, toda uma série de habitações ampliáveis (M-1 e M-2) a partir de um módulo básico (fornecido aos moradores), e que reunia sob uma cobertura em duas águas, sala, cozinha, sanitário, dormitório, depósito, varandas e forno. As casas dos técnicos e funcionários oriundos do meio urbano (M-3 e M-4) também seguiram a um procedimento projetual semelhante, mas, desta vez, baseado nos tipos habitacionais urbanos ribeirinhos. Frank refere-se[15] às casas de medianeira ou geminadas, tão bem caracterizadas e ilustradas por Nestor Goulart Reis Filho, no seu Quadro da arquitetura no Brasil[16], de 1970.
O projeto da Escola Primária foi desenvolvido a partir de um módulo quadrado de 7,5 x 7,5 m que corresponde, em planta baixa, à dimensão de uma sala de aula e a estrutura básica de cobertura (triangulações de peças de madeira). Assim, o módulo foi sendo repetido e articulado, de maneira a permitir a definição de espaços fechados em contraste com abertos ou simplesmente cobertos.  Nas vedações, Frank utilizou – intencionalmente – uma linguagem moderna, alternando, panos horizontais de vidro e de treliças de ventilação. A mesma arquitetura de módulos quadrados foi utilizada em outros projetos de Bebedouro.
Na Estação Principal de Bombeamento,  Frank explorou o conceito de caráter em arquitetura. Buscou dar-lhe força e representatividade, considerando sua função emblemática no projeto de irrigação. Único prédio em altura do conjunto, foi tratado como uma antiga sede de fazenda, imponente em sua escala e generosa na sua cobertura em quatro águas (numa falsa casca de concreto). Buscando humanizar programa tão técnico, Frank incorporou um pequeno mirante ou belvedere à construção.
Por fim, na garagem e posto de abastecimento, Frank utilizou uma solução de cobertura com membranas de concreto armado em parabolóide hiperbólico (15 x 15m com 4cm de espessura) sobre apoio único. Solução pioneira no nordeste, calculada pelo frei dominicano e ex-engenheiro civil, José Raymundo Oliva.
Simultaneamente ao trabalho desenvolvido na SUDENE – que começou a diminuir em decorrência da Revolução de 64 – Frank projetou e construiu sua própria residência[17], na cidade de Olinda. A partir de então, contando com a colaboração permanente do arquiteto Marcos Domingues da Silva, atuou como profissional liberal, criando o Templo Evangélico de Recife (1965); o Centro Cívico de Patos, Paraíba (1966); o Ginásio de Paulista, Pernambuco (1966); a Residência de Enário de Castro, em Recife (1967); a Residência de Zenaldo Rocha, em Recife (1967); e a importante e premiada Sede da Rede Ferroviária Federal SA de Recife (1968). Projetou também a Residência de Roland Poultney[18], em Santa Lucia, Pequenas Antilhas (1968); a Residência de Lineu Borges Escorel[19], em Recife (1969); o Restaurante e os Vestiários da RFFSA[20], em Jaboatão (1969); as Residências Edmirson Duarte e Aldo Freire[21], em Olinda (1970); um Posto de Abastecimento[22], em Recife (1968-69); e a Agência do Banco do Brasil de Caxias do Sul[23], Rio Grande do Sul (1970).
Destas obras, é importante salientar o cuidado e o requinte de execução da residência do arquiteto em Olinda,  modesta e marcada pelo expressionismo e perfeccionismo artesanal, onde – entre outros cuidados – os tijolos da laje de cobertura correspondem às lajotas do piso. Onde o espaço interno expande-se para o exterior, e onde “a casa é o lote e o lote é a casa”. Ela é o antecedente direto da Residência Enário de Castro (1967), na qual os arquitetos foram mais radicais nas propostas de integração e fluidez espacial. Agora o jardim invade a morada e a cobertura transforma-se em grande abrigo. A Residência Enário de Castro apresenta a mesma radicalidade espacial que caracterizou, mais tarde, obras como a Casa Nadir Zacarias, de Ruy Ohtake (1971) e a Casa Gerassi, de Paulo Mendes da Rocha (1988); todas ligadas à Residência Taques Bittencourt (1959), de Artigas e Carlos Cascaldi.
