domingo, 10 de março de 2013

PÓS-MODERNISMO


Claude Schnaidt - (* 23. Junho 1931 em Genebra; † 22. Março 2007 em Paris). Militante comunista franco-suiço, arquiteto e teórico da arquitetura, professor de arquitetura, em Paris. Dele ver também neste blog: Arquitetura, uma definição e É no saber ensinado que a sorte real das pedagogias é jogada. .

Tradução: Frank Svensson


Origens e teses

O pós-modernismo em arquitetura é antes de tudo um requisitório1 sem cessar recomeçado contra a arquitetura moderna. Condena a acusada de haver sido um dos mecanismos mais elaborados de supressão das responsabilidades pessoais e de propagação de uma mensagem elitista, redutora e castradora, travestida em ideologia socialmente engajada.

A arquitetura moderna teria assassinado as realidades territoriais circunscritas, saqueado as cidades e o campo, desenraizado as populações de seu modo de vida habitual, destruído as culturas da construção tradicional, provocando a frustração geral. Opondo-se à lição das grandes composições da história, negando obstinadamente que os prédios são feitos para serem vistos, teria se comportado de dentro para fora e preenchido o espaço de contrassenso. Querendo-se funcional, teria produzido invólucros iconográfica e simbolicamente vazios. Sua aliança com a grande indústria resultou numa falência total: nenhuma melhoria técnica séria, nenhuma redução de custos, nenhuma diminuição do tempo de trabalho, nenhuma resposta à 'complexidade tipológica e social dos centros históricos e, principalmente, o desaparecimento do saber fazer artesanal. A arquitetura moderna, essa filha incestuosa do estilo funcionalista internacional e da industrialização, não teria nunca sido nem arquitetura nem construção.

À primeira vista, a unanimidade dos acusadores da arquitetura moderna não vai além da condenação. As opiniões divergem quando se trata de definir o que é a arquitetura do próprio pós-modernismo. Divergem, por exemplo, quanto à questão: deve-se fazer de conta ou não que a arquitetura moderna tenha existido, ou seja, incluir ou não incluir urna parte de sua herança no novo sistema? O vernacular, o passado, o jargão comercial, a geometria, as proporções oferecem controvertidas possibilidades à pesquisa de uma especificidade do signo arquitetônico. Alguns pensam que a arquitetura não está condicionada pelo desenvolvimento da civilização, mas pela do homem em si. Como prova, adiantam que a forma não decorre das exigências materiais do uso, mas da essência transcendente desse uso. Afirmam que a origem da arquitetura é sagrada, que a espiritualização do material conduz à materialização do espiritual.

Existe uma clivagem, também, entre os defensores das lutas urbanas e os que estimam que o discurso sobre a adequação entre prática política e prática arquitetural é insustentável. Uns e outros reclamam do racionalismo, do realismo, da tendência do ecletismo radical, do contextualismo. No seio dessas diversificadas correntes há raposas e ouriços-cacheiros. Designam-se como raposas os adeptos das composições detalhadas e minuciosas em oposição aos ouriços-cacheiros que preferem as grandes tarefas globais. Quando as circunstâncias permitem, as raposas não hesitam em tornarem-se ouriços-cacheiros. As ocasiões de ter uma posição de ouriços-cacheiros sendo raras, as raposas são mais numerosas. Reagrupam-se na corrente desconstrutivista.

De qualquer maneira, apesar das rixas que habitualmente eclodem no momento de atribuição de cargos, de encargos e de recompensas, o acordo é quase perfeito quanto aos pontos dos quais vejamos o conteúdo: a reparação dos males da era produtivista, a reconciliação dos homens com e pela arquitetura exigem que ela seja apreendida corno uma linguagem oriunda da lembrança histórica. Se quisermos modificar o comportamento das pessoas, livra-las de suas ilusões quanto ao progresso. é necessário começar por empregar uma linguagem conhecida e falar de coisas que querem entender. Mudar ao mesmo tempo a mensagem c a linguagem levaria ao insucesso.

