segunda-feira, 4 de março de 2013

MARXISMO E MEI O AMBIENTE


Germán Perotti Arquiteto chileno, intelectual orgânico do PCC, foi diretor do Banco Nacional da Habitação do Chile durante o governo de Salvador Allende, hoje pesquisador radicado na Suécia atuando junto à Escola Superior de Tecnologia de Estocolmo.


Sendo materialista e marxista, não posso conceber o ser humano senão como parte da natureza e os que pensamos assim deveríamos estar à frente do movimento ecológico. Uma afirmação não de todo original, usada para responder a deboches à ecologia, deu motivo à busca de antecedentes que a sustentam. O presente trabalho é um resultado parcial para um tema que deve ser enfocado com amplitude, cuidado, dedicação e profundidade.

A citação acima merece explicação, não só devido à relevância atual do tema ecológico. A re-capacitação sobre a relação entre seres humanos e a sociedade para com o seu entorno passa a ser fundamental na busca de paradigmas e saídas para os problemas que a humanidade hoje enfrenta.  A crescente demanda de energia e a necessária substituição de sua fonte principal (a combustão), o perigo contido nas emissões e em outras incidências da atividade humana sobre o entorno natural, a consciência adquirida quanto a limitações objetivas dos recursos naturais, são alguns dos aspectos que permitem espreitar (descortinar) a relação natureza x política econômica. A isso se soma o fato, também inevitável/inegável, de que a solução das justiças sociais está totalmente concatenada com os aspectos acima mencionados.

Muitos dos problemas que afetam as camadas empobrecidas têm clara relação com aspectos centrais da questão ambiental, fundamentalmente na área da distribuição equitativa dos recursos.  O problema ecológico, o do meio ambiente, é um problema candente do nosso tempo, não só com-cerne à preservação das condições básicas da subsistência da humanidade e a vida em geral, refere-se também ao desenvolvimento dos meios de produção. E consequentemente às possibilidades reais de lograr um desenvolvimento sustentável e equidade social.

O presente trabalho pretende, uma vez mais1, resgatar aspectos do pensamento materialista que vêm sendo sistematizados por décadas sem que tenham repercutido substancialmente em dis-cursos políticos e propostas para o desenvolvimento. O que aqui expomos baseia-se primordial-mente nas bem documentadas análises e argumentação que sobre o tema Karl Marx e a ecologia faz John Bellamy Foster em seu livro Marx’s Ecology (A Ecologia de Marx), mas procura também voltar às fontes desse autor, bem como a outras, apoiando-se em distintas publicações. Partimos da premissa de que é necessário abandonar conceitos como defesa ou proteção do meio ambiente (difícil é que os humanos defendamos o objeto de nossos erros). Ao invés devemos fundamentar uma nova política econômica quanto a nossa interação com o entorno, o qual, como é obvio, não só é constituído do meio ambiente natural, senão, também, do que nós mesmos construímos --- a cidade, as infra-estruturas locais e regionais, inclusive amplas áreas da paisagem que hoje nos rodeia, o nosso habitat.

Em face da globalização da economia e a aparente perda de paradigmas alternativos ao modelo econômico dominante, as concepções materialistas --- sobretudo o marxismo como método de aná-lise da sociedade --- são hoje arbitrariamente desqualificados. As armas usadas em contra decorrem, em parte, de seu aparente desprezo pela natureza. O forte ataque que as posições progressistas sofrem atualmente pretendem reduzir os conceitos materialistas ao mesmo tempo que ao projeto socialista, a uma visão caduca que, entre outras coisas, não respeita os direitos humanos e é incapaz de afrontar os desafios da natureza. Para alguns autores (escritores) esses fatores teriam sido determinantes no desmantelamento do sistema hoje identificado como “socialismo real”. Com postulados semelhantes em sua bagagem, se chegou inclusive a decretar no mundo ocidental não só a morte do socialismo, senão das ideologias e até da história.

No entanto, o sistema dominante, o capitalismo, tem se mostrado incapaz de resolver os problemas da injustiça social e ser também o maior depredador da natureza, como também do meio ambiente construído em prover habitação, saúde e outros serviços dignos e eqüitativamente distri-buídos.