Em entrevista concedida a Geraldo Gomes da Silva[24], Marcos Domingues conseguiu caracterizar e sintetizar a arquitetura até então realizada por ele e Frank Svensson. No entanto, tais características, já estavam presentes em todas as obras desenvolvidas por Frank na Sudene:
  • Uma arquitetura resultante de uma parceria entre o arquiteto e a comunidade interessada;
  • Uma arquitetura que valoriza os elementos arquitetônicos e as formas de conceber os espaços próprios da cultura nordestina;
  • Uma arquitetura que considera o homem em sua integridade e que responde às condições climáticas locais;
  • Uma arquitetura que busca “reutilizar o repertório popular, os materiais e as técnicas dentro do mesmo espírito de simplicidade e provar que, através de soluções mais acessíveis à economia popular, atingiríamos níveis satisfatórios tanto do ponto de vista técnico quanto do ponto de vista estético”[25].
  • Uma arquitetura que explora os diferentes sistemas estruturais e que trabalha com as vedações como elementos de valorização da experiência espacial, o “trato espacial”;
  • Uma arquitetura que rejeita as soluções formais exóticas e estranhas às culturas locais.
Foi por intermédio de Marcos Domingues que Frank conheceu o advogado, filósofo e professor Evaldo Coutinho:
“Dos filósofos existencialistas (vitalistas), é para mim o mais evoluído do Brasil. Ensinou-me que o mais importante instrumento cognitivo de que disponho sou eu. A partir de minha existência no mundo, o mundo vem a mim e torna-se referência para a busca de sua verdade, que apesar de não existir em termos absolutos, deve ser procurada com intensidade e persistência”[26].
Um arquiteto professor / Brasil: ame-o ou deixe-o
No mesmo ano em que Frank Svensson projetou sua residência para viver em Olinda, os militares depuseram o presidente João Goulart e, pela força, tomaram o poder no Brasil.  Entre outros, Celso Furtado foi exilado nos Estados Unidos e Miguel Arraes na Argélia.
De 1964 a 1968, a SUDENE sofreu um pesado processo de esvaziamento e mudança de prioridades, de modo que – convidado pelo professor Miguel Pereira – Frank transferiu-se para Brasília e, em fevereiro de 1971, foi admitido no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UnB.  Uma escola de luta em uma Instituição que enfrentava graves problemas conjunturais. Na UnB, Frank passou a fazer parte de uma geração que teve a coragem de enfrentando o poder instituído e –  contra tudo e contra todos – reconstruir a utopia vetada de Darcy Ribeiro.
As aulas ministradas sobre planejamento físico e urbano em cursos de administração municipal promovidos pela Sudene em várias cidades do nordeste e as inúmeras viagens ao exterior[27] para estudo in-loco da arquitetura então realizada, foram de extrema importância para a formação de Frank que, na UnB, tornou-se professor de Projetos Especiais de Urbanismo e de Teoria do Urbanismo, e logo foi designado para exercer o cargo de Chefe do Departamento (1972). Na FAU UnB, Frank deu início a uma experiência didática pioneira, que objetivava colocar os estudantes da Capital em contato com a contrastante realidade distrital e regional.
Ainda em 1972, foi designado para orientar a elaboração do projeto do Centro Político Administrativo do Estado do Mato Grosso, em Cuiabá (desenvolvido por um grupo de ex-alunos). No entanto, não pode finalizar o trabalho, pois no início de 1973, por determinação do ministro Jarbas Passarinho, foi enquadrado na “odiosa lei de exceção 477, sendo proibido de lecionar e de ser servidor público pelo prazo de cinco anos”[28].
Um professor do mundo
Não havendo mais condições de trabalho no Brasil, Frank optou por partir para o exílio. Em 1973, – por intermédio da arquiteta Philomena Miller (membro do PC) e do professor Jean-Pierre Halevy – aceitou o convite do Ministério dos Assuntos Culturais da França para lecionar nas Escolas de Arquitetura de Estrasburgo e Nancy, onde permaneceu até 1974. No mesmo ano, partiu para a Argélia e passou a colaborar com o arquiteto Oscar Niemeyer nos projetos da Universidade Tecnológica de Argel. Sua atividade profissional consistiu em coordenar a equipe que desenvolveu o Centro de Informática da Universidade. Um prédio baixo, de planta circular com um jardim central.
“Foi uma experiência interessante. A imagem primeira do pensamento é a força dos projetos de Oscar. Ela – a  imagem primeira – é muito artística, muito bonita... Você tem que lutar consigo mesmo para esclarecê-la. Oscar sabe fazer isso.... Ele tem noção de escala, proporção e fluidez espacial”[29].
Em 1975, mudou-se para a Suécia – terra natal de seus pais – e assumiu o cargo de professor assistente e pesquisador do Departamento de Teoria e História da Arquitetura do Instituto Politécnico Chalmers em Gotemburgo (1975-1986). Ali, desenvolveu atividades no campo da preservação do patrimônio arquitetônico e da renovação urbana. E em viagens à Itália e à Alemanha desenvolveu pesquisa sobre o período europeu de Gradjean de Montigny.
