terça-feira, 6 de novembro de 2012

A Sociedade como portadora de expressão artística


A SOCIEDADE COMO PORTADORA DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA
Frank Svensson

Ao reconhecermos que o processo social de produção interage com todas as outras formas de atividade humana, notamos também que a produção material e a produção espiritual se processam em ação recíproca, e percebemos ainda a existência de processos criativos no nível da sociedade como um todo. Considerando a matéria social, em suas formas de produção e em suas relações sociais, como veículo de manifestações espaciais e temporais, passa a ser de interesse especial uma estética da sociedade. As transformações sociais manifestadas na configuração dos assentamentos humanos passam a ser do maior interesse para a estética. Podemos falar, sem reservas, de uma estética da sociedade, se entendemos a arquitetura como ramo artístico da realidade em toda a sua materialidade. Isso não nos limitando aos edifícios e às coisas como portadores de manifestação artística, mas incluindo as pessoas e suas formas de agrupamento como veiculadoras de expressão artística.

Um dos aspectos essenciais da estética da sociedade reside no fato de o trabalho constituir a transformação de atividades em seres e coisas que trazem em si o testemunho de como surgiram. Através do trabalho, a criação de novos seres e novas coisas é, ao mesmo tempo, submetida a um processo de objetivação e a um processo de subjetivação. A matéria, em seu estado natural, é transformada em objetos, impondo à criação humana comportamentos específicos e relações sociais indispensáveis. O que é, então, próprio à criação no nível de toda a sociedade e diferente da criação do indivíduo?

Nos países capitalistas, empregaram-se diferentes conceitos quanto a condições e modo de vida. Durante muito tempo, falou-se de “standard de vida” e “renda per capita”. Durante os últimos anos, tem-se muito empregado a expressão “qualidade de vida” sem maior precisão quanto a seu significado. Na maioria das vezes, qualidade de vida tem sido vista como ligada à alienação das pessoas para com seu meio ambiente e, principalmente, em relação à natureza. O sociólogo espanhol Manuel Castells fez ver, em seu livro Luttes urbaines, como empresas multinacionais investem enormes somas em programas, visando a lucros com “melhoria da qualidade de vida”. O capitalismo se deu conta da genuína força existente nos movimentos de defesa do meio ambiente, e procura subjugá-los num eco-establishment de produtos naturais produzidos em série, e em inúmeras soluções contra a produção de impurezas. Isso, depois, é envolvido numa atmosfera de propaganda com o intuito de fazer as gentes se esquecerem da luta de classes e das condições de propriedade que motivam e orientam a crescente pilhagem da natureza, principalmente nos países pouco industrializados.

Conceitos quantitativos e qualitativos da sociedade e do processo da socialização pecam sempre por falta de clareza, se não consideram o modo de vida relacionada às condições concretas de vida. As atividades humanas pressupõem o uso de objetos que surgiram por meio de trabalho anterior e por relações entre homens, as quais foram determinadas pelas condições sociais reinantes. Mas, através das atividades, criam-se novos objetos para diferentes formas de uso, e a permuta dos mesmos entre os homens gera novas formas de relações sociais. Assim, na realidade, não é possível fazer diferença entre modo de vida e reais condições de vida. Não conseguimos apreender a vida das pessoas sem saber o que produzem e o que consomem, se possuem condições de trabalho estável com salário garantido, se vivem em casas confortáveis ou não, por quantos anos vão à escola, quais os meios de transporte dos quais se valem, etc. A partir dessa base de relações, entre modo de vida e relações de vida, desenvolve-se uma ação recíproca dialética de qualidades, tais como riqueza, liberdade e cultura. Esclarecendo a ação recíproca dessas categorias da totalidade social, conseguimos nos aproximar de uma estética da sociedade.

