sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O MUNDO DE KARL ou JAMAIS HOUVE UMA ÉPOCA MAIS FABULOSA

Tradução do livro: Robert Misik: MARX PARA APRESSADOS
Tradutor: Frank Svensson Brasília, 26.12.2005. 5.° capítulo


O planeta sobre as montanhas russas: o pré-março da revolução e o boom dos anos 1850


Quando as ideias se amparam nas massas, tornando-se força material, a isso se chama revolução. A coincidência quis que o manifesto do partido comunista estivesse quase ultrapassado, quando os exemplares em bela capa amarela fossem lançados por uma tipografia londrina. Todas as potências da velha Europa uniram-se numa Sagrada Aliança para encurralar o espectro do comunismo: o papa e o tzar, Metternich e Guizot, os radicais da França e os policiais da Alemanha (p.72) rezavam suas primeiras linhas. Da França chegavam as primeiras notícias de revolução: nas ruas, gente se batia em barricadas. François Guizot foi demitido da função de primeiro ministro; o rei abdicou. Um incêndio fazia arder toda a Europa. Três semanas mais tarde, Metternich foge de Viena e a insurreição atinge Berlim. Da Hungria à Itália, às margens do Reno, anuncia-se uma primavera dos povos. A polícia belga é tomada de pânico. No início de 1848, o rei ordena ao autor do "Manifesto" que deixe o exílio em Bruxelas em 24 horas. Para Marx é a desagregação - porque há de aprontar bagagem sem tardar, levando mulher e três crianças consigo – mas não é uma tragédia.

O revolucionário havia recebido mensagem do governo revolucionário francês: Corajoso e honesto Marx, o solo da República Francesa é um asilo para todos os amigos da liberdade. O poder da tirania vos baniu, mas a França livre vos abre novamente suas portas. A vós e a todos os que lutam por uma causa sagrada, pela causa fraternal de todos os povos. Marx, sua mulher Jenny, seus filhos Jenny, Laura e Edgard voltam a Paris, capital mundial da revolução que haviam sido forçados a deixar três anos antes. Lança-se na luta bem engajado. Uma verdadeira batalha se anuncia e Marx, o batalhador, pode deixar os atalhos da guerra (às vezes ridículos) com tanto ímpeto usados por ele contra profetas vaidosos, artesãos radicais que se superestimam ou espíritos subversivos decididos a não aceitá-lo no papel dirigente que naturalmente reivindica. Trata-se de indescritível energia revolucionária, difícil de caracterizar, que desaba sobre a Europa após quarenta anos acumulada nos domínios intelectual, político, social. Época em que o "Novo", quão inatingível seja, murmura surdamente. Favorável a quem quer fazer mover o mundo. Nos meados do século XIX, o sentimentalismo estava em voga, descreve Isaiah Berlin, na monografia sobre Marx. Aquilo que, no início, não era nada mais que a experiência de artistas excepcionais como Byron e Shelley, Rousseau e Chateaubriand, Schiller e Jean Paul, imperceptivelmente se difundiu na sociedade europeia. A quebradeira do mundo tornando-se um sentimento geral foi o verdadeiro nascimento dos tempos modernos. Tudo o que pertencia à tradição passou a nada mais valer. Cada um a seu modo, os contemporâneos sentiram-se no alvorecer de uma nova época; um sentimento trágico se apossou deles face às rupturas. Pela primeira vez, escreve Berlin, toda uma geração deixou-se cativar pelas experiências pessoais de homens e mulheres... Tendência que se encontra na vida e nas teorias de grandes revolucionários democratas, como na veneração de que foram objetos por seus discípulos. Mazinni, Kossuth, Garibaldi, Bakounine e Lassalle não foram somente admirados como heroicos defensores da liberdade, mas por sua personalidade romântica e poética
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Marx considera-se reformador do mundo, mas os modos afetados de alguns contemporâneos, cujas atitudes de heróis configuram uma segunda natureza, ferem-lhe os nervos. Com toda sua verve e um prazer juvenil de polemizar, criou uma multidão de inimigos entre os pequenos grandes homens de que amava fazer troça. Marx é uma figura singular e isolada entre os revolucionários de seu tempo.

No entanto, está em dia com sua época, em que se pôs em marcha e onde a imaginação parece não ter limites. Percebe-se numa carta que Marx escreverá a seu amigo Weydemeyer: Não é possível nascer numa época mais fabulosa do que hoje. Quando se pode ir de Londres a Calcutá em sete dias, já faz muito tempo que nós dois teríamos sido decapitados ou sacudiríamos a cabeça. Depois a Austrália, a Califórnia e o Oceano Pacífico! Os novos cidadãos do mundo não entenderão quanto o nosso mundo é pequeno. Os anos que precederam 1848 são verdadeiramente mais que uma época – anos conscientes do que apontam. O espírito do século é democrático, liberal e se colore de socialismo. O termo burguês tornou-se, bem além do círculo comunista de Marx, uma injúria abrangendo do pequeno mundo dos verdureiros a certas camadas da burguesia liberal, desusada casta que se agarra a sua prosperidade e a sua ordem como bem pode, embora cada um veja que o mundo está em pleno rebuliço. O grande símbolo é a ferrovia aureolada de prestígio do futuro, a um ponto impossível de se imaginar hoje. As cidades se estendem, as passagens cobertas tornam-se templos cintilantes do novo; no emaranhado de ruas e ruelas tortuosas perfuram-se largas avenidas. Paris é a capital dessa modernidade, como Londres é o pulso do novo capitalismo. Essa época é marcada não só por Heine e o poeta Baudelaire – considerado precursor da literatura moderna – mas também por Flaubert e Courbet, Balzac, Darwin, George Sand e Proudhon. O culto do gênio se encarna em la Bohême, composta de jovens com mais de vinte, mas menos de trinta anos, todos geniais em seus gêneros, escreveu Balzac em Um príncipe de la Bohême. Lá encontramos escritores, administradores, militares, jornalistas, artistas! Todos os tipos de capacidade e espírito são representados. Tradições e experiências se depreciam a uma velocidade incrível. A revolução industrial e o progresso técnico, bem como os fenômenos concomitantes (riqueza súbita e pobreza esmagadora), exercem formidável fascínio, suscitam desordem e perturbação cultural. Essa aceleração do mundo é vivenciada por bom número de contemporâneos como um choque a que alguns reagem com brutal rejeição e outros com o culto da técnica e do novo. Este remeximento é frequentemente tomado por tema de artistas os mais avançados.

É uma época charneira da qual se percebem nitidamente as tendências (desde os anos 40, mesmo se não se impuseram antes de 1850 com o grande boom econômico) que terminará no ano louco de 1848. Como a maior parte de outros emigrados revolucionários alemães, Marx, o renano apátrida, há muito tempo não tem Paris como localização. Em março ele retorna a Colônia, seguido em abril por sua família. Com Frederico Engels, que ao fim dos últimos três anos tornou-se seu fiel amigo íntimo – e o foi por toda a vida – Marx decide retomar o projeto do jornal do início dos anos 40, desta vez sob o título de "Neue Reinische Zeitung". Passa por perpétuos problemas de dinheiro, sacrificando até os parcos restos da herança paterna. Escreve veementes artigos contra a pusilânime lengalenga da Assembleia Nacional de Frankfurt e da Assembleia Nacional prussiana, onde os deputados, segundo ele, deixam passar o momento revolucionário fazendo o jogo da reação. Marx se envolve em numerosas atividades; argumenta com as massas e tenta sublevar as forças armadas revolucionárias, mas nada se concretiza. A maré revolucionária recua e as antigas potências reforçam suas posições. As autoridades abafam a agressividade dos redatores de Marx sob uma montanha de processos jurídicos; é finalmente expulso. De Berlim a Paris e a Viena, a revolta é violentamente reprimida e as esperanças se consomem sob o fogo da ordem estabelecida. Marx parte para Paris. Grávida pela quarta vez, Jenny, sua esposa, lhe segue. Face às arbitrariedades do poder restaurado, Marx escolhe ainda um outro país de exílio. Dia 27 de agosto, o revolucionário alemão desembarca do City of Boulogne, em Dover. Londres, naquele momento capital do capitalismo mundial, será 34 anos a última pátria de Marx.

Lá Marx volta a atacar. Era tudo como nos velhos tem-pos em Paris ou Bruxelas: um manejo de intrigas, de acertos de contas e de luta pelos poderes escreveu Francis Wheen em sua magnífica biografia de Marx (p.154), da qual extraímos a curta descrição que segue. Para Marx e sua família, são duros anos de miséria. A única consolação vem do fiel Engels, que naturalmente segue o amigo. Quando a falta de dinheiro se faz ressentir de forma cruel, Engels parte a contragosto para Manchester, onde trabalha como escriturário (amanuense) e mais tarde como associado da usina têxtil de seu pai. Durante sua vida se queixará do detestável tráfico e do vil comércio que lhe permite financiar a existência de autor e de científico, independentemente do seu genial amigo. Marx, após estar aborrecido com a maioria de seus companheiros de exílio, retorna a seus estudos econômicos; previstos de longa data, tinham sido adiados ou interrompidos por causa dos grandes acontecimentos mundiais. Damo-nos mais e mais conta de que a emigração é uma instituição na qual cada um é necessariamente um bobo, um idiota ou um ignóbil crápula, escreve Engels em 1851 a seu amigo, que lhe responde: estou muito satisfeito do isolamento público, autêntico, no qual tu e eu nos encontramos, atualmente (Wheen, p. 196). Com efeito, permite-lhe concentrar-se em seu trabalho. Marx isola-se na sala de leitura do British Museum para estudar economia, não se deixando interromper por novas bobagens ou asneiras. Adora abandonar seus manuscritos de economia, quando desponta no horizonte um desses reformadores do mundo enfatuado, a que pode dirigir uma sátira exagerada. Entrementes, sua família cai num estado acentuado de penúria. Com freqüência, falta um penny para comprar o pão, a carne ou o aluguel. De tempos em tempo os padeiros comparecem à casa de Marx e juram não lhe fornecer mais pão, enquanto as faturas não forem pagas: Marx encontra-se numa espécie de estado de sítio permanente, descreve Wheen. Espiões da polícia prussiana rondam continuamente a vizinhança, anotando todos os que entram e saem de sua casa: açougueiros em cólera, padeiros e oficiais de justiça batem continuamente à sua porta. O estado de saúde de sua mulher Jenny e de seus filhos piora a olhos vistos; três deles morrem antes de completar dez anos.