As posições políticas e ideológicas defendidas por Frank aproximaram-no do Movimento Popular de Liberação de Angola, de maneira que, de 1979 a 1982, foi convidado pelo Ministério da Educação da República Popular de Angola, e pela própria direção do MPLA, para estruturar o Curso de Arquitetura da Universidade Agostinho Neto, em Luanda. O trabalho então elaborado foi relatado na tese de doutorado defendida na Suécia: Arquitetura, uma aptidão do pensamento, uma necessidade da vida (publicada em sueco em 1986).
Ao retornar à Suécia, defendeu seu doutorado na Universidade de Lund, onde – como professor titular – passou a chefiar o Departamento de Estudos Internacionais de Arquitetura (1986-1987) e o Instituto de Arquitetura (1987-1989).
Um camarada do Brasil / conclusão
Em 1988, Frank Svensson foi anistiado e reintegrado aos quadros da Universidade de Brasília, como professor titular. Antes de regressar ao Brasil, visitou a Rússia, a República Democrática Alemã, a Tcheco-Eslováquia e Cuba. Em 1989, retornou a Brasília e logo assumiu o cargo de Diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB (1989-1993).
Na FAU, foi professor de História da Arquitetura e responsável por um intenso trabalho de reflexão sobre o papel da história e da teoria na formação dos arquitetos e urbanistas. Tal atividade resultou em um significativo esforço editorial. Assim, pela UnB publicou sua tese de doutorado com o título Arquitetura criação e necessidade (1991); pela ALVA criou a coleção Arquitetura e conhecimento, com seis volumes lançados entre 1994 a 1998; e o livro Visão de mundo – arquitetura, de 2001. Entre os artigos por ele assinados destacam-se:  Contribuição do materialismo dialético à estética da arquitetura[30], Arquitetura e conhecimento histórico[31], O período europeu de Grandjean de Montigny[32], O neopositivismo de Leonardo Benévolo face o problema da configuração urbana[33], A atualidade do Marxismo[34] e Marx como filósofo, economista e revolucionário[35].
Em 2001, foi aposentado do serviço público. Desde então tem participado de atividades ligadas ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação da FAU UnB e mantido uma constante e lúcida atividade editorial e de pesquisa. No momento, trabalho no resgate da obra arquitetônica e ideológica do engenheiro Louis Léger Vauthier, precursor das idéias socialistas no Recife de 1840. 
Indicado pelo Partido, desde 2003, é Membro Titular do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), colegiado ligado à Presidência da República, com a competência de apreciar propostas de políticas públicas e de reformas estruturais, e de desenvolvimento econômico e social, que lhe sejam submetidas pelo Presidente, com vistas à articulação das relações de governo com representantes da sociedade civil.
Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o adjetivo camarada expressa, demonstra ou resulta de sentimento de companheirismo, amizade e simpatia; Camarada também pode designar o companheiro de militância política de esquerda. Assim, camaradas são aqueles que se consideram amigos; mas também são os membros do Partido Comunista. Frank Algot Eugen Svensson é um camarada! Um amigo da boa arquitetura. Um militante do Partido. Um camarada que fez de sua profissão um instrumento de sua militância. Como ele, foram tantos outros bons camaradas: Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas, Demétrio Ribeiro, Edgard Graeff, Miguel Pereira, Paulo Mendes da Rocha, Fernando Burmeister, Paulo de Mello Bastos, Leo Bonfim, Geraldo Gomes da Silva, Jorge Cury, Silvio de Vasconcellos, Raphael Hardy Filho, Eduardo Mendes Guimarães, Jaime Golubov, Eduardo Maia Mendonça entre tantos outros. Arquitetos de profissão, militantes de coração. Homens e mulheres que – criticamente – buscaram realizar uma arquitetura correta (nem sempre reconhecida!). Uma arquitetura moderna e brasileira elaborada por arquitetos conscientes de sua condição na estrutura social injusta em que (ainda) vivemos. Arquitetos conscientes de que arquitetura não faz revolução e que é – e sempre será – “representativa das malformações, das contradições, das vergonhas da comunidade... Arquiteturas representativas de uma infeliz realidade social e política”[36].
Frank é um amigo do Brasil! Camarada Frank Svensson! Sua obra arquitetônica é única. Tão pequena quantitativamente e tão rica qualitativamente. É moderna, universal e diversa. Sobre sua grande obra, argumenta: “...não deixei de me empenhar, no exterior e a distância, por um Brasil melhor e mais livre”[37].
