sábado, 15 de outubro de 2016

Ódio à inteligência: sobre o anti-intelectualismo

Marcia Tiburi e Rubens Casara
Os preconceitos não são inúteis. Eles tem uma função importantíssima na economia psíquica do preconceituoso. Sem os preconceitos, a vida do preconceituoso seria insuportável. Os preconceitos servem na prática para favorecer uns e desfavorecer outros, para confirmar certezas incontrastáveis, manter a ordem e descontextualizar os fenômenos. São parte fundamental dos jogos de dominação e de poder, servem para mistificar, para manipular, mas servem sobretudo para sustentar um ideal falso na pessoa do preconceituoso, ideal acerca de si mesmo, um ideal de “superioridade”, sem o qual os preconceitos seriam eliminados porque perderiam, aí sim, a sua função fundante.
Ainda que sejam psicológicos e não lógicos, daí a aparência de irracionalidade, os preconceitos funcionam a partir de uma lógica binária, bem simples, uma espécie de “lógica da identidade”, mas em um sentido muito elementar, a lógica da medida que reduz tudo, seja a vida, as culturas, as sociedades, as pessoas, ao parâmetro “superior-inferior”. Preconceitos não funcionam fora de jogos de linguagem que são jogos psíquicos, que produzem algum tipo de compensação psíquica.
Vivemos tempos de descompensação emocional profunda, em uma espécie de vazio afetivo (junto com um vazio do pensamento e um vazio da ação que se resolve em consumismo acrítico tanto de ideias quanto de mercadorias). Nesses tempos, a oferta de preconceitos se torna imensa. No sistema de preconceitos, o objeto do preconceito varia, conforme uma estranha oferta: se há muitos judeus, pode-se dirigir o ódio, que é o afeto básico do preconceito, contra eles. Se há mulheres, homossexuais, negros, indígenas, lésbicas ou travestis, o ódio será lançado sobre eles, conforme haja oportunidade. Verdade que o ódio é sempre dirigido àquele que ameaça, ou seja, no fundo do ódio há muito medo. O preconceituoso é, na verdade, em um sentido um pouco mais profundo, alguém que tem muito medo, mas em vez de enfrentar seu medo com coragem, ele usa a covardia, justamente porque é impotente para enfrentar seu próprio medo.
O preconceituoso é, basicamente, um covarde.
Henry Darger
Tendo isso em vista, é importante falar de um preconceito que está em voga nesse momento: o anti-intelectualismo. Há um ódio que se dirige atualmente à inteligência, ao conhecimento, à ciência, ao esclarecimento, ao discernimento. Ao mesmo tempo, esse ódio é velado, pois o lugar do saber é um lugar de poder que é interessante para muitos. Se podemos falar em “coronelismo intelectual” como um uso elitista do conhecimento, e de “ignorância populista”, como um uso elitista da ignorância, como duas formas de exercer o poder manipulando o campo do saber, podemos falar também de um ódio à inteligência, do seu apagamento.
Há, dividindo espaço com opressões próprias ao campo do saber, um estranho ódio ao saber em sua forma crítica e desconstrutiva. Um ódio que se relaciona com a ameaça libertária do saber, um saber capaz de desmistificar, de contrastar certezas e de desvelar a ignorância que serve de base para todos os preconceitos. O pensamento e a ousadia intelectual tornaram-se insuportáveis para muitas pessoas chegando a um nível institucional e, não raro, acabam excluídos ou mesmo criminalizados.
Diversos exemplos de anti-intelectualismo podem ser observados na sociedade brasileira. Desde a caricata presença do ator Alexandre Frota (menos pelo que ele é, mas sobretudo pelo que ele representa) como formulador de políticas públicas do Ministério da Educação ao projeto repleto de ideologia (e mais precisamente: da ideologia, de viés autoritário, da “negação do saber”) da “Escola sem partido”. Do silêncio em torno da exclusão de disciplinas (filosofia, sociologia, artes, etc.) do ensino médio (MP 746) à expressiva votação de candidatos que apostam no uso da força, em detrimento do conhecimento, como resposta aos mais variados problemas sociais. Do descaso com a educação (consagrado na PEC 241) ao tratamento conferido aos professores em todo Brasil (na cidade do Rio de Janeiro, uma das mais constantes críticas direcionadas ao candidato Marcelo Freixo, que disputa o segundo turno das eleições municipais contra o pastor licenciado da IURD Marcelo Crivella, é de que por ser professor não falaria “a linguagem do povo”).
O alto índice de abstenções, votos nulos e brancos (bem como a expressiva votação de políticos que se apresentavam como não-políticos) também é um sintoma do anti-intelectualismo, na medida em que o eleitor identifica o político como aquele que detém o “saber político”, um “saber” que foi demonizado pelos meios de comunicação de massa.
No sistema de justiça ocorre o mesmo. O bom juiz é aquele que julga da forma que o povo desinformado julgaria, mesmo que para isso seja necessário ignorar a doutrina, as leis e a própria Constituição da República. Por outro lado, não são raros os casos de juízes e promotores de justiça que respondem a procedimentos administrativos acusados de decidir contra o senso comum propagado pelos meios de comunicação de massa.
Em meio à onda anti-intelectualista, não causa surpresa que a lógica do pensamento passa a trabalhar com categorias pré-modernas como o “messianismo” e a “peste”. O messianismo identifica-se com a construção de heróis e salvadores da pátria (seres diferenciados, bravos e destemidos, mas que não são necessariamente cultos ou inteligentes, nem corajosos, mas usam uma performance política em que gritar e esbravejar provocam efeitos populistas). A lógica da peste identifica cada um dos problemas brasileiros como um mal indeterminado, em sua extensão, em suas formas e em suas causas, mas tangível e mortal, contra o qual só Deus ou pessoas iluminadas podem resolver. Só há “messianismo” e “peste”, fenômenos típicos de um conservadorismos carente de reflexão, onde desaparece o saber e a educação.
A barbárie está em curso.
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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