De fato, contrariando todos os persistentes mitos, Marx não vive como um miserável, não obstante a dificuldade de pessoas solitárias que tombam na precariedade e desesperadamente buscam salvar as aparências e seus hábitos burgueses. Nos anos 50, conseguindo apenas alimentar seus filhos, Marx insiste em empregar um secretário. Mesmo nesses anos difíceis, Marx habita casa concebida num dos melhores quarteirões de Londres, é servido por Hélène Debuth, doméstica que sua sogra proporcionara ao casal. É bom que se diga, Jenny, nascida Von Westphalen, é oriunda da alta sociedade de Trèves; Marx, ridiculamente orgulhoso de haver desposado uma verdadeira dama, faz questão de proporcionar à esposa um modo de vida à sua altura: férias à beira-mar, aulas de piano para as crianças, a bela casa, vestidos de baile e aulas de dança para as filhas (para que suas crianças... estabeleçam relações que possam assegurar seu futuro). Tudo isso é um must comparado a coisas secundárias como pagar contas ao médico ou ao verdureiro. Wheen calculou que com a ajuda dos donativos de Engels e seus próprios ganhos, até nos piores anos o autor do "Manifesto" dispunha de pelo menos 200 libras/ano, suficientes para manter uma família de classe intermediária. Ao tempo em que procurava atingir os profundos mistérios do capitalismo, Marx no plano privado era um contador pelo menos singular, e Engels não cessava de ouvir lamentos. Eu não creio, escrevia Marx, enquanto se digladiava com as malícias da economia comercial e da monetária, que jamais se tenha escrito sobre dinheiro com tamanho desprendimento. A maioria dos autores desse assunto estava em paz com o objeto de sua pesquisa. Quanto mais penetra nos segredos do capitalismo desenvolvido, mais seu corpo se rebela, lembrando que em meados dos anos 1850 Marx ainda não completara 40 anos de idade. Torturado por seus sofrimentos hepáticos crônicos, o corpo coberto de abscessos e furúnculos, é por vezes obrigado a trabalhar de bruços, por não poder ficar sentado. É frequente isso pesar sobre o estilo literário desse homem de estilo outrora geralmente claro: O caderno 2 traz a marca pouco opressora de um antrax, reconhece Engels, por exemplo, debruçando-se sobre a leitura de O Capital. Marx, ao paroxismo de seu sofrimento, exprime esperança de que toda sua vida a burguesia pensará em seus antrax.

A tentativa de entender a surpreendente personalidade de Marx já desconcertou mais de um – à exceção de hagiógrafos esquerdistas que produziram o estilista (eremita que vivia no topo de uma coluna ou torre) heroico e nobre do movimento comunista mundial e dos reacionários imbecis que não paravam de diabolizá-lo. Marx foi simultaneamente tirano autoritário e brigão e companheiro atencioso e cortês que com carisma soube se unir aos companheiros de rota. Foi decidido revolucionário e autor de estilo brilhante, dotado de autoconfiança muitas vezes próxima da megalomania. Foi um pai doce e suave que preferia levar suas marmotas aos campos de Hamp-stead Heath, no domingo, a pôr fogo na ordem estabelecida na Europa. Esse pensador audacioso, que passava a vida a estudar economia, no fim do dia contava histórias fantásticas aos mais jovens de seus filhos e se entretinha, após freqüentar prolongadamente as tabernas com seus amigos comunistas, a atirar pedras nos bicos da iluminação de gás. Marx foi homem original, cheio de humor, capaz de discutir e beber durante noites inteiras; a imensa turma que o cercava lhe atribuía apelidos os mais esdrúxulos – seus filhos o chamavam de Mouro; Engels, que se interessava por questões militares, chamava-o General. Marx podia nadar nos tratados econômicos mais abstratos e no instante seguinte apaixonar-se pelo último escândalo público em torno de um affaire moral ou das atribulações de uma princesa francesa.

Marx foi trivial obstinado, sensível, frio e romântico. Um gênio cheio de contradições, como o mostram, aliás, as interpretações divergentes de sua obra. Wheen pergunta-se com razão: como pôde tanto se equivocar e ao mesmo tempo ter razão? (..124). Nos anos 60, quando suas três filhas lhe pediram para preencher um questionário sobre suas convicções - como se fazia à época - Marx respondeu sobre sua máxima favorita, citando o poeta latino Terence: Nihil humani a mi alieni puto (considero que nada que concerne ao homem me é estranho). Mesmo na análise rebarbativa do princípio da concorrência entre capitalistas, conclui grosseiramente nos Grundrisse, após longas deduções: Capital I, o tenho no ânus (G.I., p.321).

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

NÃO É PORQUE SEJA ASSIM QUE CONTINUARÁ ASSIM ou APRENDER A PENSAR COM MARX


A teoria da ideologia de Marx
Uma herança de surpreendente atualidade

Tadução do 8º capítulo do livro::
Robert Misik: MARX PARA APRESSADOS

Tradutor: Frank Svensson
Brasília, 23.01.2006.

         
Da mesma forma como uma galinha cega pode catar grãos, os maiores pensadores podem cometer enormes erros. Algo que talvez se deva ao radicalismo intelectual necessário para reverter velhas ideias e derrotar os ídolos de antanho – um radicalismo que não se administra mais, mesmo se ele deve acionar até ao fundo a dinâmica de seu próprio arrazoado. Quase por definição, os pensadores radicais obedecem ao princípio que vale mais se equivocar nas grandes coisas do que ter razão nas pequenas. Os erros que encerra a obra de Marx são desses. Marx era convencido, de um extremo ao outro de sua obra, que as condições de propriedade burguesa, ou seja, mais de duzentos anos de formas de desenvolvimento das forças produtivas produziriam em breve suas próprias cadeias e que, como o feudalismo outrora, a gangue do feudalismo explodiria ela também, A socialização do trabalho e a centralização de seus meios materiais alcançam um ponto em que não podem mais ser contidas em seu envelope capitalista. Esse envelope se rompe em pedaços. A hora da propriedade capitalista soou. Os expropriadores são por sua vez expropriados. (C.I. 3, p. 205), previu Marx na célebre conclusão do Livro I de O Capital – e a produção capitalista engendra ela mesma sua própria negação com a fatalidade que preside as metamorfoses da natureza. A acumulação capitalista e o princípio da concorrência conduzem à queda dos pequenos capitais e à concentração dos grandes, analisa Marx. As novas formas de sociedades capitalistas – como, por exemplo, a formação de grandes sociedades por ações – criando grupos a uma escala sempre maior, conduzindo a um crescimento constante do numero de monopólios. Esse capitalismo suscita um desenvolvimento cada vez mais considerável das forças produtivas; portanto, chegando a um certo ponto não será mais capaz de inovar. Ele aperfeiçoará a distribuição social do trabalho, combinará os resultados cada vez mais complicados do trabalho combinado, mas tirará cada vez menos partido das chances oferecidas por esta nova organização da produção. Pois o princípio da concorrência não suporta o trabalho cooperativo e a propriedade capitalista que condena a maior parte das gentes a um trabalho assalariado estúpido, compromete as grandes possibilidades que oferece potencialmente a criatividade dos trabalhadores. O capitalismo é um entrave à inovação.

Apesar de rigorosamente lógico, esse raciocínio se mostra falso. Atualmente a economia capitalista conseguiu o salto da produção industrial de massa na era de novas tecnologias, na época do trabalho intelectual, da informatização, da produção telecomandada pela microeletrônica, da biotecnologia, e da Internet, ninguém, hoje, continuará pré-vendo, uma incapacidade de inovação do capitalismo. Melhor do que isso: este capitalismo se revela capaz de explorar a fundo a criatividade de seus trabalhadores intelectuais, considerar seus impulsos rebeldes, sua resistência a se integrar como forças produtivas, e ele os força a se inserir na malha do trabalho cooperativo e autônomo que se mostra naturalmente cheio de princípios do salariado, da concorrência, do valor. Seria hoje arriscado prever um revés do capitalismo por causa de sua inaptidão de organizar em cooperação um trabalho autônomo e responsável. De fato, as grandes empresas, os trabalhadores independentes do tipo Eu SA e, por exemplo, os que concebem logiciels não são mais instados a coordenar em alguns segundos o trabalho entre Nova Yorque, Ulm e Bangalore, a lhe reestruturar, e lhe administrar de forma criativa?

Apesar das megafusões destes últimos anos, o processo de formação de monopólio parece hoje muito ambíguo: os monopólios aparecem e desaparecem, os velhos mostram-se pesados; são objeto de desconfiança das empresas recentemente criadas que adquirem elas mesmas dimensões impressionantes, mantendo assim indefinidamente o princípio da concorrência. Sem considerar as leis antitrustes impostas pelo Estado, o que nos remete a uma das circunstâncias que motivaram mudanças as quais forçaram Marx a colocá-las entre parênteses em seu arrazoado. A pauperização prevista por Marx como consequência lógica do princípio capitalista – mesmo se em O Capital, ele fala mais de uma pauperização relativa do que absoluta – não se agravou; deixemos em suspenso a questão de saber se é da lógica da produção capitalista como tal de acrescentar também uma certa melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores (como o pretendem os pais da economia de mercado) ou se, também, esse fenômeno não seria mais o resultado de fatores de modificação, tais como as intervenções do Estado visando manter a estabilidade do sistema, ou consequência de vitórias obtidas pelas classes desfavorecidas em suas lutas por sua parte da riqueza social. Uma coisa é certa: os proletários têm hoje muito mais o que perder que só suas cadeias. 