Como todo edifício visa pelo menos a um duplo interlocutor (de uma parte à elite e aos arquitetos relacionados pelos significados especificamente arquiteturais e, de outra parte, ao homem da rua cativado pelos detalhes triviais), a arquitetura pós-moderna terá qualquer coisa de híbrido. O público sendo levado a observar distraidamente os edifícios, o arquiteto deverá subcodificá-los, recorrer à redundância dos signos e das metáforas populares, se deseja que sua obra seja aceita e que transmita a mensagem prevista.

Mas qual linguagem a adotar? Todas as linguagens às quais as pessoas estão habituadas e que vos parecem convenientes, dizem os ecléticos. Deveis mesmo misturá-las num mesmo edifício para facilitar a comunicação e instaurar o diálogo entre grupos semióticos diferentes e frequentemente opostos. Um arquiteto deve, em certa medida, desenvolver a sua maneira própria, mas tal personalização não garante mais ou não significa mais a autenticidade.

Os racionalistas c os realistas excluem a metáfora sustentando que a arquitetura deve expressar a linguagem da arquitetura. Se teoricamente enfrentam os ecléticos, na prática também tomam empréstimos, mas escolhem-nos dentro de um espectro tipológico limitado da cidade pré-industrial. Para eles, a rua, a arcada, a praça, o pátio, a quadra, a colunata, o centro e o contorno são os arquétipos significativos que permitirão à cidade urna leitura clara e legível. Esses elementos já foram postos à prova e agradam. Esses são no mais alto grau valores estabelecidos e mais equilibrados do que aqueles que se possa inventar. Sua repetição e sua organização hierárquica garantem a unidade morfológica da cidade assim como a durabilidade utilitária dos prédios.  E mais, a trama urbana tradicional permite a combinação de atividades, reduz o custo da gestão do espaço público, favorece a transmutação convivial da tecnologia da construção. Os arquitetos que se servem abundantemente desses arquétipos afirmam não obstante: a arquitetura não é uma linguagem, pois não é um sistema de comunicação, mas um sistema de significação.

Como não conhecemos aqueles a quem atingimos com a nossa mensagem, é impossível saber se haverá um código sobre o qual as pessoas, em sua diversidade se podem entender.  Se desejamos fazer urna arquitetura significativa, resta-nos talvez mais, como referência, a historiografia, a crítica e a formação arquitetural. Alguns arquitetos contestam a durabilidade dos arquétipos fornecidos pela história. Buscam na tipologia uma mediação entre continuidade e transformação. Entretanto, continuam convencidos da vaidade implícita à constante remodelagem da forma em função das necessidades.

Um vasto entendimento reina sobre o tema da cópia. Pode-se copiar o mais estreitamente possível. Copiar, porque é a melhor maneira de suprimir a confusão física e ideológica, de se reapropriar do saber histórico perdido quanto à cidade e de obter as imagens familiares que servirão à unificação da sociedade fragmentada. Entre os militantes das lutas urbanas, a imitação de modelos tradicionais ocupa um lugar decisivo em sua estratégia, pois será carregada, em razão mesmo de seu caráter costumeiro, de um potencial mobilizador infalível. Certos ativistas exigem que o conjunto do patrimônio seja salvaguardado e não somente alguns centros preten-samente históricos. Afirmam: não temos por que lutar pela questão de saber o que é belo ou não. Tudo deve ser preservado. Nada de tergiversações, mas sim a manutenção dos tecidos urbanos existentes em sua totalidade, bem como dos imóveis que os compõem. e inclusive e principalmente aqueles sem valor arquitetural.

Todos os pós-modernistas se encontram em torno da noção de urbanidade. A urbanidade, no sentido que dão a esse termo, quer designar um conjunto de critérios de qualidade da organização ou da criação urbana desenvolvido em reação à destruição devido às práticas correntes do urbanismo do movimento moderno (maciçamente aplicadas durante os anos 1950, 1960 e 1970) e contra os desvios tecnocráticos oriundos da Carta de Atenas (1933) e de diferentes doutrinas funcionalistas que privilegiam as dimensões mecanicistas, quantitativas e materialistas das cidades, suscitando por meio de seu zoneamento a segregação dos homens, a fragmentação abusiva dos espaços e do tempo. É para se desembaraçar desses procedimentos do urbanismo dito moderno (que desencadeou urna verdadeira alienação urbana e suscitou a perda de identidade da cidade) que o novo uso do termo urbanidade é proposto como alternativa para designar uma qualidade nova do uso e da gestão das cidades e de suas potencialidades arquiteturais e humanas. Esse novo sentido da palavra refere-se propositadamente a seu duplo significado original e moderno. (A urbanidade é o saber-fazer a cidade e o saber-viver em cidade... ) Essa dupla conotação tende a adicionar referências à tradição e ao saber-fazer de uma convivialidade citadina. A urbanidade decorre de uma civilidade, de um apreço pela cidade existente que não ignora, mas, pelo contrário procura valorizar e incluir em seu comportamentos.2