De onde partir

É próprio da conceitualização materialista o considerar que os seres humanos derivamos de sucessivas mutações produzidas ao longo de milhões de anos. Não somos uma criação especial, nem produto de um projeto predeterminado (posições teológicas tradicionais) destinado a dominar o mundo ou ser o vértice de uma pirâmide genética, mesmo que nos envaidecemos de ser a espécie mais complexa. Os materialistas nos consideramos parte do meio natural. Nossa relação com o mesmo se distingue por ser consciente, por sua aparente racionalidade, pelo que também estaria condicionada pela ética. (Kaul, S., 1991).  Em outras palavras, somos capazes de nos preocuparmos com nosso papel no ciclo natural a partir do fato de que nossa relação com o entorno está primordialmente veiculado pelo trabalho. Nessa relação interpomos ferramentas --- instrumentos --- à na-tureza, gerando nossos meios de subsistência e os artefatos que nos facilitam a sobrevivência, mas também fazemos da natureza mesma um instrumento; esses processos como transformação de partes suas chegam às vezes a evidenciar suas leis, constituindo o que chamamos de trabalho: o que só podemos desenvolver se estamos conscientes da base mesma daquilo que fazemos, de suas potencialidades3.

Mediante o trabalho e as relações sociais que dele derivam, terminamos por construir e de-senvolver nosso próprio entorno, nos provemos de alimentos e vestuário e desenvolvemos nossa vida em comunidade; a cultura entendida em sua mais ampla acepção. Mas as vezes geramos impactos --- conseqüências --- sobre o meio natural em que vivemos.

A atual relação ser humano x natureza que desejamos descrever neste trabalho e o alcance do que se entende por problema ecológico, ficam no meu entender bastante bem definidos na citação a seguir:

A interação da sociedade e da natureza, extraordinariamente ampla em nosso tempo, originou o problema ecológico que figura entre os problemas contemporâneos globais da humanidade, Por problema ecológico compreendemos: o agravamento qualitativo do entorno do homem causado pela industrialização e a urbanização de seu modo de vida, pelo esgotamento dos recursos de energia e matérias primas tradicionais (de relativo fácil acesso), o aumento contínuo da  pressão demográfica sobre a natureza, o desequilíbrio das oscilações ecológicas naturais (mecanismos de auto-regulação da biosfera) , o chamado extermínio econômico de espécies de animais e plantas e as conseqüências genéticas da contaminação da natureza com os direitos da atividade econômica dos homens, incluindo o perigo de degeneração genética do próprio homem. (Guerásimov, L., et al., 1980:3).     


Quanto à preocupação pelo meio ambiente

Pensa-se que a preocupação pelo meio ambiente seja nova. Não é tanto assim. Como veremos mais adiante, já no século XVII, no ocidente, havia-se começado a detectar conseqüências da ação humana sobre o meio natural. Na primeira metade do século XIX tinha-se plena consciência dos efeitos do desvio de águas fluviais, a devastação de florestas e ainda a combustão do carvão em grandes centros industriais. Tinha-se até experiência de processos de reflorestamento e seus efeitos positivos na recuperação de cursos fluviais e de fertilidade em terras que a haviam perdido devido ao corte das árvores.

É provável que o que nos preocupa hoje seja mais a suposta perca do conhecimento --- ontem intuitivo talvez --- acerca dos mecanismos dessa relação. 3  O que está em questão hoje são os intensos efeitos --- e/ou globais --- da ação humana, de nossos meios de produção e do consumo sobre o entorno.  Além disso precisamos  rever nosso excesso de confiança na capacidade da natureza para recuperar-se do impacto e também nosso intento de pô-la em camisa de força4 .