Nossas primeiras impressões do que seja riqueza e liberdade são predominantemente sensoriais. A passagem para a compreensão da realidade de tais aspectos da vida implica, no entanto, a objetivação das primeiras impressões subjetivas. Para chegar à realidade da riqueza e da liberdade, Marx as relatou ao trabalho. Ele fez ver que, durante parte do tempo de trabalho, o trabalhador cria a produção indispensável a suas necessidades. Durante a parte restante do tempo de trabalho, ele cria a mais-valia que o capitalismo retém, sem lhe remunerar. A própria essência da exploração capitalista reside na mais-valia e explica por que os capitalistas estão interessados em que aumente cada vez mais. Numa sociedade que se decidiu pelo socialismo, o tempo de trabalho e o tempo livre são distribuídos visando à eqüidade. Os capitalistas perdem o acesso à mais-valia de outrem e a produção é desenvolvida como condição para, ao mesmo tempo, obter-se riqueza e liberdade. Novos valores só podem surgir por meio de aumento da produção em ação recíproca com o desenvolvimento das aptidões humanas. O tempo liberado para o lazer, para a recreação, que permite o desenvolvimento das aptidões, só pode resultar de relações de produção desenvolvidas. Em parte, o trabalho é desenvolvido em favor de realização e lazer em si e, em parte, visando permitir tempo livre para o uso dos produtos e para o desenvolvimento cultural.

Às custas da classe trabalhadora nacional, bem como dos desempregados e dos países e das regiões pouco industrializadas, os países capitalistas altamente industrializados conseguem apresentar “exemplos de exceção” de elevado standard de vida. Mas, o resultado concreto que a “espontânea” economia de mercado consegue apresentar a assalariados, desempregados e povos pouco industrializados é o fato de não proporcionar e repartir riqueza e liberdade para todos. Para o capitalismo, a intensidade de trabalho, o arrocho salarial e o endividamento dos países pouco industrializados não se dão por acaso, mas constituem condição objetiva para continuada exploração. Por isso, nem riqueza nem liberdade podem ser garantidas a todos. Isso leva a situações insustentáveis, fazendo com que a maior parte da população, em diversos países, cada vez mais se decida por novas formas de democracia, distintas da burguesa. As novas formas de democracia que surgem expressam a passagem de uma liberdade formal, de direito, para uma liberdade econômica e de toda a sociedade, como condição para a criação de tal riqueza. Riqueza e liberdade limitadas a certos indivíduos podem, então, evoluir para o enriquecimento da individualidade de todos os membros da sociedade.

Os adeptos do liberalismo querem fazer crer que essa nova forma de liberdade não seja liberdade. Mas, o que é então liberdade? Liberdade de que e para quê? Será possível alcançar a liberdade real fora da tendência que leva as pessoas a se colocarem em coerência com a natureza e suas leis, bem como com os processos da sociedade? Tal coerência com a natureza e com a sociedade implica a crescente conscientização, quanto a suas leis e processos, para agir em consonância com os mesmos e não provocar conflitos pela imposição voluntariosa de desejos e interesses pessoais. É possível isso acontecer, a não ser através do processo da proletarização e pelo desenvolvimento do processo da produção? O fato de o trabalhador deixar de ser um simples componente do processo tecnológico da produção, e passar a programar e regular o mesmo, é que leva a mudanças qualitativas. O caráter e o conteúdo do trabalho se modificam em favor de uma atividade mais criativa que exige maior capacidade de relacionar o específico a globalidades maiores. Isso apresenta novas exigências à formação e à qualificação do trabalhador, assim como a novas formas de organização das classes obreiras, visando à melhor repartição do trabalho dentro das relações entre agricultura e indústria, entre educação, pesquisa e serviços.

Quando o processo de produção gera novos valores visando a maior riqueza de vida para todos e, assim, leva à liberdade das pessoas, toda a sociedade pode exercer sua atividade criativa com plenitude. É dessa 'coerência', entre a sociedade e a natureza, que surge a ambiência mais rica da espacialidade e da temporalidade de nossos lugares. A necessidade de considerar uma estética da sociedade torna-se então cada vez mais evidente.