A argumentação segundo a qual o Estado, e principalmente o Estado social da Europa ocidental, de fato não passa de uma instância de dominação de classes, um instrumento da ditadura da burguesia à qual responder – após a revolução – por uma ditadura do proletariado a qual, uma vez consolidada, conduzirá, pouco a pouco, ao desaparecimen-to do Estado, só é sustentada hoje por adoradores inveterados de Marx.
Surpreendentemente a teoria formulada por Marx não tem sofrido por esses erros – nem mesmo da evolução social. No início do século 20, o marxista húngaro Georgy Lukàcs resumiu esse estado de coisas num paradoxo: Supondo, mesmo sem admiti-lo – que a pesquisa contemporânea tenha provado a inexatidão de fato de todas as afirmações particulares de Marx, um marxista ortodoxo sério poderia reconhecer sem condições todos esses novos resultados, rejeitar todas as teses particulares de Marx – sem, portanto ser forçado, um só instante, a renunciar a sua ortodoxia marxista. (História e consciência de classe, Paris, Ed de Minuit 2004, p. 17).

O mérito intacto de Marx repousa sempre sobre o método de análise dos processos sociais por ele concebido. Assim, é verdade ainda hoje não existir melhor maneira de aprender pensar do que ler Marx. É verdadeiramente grotesco querer fazer deste pensador um doutrinário puro e duro, ele, para quem a história é feita de contradições, de surpreendentes paradoxos, de inesperadas piruetas e de dialéticas cambalhotas. Ele que soube nos mostrar que o mundo não é um conjunto de coisas findas, mas um complexo de processos como escreve Engels em Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã (p. 61). A leitura de Marx é um remédio contra todos os positivismos atrofiantes e as verdades definitivas. Preferimos o lema: não é porque seja assim que restará assim. Não importa qual situação social, por mais profundamente enraizada que possa parecer, encontra-se sobre o fio da navalha, sempre pronta a retornar. O mundo é estável, fixo e imóvel? Não, o mundo está em perpétua mudança, ele é submetido à lei de uma eterna dinâmica que não esconde nenhuma verdade metafísica, mas simples-mente a ação recíproca de necessidades, atos individuais e contingências. Estaremos no fim da história? É preciso se resguardar de tais predições; quem sabe o que o amanhã nos reserva? Como alguém de são juízo pode sucumbir à ideia que a ordem social que nos orientou até aqui é uma ordem definitiva e daqui em diante imutável? Como é possível, ao mesmo tempo, considerar a eterna renovação e a permanente transformação da sociedade que se acelera? Não podemos esperar nada além de uma coisa: o inesperado. Guardemo-nos também de deduzir dos limites do homem os limites do futuro. Os homens aprendem marchando, enquanto atuam, que têm uma atividade prática. E na prática social em que, alguns, podem tropeçar acidentalmente, eles che-gam repentinamente, diz Marx de uma maneira incomparável, a balançar toda a podridão do velho sistema ... [e vêm] aptos a fundar a sociedade sobre novas bases (I. A. p.37).

Um pensar decorrente da leitura de Marx é também imune contra os desencorajamentos propriamente conservadores contra explicações simplistas e constitui, por consequência, a condição do conhecimento. Ao mesmo tempo com, em e após Marx., nós podemos aprender como forças as mais diversas, tais como as ilusões e as condições materiais, as histerias de massa e as tradições, as estratégias de poder e as emoções rebeldes, agem umas sobre as outras, para chegar a resultados que ninguém realmente desejou e que constituem o conjunto de uma estabilidade precária das condições de vida que nos marcam e são, elas mesmas por nós marcadas. Porque se surpreender se os mais inteligentes entre os críticos de Marx o reprovam geralmente de tal maneira que não podem negar sua origem marxista.

Mais a mais a ciência marxista dos processos sociais é um medicamento contra todas as cretinices intelectuais. O marxismo é o modelo perfeito de uma total interdisciplinar-dade. Onde estariam as nossas teorias sociais as mais avançadas sem Marx? O que seria do estruturalismo francês sem a análise da estrutura econômica sem sujeito e as teorias de sistemas alemãs modernas sem a descrição grandiosa do mundo automático; enfim, que seria dos Estudos Culturais, tão modernos de nossos dias, sem os ensaios inspirados de Marx escritos por especialistas da cultura como Frédéric Jameson ou Terry Eagleton? Da mesma forma que a economia de O Capital não fala de coisas econômicas, mas de relações sociais, o empreendimento inteiro de Marx é uma ciência humana no sentido mais largo. A cultura torna-se mercadoria e a mercadoria cultura, o individualismo torna-se um fenômeno de massa e a desideologização ideologia. Como melhor descrever tudo isso sem a intuição de Marx para descobrir os paradoxos e as irônicas meia-voltas?

Como podemos saber tudo isso sem dar lugar a uma consciência trágica ou a um cinismo doentio – quando todo desejo de propriedade não faz outra coisa que penetrar na malha cerrada dos condicionantes externos, quando o crescimento incessante dos potenciais econômicos e tecnológicos só faz aumentar o abestalhamento e a cegueira? Para dissimular as depressões há o gesto de Marx: saber que tudo o que nasce, morrerá infalivelmente, que o pior pode resultar no melhor, que toda regressão comporta uma parte de progresso e que nas pequenas coisas existem grandes. As árvores não alcançam o céu. Somos assegurados por outro lado que tudo vai também no sentido contrário.

É certo que a teologia secular que encontramos no mundo das ideias de Marx, como o papel messiânico do proletariado ou essas reminiscências da História Sagrada que guardam ainda a noção de progresso, nos parecem atualmente vindas de outro planeta. Fato é que é difícil de ver uma espécie de progresso de Beethoven a Dieter Bohlen* (posto de lado o progresso incon-testável que representam as forças produtivas de um estúdio de gravação informatizado) e o progresso que há do bodoque à bomba atômica é pelo menos discutível

E, portanto não podemos nos submeter à lógica de uma consciência somente trágica e depressiva. Certo, a história não é uma História Sagrada ao fim da qual se encontrará a sociedade sem classes, de sujeitos autônomos; mas ela é também um processo ascendente e dotado de uma finalidade: existe entre a Europa do neolítico e a Europa contemporânea uma diferença que merece certamente o nome de progresso. Se, hoje, Marx não pode mais nos ensinar um otimismo irrefletido, ele pode pelo menos nos proporcionar uma certa confiança argumentada no futuro.

Cada instante histórico, mesmo o mais insignificante, é sempre um início; aquilo que segue é sempre contingencial. Daí porque tudo o que fizermos ser importante.

Pensar com Marx significa, portanto, neste início de milênio, pensar com as condições de existência contra as condições de existência que contribuem sempre a produzir – se isso não é sua negação – pelo menos energias rebeldes. Se for verdade que o capitalismo sem limite, refinado, baseado no saber se entende tornar produtiva por si mesma a vontade dos sujeitos, é igualmente verdade que ele suscita essa vontade sobre uma base cada vez mais larga. O capitalismo não se esvazia, como pensava Marx, porque não sabe tirar partido da criatividade que tem o poder de suscitar, é precisamente porque tem o poder de despertá-lo, explorá-lo, de alimentá-lo e cultivá-lo que cria um potencial de emancipação – não mais sob a forma da unidade da classe obreira como organizaram os Antigos, mas sob a forma da vontade de um grande número. Uma multidão de homens não unidos por muita coisa, mas donos de uma ideia de vitória que escapa a simples racionalidade pecuniária, de uma dignidade que sonha autodeterminação – e esta não só em metrópoles isoladas, mas também à escala planetária. Sonhos (ou mal-estar quando são irrealizáveis), que – notemo-lo – não inventados por espíritos sonhadores ou por teóricos da esquerda-caviar (Possivelmente também), mas sonhos realmente imbricados nas condições elas mesmas.  A dinâmica interna do capitalismo condiciona as idéias de autonomia que se chocam sem cessar com as realidades da produção, da organização, da relação com o capital, e as estruturas de dominação. As consequências são múltiplas: frustrações, revoltas abortadas e existências subjugadas, mas, por outro lado, invenções lúdicas de novos contextos de vida – pelas jovens gentes que fazem seu truc – tentativas de resistência, as Eu SA e uma arte de viver. Esse capitalismo é um teatro, um laboratório que tem por bela particularidade que as experiências feitas sobre esta cena podem ao mesmo tempo esvaziar e acertar. O movimento material fez os sujeitos e não os adiciona sem contradições. Ao contrário, não cessa de reproduzir as contradições. Como um nó inextirpável, o potencial de emancipação ocupa o espaço paradoxal ocupado pelo capitalismo. Sobre este capitalismo da era informacional, com as surpresas que ele proporciona, Karl Marx, o velho doutor de um pensar com condições contra as condições, tem muito a dizer -- e foi o que quisemos tornar acessível ao leitor.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

ATUALIDADE DO MARXISMO - Aula II


Duas aulas proferidas pela da prof. Zuleide Faria de Mello na Universidade de Brasília, 08.11.2003. Curso de extensão: Arquitetura e Marxismo.

Transcrição: Frank Svensson



2ª aula

Enquanto o produto sai da fabrica e chega ao famoso mercado, nalgum momento se agregou a ele o valor do trabalho que vai estabelecer o preço do produto no mercado. Bem, o caminhão parou na estrada, o valor do trabalho chegou e se incorporou ao produto como é que foi? Marx vai dizer que não, que há um engano. Que este valor trabalho se incorpora ao produto no trabalho. Gente, isso faz uma imensa diferença. Porque toda alegação dos grandes empresários é que eles não exploram o trabalho. Nenhum grau de exploração. Porque se o valor trabalho estabelece afinal a taxa de lucro que se incorpora apenas no processo de especulação, uma coisa que a gente não consegue explicitar, como é que se vai dizer que tem exploração? Não pode dizer. Aí o Marx vai dizer que o problema não é esse. O problema é que esse valor se incorpora na produção por uma coisa que ele vai chamar de trabalho não pago, de trabalho excedente.