Os há que vêem nessa preocupação um luxo próprio dos ricos.  Estão os que rechaçam as formas em que o industrialismo, qualquer que seja sua cor, explora a natureza e os seres humanos.  Os há também que percebem novas formas de dominação nessa preocupação; uma sorte de neo-imperialismo, já que não leva em conta as camadas mais carentes da sociedade.  É entendido como enfoque unilateral dos países industrializados e, portanto, como uma nova forma paternalista de domínio. Fala-se até de um eco-fascismo.  É de desconfiar, pois as atuais idéias em torno da ecologia provêm aparentemente de culturas que não se tem destacado por seu respeito pelo planeta. E tampouco é preocupação maior daqueles que sustentam essas posições, a incidência da atual divisão internacional do trabalho no meio ambiente local dos países em vias de desenvolvimento. 

O interesse pelo meio ambiente nos países ocidentais ganha maior corpo durante a década de sessenta, a partir da recusa aos estilos de vida da sociedade industrializada. Se refutavam então a artificialidade dos entorno urbanos, a reverência à máquina, o desenvolvimentismo e o consumo desorbitado desorbitante. Indo mais longe, opinava-se tratar de uma excessiva confiança no progresso baseado somente na ciência e na tecnologia. (Blanco, J. A.: 1995 --- e vários mais) 5.  Este é um argumento freqüente em colocações que buscam maior atenção para os problemas ambientais.

Os que abraçaram tais idéias eram principalmente aqueles que tinham oportunidade de observar atais males, mas podiam escolher. Alguns mudaram de vida defendendo uma volta à natureza. Suas posições pouco ou nada tinham a ver com a exploração do homem pelo homem, mas pregavam o amor.
Os anos 60 foram também um período álgido da guerra fria.  Não era mistério para ninguém que uma definição armada entre os blocos contrapostos apagaria toda forma de vida do planeta. Tal certeza relacionou no mundo ocidental a Paz com a fenomenologia ecológica.  Nos países socialistas, conduziu a grandes esforços em favor da amizade entre os povos.

No entanto, outros de entre esta primeira geração de ecologistas eram sensíveis à injustiça. Deram inclusive lugar a um ramo social na ecologia: rechaçavam a inumanidade das relações entre possuidores e desprovidos e também o excesso de consumo dos primeiros.

Em minha opinião, a ideia central em que se baseavam essas percepções da relação ser humano x natureza estão bem apresentadas no defendido pelo arquiteto Neodet Teymur em seu livro: O Discurso Ambiental :

O primeiro enunciado do discurso ambiental afirma que seres humanos e meio ambiente estão em conflito hoje, enquanto que originalmente encontravam-se em harmonia.  Ou, em contextos mais específicos, estabelece-se a miúdo que as cidades e os edifícios perderam a escala humana (vale dizer: originalmente encontravam-se em escala humana) , ou que os edifícios despersonalizaram-se (vale dizer que originalmente foram personalizados e humanos). Trata-se do mesmo enunciado concernente ao entorno considerado totalizado percebendo-o não só como físico, senão como substancial componente físico-psíquico, defendendo que, essencialmente, o ser humano está alienado de si mesmo.  Há também posições mais sutis, segundo as quais a arquitetura anteriormente refletia  a sociedade e seus valores; a gente primitiva vivia em estreita harmonia com a natureza ou, que a gente das sociedades subdesenvolvidas constrói suas casas entendendo que estão unitariamente integradas ao entorno.  (Teymur, N.: 1982:98).

Ainda que centrado nos espaços construídos, este texto descreve bastante bem a base ideológica da preocupação com o meio ambiente segundo concepções conservadoras. Revela mitos que idealizam o passado. Essa é uma das características do pensamento simplesmente ecológico: idealizar o passado sem considerar integralmente o desenvolvimento histórico da sociedade. Ou fazendo- sob uma visão extremadamente idealista. Resulta alheia a esse pensamento a perspectiva do que seria uma volta a idos tempos de auto-suficiência (é de se perguntar em que medida auto-suficiente?) nas condições atuais da sociedade, já que tampouco se considera nessas posições o desenvolvimento alcançado pelos meios de produção e o acumulo de necessidades que o bem-estar equitativamente repartido requer. Menos ainda são considerados os ganhos da cooperação no trabalho.