Uma estética da sociedade combina mal com os conceitos burgueses e pequeno-burgueses de arquitetura, os quais tiveram como objetivo o edifício em si e a intensidade do desfrute espacial. Mas, a atitude daquela parte do povo que não é beneficiada pela arquitetura estabelecida não pode ser a de aguardar o grande dia da eqüidade. Cada situação específica apresenta exigências próprias, quanto a como lutar por justiça social e por desenvolvimento. O que todas as situações, no entanto, têm em comum é a necessidade de relacionar a prática com o conhecimento de como a globalidade maior se desenvolve. Considerar os métodos e os processos dedutivos é tão importante como considerar os indutivos. Caso contrário, seremos facilmente vítimas das chamadas “teorias da convergência”, as quais, grosso modo, insinuam chegarmos a uma sociedade melhor, independente do caminho escolhido.

Como teorias da convergência, classificamos aquelas teorias sobre a socialização que propugnam por uma espécie de “capitalismo popular”, afirmando ser o Estado burguês um “Estado de bem-estar”. Quer se fazer crer que, em seus estágios avançados, não existem diferenças essenciais entre países capitalistas e países socialistas. Com isso, os países, independente do caminho escolhido para seu desenvolvimento, mais cedo ou mais tarde, atingiriam um estágio “pós-industrial”, cuja natureza deve decorrer de um elevado nível de desenvolvimento científico e técnico. Mas, com um tal enfoque, fazemos vista grossa ao fato de o desenvolvimento dos países capitalistas haver se dado às custas do subdesenvolvimento dos países pouco industrializados, os quais, dentro do sistema capitalista, se tornam cada vez mais dependentes e explorados1.



1.      As teorias da convergência surgiram com P. Sorotkin, que exercera o cargo de secretário de Kerenski e havia sido professor de sociologia em Leningrado. Com a queda do governo Kerenski, Sorotkin transferiu-se para a Tchecoslováquia e posteriormente para os EEUU. Ali elaborou uma teoria contra o marxis­mo-leninismo e uma obra panfletária contra o socialismo: EEUU versus URSS. E durante a década de 1940 que Sorotkin formula sua teoria da convergência, na qual defende uma ação conjunta do "liberalismo do Ocidente" e do "coletivismo do Oriente". Seu principal livro é: A crise da nossa época.

         As teorias da convergência que sucederam à de Sorotkin seguem duas tendências principais: uma 'pessimista' ou 'catastrófica', que teme a destruição da humanidade, e outra que constitui uma variante do reformismo. Os defensores desta declaram que tanto o socialismo como o capitalismo constituem fases de transição para uma sociedade 'pós-industrial'. Entre os teóricos desta segunda tendência encontram-se Daniel Bell e seus alunos, Oswald Rostow, J. Galbraith e Alwin Toffler. Toffler é o líder de uma “terceira geração” de teóricos da convergência e opina que a revolução técnico-científica leva a conseqüências idênticas no capitalismo e no socialismo.

         No campo da arquitetura, as teorias da convergência se refletem através do pós-modernismo, o qual sucede ao modernismo arquitetônico, estruturado a partir das idéias dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM). Distancia-se da tendência social-realista da arquitetura, a qual se vinculou, muito mais, ao processo de proletarização da sociedade industrial e às organizações próprias do proletariado, vindo a se manifestar nas soluções de habitação e de urbanismo de enclaves da social-democracia austríaca, nos anos 30, nas experiências e no desenvolvimento da arquitetura funcionalista dos partidos social-democratas do norte da Europa, bem como na arquitetura e no urbanismo dos estados obreiros surgidos após a Revolução de 1917. Para obter clareza quanto à diferença fundamental entre essas tendências da produção da arquitetura, é necessário, na opinião do autor, analisar a relação entre o sujeito e o objeto da arquitetura em face do processo de proletarização da sociedade. Dentro do processo de proletarização, as classes obreiras tendem a passar de objeto a sujeito da arquitetura, o que não é levado em conta pelo pós-modernismo.

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