Referências bibliográficas
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
ARTIGAS, Vilanova. Caminhos da arquitetura. São Paulo: Cosac & Naify, 1999.
BIENAL DE SÃO PAULO, 6, 1961, São Paulo. São Paulo: Museu de Arte Moderna (catálogo geral).
COSTA, Lúcio. Obras completas. Belo Horizonte: Edições Escola de Arquitetura, 1961. 
COUTINHO, Evaldo. O espaço da arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1977.
DOMINGUES, Marcos. Entrevista a Geraldo Gomes da Silva. Em Busca dos mesmos objetivos. Revista Projeto, São Paulo, n.106, dez. 1987-jan. 1988.
GRAEFF, Edgar. Arquitetura e o homem. Belo Horizonte: Edições Escola de Arquitetura, 1959
GULLAR, Ferreira. Disponível em <www.pcb.org.br /PCB_ES-TADOS.html>. Acesso em 18 fev. 2006.
INSTITUTO DOS ARQUITETOS DO BRASIL. Premiação anual do IABpe. Recife: IABpe, 1969.
OLIVEIRA, Cléo Alves Pinto; PERPÉTUO, Maini de Oliveira. O ensino de projeto na primeira escola de arquitetura do Brasil. In: II Seminário sobre Ensino e Pesquisa em Projeto de Arquitetura, Projetar 2005. Rio de Janeiro. Cadernos de Resumos. Rio de Janeiro: PROARQ, 2005.
ROCHA, Edileusa da (org.). Guia do Recife. Arquitetura e paisagismo. Recife: Ed. dos autores, 2004.
SCHWARZ, Roberto. O pai de família e outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
SVENSSON, Frank. (1969) Residência em Olinda. Revista Acrópole, São Paulo, n. 368, dez. 1969.
SVENSSON, Frank. (1985) Carta ao Ministro da Educação do Brasil. Gotemburgo, 6 de junho de 1985.
SVENSSON, Frank. (1988) Entrevista a Geraldo Gomes da Silva. Repensando uma trajetória de quinze anos na arquitetura. Revista Projeto, São Paulo, n.106, dez. 1987.
SVENSSON, Frank. (1992). Arquitetura, criação e necessidade. Brasília: EdUNB, 1992.
SVENSSON, Frank. (1994) Arquitetura e conhecimento. Vol.1. Brasília: ALVA, 1994.
SVENSSON, Frank. (1995) Arquitetura e conhecimento. Vol.2. Brasília: ALVA, 1995.
SVENSSON, Frank. (1996) Arquitetura e conhecimento. Vol.3. Brasília: ALVA, 1996.
SVENSSON, Frank. (1996) Arquitetura e conhecimento. Vol.4. Brasília: ALVA, 1996.
SVENSSON, Frank. (1997) Arquitetura e conhecimento. Vol.5. Brasília: ALVA, 1997.
SVENSSON, Frank. (1998) Arquitetura e conhecimento. Vol.6. Brasília: ALVA, 1998.
SVENSSON, Frank. (1998) Arquitetura e conhecimento: inquietudes pessoais. Aula Inaugural FAU UnB, 5 agos. 1998. Brasília: Cediarte, 1998.1 fita de vídeo (94 min.), VHS, son., color.
SVENSSON, Frank. (2001) Visões de mundo; arquitetura. Brasília: Alva, 2001.
SVENSSON, Frank. (2006) Depoimento a Andrey Rosenthal Schlee. Brasília: inédito, 27 jan. 2006.
SVENSSON, Frank. (2006) Depoimento a Andrey Rosenthal Schlee. Brasília: inédito, 16 fev. 2006.
SVENSSON, Frank. (2006) Entrevista a Andrey Rosenthal Schlee. Brasília: inédito, 15 fev. 2006.


[1] SCHWARZ, Roberto. O pai de família e outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
[2] OLIVEIRA, Cléo Alves Pinto; PERPÉTUO, Maini de Oliveira. O ensino de projeto na primeira escola de arquitetura do Brasil. In: II Seminário sobre Ensino e Pesquisa em Projeto de Arquitetura, Projetar 2005. Rio de Janeiro. Cadernos de Resumos. Rio de Janeiro: PROARQ, 2005.
[3] GRAEFF, Edgar. Arquitetura e o homem. Belo Horizonte: Edições Escola de Arquitetura, 1959. Os textos foram compilados por Haroldo Nogueira.