Entrementes, as ciências avançaram com rapidez, confirmando importantes fatores na preocupação quanto aos danos irreversíveis à natureza causados pela atividade humana. Inclusive em períodos de paz 6 . Está latente a nossa capacidade de apagar a vida da superfície de nosso planeta, ainda que não seja tão violentamente como seria o caso de uma guerra atômica. Hoje sabemos que os níveis de combustão, suas partículas de matérias corrosivas e outros gazes, danificam os filtros que atmosfera interpõe para que possamos sobreviver a irradiações solares. Esses mesmos elementos viajam pelos ares atacando (adoecendo) bosques, lagos e plantios, se estacionam nos céus urbanos danificando a saúde e até os edifícios. Também sabemos que o sistema econômico hoje dominante não é capaz de dar solução a esses problemas pelas mesmas razões que é incapaz de resolver a injustiça social, a que impões ao que estamos produzindo o pior dos ambientes para a nossa subsistência; a cidade, centro fundamental da atividade humana de nossos tempos, além de estar gerando impactos irreversíveis ao meio natural.

O acúmulo de ameaças que se erguem sobre a humanidade na raiz deste negro cenário em que atuamos dirigidos pelas forças monetárias termina por atualizar ainda mais a já bem reconhecida e estreita relação entre estrutura econômica e social, as formas de produção e a busca do equilíbrio entre a sociedade e seu entorno físico.

A preocupação com o meio ambiente tornou-se um tema muito central de toda plataforma ideológica e política nos fins do século 20. Poderia-se inclusive dizer que os programas políticas competem hoje tanto por modelos econômicos e propostas sociais como por mostrar-se em dia com essa nova realidade.

No entanto, a este mundo sem contrapeso ao capital em que transitamos de um milênio a outro, parece ser que só se opõem as débeis vozes de uma prédica moral pela sobrevivência das espécies --- a conservação das matas e certa morigeração (educação) no uso dos recursos naturais, por exemplo. Só uns poucos se permitem incorporar a justiça social como elemento básico para alcançar a harmonia entre humanos e natureza. Mesmo que tais posições sejam inclusive base das comunicações de foros internacionais e convênios, como no caso da Agenda 21.


Marxismo e meio ambiente

Nem sequer uma sociedade inteira, nem uma nação, nem todas as sociedades que existam ao mesmo tempo, são proprietárias da terra. Só são seus possuidores, seus usufrutuários, e como boni patres familias (bons pais de família) , têm que deixá-la melhorada às gerações futuras (Marx, O Capital, vol. III, livro III p.    ) 7.

Esta citação resume um pensamento que se traduz ao longo de todo esse texto maior. O fato de que esses conceitos não tenham sido mais desenvolvidos por Karl Marx está por explicar. Vale em todo caso o fato de que quanto escreveu essa obra não havia condições para avaliar em toda sua dimensão o dano real que a indústria consideravelmente incorporada já, produzía --- e produziria --- com o desenvolvimento das forças de produção. Tampouco havia alcançado sua atual dimensão o abuso com os recursos naturais que o estado atual de coisas apresenta, com a única exceção então, como veremos mais adiante, do abuso sobre a terra --- o solo agrícola.

O escritos de Marx estão repletos de referências à relação entre sociedade, meios de produção e entorno natural. Se não foram estruturados num texto especialmente dedicado ao tema ecológico, considero que é somente pelas razões acima expostas e porque o enfoque principal da obra marxista é o de analisar os problemas sociais a partir das condições impostas pela revolução industrial e o desenvolvimento da economia capitalista. No entanto, isso é feito a partir de um enfoque materialista. Vale dizer, enriquecido pelos avanços da ciência no momento e a partir da constatação de que o ser humano, desde que muda sua condição de coletor em produtor, começa a incidir de modo diferente e próprio sobre a natureza.

Uma contribuição importante dos escritos de Marx e Engels é a denúncia de outra das dimensões do problema ecológico; os efeitos do meio ambiente laboral sobre a saúde do trabalhador e as condições negativas em que se desenvolve a reprodução da força de trabalho. Em outras palavras, a forma discriminatória em que construímos e administramos os espaços em que desenvolvemos nosso entorno imediato e a produção, baseada na exploração e no uso indiscriminado das matérias que extraímos da natureza, constituindo a maior fonte  de contaminação, não só pelas emissões, senão pelo acúmulo de desperdícios e pela forma de tratá-los.