O trabalhador quando chega na fábrica diz: eu quero trabalhar. Ele não diz sequer onde ele quer trabalhar a não ser que seja altamente especializado. O patrão diz: eu estou precisando de uma pessoa aqui, serve? Serve. E aí? Aí ele firma um contrato de jornada de trabalho de doze, quatorze, dezesseis e hoje oito horas e mais o trabalho extraordinário. E diz o Marx: o empresário alega que ele precisa de uma determinada taxa de lucro para compensar o seu investimento. Espera aí, eu investi na fábrica, na matéria prima, eu pago os impostos e eu pago a mais os salários, o que Marx chama de capital fixo e capital variável. Está bem, estamos todos de acordo que o empresário tem direito de se ressarcir desse investimento. Marx também não está contra, ele só diz: vamos ver essa coisa direitinho: O trabalhador assinou um contrato que a lei garante de doze horas de jornada de trabalho. Vamos tomar aqui um número absolutamente imaginário que nas dez primeiras horas de trabalho ele produziu uma dada quantidade de sapatos, que caída no mercado e vendidas e apropriadas pelo empresário permite o mesmo se ressarcir do capital fixo e do capital variável que investiu. Esse trabalhador assinou uma jornada de trabalho de 12 e não de 10 horas de trabalho. Quando chega ao fim das dez horas o trabalhador tem um estalo de Vieira e diz: Ué, eu já produzi vinte pares de sapatos, já paguei tudo o que eu devia, tchau passe bem, ao que o patrão retruca: que história é essa? Você assinou aqui foi doze horas, não foi dez. Vá continuar trabalhando. Faltam duas horas às quais Marx chama de trabalho não pago, de trabalho excedente. É a este período que Marx chama de trabalho não pago; trabalho excedente. É este trabalho não pago que vai permitir que o produto que caiu no mercado e estabeleceu a diferença entre o valor de produção e o valor de venda que vai permitir uma taxa de lucro tal ou qual. Não é por outra razão que os capitalistas do mundo todo querem produzir, produzir e produzir. Na expectativa de obter, de auferir, uma taxa de lucro cada vez maior.

Gente, eu estou colocando isso aqui que pode parecer um pouco enfadonho porque na verdade este é o pulo do gato. Esta é a grande verdade. Portanto é com esta descoberta que Marx foi apetrechado para escrever e dizer aos trabalhadores que eles são na verdade os produtores da riqueza social. E que, por outro lado, com uma das três leis do desenvolvimento capitalista que é a lei do desenvolvimento desigual ela vai permitir não só a reprodução do capital, mas também a acumulação de capital. Em algumas poucas horas. E este processo é inexorável. Quanto mais aumenta a riqueza mais o capitalista que é um proprietário privado dos meios de produção, ele se apropria de tudo isso. Então é fácil porque o capitalista ou vai à falência como mau administrador ou fica rico, e o trabalhador ao fim de quarenta anos não conseguiu amealhar nada. Nada.

É por este projeto que Marx vai propor que os trabalhadores se unifiquem e tenham um projeto comum para afinal dizer: nós não queremos espoliar ninguém, mas nós também não queremos mais ser espoliados, nós queremos o valor justo do nosso trabalho. Aí começa essa grande pendenga que está aí. Esse processo de acumulação de capital faz com que as pequenas empresas do século XVIII, nos meados do século XIX já sejam grandes empreendimentos.

Eu estou dando um curso sobre globalização lá no Rio e estou me apoiando com alguns filmes. Eu passei Queimada que é sobre a extração da cana de açúcar nas Antilhas que é uma coisa dantesca para quem viu e depois Germinal que mostra a mesma coisa no sul da França. Então são exemplos variados, no terceiro mundo, nas Antilhas, que estão submetidos porque os trabalhadores da cana estão submetidos também e mais recentemente um acidente na Rússia* exatamente numa mina de carvão, exatamente da mesma forma como se fazia no século XIX. Numa mina inundada por água porque o madeirame não estava bem colocado que é também o tema do filme Germinal a 150 anos atrás.

Então vejam que com o alto grau de tecnologia e tudo o que se diz da globalização no essencial não mudou nada, do ponto de vista das formas de trabalho e das relações de trabalho. Hoje tantos mineiros russos mortos e outros tantos de feridos exatamente ipsis literis como numa mina de carvão no sul da França em meados do século XIX. Quando Marx propõe que na verdade os trabalhadores se unam, no fim do manifesto que é na verdade um documento de grande valor embora não ter o grau de pesquisa em A Ideologia Alemã por se tratar de um documento feito para um congresso de trabalhadores e que ele termina conclamando: trabalhadores de todo o mundo uni-vos. Ele diz que só pela união se gera uma força, e o grau de conscientização é que pode permitir os trabalhadores se libertarem desse processo “escravizador”. Hoje nós temos escravidão no Brasil com as mesmas tragédias, os mesmos autores e com as mesmas vitimas.

Marx fala de algumas coisas interessantes entre elas a questão da alienação. Hoje nós estamos imersos numa dupla alienação. A alienação que é produzida no processo de trabalho pela extração da mais valia absoluta e relativa, e por uma nova forma de alienação que é produzida pelos novos meios de comunicação de massa que mascaram toda a realidade. Criam fantasias mil que na verdade encobrem todo o processo de trabalho. Então essa dupla alienação que sofremos todos hoje é algo que está transformando esse nosso planetinha em algo muito complexo e muitos estudiosos aí receosos declaram que o futuro da humanidade talvez não seja tão alvissareiro como gostaríamos todos. De qualquer forma o escritor Eduardo Galeano, que todos aqui devem conhecer, vale-se de uma imagem muito interessante desse processo. Ele diz isso num livro chamado O mundo de pernas para o ar.   Ele usa a seguinte imagem: esse processo chamado de globalizante, neoliberal, é como um homem que serra sorrindo um galho onde ele está sentado à beira do abismo. É como que se ele estivesse submetido a um feitiço, ele não se dá conta do que vai acontecer com ele próprio, porque quando acabar de cortar o galho em que está sentado vai cair no abismo.  É como se estivesse sem capacidade de pensar, vitima de um processo de alienação e de fetichismo da mercadoria o que é uma outra figura também muito interessante de que Marx fala: o fetichismo da mercadoria. Esse fetichismo da mercadoria, hoje mais do que nunca, é absolutamente verdadeiro.

O que é que Marx chama de fetichismo? Fetichismo é feitiço mesmo. É como se a mercadoria ganhasse vida e exercesse sobre todos nós um grau de atração e dominação nos impondo o que devemos, comprar, fazer. Isso aí qualquer pessoa pode fazer a experiência. A gente compra aquilo que a televisão diz que é para comprar. Não é verdade?

Há alguns anos atrás, apareceu o produto OMO. Ninguém sabia o que era. Daí a algum dia alguns meses depois apareceu: OMO lava mais branco e a gente começou a se dar conta que era um novo sabão em pó. Até hoje é um dos sabões em pó mais caros que até eu desde aquela época até hoje uso. Porque?  A gente inconscientemente vai realizando os desígnios do mercado, porque a mercadoria como que tivesse lhe dado ordem. Não somos nós que a escolhemos. É ela que diz: agora você vai lá e me compra porque eu sou ótima. A gente acredita, vai lá e compra, e sendo ótima ou não, não temos o que fazer.

Propaganda de cigarro, vocês já devem ter visto, Hollywood e não sei o que, eu não fumo e não conheço bem. Não há um que não tenha uma mulher bonita, deslumbrante ou então um carro, ou então consegue juntar o carro com a mulher esfuziante que só podem ser adquiridos se você fumar um cigarro daquela marca. Implica a imagem que vai se projetar no subconsciente de todos nós como se fumando aquele cigarro você pode conquistar aquela mulher e ganhar o carro de lambuja para passear porque ninguém é de ferro. Finalmente o fetichismo da mercadoria junto com um brutal processo de alienação faz com que todo este contexto da chamada globalização neoliberal  possa se realizar de forma cada vez maior sem que todos nós possamos nos dar conta do que está por detrás. É como se a gente perdesse a capacidade de pensar, de raciocinar.

Eu ontem dei aqui um exemplo rápido de novela da Globo. Na novela tem sempre uns rapazes altos, fortes, jovens, simpáticos; típicos jovens da Globo. Todos moram em casas esfuziantes com uma cozinha de dar inveja a qualquer gourmand do mundo. Ninguém trabalha. Todos, de um modo geral, são filhos de uma pobre viúva que mantém aquela casa e os três filhos, cada um com um carro. Isso começou na década de oitenta. Eu comecei a olhar e pensar que neste momento extremamente.(?) financeiro internacional, em 1975 tinha dado uma guinada total e fez com que o aumento de juros fosse unilateral e o capital chamado financeiro, que é o capital bancário associado ao capital industrial, a partir de 1975 mudou toda a sua característica e passou a ser capital especulativo.

A partir daí esse capital se reproduz cada vez mais fora da produção. Ele vem cada vez mais se destacando do processo produtivo. Portanto ele se reproduz de forma absolutamente fictícia. Capital fictício. A rigor ele não existe. Não existe mesmo, e isto na verdade vai necessitar de criar ao nível da ideologia, a ideologia do não trabalho, ou seja, você pode viver muito bem sem trabalhar. Desde que naturalmente você especule, invista, seja lá como for, mas fora do trabalho produtivo. Isto vem criando para a humanidade toda problemas que hoje a gente não sabe como resolver. Eu participei, aqui na UNB, de uma palestra com o senador Lauro Campos. Faz uns dois anos isso. Eu ouvi desse senador um número que eu não tinha. Eu tinha lido da Maria da Conceição Tavares que naquele momento há mais ou menos dois anos atrás o capital produtivo, o PIB mundial, estava mais ou menos avaliado em trinta e seis trilhões de dólares e que o capital especulativo na mesma ocasião já estava atingindo setenta e cinco trilhões de dólares. Portanto mais do que o dobro de capital especulativo em relação ao capital produtivo. O senador Lauro Campos na sua palestra, invocando este tema, disse que naquele momento o capital especulativo já tinha atingido cento e vinte trilhões de dólares. Portanto três vezes maior do que o capital produtivo todo, do que todo o PIB mundial. Isso não é uma brincadeira, porque quando a gente tem o capital especulativo, que tem a característica de que antes ele pelo menos era visível através de apólices, de papéis assinados, hoje não tem nem mais isso. Hoje são simples impulsos de computador.  Faz-se uma jogada de um bilhão de dólares e se der certo muito bem. Se não der vai-se à falência.  
  