SOBRE O NOVO

Delio Mendes Da Fonseca E Silva Filho


O novo nasce sem que se perceba. Quase na sombra, o mundo muda de maneira imperceptível, todavia constante. Neste início de século, temos a consciência de que estamos vivendo uma nova realidade. As transformações atuais colocam os homens em permanente estado de perplexidade. A poluição e a desertificação se alastram. A superpopulação e as tecno-epidemias etc., tornam o mundo diverso negativamente. A pobreza e a desigualdade são produtos desta forma da produção do modo civilizatório capitalista. Este novo apresenta diferentes faces. Tudo isto como conseqüência da desestruturação da ordem industrial. O atual período histórico não é apenas a continuação do capitalismo ocidental, é mais. Melhor, é muito mais, é a transição para uma nova civilização. Esta transição que está em curso é preocupante para determinadas sociedades, desprotegidas na guerra das nações pela primazia da história.
Milton Szntos chama a atenção para esta realidade.

No caso do mundo atual, temos a consciência de viver um novo período, mas o novo que mais facilmente apreende-se diz respeito à utilização de formidáveis recursos da técnica e da ciência pelas novas formas do grande capital, apoiado por formas institucionais igualmente novas. Não se pode dizer que a globalização seja semelhante às ondas anteriores, nem mesmo uma continuação do que havia antes, exatamente porque as condições de sua realização mudaram radicalmente. É somente agora que a humanidade está podendo contar com essa nova realidade técnica infomacional. Chegamos a um outro século e o homem, por meio dos avanços da ciência, produz um papel de elo entre as demais, unindo-as e assegurando a presença planetária desse novo sistema técnico.

É necessário, para compreender esse novo, o conhecimento de dois elementos fundamentais na formação social das nações: a formação técnica e a formação política. Uma permite a compreensão dos elementos tecnológicos que formam as composições necessárias à produção, a outra indica que setores serão privilegiados com a organização possível da produção. Na prática social, sistemas técnicos e sistemas políticos se confundem e é por meio das combinações então possíveis e da escolha dos momentos e lugares de seus us que a história e a geografia se fazem e refazem continuamente.

Desde esta compreensão, esta nova sociedade pode, inclusive, abrir uma nova época com a colocação de um novo paradigma social. Este paradigma pode ser posto como: a superação da nação ativa pela nação passiva.
Ou melhor, voltando ao velho Marx: a nação em si é superada pela nação para si. Para isto, é necessário que o velho/novo mundo periférico retome um projeto político de independência, fora dos moldes de projetos como o Mercosul, que nada mais representam do que a dependência em bloco, na medida em que este tipo de associação só serve à subserviência coletiva, levando grupos de países periféricos a deixar de submeterem-se isoladamente, para cair em bloco nos ardis do capital financeiro.

Finalmente, utilizando a dialética como referência, Milton mostra a batalha travada entre a nação passiva e a nação ativa, em uma transição política que envolve todos os espaços do viver, desde o espaço da vida cotidiana. A nação ativa, ligada aos interesses da globalização perversa, nada cria, nada contribui para a formação do mundo da felicidade, ao contrário da outra nação dita passiva que, a cada momento, cria e recria, em condições adversas, o novo jeito de produzir o espaço social, mostrando que a atual forma de globalização não é irreversível e a utopia é pertinente.

É somente a partir dessa constatação, fundada na história real do nosso tempo, que se torna possível retomar, de maneira concreta, a idéia de utopia e de projeto.

Desde esta compreensão, a globalização é um projeto irreversível da humanidade. Entretanto, não é esta a globalização desejada, e sim uma outra, a de todos.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

A CORRUPÇAO NO BRASIL



As principais ideias apresentadas, à convite, numa semana de confraternização de comunistas dos países nórdicos : Suécia, Noruega, Dinamarca e Finlândia – 08/07 até 16/07/2016.

Frank Svensson





1 – O Brasil não foi descoberto por acaso

Navegadores franceses e italianos já haviam estado no Brasil antes que os portugueses o “descobriram”.

Escola de Sagres ou não, a localização de Portugal junto a união do Mediterrâneo com os mares do Atlântico Norte e do Sul estimularam o conhecimento de como singrar os mares e a construção de naus para tanto.

Estabeleceram, inicialmente, com o conhecimento adquirido e a tecnologia conquistada, uma rede comercial entre os povos ribeirinhos do Mediterrâneo. Com os sírios que haviam trazido da Índia, por via terrestre, o conhecimento de como transformar cana em açúcar, aprenderam como o fazer.

Para uma produção de escala precisavam terras. Muita. Assim resolveram descobrir o Brasil. Elaboraram planos visando aplicá-los. Planos que respeitavam o estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas, metade do Globo terrestre para Espanha e a outra metade para Portugal.

O Brasil seria dividido por linhas horizontais paralelas ao Equador,em capitanias hereditárias administradas por nobres portugueses. Vieram a ser construídas sete cidades administrativas. Vila Rica de Ouro Preto foi a ultima. Essa administrou a maior corrida de ouro já havida.

2 - A falta de mão de obra

Os povos que habitavam o Brasil negavam de um modo geral aceitar o regime de escravidão. Os colonizadores recorreram ao que haviam conhecido na África oriental: mercadores árabes e até mesmo negros poderosos escravizando e negociando  seus irmãos menos poderosos.

Com a exploração dos povos ocidentais da África por portugueses, os hábitos da escravidão ali ganharam vulto, extendendo-se até o Brasil.   Durante quatro séculos e meio desenvolveu-se a maior imigração de escravos do mundo. Fontes angolanas estimam que nove milhões de escravos foram exportados daquele país. Via de regra passaram pelo Brasil os escravos que seriam sitiados em ilhas do Caribe e no sul do território norte-americano.