Avançando algo numa das teses que este trabalho pode insinuar, entendemos que, se bem é certo corresponde por em dúvida o grau de equilíbrio entre espécie humana e natureza dos períodos anteriores da história, onde o problema se agrava, é durante o processo em que a revolução industrial gera pressões nunca antes alcançadas. Isso se produz graças à crescente demanda de produtos da agricultura, por exemplo. Marx estende-se em O Capital nos efeitos da demanda de fibras entre esses produtos e na redistribuição demográfica que o processo de urbanização implica.
     

Em torno do problema energético

Em O Capital, Marx introduz um importante esclarecimento a respeito das diferenças entre as matérias primas que se extraem simplesmente da natureza e sua incidência no lucro. Assim, e ante o desenvolvimento dos meios de produção da época em que essa obra foi escrita e sempre fazendo um paralelo entre a agricultura e a mineração, compara os efeitos das maquinas movidas por força hidráulica e as que o fazem a partir do vapor. Nessas últimas, o carvão requer de trabalho prévio, sua extração das minas; enquanto que a água fornece energia ao capitalista praticamente sem custo. A relação que aqui buscamos se refere também (mas bien) ao atual problema energético e à busca de lucro através das matérias que a natureza fornece já  praticamente elaboradas. Por sua vez, isso insinua a necessidade de um profundo estudo dos conflitos atuais pelo domínio não só das fontes petrolíferas, senão, além, da infra-estrutura e a geopolítica relativa aos territórios circundantes às jazidas dessa fonte energética. Muito resta revelar a respeito do papel que joga a fonte principal de energia do momento no processo de globalização da economia.8


Algo mais sobre a base materialista

Como já dissemos, a relação básica entre seres humanos e natureza refere-se à concepção materialista da origem mesma da vida. Tal concepção, por sua vez, decorre de um desenvolvimento e resultado prático das filosofias que se opõem à versão teológica de um projeto prévio. Referência que se baseia em parte no pensamento epicúreo da antiga Grécia e se apoia na intuição kantiana de meados do século XVIII (Engels, F.: 1875 p. 64). Discute e desenvolve toda a série de visões a respeito, baseando-se também nos avanços da ciência até o momento em que trabalharam Marx e Engels. O “fio vermelho”  do pensamento marxista em torno da natureza se assenta então generatio aequivoca ou geração casual (Foster, J. B.: 2001 p. 120) afirmando que a vida surgiu de reações químicas sobre o globo terrestres e portanto de matéria inorgânica, mas geradas sob condições que a biosfera forneceu em algum momento desses 13.000 milhões de anos de existência que os astrônomos atribuem hoje ao universo em geral (Zimmer, C.: 2001 p. 78).

O que pouco se difunde dessa visão, é que a partir de seu aparecimento sobre a face da terra a vida mesma começa a transformar a biosfera. É no intercâmbio entre espécies e o desenvolvimento das mesmas que o entorno em que nos deslocamos adquire as características que permitem a sobrevivência dos organismos que hoje a compõem. Em outras palavras, é a partir da existência da vida que se produz um intercâmbio constante --- metabolismo em termos marxistas --- entre os organismos e seu entorno. Na reprodução, o desenvolvimento e as mutações das espécies primitivas, se vão criando as condições de subsistência das vindouras, gerando-se uma mútua dependência.

Mas mais importante, em minha opinião com relação ao presente trabalho, é a construção que arranca desses princípios: a geração de vida sobre o planeta constitui a base para a reprodução, evolução e subsistência de todos os organismos vivos e constituem a cadeia ecológica nutriente de um ou outro na medida em que, os que, já intensamente reproduzidos, contribuem a gerar condições atmosféricas (a relação entre as matas (bosques) e o conteúdo de oxigênio da atmosfera, por exemplo) por uma parte e climáticas, na medida em que purificam águas etc. Por outra parte os câmbios geológicos --- aspecto que Marx profundamente estudou com sumo interesse como base de suas colocações materialistas, vão gerando os entornos e combinações de minerais que contribuem com que a terra seja um elemento básico da biosfera.9