O pós-modernismo será ele umna moda, um despertar salutar de consciências, um efeito do eterno pendular da história? Para mim, é mais profundamente e simplesmente a arquitetura do capitalismo em crise.

Há mais de duas décadas que a economia dos países capitalistas está à deriva. A produção cai, o desemprego aumenta, a moeda deprecia-se. A grande burguesia busca sair intacta, ou seja, enriquecida dessa crise que ela mesma desencadeou. É por isso que ela deve superexplorar os trabalhadores e as classes médias, confiscando suas conquistas sociais. Em 1976, Giscard d'Estaing declarou, por exemplo: Hoje é necessário dar preferência ao acesso à propriedade individual e não à moradia coletiva, à reabilitação da casa velha e não à construção nova, à pequena cidade e não à megalópolis c dar um basta definitivo ao gigantismo.3

Assim dito, assim feito. Uma grande reforma substituiu a ajuda à pedra (voltada inicialmente aos organismos da habitação social) pela ajuda à pessoa (voltada ao habitante). Segundo a propaganda, isso deve permitir ao cidadão reaver a posse de sua cidade. Na realidade, trata-se de conter as despesas orçamentais do Estado consagradas à habitação e liquidar as agências de habitação popular – HLM4 -- cuja vocação de serviço público de finalidade não lucrativa perturbam o funcionamento harmonioso do mercado. Quem quer afogar seu cão acusa-o de estar com raiva. Repentinamente, os grandes conjuntos. os edifícios-torre, a Carta de Atenas c naturalmente Le Corbusier foram culpados de todos os inales. Nessa campanha os pós-modernistas ocuparam e ocupam o primeiro lugar.

A argumentação dos profetas da pós-modernidade contra o gigantismo urbano parte de preocupações reais da população. Mas escamoteia o essencial, que é reduzido a algumas poucas palavras: o crescimento veloz das cidades correspondeu, até aqui, à lógica monopolista de concentração e de centralização de capitais e dos meios de produção. Os grandes conjuntos foram construídos para abrigar a mão-de-obra necessária enquanto os bancos se lançavam nos negócios imobiliários às expensas dos pequenos empreendedores. Com a crise e a fuga de dinheiro para operações cada vez mais especulativas, a necessidade de grandes reservas de mão-de-obra diminuiu, e o espaço urbano teve consequentemente de ser reorganizado. Sobre essa base apoia-se o pensamento urbanístico dos pós-modernos. Em sua Declaração de Bruxelas, pode-se ler por exemplo: Nós devemos reconhecer o valor absoluto da cidade de pedra, parar as construções e trabalhar em favor da reparação do tecido urbano... É necessário reduzir o perímetro construído das cidades c definir com precisão as zonas rurais a fim de estabelecer claramente o que é a cidade e o que é o campo. A cidade pós-moderna será sempre centralidade; não haverá subúrbios nem periferias; o entorno da cidade será já a cidade.5

As pessoas suportam mal as nocividades urbanas, temem a expulsão, a marreta dos demolidores, o exílio rumo às casernas de concreto armado. Querem uma vida em paz. Se a reparação da cidade preconizada pelos pós-modernos leva tais realidades em conta, legitima também, por sua ligação com a pressão sobre os aluguéis, mudanças altamente lucrativas. O desaparecimento progressivo de lucros da ocupação de grandes conjuntos da coroa urbana impõe aos habitantes a necessidade de uma decisão. Os menos afortunados não têm escolha, permanecem onde estão. Aqueles que dispõem de um certo padrão são convidados a povoar as novas aldeias de mini mansões pseudo-americanas. Os mais afortunados podem comprar um apartamento reabilitado do centro da cidade liberado de sua população mais pobre. Esta não tem outro recurso além de se encaminhar a casas populares abandonadas. Até agora não vi nenhum pós-modernista protestar contra essa escandalosa prática.