3- Produção extensiva de escravos


      Os escravos chegados com vida no Brasil eram motivo de comercio em mercados especificamente de escravos em varias  cidades brasileiras. A Guiana francesa tornou-se um grande criadouro de novos escravos para os países do Caribe e da América do Norte. Outras metrópoles europeias alí também negociavam escravos.


4 – Brasil país do futuro
          ‘
Com o surgimento do Período Industrial no Brasil e o emprego de maquinas capazes de acionar varias ferramentas ao mesmo tempo, se alterou, em quantidade e em qualidade, a força de trabalho no mesmo. Portos mecanizados, ferrovias, relógios e distribuição de gás, transporte urbanos, casas, galpões industriais, mercados públicos e estações ferroviárias construídas com estruturas metálicas afastaram-nos do domínio português para a dependência para com a Grã-Bretanha. Acrescente-se a isso moinhos de trigo importado, fabricas de fiação e tecidos etc. Surgiu uma nova elite econômica diretamente ligada a bancos estrangeiros.

Stephan Zweig, autor de várias biografias históricas, antevendo os perigo da segunda grande guerra veio se refugiar no Brasil. Fixou residência em Petrópolis e ali escreveu o livro Brasil país do futuro publicado em 1941. Nesse afirma que uma das dificuldades para o Brasil vir a ser um país promissor era o fato do mesmo haver passado de um regime escravocrata direto para um regime modernista sem haver passado por período Iluminista.

As grandes conquistas e descobertas da ciência, da análise da Natureza e da Sociedade desse período na Europa chegaram por força de importação e não em decorrência de um desenvolvimento global com raízes na realidade brasileira.

Criou-se no Brasil uma elite despolitizada e inculta que face ao  conhecimento de qualquer descoberta das possibilidades de alguma produção rendosa imiscúi-se para enriquecimento pessoal ou familiar e não para o desenvolvimento social e democrático da nação.

Exemplo flagrante disso foi a recente descoberta do campo petrolífero do Pré-Sal. As elites brasileiras assustam até os grandes centros do sistema capitalista ao tempo em que muitos acreditavam que melhorando o capitalismo chegaríamos a uma sociedade mais justa e desenvolta.

Mais uma vez evidenciou-se que para o sistema capitalista, que traz em si o germe de sua autodestruição. não basta querer melhorá-lo. O comunismo evidencia-se como uma necessidade histórica a ser conquistada.




segunda-feira, 7 de março de 2016

EXISTE ALGO ATRÁS DA PORTA: O BRUTALISMO EM PERNAMBUCO (1)


THERE IS SOMETHING BEHIND THE DOOR: THE BRUTALISM IN PERNAMBUCO
Aristóteles de Siqueira Campos Cantalice II[2]

RESUMO:
As décadas do pós-guerra europeu foram marcadas por uma nova sensibilidade arquitetônica comumente chamada de 'brutalismo'. A partir da década de 1960 os arquitetos que atuavam em Pernambuco passaram a utilizar aspectos dessa sensibilidade construtiva sem descartarem as heranças modernas locais desenvolvidas particularmente por Delfim Amorim e Acácio Borsoi. Esse trabalho procura demonstrar quais as obras chave dessa nova sensibilidade pernambucana e apontar quais os principais aspectos absorvidos e adaptados pela realidade local entre as décadas de 1960-1980.
Palavras-chave: Brutalismo, nova sensibilidade, arquitetura pernambucana.

ABSTRACT:
The European postwar decades were marked with a new architectural sensibility commonly called 'brutalism'. From the 1960s, the architects who worked in Pernambuco began using aspects of this construction sensibility without discarding the local modern heritage developed particularly by Delfim Amorim and Acácio Borsoi. The paper demonstrates the key buildings of this new Pernambuco sensibility and points the main aspects that were absorbed and adapted for the local constructive reality between the 1960s and the 1980s. 

Key words: Brutalism, new sensibility, architecture of Pernambuco.



1. INTRODUÇÃO
As décadas do pós-guerra europeu foram marcadas por uma nova sensibilidade arquitetônica que advogava a exposição direta dos materiais, dos elementos tectônicos, do resgate de materiais tradicionais, da preferência por jogos de volumes mais dinâmicos e do uso extensivo do concreto, numa postura comumente chamada de 'brutalismo'.
A expressão 'brutalismo' foi primeiramente utilizada por Hans Asplund para caracterizar uma casa projetada por dois colegas suecos em concreto aparente (BANHAM, 1967, p.10), e logo se tornou corrente nos círculos dos jovens arquitetos ingleses. O brutalismo foi uma tendência arquitetônica que se desenvolveu entre as décadas de 1950-1970 e que se expressou a partir da exposição dos materiais, do resgate aos materiais tradicionais e da adoção de jogos mais expressivos de volumes. Entretanto, hoje está cada vez mais claro que nunca houve um estilo brutalista fechado e com intenções programáticas, mas sim, uma 'nova sensibilidade' construtiva que procurava voltar-se para o saber-fazer de suas regiões, estabelecendo uma maior relação com a cultura de construção local como forma de se distanciar do internacionalismo do Movimento Moderno (CURTIS, 1997). É essa visão de brutalismo como uma nova sensibilidade que será adotada nesse artigo.  
Essa nova sensibilidade brutalista permeou a arquitetura mundial de diversas maneiras e intensidades, e apesar dos jovens arquitetos britânicos terem priorizado uma linguagem mais industrial - empregando materiais como o aço e o vidro - o brutalismo teria alcançado expressão mundial por meio do chamado 'brutalismo corbusiano', que explorava a plasticidade e as texturas do concreto de maneira vasta. Esses arquitetos procuravam explorar o concreto bruto como um material 'natural' moldado, creditando sua expressão através das marcas da atividade humana, com todas as possibilidades de falhas e contingências possíveis, denotando certo primitivismo.
No Brasil, os arquitetos paulistas destacaram-se com obras que demonstraram essa nova sensibilidade desde a década de 1950. Esse esforço culminou na 'escola paulista', movimento que procurava reformular a maneira de projetar a casa paulistana mediante uma nova divisão espacial interna com grande ênfase nos espaços sociais em detrimento dos íntimos, além disso, a 'escola paulista' explorava elementos estruturais, materiais aparentes, e usavam extensamente o concreto aparente (SANVITTO, 1997), características também encontradas na arquitetura dessa nova sensibilidade brutalista.
É importante apontar que mesmo essa nova sensibilidade estando profundamente baseada no primitivismo e na questão da 'verdade dos materiais' resultante de uma visão poética da realidade de reconstrução de um pós-guerra cru e rude, o caso brasileiro não poderia ser desconsiderado. Stanislaus von Moos defende em 'L'Europe après la pluie' ou le brutalisme face à l'histoire (2013) que vários países que não foram atingidos pelos bombardeios da guerra também passaram a possuir uma 'arquitetura do pós-guerra'. De acordo com von Moos, isso se deu através de arquitetos que demonstraram aptidão por esse tipo de arquitetura, como também por aqueles que viveram a realidade da guerra e que seguiram para outros países. Na ocasião o autor aponta, entre outros, o caso do Brasil.