[4] COSTA, Lúcio. Obras completas. Belo Horizonte: Edições Escola de Arquitetura, 1961.  A edição da Escola de Minas Gerais é de 1961, portanto anterior a publicação semelhante, organizada pelos estudantes da Faculdade de Arquitetura do Rio Grande do Sul, intitulada Lúcio Costa: Sobre Arquitetura, que é de 1962.
[5] SVENSSON, Frank. Depoimento a Andrey Rosenthal Schlee. Brasília: inédito, 27 jan. 2006.
[6] SVENSSON, Frank. Depoimento a Andrey Rosenthal Schlee. Brasília: inédito, 16 fev. 2006.
[7] SVENSSON, Frank. Entrevista a Andrey Rosenthal Schlee. Brasília: inédito, 15 fev. 2006.
[8] SVENSSON, Frank. Depoimento a Andrey Rosenthal Schlee. Brasília: inédito, 16 fev. 2006.

[9] Projeto de um Centro Educacional em Presidente Altino (SP), elaborado também por Júlio Barone, Sérgio Pereira de Souza Lima, Geraldo Gomes Serra e Wanda W. de Souza e Silva.
[10] SVENSSON, Frank. Entrevista a Andrey Rosenthal Schlee. Brasília: inédito, 15 fev. 2006.
[11] SVENSSON, Frank. Entrevista a Geraldo Gomes da Silva. Repensando uma trajetória de quinze anos na arquitetura. Revista Projeto, São Paulo, n.106, dez. 1987-jan. 1988.
[12] Projeto elaborado em parceria com a arquiteta Alete Ramos de Oliveira.
[13] No mesmo ano, foi projetado, mas não executado, o Centro de Treinamento para Professores de Escolas Técnicas de Fortaleza. Projeto elaborado em parceria com o arquiteto José Expedito Prata.
[14] SVENSSON, Frank. Arquitetura e conhecimento: inquietudes pessoais. Aula Inaugural FAU UnB, 5 agos. 1998. Brasília: Cediarte, 1998.1 fita de vídeo (94 min.), VHS, son., color.
[15] SVENSSON, Frank. Arquitetura, criação e necessidade. Brasília: EdUNB, 1992.
[16] REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1970.
[17] Trabalho publicado na revista Acrópole (12) de 1969
[18] Obra não edificada.
[19] Projeto elaborado em parceria com a arquiteta Cristina de Mello Jucá.
[20] Projeto elaborado em parceria com o arquiteto Marcos Domingues da Silva.
[21] Obras não edificadas.
[22] Primeiro projeto do nordeste a empregar uma superfície de dupla curvatura. Cálculo de José Raynundo Oliva.
[23] Projeto elaborado em parceria com o arquiteto José de Arruda Rapozo.
[24] DOMINGUES, Marcos. Entrevista a Geraldo Gomes da Silva. Em Busca dos mesmos objetivos. Revista Projeto, São Paulo, n.106, dez. 1987-jan. 1988.
[25] DOMINGUES, Marcos. Entrevista a Geraldo Gomes da Silva. Em Busca dos mesmos objetivos. Revista Projeto, São Paulo, n.106, dez. 1987-jan. 1988.
[26] SVENSSON, Frank. Depoimento sobre Evaldo Coutinho. Brasília: inédito, 08 jun. 2005.
[27] Viagens aos Estados Unidos da América (1966), Suécia e Dinamarca (1969), França e Espanha (1970).
[28] SVENSSON, Frank. Carta ao Ministro da Educação do Brasil. Gotemburgo, 6 de junho de 1985.
[29] SVENSSON, Frank. Entrevista a Andrey Rosenthal Schlee. Brasília: inédito, 15 fev. 2006.
[30] SVENSSON, Frank. Arquitetura e conhecimento. Vol.1. Brasília: AURORA, 1994.
[31] SVENSSON, Frank. Arquitetura e conhecimento. Vol.2. Brasília: AURORA, 1995.
[32] SVENSSON, Frank. Arquitetura e conhecimento. Vol.3. Brasília: AURORA, 1996.
[33] SVENSSON, Frank. Arquitetura e conhecimento. Vol.4. Brasília: AURORA, 1996.
[34] SVENSSON, Frank. Arquitetura e conhecimento. Vol.5. Brasília: AURORA, 1997.
[35] SVENSSON, Frank. Arquitetura e conhecimento. Vol.6. Brasília: AURORA, 1998.
[36] ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
[37] SVENSSON, Frank. Entrevista a Geraldo Gomes da Silva. Repensando uma trajetória de quinze anos na arquitetura. Revista Projeto, São Paulo, n.106, dez. 1987-jan. 1988.

Nenhum comentário:

Postar um comentário