O comércio do passado não é uma especialidade dos pós-modernos. Como em todos os períodos de dificuldade, a história tornou-se uma obsessão. A cada mês surge uma carga de obras que se contorcem na história. Fora algumas raríssimas exceções, esses produtos sugerem a ideia de que o futuro é todo determinado pelo peso das heranças de longa duração e pela perenidade de estruturas mais ou menos imóveis. A história seria reinterativa, subdeterminante, e o evento, principalmente o político, um sobressalto ininteligível, efeito arbitrário de um fantasma originário ou um comportamento mimético dominado pelo imprevisível.

O sentido ideológico e a prática política desse sistema saltam aos olhos: a história que se faz ocorreria necessariamente fora do domínio consciente dos vivos. Então, por que lutar? Melhor é esclarecer a sabedoria resignada dos antepassados, ancoradouro de desilusões e perdidas esperanças que se desviam do presente e do trabalho? Aos arqui-tetos acrescenta-se: por que se esgotar procurando dominar realidades efêmeras e tenebrosas em projetos que jamais funcionarão como imaginado? Basta copiar as invariáveis que a história nos há legado.

Em 1968, os estudantes e os intelectuais de vários países capitalistas manifestaram seu descontentamento e sua aspiração a uma transformação real da sociedade. Em face da crescente oposição desses representantes das camadas intermédias da sociedade, em face da extensão da contestação dos valores da burguesia, esta foi obrigada a reagir. Devia absolutamente retomar a iniciativa sobre o terreno ideológico, e este tanto mais que prenúncios de crise despontavam no horizonte. É assim que ideias em gestação já há um certo tempo foram beneficiadas, como que por milagre, por uma larga difusão. Uma infinidade de variações foram formuladas sobre os temas do crescimento zero, da austeridade, da renúncia voluntária, da sociedade pós-industrial. A concordância dessas litanias com aquelas dos arquitetos é gritante.

Atualmente, os arquitetos não estão em festa. É bem certo que não andam todos à beira da falência, mas as dificuldades de suas condições lhes causam considerável ansiedade. Encontram-se presos entres contraditórios interesses: de um lado os do capital para a realização de seus projetos, de outro, os da massa de usuários. Em suas relações com os banqueiros, os promotores, os empresários, os eleitos, os funcionários, os sindicalistas, os representantes dos locatários e das associações de bairro ficam com frequência perplexos. Sentem-se ameaçados pela tendência à socialização do processo da arquitetura. Têm necessidade de distração e de consolo. Os pós-modernos, então, convocam-nos ao tribunal onde se condena a arquitetura moderna e do qual sairão persuadidos de que seus predecessores erraram a rota a seguir não obtendo, assim, nenhum resultado válido. Sairão persuadidos de que nenhuma força organizada será capaz de resistir ao neoliberalisrno e às forças de mercado. Mas os pós-modernos têm ainda mais coisas em seu saco. Aos arquitetos ainda em duvida, avisam: estais infelizes, mas não há por que reparar a nossa cara cidade de pedra europeia. Assim a burguesia pode dormir tranquila. Com um tal programa, tudo permanecerá em ordem!


O exemplo dos grandes monumentos de Paris

Entre 1946 e hoje (1976), a população da região parisiense passou de 6,6 a 10 milhões de habitantes. Assim, quase 1/5 da população francesa vive na aglomeração parisiense cuja superfície não representa mais que 2% do território nacional. O crescimento das comunas da periferia imediata — a Petite Couronnc — dispara. Por outro lado, a população da Grande Couronne continua aumentando fortemente. Em Paris intramuros, a população diminui. Esse processo geral acelera-se. As causas são: o inchaço do setor terciário, o fechamento de empresas industriais, a reestruturação do patrimônio imobiliário (renovação, reabilitação), a alta vertiginosa dos aluguéis.