Em Pernambuco, a arquitetura moderna se consolidou no início da década de 1950 com a chegada do italiano Mario Russo, do carioca Acácio Gil Borsoi e do português Delfim Amorim. Esses arquitetos - nitidamente influenciados pelo movimento da 'escola carioca' - conseguiram consolidar uma arquitetura moderna bastante adaptada às condições locais, o que levou críticos e historiadores a se referirem a uma 'escola pernambucana' (AMORIM, 2001). No entanto, a partir da década de 1960' novas influências são observadas na arquitetura de Borsoi e de Amorim, que passam a experimentar aspectos dessa 'nova sensibilidade' em sua arquitetura. Estava sendo dado, naquele momento, um novo rumo à produção local que - arquitetônica e culturalmente - viria a mudar a arquitetura pernambucana.

2. EXISTE ALGO ATRÁS DA PORTA
Para um melhor entendimento de como a nova sensibilidade brutalista passou a influenciar Borsoi e Amorim, é necessário analisar mais a fundo as circunstâncias que levaram cada um deles a projetar as duas obras chave que são vistas como pioneiras dessa nova sensibilidade em Pernambuco.
Entre 1959 e 1960 Borsoi foi contemplado com uma bolsa do Itamaraty e foi a Europa, onde teve contato com obras de arquitetos como Le Corbusier, Arne Jacobsen, Alvar Aalto e James Stirling, além de visitar países como Inglaterra, França, Suécia, Dinamarca e Finlândia (BORSOI, 2001). Na viagem ele teve a oportunidade de contemplar essa arquitetura do revisionismo do pós-guerra que estava em voga no pós-guerra europeu.
Quando Borsoi retorna dessa viagem, percebe-se que essa nova sensibilidade passa a ganhar mais espaço em sua obra em detrimento da linguagem mais influenciada pela 'escola carioca' dos anos 1950'.  Borsoi passa a priorizar uma arquitetura mais relacionada com a questão dos detalhes, dos materiais, e da cultura de construção local. Além disso, em 1963 Borsoi faz outra viagem, dessa vez para os Estados Unidos, onde tem contato com a obra de Louis Kahn, Paul Rudolph, Marcel Breuer, entre outros (NASLAVSKY; AMARAL, 2003, p.11). Essa nova viagem serve para reforçar ainda mais esses novos princípios que são almejados por ele.
Em 1960 Borsoi projeta o Edifício Santo Antônio[3] (finalizado em 1962), onde explora a questão do detalhe com mais afinco já inspirado nessa 'nova sensibilidade' arquitetônica do período. De fato, o Santo Antônio é indicado como o projeto que marcou uma fase de mudanças na obra de Borsoi, pois sua  ... produção da década de 1960 apresentou várias características que podem ser associadas aos princípios da filosofia Estruturalista e do movimento do Novo Brutalismo (AMARAL, 2004, p.93).
O Santo Antônio é um pequeno edifício de escritórios com 04 andares e comércio no térreo, construído nos fundos do terreno de um Convento Franciscano. A fachada frontal do edifício é poente e exige certos cuidados, fazendo com que o arquiteto desenvolva uma película de cobogós de concreto solta das esquadrias de vedação, as quais contem as aberturas, gerando um espaço intermediário para filtragem do sol.
O edifício possui dois aspectos principais que o apontam como um dos primeiros modelos a adotar características brutalistas em Pernambuco. O primeiro diz respeito à vestimenta externa do edifício - confeccionada de cobogó e que descansa na face limítrofe da edificação, solta das esquadrias principais - que tem a finalidade de proteger a edificação do forte poente nordestino (Fig.01). Essa vestimenta torna o prédio fechado e introspectivo, semelhante às soluções da 'escola paulista', e é confeccionada através de um sistema de cobogós desmontáveis idealizadas por Borsoi que parte do principio de duas peças tipo macho e fêmea. A peça fêmea possui dois sistemas de encaixes, um na parte frontal, e outro na parte posterior, fazendo com que as placas (macho) oscilem entre o plano frontal e posterior, gerando um interessante jogo de reentrâncias e saliências e permitindo a melhor entrada da luz e do vento (Fig.02).

        

  
Fig. 01: Edifício Santo Antônio, Acácio Gil Borsoi, 1960-62. Foto do autor.




Fig. 02: Detalhe dos cobogós do Edifício Santo Antônio. Foto do autor.

O segundo aspecto diz respeito ao trato dos materiais internos. O hall possui os elevadores e as escadas em volta de um fosso com uma claraboia, e o revestimento de suas paredes é de tijolo aparente com um trecho contendo um painel artesanal de tijolos recortados, recuados e salientes, de autoria do próprio Borsoi (Fig.03). A escada tipo espinha de peixe (Fig.04) é confeccionada levemente solta da parede lateral, demonstrando individualidade estrutural tanto nessa questão quanto no trato dos materiais. Esse conjunto denota um sentimento de leveza e ao mesmo tempo de rusticidade, que demonstra influências de edificações dessa nova sensibilidade inglesa, principalmente pelo emprego do concreto e do tijolo aparente.