O banco da rainha da Inglaterra que foi criado em 1776 acabou numa noite com uma única jogada. Alguém fez uma jogada de um bilhão e seiscentos milhões e o banco faliu. Esse banco da rainha depois foi dividido em três ou quatro, a Holanda comprou um pedaço, a Bélgica comprou outro e o banco acabou, assim num piscar de olhos; o banco da rainha que tinha duzentos e trinta e seis anos acabou. Não foi um sonho, foi um pesadelo mesmo; o banco acabou numa única jogada especulativa. Então gente, eu estou colocando aqui isso porque ontem eu fiz aqui uma afirmação que eu quero reafirmar: eu estou cada vez mais convencida de que numa enquete que foi feita por uma grande empresa de Londres, no apagar das luzes do século XX, essa empresa de propaganda da Enciclopédia Britânica fez uma enquete pela Internet, perguntando quem as pessoas consideravam o maior pensador do milênio? Porque acabava o século e o milênio tudo junto, e surpreendentemente, e para o desgosto de uma boa quantidade de pessoas, foi Marx o escolhido como o pensador do milênio. 

Como eu também estou de acordo com isso, eu quero declarar aqui como eu declarei ontem que eu continuo o que eu sempre fui, continuo onde eu estava: marxista convicta e praticante. Para eu não enganar aqui a ninguém. Não fiquem duvidando do que eu estou fazendo aqui. Estou convictamente marxista e por isso eu aceitei, como eu aceitei na Universidade Federal do Paraná, colocar esta questão: a atualidade do marxismo hoje, que é o tema dessas aulas aqui assim como foi o tema de uma semana de debates filosóficos na Universidade Federal do Paraná. Porque eu creio que hoje se a gente for realmente, com olhos de pesquisador e com espírito aberto, sem preconceito, com naturalidade e sem partie-pris, não se apoiando numa falsa neutralidade ideológica que não existe, a gente realmente definir e redefinir conceitos e decidir como nós vamos analisar a realidade concreta do nosso tempo e como vamos propor saída para esses imensos problemas que a humanidade acumulou.

Esses problemas não foi eu quem criei, nem fui eu que fiz as estatísticas. Eu só trabalho com estatísticas basicamente do IBGE e das Nações Unidas. Porque é que eu faço isso? Porque para mim são suficientes. Já são tão escandalosos e tão deteriorados que eu não preciso de mais do que o IBGE no Brasil e as Nações Unidas no mundo. Não fui eu que inventei. Não fui eu que criei nem os números nem as situações.  Nem uma coisa nem outra, mas uma coisa é certa, é que nós adentramos o século XXI que nos foi prometido como o século da alta tecnologia, envolvido numa sugestão de que esta alta tecnologia e o mercado eram o lócus, os locais privilegiados para resolver todos os problemas da humanidade. Continuamos esperando, continuamos esperando. Porque a rigor todos os dados existentes dizem uma coisa: tudo é um horror. Tudo, tudo.

Eu creio que está chegando aí o momento da verdade em que todos nós vamos estar diante dessa necessidade de afinal dizer o que queremos. Outro dia um estudante peruano disse-me: nós não queremos sobreviver, nós queremos viver. Não basta sobreviver. Jovens de todo o mundo tem o direito de viver, de ter casa, saúde, escola, universidade e trabalho. Para que eles possam enfim dizer que um mundo melhor é possível. Senão é só mais um jogo de palavras. A gente chega nos foros, eu também vou ao foro social, e a gente diz que um mundo melhor é possível. É. Mas temos que fazer um esforçosinho. Não é só na base de discurso, não é mesmo? Porque? Porque na verdade, e aí eu acho que o Marx continua coberto de razão, são os trabalhadores do mundo, queiramos ou não, que produzem a riqueza social. E quando eu estou falando de trabalhador eu estou falando dos trabalhadores manuais e dos trabalhadores intelectuais.

 Aliás, tem algumas pesquisas que dizem que o trabalho intelectual consome o mesmo numero de calorias que o trabalho braçal. Portanto precisamos de grandes quantidades de calorias, proteínas, tarará, tarará, para escrever as nossas belíssimas teses de mestrado e de doutorado. Até porque gastam o mesmo grau de energia, a mesma quantidade de energia. Se for assim e eu creio que a gente vai ter que se apropriar desta realidade, primeiro como método de aferição desta realidade que nos permita reconceituar todo este processo. Que nos permita na verdade decodificar conceitos que tinham um sentido que semântica e historicamente mudaram de sentido. Só para dar um exemplo: Maquiavel, no Príncipe, fala o tempo todo de um príncipe virtuoso e a gente confunde hoje a palavra virtude porque ganhou um conteúdo moral, mas a virtude de Maquiavel não é conceito moral, é conceito político. Estritamente político. Porque quando Maquiavel fala de um príncipe virtuoso ele está dizendo que o príncipe virtuoso é aquele que trabalha pela unificação do Estado porque estamos diante daquele processo de transição que se iniciou no século XV e avançou no século XVI para a formação deste estado que se chamou de estado nacional. Que é o estado colocado em questão hoje. Então os conceitos se modificam. Os conceitos podem ter hoje um significado e amanhã o seu significado ser exatamente o oposto.

Eu quero aqui afirmar o conceito de democracia que a gente continua repetindo sem nenhum senso crítico e eu quero aqui declarar que eu não sou contra democracia, muito pelo contrário, eu sou absolutamente a favor desde que seja verdadeira e para todos. Agora, se democracia é o governo do povo e o povo na antiga Grécia não era mais do que vinte por cento da população grega, e hoje é a mesma coisa, então a rigor a gente está usando um conceito que foi visto de uma forma num tempo histórico que mudou e que a gente repete ipsis literis sem nenhum senso critico, sem nenhum critério de análise para saber quem é povo. Nelson Werneck Sodré escreveu um livro muito interessante: Quem é povo no Brasil? Eu queria recolocar aqui esta questão: quem é povo no Brasil?  Os sem terra não têm terra, vinte por cento dos trabalhadores brasileiros estão sem emprego. Mais do que isto está subempregado. A mortalidade infantil continua uma das maiores do mundo. A mortalidade materna também. Então gente, tem alguma coisa fantástica nos dados do IBGE, que no Brasil hoje, hoje, o numero de analfabetos  totais e tem que se considerar que no Brasil só é considerado analfabeto quem tem mais de quinze anos de idade. Até os quinze anos ninguém é analfabeto, assim como ninguém é desempregado.

Se só a partir de 15 anos se pode classificar alguém de analfabeto, esse numero de analfabetos totais vai dar uns trinta milhões. Mas os analfabetos funcionais segundo o IBGE são cinquenta e tantos milhões daqueles que a rigor, como se diz no interior fazem o ó com uma taboca. Também não sabem escrever, também não sabem ler, também não sabem entender, também não sabem decodificar. Então este numero para o Brasil dá uns setenta por cento de analfabetos.  Então gente, nós aqui na universidade de Brasília temos algum compromisso com isso. Boa parte da gente aqui é professor, tem título de professor, tem pais professores. Como é que a gente enfrenta essa realidade?

Agora vi nos jornais, nem li direito porque eu estava vindo para cá, que o governo brasileiro vai herdar um empréstimo do FMI de oito bilhões de dólares. A gente vai pegar só para pagar juros?. Porque a gente não faz nada além disso.  Eu vi num jornal, o Correio Mercantil, um jornal da burguesia, não é um jornal popular não, um jornal que há uns três meses atrás dizia o seguinte: a América Latina tinha exportado de capitais, numa década, US$ 976 bilhões de dólares, arredondando, um trilhão de dólares em dez anos. Nós exportamos isso em nome da globalização E de uma globalização que a rigor, os economistas sérios sabem disso, só se pode falar de globalização financeira. Não há globalização de outro tipo. Os economistas sérios não admitem a palavra globalização e Galbraith, um dos maiores economistas norte-americanos diz o seguinte: Globalização é invenção dos americanos para dominar o mundo. Isso dito pelo Galbraith, um dos maiores economistas norte-americanos, num livro dele.
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Quando a gente fala de globalização isto induz a erro, porque nos faz pensar a todos que todos globalmente podemos adquirir todas as coisas que estão no mercado. A gente pode comer manteiga da Holanda, comer geléia da Dinamarca, e por aí afora, uva chilena. Porque o conceito de globalização é a internacionalização universal do produto mercadoria. É isso. Não é tão complicado assim como parece. A rigor, aí sim, o capital financeiro, porque? Porque hoje via satélite e uma rede de computadores cada vez mais avançados eles conseguem aplicar enquanto a gente cochila. Só para a gente começar a se dar conta do que a gente ouve e do que é verdade. Porque sem dúvida nenhuma os povos do mundo inteiro estão ficando não só exauridos, mas encantados. Em vindo para cá eu trouxe um livro para acabar de ler no avião: Bush e a doutrina das guerras sem fim. Da editora Revan do Rio de Janeiro, baratinho, vinte e sete reais.  Interessante porque este projeto ou esta doutrina do presidente Bush filho que é um seguidor literal do pai, ele no dia vinte de setembro de 2001, logo depois do onze de setembro, quando da queda das famosas torres gêmeas, o presidente Bush declarou no congresso americano: 1º - que ele iria caçar terroristas em qualquer lugar do mundo, e que naquele momento os povos do mundo teriam que se decidir entre o bem e o terrorismo, deixando-nos todos numa situação dificílima. Eu pelo menos continuo numa situação dificílima porque eu tenho que me decidir entre o Bin Laden e o Bush, a gente ser obrigada a se decidir entre dois loucos se é que a gente pode chamar de loucos os dois. Ele disse mais que iria encontrar terroristas, isso foi publicado em tudo que é lugar, em pelo menos sessenta países do mundo incluindo o Brasil. Isso não é uma ameaça apenas. A guerra do Iraque está aí que não nos deixa mentir. A segunda guerra do Iraque. Uma guerra interessantíssima. Chamando-a de interessante eu não estou dizendo que é uma guerra boa, mesmo porque eu sou uma lutadora pela paz, mas que é uma prova. Eu não sou pacifista, se disserem isso eu fico ofendida. Eu sou uma lutadora da paz. Em dois meses se destruiu uma civilização de sete mil anos. 