Paris contava em 1962 com 2,8 milhões de habitantes; hoje, eles são menos de 2 milhões. As atividades comerciais e administrativas desenvolvem-se às expensas das habitações. De outra parte, a indústria definha. Nos cinco últimos anos, 26% dos empregos industriais foram suprimidos. O mercado da habitação redefine-se em função das exigências dos empresários do setor terciário. As moradias da construção nova têm um elevado nível de conforto. Aquelas moradias oferecidas nas operações de modernização são igualmente apartamentos de luxo. Os quarteirões históricos são particularmente convidativos. Com seus arquitetos de prestigio, fornecem a decoração conveniente aos novos-ricos.

O preço das moradias é um fator essencial na expulsão dos trabalhadores para fora de Paris e na segregação espacial das camadas intermédias. O locatário que paga 12 dólares por metro quadrado por mês pode considerar-se feliz.   É melhor calcular 20 dólares, ou seja, 1.200 dólares por um apartamento de três peças. Para lhes dar uma ideia do que isso representa, eu ganho como professor de arquitetura da mais alta categoria 2.760 dólares por mês. Se eu quiser comprar um apartamento. devo desembolsar entre 5.000 e 6.700 dólares por metro quadrado, ou seja 300.00 — 400.000 dólares por um apartamento de três peças.

A alta dos aluguéis tem várias causas. Por um lado, as antigas moradias baratas estão sendo demolidas, ou seja, reconvertidas em locais comerciais ou apartamentos de prestigio. Por outro lado, e conforme a política neoliberal constrói-se cada vez menos apartamentos de interesse social. Ao longo dos dez últimos anos, as subvenções do Estado para a habitação de interesse social foram reduzidas em 50%. Atualmente, constrói-se em Paris somente 2 mil habitações de interesse social por ano, enquanto que 140 mil estão inscritas nas listas de espera. O novo sistema de financiamento. segundo o qual as agências públicas de habitação de interesse social são forçadas a aplicar critérios de rentabilidade do setor privado, tem por consequência que as taxas dos aluguéis se tornam insuportáveis para os pequenos e os médios ingressos. Acrescenta-se a isso a regulação dos aluguéis nos imóveis antigos segundo preços do livre mercado.

O transtorno demográfico originado pela alta dos aluguéis fez de Paris uma cidade socialmente segura. Os resultados das eleições testemunham uma queda continua dos votos pelos partidos de esquerda. Essa remodelagem política é uma garantia de um futuro ainda mais glorioso do capital. Paris deve tornar-se a maior metrópole de negócios da Europa, elevar-se ao nível de Nova York e de Tóquio. Como praça financeira, Paris deve alcançar e ultrapassar Londres. Esse volume de transações bancárias dos ingleses é hoje quatro vezes superior ao dos franceses. Isso não se pode mais aceitar. O avanço da França em matéria de mísseis e de telecomunicações é promissor. Paris deve tornar-se a capital mundial do comércio da comunicação, dos satélites artificiais, do show-business. Enfim, os turistas não serão esquecidos. Não importa quais os que procuram cultura e aportam divisas fortes.

Nessa perspectiva, 7 milhões de metros quadrados de escritórios juntar-se-ão aos 28 milhões existentes. Nesse sentido, as estações de triagem, as instalações dos correios e as agências de serviços públicos são vendidas aos especuladores. Mesmo os hospitais diminuem seus terrenos. O que resta da indústria de confecção deve em breve deixar o centro da cidade. Sobre a ilha das fábricas Renault será construída uma fabulosa marina. Sórdidos hotéis são restaurados num abrir e fechar de olhos e seus quartos são oferecidos a 150 dólares a noite, sem café da manhã. E de um só golpe descobre-se que Paris é por demais pequena. O primeiro-ministro e o prefeito põem-se de acordo: a fronteira da cidade deve ser ampliada. Isso terá a vantagem de suprimir as comunas da Ceinture Rouge e, ao mesmo tempo, todos os obstáculos formados pelas mesmas, sua antiquada política social contra a especulação e a alta dos aluguéis.