Fig. 03: Painel de tijolos do Edifício Santo Antônio. Foto: Ana Cantalice.


Fig. 04: Escada do Edifício Santo Antônio. Foto: Ana Cantalice.


Ainda em relação ao segundo aspecto - da questão do trato dos materiais - é possível perceber que nas circulações internas das salas de escritório, quando o arquiteto propõe paredes curvas em tijolo aparente com uma seteira central e com portas pivotantes, o faz com extremo cuidado. A solução do assentamento dos tijolos é pensada a um nível construtivo tal que Borsoi elabora um sistema de pontalete curvo para o passo do tijolo e um sistema de separadores. Esse sistema possibilita o perfeito assentamento do tijolo em uma solução não usual, como da parede curva, em que a mão de obra local poderia fazer cortes indevidos no tijolo caso não recebesse as orientações pertinentes. Essa solução resgata princípios básicos relacionados ao entendimento da feitura da construção pelo arquiteto, que como um artífice desenvolve as próprias ferramentas para a concepção de seus objetos através da compreensão de como a obra deve ser erigida (SENNETT, 2009), fato inclusive explorado por Banham (1967) e Heinle & Bächer (1967) como um dos aspectos do brutalismo.
Assim como Borsoi, Amorim também fez viagens. Em 1957 ele retornou a Europa, onde, de acordo com Naslavsky (2004, p.180), passa por uma profunda reflexão arquitetônica, além de ter viajado a São Paulo, para visitar obras de Artigas e de outros arquitetos da 'escola paulista'. Amorim passou a demonstrar características desse revisionismo do pós-guerra em sua arquitetura principalmente a partir do Edifício do Seminário do Nordeste[4] (1962), que é considerado outro projeto pioneiro na utilização de aspectos dessa nova sensibilidade brutalista. O projeto foi implantado em uma Gleba com diversos desníveis que fizeram com que Amorim sugerisse o formato de ‘S’, numa espécie de implantação que procura se adequar a um platô mais ou menos plano, mas devido aos declives do terreno, em diversas partes da edificação formam-se poços semienterrados onde Amorim propõe áreas de prática de esportes e circulação interna.
O volume da edificação acaba por assemelhar-se a algumas implantações de conjuntos como o de Pedregulho (1946-52) de A. E. Reidy. Na extensão da edificação, as salas dos seminaristas são em sentido longitudinal, alcançados por extensos corredores nas extremidades voltadas para o platô, deixando as janelas dos compartimentos voltadas para o vale posterior. O acesso principal à edificação é marcado por um volume vertical em tijolo aparente maciço e portante, que saca da estrutura principal, e por uma grande malha de cobogós robustos em concreto, que assentados e amarrados na estrutura de concreto (Fig.05), guardam semelhanças em proporção com diversos projetos internacionais do pós-guerra, como o da Saint John Church (1953), do arquiteto Marcel Breuer e Hamilton Smith.

Fig. 05: Acesso principal do Edifício do Seminário do Nordeste, Delfim Amorim e equipe, 1962. Foto do autor.

No entanto, a característica que mais relaciona o Seminário com a nova sensibilidade brutalista é a questão do emprego dos materiais. A edificação procura expor os materiais de maneira rude, sem demãos, cada qual com sua expressão e textura devidamente respeitada, diferente da prática da arquitetura moderna recifense até então. A utilização do tijolo maciço aparente é bastante explorada, ora através de expressivos volumes verticais portantes que sacam da edificação, ora como painéis de vedação emoldurados pelo concreto aparente do sistema estrutural. A utilização do concreto armado levemente texturizado também é explorada segundo premissas do brutalismo corbusiano, pois o sistema estrutural é de pilares de secção quadrada implantados em formato de quadrícula angulada, enquanto que as vigas em concreto aparente sacam do volume principal finalizando-se numa espécie de console e afirmando ainda mais essa posição estrutural mais expressiva típica da sensibilidade brutalista (Fig.06). As vedações internas - também em tijolo aparente - contrastam com as esquadrias de madeira pintadas de branco em uma clara inspiração dessa nova sensibilidade, que tanto através do contraste entre esquadria branca e tijolo, quanto através dos materiais aparentes, fazem referência a Maison Jaoul (1954) de Le Corbusier e ao Ham commom flats (1955) de James Stirling (Fig.07) que adotam o uso do tijolo e das cintas de concreto aparente.

    

Fig. 06: Vista da circulação externa com os andares e os consoles que sacam da estrutura principal. Foto do autor.





Fig. 07: Detalhe dos consoles de concreto e das vedações em tijolo do Ham commom flats, James Stirling, 1955. Foto do autor.

Tanto o edifício Santo Antônio de Borsoi, quanto o Seminário de Nordeste de Amorim marcam esse novo rumo que a arquitetura pernambucana viria a tomar com base na nova sensibilidade brutalista. Por um lado, através da ânsia pelo detalhamento e pelo estudo de texturas e superfícies dos materiais, buscando relações cada vez maiores com os métodos construtivos e com o saber fazer da região, e por outro, através da exploração plástica e evidência dos sistemas estruturais, buscando cada vez mais as reentrâncias, as saliências, e os jogos volumétricos mais expressivos típicos dessa sensibilidade do período.