Eu uma vez dizia o seguinte uns pilotos americanos precisam ser examinados no Brasil ou em Cuba nalguma clinica de olhos porque erram os alvos de uma forma impressionante Não é que não tenha bons oftalmologistas nos EEUU, que não tenha uma fabrica de óculos que permita os seus pilotos enxergar onde vão jogar as bombas, porque só jogam em alvo errado porque atingem hospital, escola, tudo, e matam indiscriminadamente. Eu teria a maior boa vontade de dar uma ajuda os EEUU para ver se eles conseguem melhorar a visão de seus pilotos. Na Iugoslávia eles bombardearam até a embaixada da China É um negocio impressionante. Passamos todos por débeis mentais sendo tratados dessa forma. É um abuso, um pouco caso da morte. Somos tratados como débeis mentais completos  porque tudo isso é dito como se nenhum de nós fosse capaz de enxergar, de ver. De tirar conclusões, de analisar e procurar afinal a verdade.

O interessante é que pela segunda vez a guerra do Iraque foi para procurar os famosos artefatos de destruição de massa. Continuam procurando. O fato é que não acharam como não acharam Bin Laden que estava nalguma cratera no Afeganistão. Depois desses anos todos num jornaleco desses da grande imprensa publica que o Ben-Laden falou não sei onde. Enfim é um negócio complicado não é verdade? A verdade verdade não é dita.

Eu comprei um Atlas novo para ver como é essa divisão do Oriente médio. É complicado para achar. É espantoso. É espantoso porque o Afeganistão e não precisa ser doutor, ter feito Harvard, para ver que o Afeganistão dá diretamente para o mar Cáspio e comprovadamente aquela região detém 75% de todas as reservas de petróleo e de gás do planeta. Aí eu digo mas que coisa mais engraçada né? Mas tem mais. O Afeganistão tem lá uma ponta que faz fronteira com a China. Com essa até eu me assustei porque eu não tinha consultado o mapa ultimamente. Ele faz fronteira com a China. Puxa vida, isto é um achado. Mas tem mais: o Afeganistão faz fronteira com o Paquistão que faz fronteira com a Índia. Essa região é absolutamente estratégica e não o é porque eu o descobri. Todo mundo sabe começando pelos grandes estrategistas dos EEUU e da Europa a importância do controle dessa região.

O Iraque é o segundo produtor de petróleo do mundo. Sobre a guerra do Iraque eu sou da seguinte opinião: desde que o governo norte-americano tem força para invadir o Iraque que vá, mas diga por que faz a guerra do Iraque, não fique escamoteando o fato de ter dois grandes objetivos: Realizar o sonho de grandeza das empresas petrolíferas norte-americanas e o controle nuclear-militar que foram os dois grandes setores que enriqueceram o Bush pai e o Bush filho. Eu só quero que digam. Assumir: vamos dominar o mundo porque nós queremos dominar o mundo. Enquanto puder dominar vão dominar.

Os estrategistas norte-americanos sabem que as reservas de petróleo dos EEUU não durarão mais do que cinco, seis anos, em última hipótese, mantidos os gastos atuais. Qualquer pessoa da área sabe disso. Se os EEUU para mantiver as suas indústrias funcionando bem, para manterem a quantidade de carros que tem, têm que dizer isso ao preço do mercado. Como todos os povos do mundo fazem, ou não?  Melhorar o conhecimento que a gente tem. Porque os EEUU não dizem é que o que eles estão querendo mesmo ao destruir o Afeganistão, ao destruir o Iraque, ameaçando a Síria, o Iran e toda aquela região e armando cada vez mais Israel, o que eles querem é o petróleo, o gás e os minérios porque tem muitos minérios estratégicos não renováveis naquela região. Aí uma pessoa que também seja ilustrada nessas questões, vai dizer: ué estão fazendo uma bobagem, porque os EEUU são donos do Alasca e o Alasca tem grandes reservas de petróleo, não é verdade? É verdade. Então porque os EEUU não trazem petróleo do Alasca?

Por uma razão: dito por um norte-americano, um estrategista norte-americano: para construir os gás e oleodutos do Alasca para os EEUU ficaria em vinte bilhões de dólares sendo que pelo mar Cáspio, passando pelo Afeganistão e logo em seguida pela divisa do Paquistão chega no porto de Karachi, o porto mais importante do Paquistão, e daí sai direto para os EEUU. Isso tudo fica em apenas dois bilhões de dólares. Tudo bem são regras do jogo. Quem pode interpor, interpõe. Eu só queria que dicessem isso.  Mais nada.

Hoje, nesse chamado mundo novo, neste mundo da tecnologia, neste mundo da velocidade, e que à par disso os povos do mundo vão, inclusive a Europa, voltaram a ter todas as doenças do século XIX e do início do século XX. Eu só acho uma coisa esquisita, porque essas doenças no Brasil chamadas de tropicais que de tropicais não tem nada porque são doenças da pobreza e da miséria, mas seja qual o nome que se dê, essas doenças, pelo menos na Europa, estavam todas erradicadas. Hoje a tuberculose está avassalando. No Brasil a quantidade de tuberculosos é imensa e com um bacilo resistente. O famoso bacilo de Cock hoje não desaparece nem com o chamado coquetel de drogas contendo cinco grandes drogas. Esse bacilo já adquiriu uma tal resistência que pode usar o coquetel que quiser que ele continua belo e faceiro. Matando.

Deve ter alguma coisa errada eu imagino. Porque se a ONU diz que três bilhões de seres humanos da população do mundo vivem entre a pobreza e a miséria absoluta, se um bilhão de crianças vivem na miséria, se cem mil de crianças na África morrem por ano por falta de vitamina A, que é esse o quadro sanitário, o quadro endêmico, à par de grandes cirurgias de coronárias e tudo mais, muito bem, O mesmo processo que permite operações inacreditáveis que eram possíveis o homem realizar, e à par disso as pessoas morrendo por duas razões principais: a fome e a miséria por um lado e pelo outro as doenças coronarianas por excesso de comida. No mínimo uma piada de mau gosto. Porque um contingente de uns tantos milhões morre de fome enquanto outro contingente de outros tantos milhões morre de colesterol, que é acumulo de gordura, por excesso de comida.

Eu cá com os meus botões fico pensando que podia ser um pouquinho diferente, não é verdade? Não me parece seja um crime querer que seja diferente. Por outro lado no Brasil, antigamente, até uns dez anos atrás, as duas grandes causas de morte eram: as chamadas doenças coronarianas de todas as formas e as doenças infecciosas, pelo menos no terceiro mundo todo. Isso mudou. No Brasil, pelo menos, hoje a primeira causa continua sendo as coronarianas e a segunda causa de morte é basicamente por armas de fogo contra jovens entre 15 e 24 anos de idade.  Dados do IBGE, não estou inventando. Pode procurar no anuário de estatística do IBGE que vão encontrar tudo isso. Num país onde a segunda causa de morte se dá basicamente por armas de foto contra jovens de 15 a 24 anos de idade é país que está destruindo o seu futuro. Nós estamos destruindo pelo desemprego, por doenças os trabalhadores de hoje, mas estamos aproveitando e eliminando os trabalhadores do futuro deste país. Não é só para mim, não pode ser só para mim, mas isso coloca para todos nós, principalmente numa universidade como esta, um grau de compromisso e responsabilidade muito grande. O que é que nós queremos com o futuro, ou melhor, será que nós temos direito ao futuro? Uma boa pergunta. Temos direito ao futuro?

Não sou derrotista, nem alarmista, mas estou vendo a realidade mais dantesca do que se podia imaginar. E voltando um pouco ao Marx; quando a gente pega O Capital, ou pega o XVIII Brumário de Luis Bonaparte que trata basicamente da formação do capital financeiro, ou seja, da transformação do capital bancário que é o capital de empréstimo, em capital financeiro que é um capital de investimento. Marx faz um desenho desta nova forma de organização do capital, que sinceramente eu faço um apelo aqui a todos que leiam. Se a gente pega O Capital hoje e jura que acabou de ser escrito porque Marx descreve a formação do capital primitivo que vem a ser capital especulativo com uma clareza e com uma riqueza de detalhes que é difícil imaginar que ele escreveu isso nos meados do século XIX, portanto a cento e cinquenta anos.  Mas quando você pega a obra de Marx no geral e Marx vai dar contribuições ao nível da historiografia porque ele propõe uma nova leitura da história, não mais a história factual, mas agora uma história em processo. Porque quando ele pega o método dialético e aplica à História, ele vai analisar a História à luz da dialética e mostrando que cada tempo histórico sai do bojo de um tempo histórico anterior. Essa questão do novo e do mais velho é uma questão muito interessante também. Porque como Marx diz o processo dialético vai levando pelo choque permanente de tese e antítese a momentos de síntese e cada momento de síntese carrega elementos da tese e elementos da antítese para poder formar a síntese e continuar em movimento formando novas teses e novas antíteses.

Com isto no processo histórico você pode ter a prevalência de coisas muito velhas num processo muito novo. Esta é uma coisa muito interessante para a gente até hoje que fala muito de moderno e nem se lembra de nossos professores antigos de história. A gente diz que está vivendo em modernidade. Eu comecei a pensar o que é que é moderno afinal de contas? Para mim moderno é acabar com a fome em primeiríssimo lugar. Para mim é o que há de mais moderno que a humanidade poderia fazer. Mas seja lá como for com a fome a verdade é que a historiografia anterior até os meados do século XIX considerava o período moderno como a partir do Renascimento, do século XVI. Depois vem a História contemporânea. A história moderna está situada a partir do século XVI. Portanto em época nós estamos? A gente continua afirmando que é moderna independente de ter quinhentos ou mil anos. E independente de que carregue ou não no seu bojo formas absolutamente ultrapassadas como a escravidão que deveria já ter sido superado historicamente.
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Aliás, se a gente abre os jornais como O Jornal do Brasil e a Folha de São Paulo que eu leio todo dia anunciam a descoberta de mais uma fazendo lá não sei onde com trabalho escravo. Em pleno século XXI no bojo da modernidade com o mercado dirimindo todas as questões e aplanando todos os erros e arestas, a gente continua tendo trabalho escravo. Da mesma forma como continua tendo prostituição. No Ceará, todo mundo sabe disso, meninas de nove anos de idade dividem Cristo com a prostituição. Portanto, é a destruição da própria infância. Eu continuo dizendo que não fui eu que fiz. Não fiz, não gosto e, portanto não me acusem amanhã de eu estar subvertendo a ordem porque eu estou dizendo isso.