Compreendereis melhor, agora, o sentido dos Grands Chantiers do Presidente da República. La Villette. o Museu d'Orsay, o Instituto do Mundo Árabe, a pirâmide do Louvre, o Grande Arco, a Ópera da Bastilha, a futura Três Grande Bibliothèque, todas essas imponentes obras do pós-modernismo são as armas estratégicas do expansionismo parisiense:

1) Elas servem à satisfação das necessidades culturais dos novos ricos que conquistaram a capital.

2) Elas são o atrativo para a nova elite de turistas insaciáveis que quer passear, comer e beber.

3) Elas são as vacas de leite e os campos de treinamento dos diferentes ramos da indústria de cultura de massas.

4) Para as grandes empresas de construção, são particularmente rentáveis por não estarem submetidas aos preços habituais dos edifícios públicos,

5) Elas fazem subir o valor de uso e, consequentemente, o valor de troca dos terrenos e dos imóveis da redondeza.

6) No espetáculo da mídia internacional, elas são os troféus que anunciam periodicamente a atratividade de Paris.

7) Elas certificam a prosperidade aparente e a vocação de Paris a tornar-se uma metrópole mundial.

8) Elas inspiram confiança ao pequeno povo que teme o neoliberalismo c a instabilidade do inundo.

9) Para o príncipe — Paládio já o dissera na Renascença elas são um belo meio de fazer ver durante sua vida e de deixar após si as marcas de sua grandeza c de seu espírito.6


Os pós-modernos são falsários

A arquitetura pós-moderna é a arte da ilusão, da cínica mentira. A reivindicação de Mudar a cidade para mudar a vida é substituída pela palavra de ordem Mudar a imagem da cidade para que mude a ideia que os homens fazem de sua vida Sim, realmente, os pós-modernos são uns falsários.

Como arquitetos:

--- eles pretendem perpetuar a tradição da arquitetura eterna. De fato. fabricam a arquitetura do capitalismo em crise:

— eles são pela redução do campo de responsabilidades, atribuem aos signos, ou seja, à dimensão estética uma prioridade absoluta; menosprezam, senão recusam, os outros aspectos da arquitetura. Isso não os impede de legitimar e de promover a mais retrógrada de todas as políticas de construção do século XX;

— eles apoiam-se nas necessidades qualitativas autênticas da população mas não encontram nada de melhor do que converter essas necessidades em objeto de procura comercial;

— eles exigem a compreensão e o respeito da engenharia local. Ora, em Berlim e em Paris, na Filadélfia e em Milão, vertem os seus produtos no mesmo moinho.

— eles veem nos desenhos de arquitetura urna incitação à reflexão epistemológica. Praticamente, suas imagens não servem senão à imitação mecânica e à alimentação do mercado de arte.
Como historicistas:

— eles querem desembaraçar os fios da tradição perdida. Entretanto, ignoram as fontes vivas, servem-se deliberadamente de cartas marcadas, de falsos testemunhos e de caricaturas;

— tentam reacomodar o tecido urbano. Infelizmente, eles depreciam os verdadeiros vestígios do passado que parecem imitar suas próprias imitações.

Corno ideólogos:

— eles se apresentam como liberais e humanistas. Alguns erguem até a bandeira vermelha. Portanto, não têm mais do que uma missão: exorcizar a ideia do progresso possível, esse mal essencial que sempre espalha o terror entre os privilegiados, desbaratar a ideia de que nada mais indigno do que a desigualdade social; destruir a ideia de que existem respostas políticas à degradação e à inospitalidade da cidade.

Como cidadãos:

— eles desejam transmitir a seus contemporâneos a mensagem que desejam ouvir. As pessoas emudecerão de admiração: que chance, exclama o poder. Assim se reconfirma a velha regra dos déspotas: o povo irá se calar lá onde as pedras falarem.
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N o t a s:

1. Discurso ou artigo que contém uma série de acusações contra alguém.

2. A la recherche de l'urbanité (Em busca da urbanidade), CCI Informations, Paris 10/1980.

3. Valery Giscard d'Estaing, Démocratie française (Democracia francesa), Paris, 1976.

4. HLM = habitations à loyer modere (alojamento social).

5. A declaração de Bruxelas (prefácio de Maurice Culot e Philippe Lefevre), Bruxelas, Archives d'Architecture Moderne, 1979.

6. Andrea Palladio, 1 quatro libri dell'architettura, Veneza, 1970.   

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