3. A NOVA SENSIBILIDADE EM PERNAMBUCO
A partir das duas obras chave de Amorim e Borsoi, o reconhecimento desse novo metier em projetar começava a ebulir em Pernambuco. Além disso, o fato de Amorim e Borsoi lecionarem as disciplinas de 'projeto arquitetônico' na UFPE contribuiu para a experimentação dessa nova sensibilidade em aula, com os futuros arquitetos pernambucanos.
Além da influência de Amorim e Borsoi, os arquitetos dessa 'nova geração' de formados também sofreram influências externas, primeiramente dos recentes exemplares da 'escola paulista', que não deixaram de influenciar a cena local, principalmente por meio de publicações e de visitas empreendidas no início da década de 1960, quando muitos arquitetos dessa segunda geração (ainda estudantes), fazem visitas guiadas principalmente por Amorim a São Paulo. No entanto, as influências internacionais foram ainda mais profundas e ocorreram principalmente por meio das publicações internacionais disponíveis em Pernambuco notadamente a partir de meados da década de 1960, principalmente de livros da editora Gustavo Gili como: El brutalismo en arquitectura: Etica o estética (1967) de Reyner Banham; Construcciones en Hormigon Visto (1967) de Bächer & Heinle; Marcel Breuer: Nuevas Construcciones y Proyectos (1970) de Tician Papachristou, entre outros[5]. Além disso, houve as viagens que alguns desses fizeram aos Estados Unidos e Europa ao longo da década de 1960, demonstrando que a atuação dos arquitetos pernambucanos estava sintonizada com os temas vivenciados pela arquitetura internacional naquele momento.

Os arquitetos dessa nova geração pós Borsoi e Amorim foram os que mais demonstraram solidariedade com essa nova sensibilidade na arquitetura pernambucana. Através da busca por uma poética da construção fortemente influenciada pelo saber-fazer local e pela tecnologia acessível, essa geração foi marcada pelo início da difusão mais extensa da arquitetura europeia e da arquitetura paulista no cenário recifense.
Dentre os arquitetos locais que se utilizaram dessa nova sensibilidade durante a década de 1960 e 1970 podemos citar os pioneiros Acácio Borsoi e Delfim Amorim. Assim como os discípulos de primeira e segunda geração de Amorim e Borsoi como Heitor Maia Neto, Frank Svensson & Marcos Domingues, Glauco Campello, Reginaldo Esteves, Mauricio Castro, Dinauro Esteves, Vital Pessoa de Melo, Armando de Holanda, Wandenkolk Tinoco, Alexandre Castro e Silva, Jerônimo & Pontual, Roberto Soares, entre outros. Esse subitem tem a finalidade de olhar de maneira teleférica a obra de cada um deles, demonstrando as principais contribuições que guardam relação com a nova sensibilidade. 
Durante a década de 1960-70 Acácio Borsoi passou a desenvolver diversos projetos como protótipos dessa nova sensibilidade baseada no revisionismo do pós-guerra, explorando fortemente a questão plástica e dos detalhes arquitetônicos. Dentre as obras de Borsoi que demonstram influências do revisionismo do pós-guerra podemos citar: o Edifício BANCIPE[6] (1963), que trabalha com diversas texturas de concreto e com discretos brises de concreto em sua fachada principal (Fig.08); os Edifícios Mirage (1967), Michelangelo (1969), e Portinari (1969); o Edifício do BANDEPE[7] (1969), que com leves brises ergue-se discretamente no centro histórico do Recife, ora com finos brises e seteiras, ora com pesadas placas de concreto que desenham a fachada (Fig.09); o Fórum de Teresina (1972), uma das maiores expressões dessa nova sensibilidade de Borsoi, que se trata de uma edificação quadrangular e com uma coberta de concreto levemente apoiada por finos pilares circulares que se apoiam acima dos robustos 'pilares brises' que se erguem para proteger a caixa de tijolo interna (Fig.10); e o Ministério da Fazenda de Fortaleza (1975), prédio que resgata o debate da modulação e que concebido com detalhes requintados ergue-se como um dos principais exemplares da arquitetura do período naquela cidade (Fig.11).   


Fig.08: Edf. BANCIPE ao lado da Igreja Matriz de Santo Antônio, Acácio Borsoi e Vital Pessoa de Melo, 1963. Foto do autor.


Fig.09: Edf. BANDEPE, Acácio Borsoi, Gilsom Miranda e Janete Costa, 1969. Foto do autor.



Fig.10: Vista da varanda com os 'pilares brises' do Fórum de Teresina, Acácio Borsoi, 1972. Foto do autor.


Fig.11: Ministério da Fazenda de Fortaleza, Acácio Borsoi, 1975. Foto do autor.

O também pioneiro Delfim Amorim passou a incorporar e relacionar os costumes de construção local com a expressão dessa nova sensibilidade do pós-guerra gerando obras peculiares e de valor único, nas quais foram utilizadas empenas com platibanda, jogos de sombra e luz entre volumes salientes; reentrâncias expressivas; além de manterem o contato com a vegetação e um inteligente sistema de aberturas para amenizar o agressivo clima do nordeste brasileiro. Em seu período tardio, Amorim faz uma parceria com Heitor Maia Neto, arquiteto que se formou no curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes do Recife em 1952, ainda sobre forte influência do mestre Mario Russo e em 1963 associou-se a Amorim (NASLAVSKY, 2004). Entre as obras da sociedade desse período podemos citar: o Edifício Barão do Rio Branco (1966); a Casa Alfredo P. Correia (1969), que trabalha com os telhados de telha francesa típica do nordeste, mas que aliado a uma plástica mais expressiva com platibandas inclinadas e com o volume da caixa d'água destacado confere certa referência à arquitetura escandinava dessa nova sensibilidade (Fig.12); a Residência Miguel Doherty (1969) (Fig.13); a Residência José da Silva Rodrigues (1970); o Edifício Duque de Bragança (1970), e diversos supermercados da rede Bompreço.

 
Fig.12: Casa Alfredo P. Correia, Delfim Amorim & Heitor Maia Neto, 1969. Foto do Autor.


Fig.13: Casa Miguel Doherty, Delfim Amorim & Heitor Maia Neto, 1969. Foto do autor.