Eu tive um primo que era coronel da policia e ele com 16 anos rapazinho ainda saiu de casa e foi acabar numa fazenda de cacau da Bahia. Trabalhou lá uns tempos. Depois assentou praça fez carreira e acabou coronel da Policia Militar. Eu nessa ocasião era jovem ainda, tinha dezessete anos e meio e estava lendo um livro de Jorge Amado: Gabriela, cravo e canela. Ele chegou um domingo lá em casa. Ele era muito amigo de meu pai, eu estava sentada num canto lendo e ele sem nenhuma cerimônia pegou o livro dizendo que ia leva-lo para ler. No domingo seguinte às sete horas da manhã ele acordou meu pai, minha mãe, todo mundo para dizer como é que eles permitiam que eu lesse aquilo que eu estava lendo que era Jorge Amado, um escândalo. Eu lia o Jorge Amado com a maior naturalidade do mundo e eu aí perguntei o que é que tinha de tão extraordinário o livro?  Mas como? Esse livro aqui fala de crime e de prostituição. Aí eu lhe perguntei: o senhor que trabalhou lá me diga uma coisa, era assim ou não era? Ah era!. Então? Ah, mas não pode dizer. Eu jurei que eu jamais iria admitir que alguém me dissesse isso outra vez. Acontecer pode, mas não pode falar.

Eu creio que a gente na verdade tem que se valer de um método de aferição do real concreto que nos permita e aí vem uma questão para mim e para Marx fundamental do ponto de vista de análise, que é a noção de totalidade. Porque isso para Marx é uma questão fundamental. Eu, ser que penso o mundo tenho que pensar o mundo como uma totalidade. Que as coisas surgem do bojo delas mesmo ad infinitum e que, portanto o novo e o velho convivem mais ou menos e que até o velho ser superado eu preciso de num tempo histórico que não depende de minha vontade. Se eu faço uma setorização da natureza e da sociedade, eu faço um corte e pego um fato e analiso este fato deslocado da sua totalidade, do seu contexto histórico, tudo me leva a crer que isso vai levar a um não, a um equivoco, porque eu só consigo ver uma pequena parte do real. Eu não vejo o real na sua plenitude, na sua totalidade. Se, além disso, eu me valer exclusivamente do método empírico que todos sabemos ser um método que privilegia a aparência do fenômeno e que ao privilegiar a mera aparência não se dá conta de que esse fenômeno pode ter uma representação não verdadeira da coisa.  Ou melhor, que além dessa aparência pode haver algo que está escondido, que não é visível ao olho nu no primeiro momento.

Qualquer pedagogo diz o seguinte: na primeira leitura ninguém por mais arguto e atencioso que seja consegue se apropriar de mais de vinte por cento da leitura. E o que é que eu devo fazer?  Eu devo me valer daquilo que Marx vai chamar da dialética do abstrato e do concreto. Eu me aproprio de vinte por cento, mas eu sou um pesquisador sério e quero me apropriar de cem por cento ou me aproximar disso. Como é que eu faço? Eu constituo esse campo e volto ao real para verificar como é que as coisas estão se dando, para que eu possa ter certeza. Ao fazer isso eu faço um movimento de ir e vir da coisa concreta à minha capacidade de abstração, que se apropria do real concreto por suas representações. Porque eu não tenho essa cadeira no meu cérebro. Eu tenho a sua representação. Eu digo a alguém: traga-me uma cadeira vermelha e esse alguém me traz uma cadeira vermelha. Então veja, eu vou a este concreto que eu no meu cérebro construí como concreto pensado. E eu me aproprio de mais algumas informações e eu volto ao concreto até que ao menos por aproximação eu possa me apropriar senão da totalidade, mas do maior numero de informações deste real concreto que me permita fazer uma análise mais próxima da verdade.

Isso parece uma coisa dificílima, mas não é. É tranquilo. Eu leio um livro hoje, depois eu leio daqui a um mês e então vou descobrir quinhentas coisas que eu não me dei conta na primeira leitura e se eu ler dez vezes, ao fim de dez vezes eu me apropriei senão da totalidade plena deste real concreto, mas da maior quantidade de informações possíveis que eu pesquisador preciso para conceituar. Quando Marx fala disso e ele fala disso no “Método da Economia Política” na introdução de seu livro: A Crítica da Economia Política, num trecho pequeno, mas impressionantemente cheio de conteúdo que permite, na verdade, que o pesquisador, portanto aquele que quer fazer ciência, porque é disso que Marx está falando. Ele não está falando de jogar bola. Quando você vai jogar bola, você joga bola porque quer jogar. A bola é sua e você faz o que quer: quebra a perna, joga mal, enfim, mas se eu quero fazer ciência a minha responsabilidade é outra. É tentar dar do real concreto uma explicação que mais se aproxime da totalidade desse real. E aí os conceitos têm uma função primordial.

Deixe-me perguntar a você Thiago, o que é uma bola, uma bola de futebol? Uma esfera que (?)...  Aí você combinou com seus amigos para irem para um campo de futebol jogar bola e vão todos alegres e felizes com a bola debaixo do braço para o campo. Todo mundo correndo atrás da bola no campo, mas aí neste campo de futebol você não se deu conta, mas tinha uma pedrinha pontiaguda que bateu na bola e a bola furou. Aí o que é que você vai fazer? Porque que a bola à rigor virou uma não bola? Porque? Porque ela perdeu a sua função. A função passou a ser outra. Porque a bola é um objeto que tem forma, conteúdo e esta relação intrínseca entre forma e conteúdo determina uma função: permitir o jogo de futebol. Então bola de futebol é isso: uma esfera cheia de ar que não pode ser furada, senão o futebol acaba. Com esta bola vazia na melhor das hipóteses você pode jogar pelada. Não joga futebol. Pelada é uma outra categoria. Futebol exige um campo específico e uma bola feita de tal forma. Portanto há uma relação intrínseca entre forma e conteúdo, entre a aparência e a essência.

Vamos dar um outro exemplo: quem aqui é amante de café? O que é um cafezinho?  Cafezinho brasileiro conhecido no mundo inteiro. ... Torrado e moído com um sabor maravilhoso. Você tem que começar a dar sentido a um cafezinho. Com um grão de café você faz cafezinho? Não. Com água gelada você faz um cafezinho? Não. Então você começa a dar sentido às coisas. Para você poder fazer um cafezinho tem que ter café moído. Seja Capital, Palhares. Seja lá qual for, tem que ter café moído e tem que ter água fervente. Você pode fazer uma infusão qualquer com água fria, mas não café. Café é uma coisa específica que tem pó e tem mais, se eu chegar aqui e disser eu vou ficar uns dois dias em Brasília e pedir para vocês escreverem um trabalho de no mínimo dez páginas sobre o cafezinho, o que é que vão escrever? Alguém responde: A história do café. Se você quiser fazer uma tese descente você tem que começar a falar da viagem de entrada do café no Brasil, no Pará. Para começar. Depois tem que dizer que só determinados terrenos de terra assim e assado no Paraná, São Paulo, em Minas Gerais e no estado do Rio de Janeiro, depois você tem que dizer que houve a colonização italiana, e ainda não chegou no cafezinho. Porque no cafezinho que é um café moído tem um processo industrial. E aí como é que você faz um cafezinho? Na sua casa, por exemplo? .Alguém descreve como faz...... Aí vai depender. Eu, por exemplo, continuo fazendo num coador de pano.

Você descreveu uma série de coisas que são específicas do processo industrial. Café moído. Você pega a água para esquentar onde? No filtro. Essa água vem de alguma torneira o que pressupõe ser encanada que é outro processo industrial. Antigamente nós não tínhamos água encanada. A gente ia à cacimba e levava numa balde para casa. Se você quer fazer um estudo sobre o cafezinho você tem que começar a decodificar e se apropriar dos variados elementos que compõem um cafezinho.  Depois você pode toma-lo numa tigela de barro, num xicrinha de porcelana ou de plástico ou num copinho de papel.

Quantos elementos nós já colocamos aqui num simples cafezinho?. E quando você diz eu vou ao mercado e que você pegou o café, você trocou um pacote de café por uma determinada quantidade de dinheiro. A não ser que você seja muito amiga do dono da padaria, mas aí é outra história. Mas você chegou lá com uma determinada quantidade de dinheiro dizendo eu quero um saco de café. Você vai lá e pega um saco de café com o que se estabelece uma determinada relação social. E tem mais; um saquinho de café não anda sozinho na rua. Ele passa por um processo de circulação e de distribuição da mercadoria. Vocês estão vendo como tem coisas para a gente pensar, para a gente fazer síntese. Então eu chego à conclusão que um simples cafezinho a rigor pode dar algumas teses. Eu posso analisar as alterações à partir do século XIX no Brasil, as novas concepções  de trabalho; os novos instrumentos de trabalho; os novos instrumentos de transporte, até você chegar àquele caminhão grandão que anda pelas estradas; e você tem que ter uma série de aparatos para por análises chegar a uma síntese e chegar a dizer: mas que café gostoso. Você tem que ver que esses fatores todos não aparecem ao nível do pensamento num primeiro momento, mas eles existem. Eles são reais. Eu tenho que situa-los em determinada época. Aí você se lembra que mais de cinqüenta porcento da população brasileira não tem recurso a uma bica d’água. Como é que fazem para fazer um cafezinho?

Vejam como este método dialético pode permitir a todos nós um embasamento teórico e mais a capacidade afinal de eu conseguir me dar conta de que toda forma tem um conteúdo. Todo conteúdo acaba adquirindo uma forma. Diz-se que o ar átomo Qual é o tamanho de um átomo? É o tamanho de uma coisa menor. Como sempre existe forma e conteúdo, como sempre tem a aparência dos fenômenos e a sua essência, aquilo que está por traz fazendo com que o fenômeno tenha aquela função e não outra.