Frank Svensson e Marcos Domingues - o primeiro formado pela Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, fixou moradia em Recife em 1963, e o segundo formado pela Escola de Belas Artes do Recife em 1953, onde posteriormente tornou-se professor na década de 1960 (AMORIM, 1999, p.100) - formaram um escritório que contribuiu com importantes projetos adotando aspectos dessa nova sensibilidade em Pernambuco. Entre as obras da sociedade podemos citar: a Residência Enário de Castro (1968), que é detentora de uma forma rude e pesada através do emprego do concreto bruto, e que os ambientes voltados para dentro de forma integrada com o jardim posterior fazem referência à noção de grande abrigo típica da 'escola paulista'; a Residência Paulo Meirelles (1968), que além de usar de maneira vasta o concreto, os arquitetos se aproveitam da maleabilidade do concreto para propor um interessante jogo de cobertas arqueadas com sheds que com claras influências escandinavas possuem a finalidade de iluminar e prover um escape de ventilação aos ambiente internos (Fig.14); e a Sede da Rede Ferroviária (1970), projeto que com forte expressão material e espacial relembra a solução de implantação adotada no projeto de Sheffield pelos Smithsons, devido à maneira que a edificação distribui-se na horizontal do lote, enquanto que a configuração espacial interna é fortemente marcada por passarelas, pisos em cotas de nível diferentes e rampas e escadas, que ligam a diversos pontos da edificação (Fig.15-16).

Fig.14: Residência Paulo Meirelles, Svensson & Domingues,1968. Foto do autor.


Fig.15: Vista do pátio central da Sede da Rede Ferroviária, Svensson & Domingues,1970. Foto do autor.


Fig.16: Vista do prédio principal da Sede da Rede Ferroviária. Foto do autor.

Reginaldo Esteves - diplomado em 1954 pela Escola de Belas Artes de Pernambuco e professor da Escola de Engenharia de Pernambuco - desenvolveu em sua terceira fase[8] (sua obra tardia) uma produção marcada por volumes imponentes que possuem como principal característica grandes balanços e amplos espaços internos. Entre seus projetos, podemos citar: o SCFC - Santa Cruz Futebol Clube (1973); a CELPE - Companhia Energética de Pernambuco[9] (1972); o CAC-UFPE - Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (1973), onde desenvolveu um sistema interno de passarelas e níveis distintos que se assemelham ao sistema de strata adotado por Denys Lasdun em seus projetos (CURTIS, 1997, p.542-545). Esse sistema marcou a arquitetura brutalista inglesa no período e tem a finalidade de tornar os espaços mais complexos devido aos altos e baixos, conferindo pessoalidade a edificação e pode ser visto no CAC-UFPE, que é marcado com placas de concreto, que ora servem de vedação, ora de brises, e os altos e baixos e as passarelas desencontradas propostas pelo strata geram um interessante jogo de luz e sombra nas fachadas de concreto desencontradas (Fig.17).

 
Fig.17: Vista do pátio interno com uma passarela ao fundo do CAC-UFPE.  Reginaldo Esteves, 1973. Foto do autor.

Glauco Campello - nascido na Paraíba e formado em 1959 na Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro - foi outro importante arquiteto da cena pernambucana. Campello projetava aliando a expressão dos materiais crus com demais características predominantes da cultura de construção local. Entre os projetos de sua autoria podemos citar: o prédio sede da SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste[10] (1967), onde a pesada base de concreto armado com pilares generosos suporta um volume superior com leve curvatura (Fig.18). Esse volume possui empenas laterais revestidas em cerâmica enquanto a face nascente é vazada por esquadrias e a poente é totalmente vazada em cobogó de placas de concreto que permitem que a edificação respire permanentemente (Fig.19); além do projeto de sua Residência (1967); e do Edifício Oasis (1970).

Fig.18: SUDENE, Glauco Campello, Mauricio Castro e equipe, 1967. Foto do autor.



Fig.19: Detalhe da fachada de cobogó. da SUDENE. Foto do autor.

Vital Pessoa de Melo - que no período de faculdade foi aluno tanto de Amorim quanto de Borsoi - também foi outro arquiteto que produziu obras de considerável valor na época. Em seu período de estudante Vital fez uma viagem com Delfim Amorim a São Paulo, onde conheceu a arquitetura da 'escola paulista'. Logo após sua formação em 1961, desenvolveu uma parceria com Borsoi (Edf. BANCIPE, 1963), e com Reginaldo Esteves (sede da CELPE, 1972). Entre as obras que demonstram traços dessa nova sensibilidade podemos citar: o projeto de sua Residência (1968), que utilizou os elementos construtivos de maneira a gerar planos marcantes, trabalhando com materiais brutos e ásperos, através de fortes texturas em variados tons como o do concreto liso, o das placas de concreto rugosas com acabamento lavado quando em processo de cura, o da laje nervurada com blocos de cerâmica aparente, e o da parede com chapisco grosso pintada de branco, que juntamente com o fechamento da casa para a rua conferem um tom austero e introspectivo que relembra a posição da 'escola paulista' (Fig.20); além do projeto da CELPE[11] (1972), onde procurou utilizar a solução do brise-soleil em peças de concreto aparente como principal elemento de composição de fachada com a finalidade de proteger a vestimenta de vidro da fachada interna (Fig.21).  


Fig.20: Vista frontal demonstrando os planos em materiais diversos da Casa do Arquiteto, Vital Pessoa de Melo, 1968. Foto do Autor.


Fig.21: Vista da fachada frontal com os brises de proteção da CELPE, Vital Pessoa de Melo e Reginaldo Esteves, 1972.  Foto do Autor.

Armando de Holanda - que ingressou na Faculdade de Arquitetura de Recife em 1959 e estagiou com Glauco Campello - logo foi à Brasília fazer pós-graduação na UnB. Holanda ingressou como professor na Faculdade de Arquitetura de Recife em 1970, e em 1976 publicou um importante livro para os arquitetos pernambucanos o Roteiro para se Construir no Nordeste (HOLANDA, 1976), que condensa as ideias projetuais já adotadas pelos arquitetos locais para o desenvolvimento de uma arquitetura correta no clima nordestino. Entre suas obras que guardam congruências com a nova sensibilidade podemos citar: a do Parque Nacional dos Guararapes (1973-76), onde trabalhou com finas cobertas de concreto em formato de hiperbólicas invertidas (Fig.22); a do Edifício Bougainville (1973), que com vedações verticais em tijolo aparente numa solução bastante espartana propõe varandas com base em cobogó e peitoris ventilados, com a finalidade de resolver os problemas de controle climático (Fig.23); além da casa Nilo Coelho (1976).

Fig.22: Bloco das lanchonetes do Parque Nacional dos Guararapes, Armando de Holanda, 1973-76. Foto: Ana Cantalice.


Fig.23: Detalhe das varandas do Edifício Boungainville, Armando de Holanda, 1973. Foto: Ana Cantalice.

Entre outros arquitetos que tiveram obras que demonstram certa solidariedade com os princípios da sensibilidade brutalista, podemos citar: Jerônimo & Pontual, que projetaram o Edifício da IBM (1970-71) e o Edifício Sparta (1972), esse ultimo suportado por dois grandes pilares de concreto nas extremidades e que possui um fechamento superior de forte impacto plástico na forma de um grande balanço em concreto (Fig.24); Alexandre Castro e Silva, que projetou a Residência Francisco Pedrosa (1974) e o Edifício Tiberius (1975); Dinauro Esteves, que projetou a sede da CHESF - Companhia Hidrelétrica do São Francisco[12] (1975), que possui imponentes sheds de iluminação nas circulações verticais que demonstram essa procura pelo expressivo trabalho das aberturas típico da revisão do pós-guerra (Fig.25); além de Wandenkolk Tinoco; Roberto Soares; Geraldo Santana, entre outros.

 
Fig.24: Edifício Sparta, Jerônimo & Pontual, 1972. Foto do autor.




Fig.25: Detalhe dos sheds de iluminação da circulação vertical da CHESF, Dinauro Esteves e Mauricio Castro, 1975. Foto do autor.

4. CONCLUSÃO

É importante apontar que as obras exploradas neste artigo não procuram evidenciar uma postura projetual pernambucana caracterizada somente a partir dessa nova sensibilidade brutalista, mas sim uma posição solidária a essa arquitetura do revisionismo do pós-guerra. Ao se analisar as obras dos arquitetos citados é possível perceber que essa solidariedade aparece principalmente através de três características: a primeira é uma relação mais expressiva com a plástica da edificação, que alcança forte expressão através de reentrâncias, saliências e componentes construtivos (brises, pérgolas, gárgulas, cobogós, volumes de circulação vertical e de caixas d´água); a segunda é uma posição mais radical com os materiais e texturas, que passam a ser tratados denotando uma 'verdade dos materiais' que alcança expressão através de propostas - muitas vezes pioneiras - de texturas impressas no concreto e do emprego do tijolo aparente e de outros materiais deixados sem demãos ou revestimentos; e a terceira, que é representada através do estudo das soluções estruturais, que alcançam expressão através da evidência da estrutura como componente plástico, e que também contribuem para a forma final da edificação.
Tais arquitetos absorveram essa sensibilidade brutalista da época, seja através de imagens de livros internacionais, das viagens, da arquitetura paulista ou dos pioneiros Borsoi e Amorim, no entanto, o fizeram relacionando-a com uma posição projetual que procurava a proteção do clima quente e a adequação ao saber-fazer local, afastando-se de um principio norteador fechado e com intenções programáticas como acontecia no Movimento Moderno. Os resultados alcançados nas obras pernambucanas desse período abarcam a pluralidade de visões dos projetistas locais e aproximam-se da definição de Curtis (1997, p.530-531) de um realismo que se apoia no desenvolvimento de uma arquitetura frouxa de amarras sociais e que procura significados culturais mais profundos através da exposição dos materiais. Ao olharmos essa nova sensibilidade brutalista através desse caleidoscópio - de poética construtiva, verdade dos materiais, e identidade local - a produção pernambucana se solidarizava perfeitamente com ele.
A partir do início da década de 1980, a opção por materiais cada vez mais industrializados e a diminuição de detalhes para a 'racionalização' das obras fizeram com que a utilização de alguns princípios relacionados à nova sensibilidade começasse a escassear, dando lugar a um período de transição para uma arquitetura com novos paradigmas, embasados predominantemente na economia de meios e na simplicidade projetual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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[1] Trabalho elaborado com base na dissertação de mestrado intitulada Um Brutalismo Suave: Traços da arquitetura em Pernambuco (1965-1980), defendida pelo autor no MDU-UFPE em 2009.
[2] Arquiteto pela FAU-PE. Mestre em ambiente construído pelo MDU-UFPE. Doutorando pelo MDU-UFPE. Pesquisador visitante do dARQ-FCTUC (Portugal). Professor UNIFAVIP e FBV.
[3] O projeto e a construção foram feitos em parceria com o arquiteto Wilson Nadruz.
[4] Delfim Amorim convidou Marcos Domingues, Florismundo Lins e Carlos Correa Lima para integrar a equipe de arquitetos (NASLAVSKY, 2004).
[5] Afirmação do arquiteto e professor Luiz Lacerda que pertenceu a essa segunda geração de arquitetos formados por Amorim e Borsoi em entrevista ao autor em 22 de fevereiro de 2008.
[6] Em colaboração com Vital Pessoa de Melo.
[7] Em colaboração com Gilson Miranda e Janete Costa.
[8] Reconhece-se na obra de Reginaldo Esteves três fases distintas. A primeira sobre influência da Escola Carioca; a segunda marcada por uma tentativa de aliar tradição e modernidade e a terceira conhecida como sua fase do concreto (AMORIM, 1999, p.95).   
[9] Em colaboração com Vital Pessoa de Melo.
[10] Em colaboração com Mauricio Castro e equipe.
[11] Em colaboração com Reginaldo Esteves.
[12] Em colaboração com Mauricio castro.