Você está com uma perna quebrada. É uma perna. Por hipótese um outro jovem quebrou a perna e acabou morrendo e foi para o Instituto Médico Legal, uma tragédia. E aí, vão lá dissecar e separam a perna. Essa perna continua uma perna? Não. Aliás, ela tem outro nome: uma peça anatômica. Não é mais uma perna normal. No Instituto Medico Legal é uma peça anatômica.  Porque a função mudou. Como é que a gente pode hoje mais do que nunca neste mundo que é nosso, como é que nós ao menos na universidade, e quando eu digo ao menos na universidade não é porque eu ache que seja exclusivo da universidade.  É porque eu não posso exigir que o infeliz que mora na favela venha discutir essas coisas aqui. Bem que eu queria. Se eu explicar direitinho ele entende. Ele pode ser analfabeto, mas não é necessariamente burro. É verdade que ele não foi à escola, não aprendeu. Mas ele pode ser brilhante. Eu tive um amigo que até os dezessete anos era um analfabeto e se tornou um dos maiores advogados deste país. Num esforço danado.

O que eu estou colocando aqui é o papel de Marx na estrutura e na teoria do conhecimento e formas do conhecimento, e formas de analisar, para que a gente possa ao se apropriar do fenômeno na sua totalidade, na essência e aparência. A gente possa enfim produzir um conhecimento científico que aproxime da verdade dos fatos ou da verdade histórica se formos historiadores. E não esquecer que na questão da história tem mais um probleminha. A história trabalha com fatos e com versões. O que é mais importante, o fato ou a versão um aluno responde (?) Eu não diria que ideologicamente na prática é versão já que o que a gente ouve é informação. Até porque como a história trabalha com fatos passados, aí vai dizer o Weber, por exemplo: como é que você pode saber que   você vai ouvir a versão do Lucáks para quem o Weber é um canalha Você não estava lá, mas se você estivesse lá  diria o Weber: você ter se equivocado, você pensa que viu uma coisa

Essa coisa da teoria do conhecimento não é simples, mas é um desafio. É instigante.  Eu acho que Marx é hoje ainda o grande pensador que nos ensina a pensar, a realidade do mundo, a realidade humana e mais como é que nós que pensamos o mundo, e mais, que atuamos no mundo, e que interpretamos o mundo; como é que nós vamos nos valer de um método de análise da realidade que nos permita dar a interpretação e a explicação do fenômeno o mais perto possível de uma versão verdadeira?

Hoje eu também estou convencida quanto a questão do marxismo, que o marxismo pelo que eu conheço todo mundo reconhece isso. Eu não posso ser contra aquilo que eu não conheço. Eu dou Marx, Weber e Durkheim muito bem, sinceramente, eu não quero puxar brasa para minha sardinha, mas o faço por uma razão: porque eu quero permitir os que estão me ouvindo, no caso os estudantes, que eles gostem ou não do Durkheim e do Weber a partir da sua interpretação e não porque a Zuleide disse. Porque ele pode repetir e pode não pensar. Eu acho que hoje mais do que nunca a gente está repetindo muito na universidade.

 Na minha casa no nordeste tinha um papagaio que cantava, divinamente, uma coisa incrível. Repetia tudo, mas não pensava. Só repetia. A gente não pode mais aceitar a universidade como um mero setor de repetição. Porque o professor falou blá-blá-blá a gente repete. Por isso mesmo eu acho que a gente tem que aprender a pensar, elaborar, decodificar, analisar, e também estou convencida de que o método dialético, por esta propriedade dele de ser dialético, de ver tudo em permanente movimento e transformação, e, além disso, de nos momentos de tese e de antítese transforma em momentos de síntese que carregam elementos da tese e da antítese que formam novas sínteses o que nos dá a possibilidade de pensar melhor e analisar melhor, e diante de um fenômeno da natureza ou da sociedade a gente tentar saber porque. Porque também não adianta dizer que tem cinquenta e oito milhões de famintos no Brasil. Resolveu o problema? Não. Apenas enunciou o problema. O que é que a gente tem que fazer? Acabar com a fome. Se a gente tiver seis milhões de pessoas pensando, claro que dá um qui-pro-có que não tem tamanho, mas que pode dar bons resultados pode. A gente tem que tentar.

Então vejamos, eu creio por isso tudo, estou convencida de que o marxismo é hoje absolutamente atual. No final do século XIX, início do século XX na teoria das nações nos EEUU houve acusações muito graves contra o marxismo ao próprio Marx naturalmente. A primeira é que Marx não era um cientista, mas um mero ideólogo. Que por outro lado ele não era digno de ser dado na universidade porque ele era um ideólogo e a ideologia segundo o pensamento de Weber e Durkheim vem carregada de valor, não é o valor trabalho, e que a ciência é neutra, portanto há uma chamada neutralidade axiológica; chamada neutralidade do conhecimento. E que, portanto também é preciso que o pesquisador se dispa de todo e qualquer juízo de valor e examine o fato. Isso até parece uma coisa viável, só que todos os autores que fizeram esta afirmação foram grandes ideólogos porque serviram a classes sociais tais ou quais.

Weber, por exemplo, era grande funcionário do governo alemão. O que ele deu para fazer era da realidade interessava ao governo alemão, ou não? Ninguém paga ninguém para ser combatido dentro de sua própria casa. Não é verdade? Eu não creio. Marx foi apontado durante muito tempo e foi quase execrado nos meios universitários na Europa e nos Estados Unidos. A gente quando fala do mundo fala da Europa e dos EEUU e o resto é secundário. Portanto Marx em sendo ideólogo e não cientista não tinha porque ser um autor a ser estudado na universidade. Mas tem um ditado que diz que o homem põe e Deus dispõe.  O mundo gira e nessa segunda guerra mundial as quantidades de negros africanas foram todos tangidos para a guerra. Fizeram bonito lá, ajudaram na Segunda Guerra Mundial. Esses africanos quando voltaram da África voltaram todos picados pela mosca azul, ou seja, começaram a se dar conta de que eram importantes. Porque se foram para a guerra, enfrentaram tudo o que os brancos enfrentaram, e ajudaram a ganhar a guerra, porque é que eles iam continuar como antes?

Começou um processo de libertação na África e na Ásia em América Latina um pouco. E neste processo, quando começou a pipocar revolução de tudo que era jeito efetivo em vários lugares do mundo, os grandes acadêmicos das grandes universidades começaram a se colocar algumas questões: como é que eles iam explicar este fenômeno? Com Weber e Durkheim era impossível e é impossível. Aí se lembraram que tinha lá um autor um tanto desconhecido chamado Marx que já falava dessas coisas no século XIX. Moral da história: Marx foi reintroduzido na academia até o terceiro milênio. Marx dava explicação desses processos revolucionários que nem Durkheim nem Weber podiam dar. Marx jamais negou que ele construía um corpo teórico que tinha juízo de valor sim porque tinha que ter. A gente quando faz algo faz para isso ou aquilo. Quando se cria a bomba atômica não é por ingenuidade nem por inocência. Quem criou a bomba atômica foi para destruir mesmo. Esta é uma diferença entre Marx e outros pensadores.

Marx voltou para a universidade, mas, agora depois do neoliberalismo houve mais uma tentativa de jogar Marx para fora da História. Agora é o mercado que vai fazer e vai acontecer e justo com o mercado que faz e acontece aumentou o mundo com um bilhão e meio de desocupados. Dados da ONU: um bilhão de desocupados e de semiocupados; uma queda brutal nos níveis de vida em todo o mundo. A classe média quase desapareceu. Aí não mais do que de repente a gente começa a ver nas universidades, como nestas semanas, o debate sobre Marx. Não é interessante? A História caminha. Bem ou mal a gente está aqui na Universidade de Brasília desde ontem discutindo quem é Marx, o que é o marxismo, para que serve, o que fazer.

Eu acho que era isso que eu queria dizer Eu também falo como os americanos: eu estou com na (?) cabeça. A diferença é que eu digo honestamente e os americanos não. Não vejo porque não dizer isso. Estamos todos na cabeça dos jovens e dos menos jovens. Eu acho que uma coisa para a gente começar a se entender é dizer a verdade, dizer as coisas como elas são. O que é que eu estou fazendo aqui? Eu estou aqui firme e forte há três horas. Porque? Porque eu tenho um motivo.(?)  As cabeças que é a sede da consciência. Para que a gente possa melhorar os níveis de consciência. e para melhorar os níveis de consciência a gente de que um mundo diferente é possível mas que esse mundo melhor depende de nós. As guerras, a fome, a miséria, todas essas mazelas que estão aí (?)  pode resolver esse pequeno problema jovens que têm que, e forjar esse caminho, esse caminho novo da nova sociedade que não será perfeita. Quando Marx estava no leito de morte perguntaram: o que você acha que vai haver depois disso tudo: Ele disse: o movimento, ou seja, tudo continua a se mover. Se alguém tiver interesse, no livro do Engels A dialética da natureza, há uma introdução inquietante em que Engels coloca em muitas paginas que o movimento da matéria não tem compromisso com as nossas (?) quaisquer e pode levar a que todos os planetas e astros desapareçam Então eu só queria dizer aqui que eu acho que esta é uma nova concepção de conhecimento, uma nova concepção de história, esta é uma nova concepção política e esta é uma nova concepção de homens e mulheres que poderão construir um mundo melhor para que aí, então, todos nós possamos criar uma sociedade que não precisa ser perfeita mesmo porque a perfeição é um ideal a ser conquistado sempre. Sempre que a gente atinge um estágio de perfeição outras coisas mas construir uma sociedade nova no sentido de estabelecer solidariedade, fraternidade e afinal fazer aquilo que se fazia no sistema chamado primitivo: que todos possam participar do trabalho social, da criação das riquezas sociais, mas que todos possam também se apropriar desse produto final porque o dinheiro é não mais que um valor de troca. Eu troco tudo por dinheiro O fetiche da mercadoria, o fetiche do dinheiro estão levando a essa coisa que está aí, colocando em risco não a existência de todos, mas em risco o planeta. Eu queria aqui deixar esta mensagem para vocês