Com isso ficam estabelecidos pela filosofia marxista dois aspectos fundamentais para a compreensão dos processos naturais e do nosso papel nos mesmos: 1) A natureza, o cosmos – e em especial o planeta terra – têm uma historia própria e, 2) a natureza transforma-se a si mesma num constante desenvolvimento. Do que necessariamente devemos depreender que somos parte dessa historia.
A diferença entre o intercambio que se realiza entre os seres vivos e o do ser humano com a natureza é veiculado, como já afirmamos, pelo trabalho:

Enquanto criador de valores de uso, enquanto trabalho útil, o trabalho é, portanto, independente de todas as formas de sociedade, uma necessidade antural eterna para mediar o metabolismo entre o homem e a natureza, isto é, na vida humana (Karl Marx O Capital, livro I, tomo I).

Como podemos ver, já no começo de sua obra maior, Marx nos coloca a subsistência mesma de nossa espécie como uma relação de ação recíproca com o entorno natural, como um processo de assimilação e transformação --- metabolismo. Processo que, ademais, é natural. Vale dizer que só procedemos como a natureza mesma:

Em sua produção, o homem, só pode proceder como a natureza mesma, ou seja, só modificar a forma dos materiais (Karl Marx, Ibidem)10.

Mais adiante Marx insiste:

Em primeiro lugar, o trabalho é um processo entre homens e natureza, um processo no qual, mediante sua ação, o homem regula e controla seu intercambio de matérias com a natureza (Karl Marx ibidem).

Importante, neste caso, é relacionar essas citações para avaliar em que condições se pode, de acordo com o pensamento materialista, chegar a cominar a natureza, só modificando as formas dos materiais e regulando e controlando a ação recíproca de matérias com a mesma

O que então ocorre, se é que nos é permitida uma pequena digressão, é que nas relações que geram o trabalho e sua respectiva divisão, é onde se produzem a exploração do homem pelo homem e as conseqüências negativas de sua relação com a natureza. Em outras palavras, é na maneira de apropriar-se dos recursos naturais e do trabalho alheio – a exploração da mão de obra --- onde se produzem, tanto a alienação a respeito a natureza mesma, como a que advém das relações de produção no plano social.

Marx vai inclusive mais longe a respeito em sua crítica a estas relações dentro do sistema capitalista:

O capital não pergunta pela duração da vida de trabalho que se pode gastar em uma jornada (dia de trabalho). E alcança este objetivo encurtando a duração da força de trabalho, o mesmo que o agricultor cobiçoso obtém maiores rendimentos do solo roubando-lhe a sua fertilidade (Karl Marx, ibidem p.    ).

Donde a citação exposta no início deste trabalho mostrar-se muito apropriada. Supera o conceito de sustentabilidade adotado pelas Nações Unidas,11 enquanto à nossa responsabilidade ante as gerações futuras defendendo que não só devemos assegurar que não perturbaremos, ou diminuiremos, as possibilidades das gerações futuras fazerem uso de recursos: devemos melhorar essas condições 12 .

De acordo com Marx, ademais, devemos incorporar o conceito de que a terra, em tanto que bem comum, não deve pertencer a ninguém em especial. Pelo que, mais importante ainda, o problema da ecologia fica diretamente relacionado à questão da propriedade dos meios de produção – neste caso o solo como base da sobrevivência e provedor das matérias primas da indústria. Ou seja, como parte das causas dessa dupla alienação, tanto social como do entorno natural, que ao longo de toda a obra marxista se pode verificar.


Em torno do conceito de metabolismo

Uma base sólida para apreciar a preocupação de Marx pela relação natureza x seres humanos, é o enfoque que ele dá à crise provocada pela revolução industrial. Seu reconhecimento (postulação) quanto a que o modo capitalista de produção distorce tal relação, se inspira essencial-mente nos avanços que alcança, durante o período em que escreve sua obra fundamental, a  bioquímica e os estudos sobre a química do solo. Estes, por sua vez, se desenvolvem por necessidade dado o fato de então a agricultura apenas suprir as demandas da industria e a das grandes concentrações de população urbana que consome alimentos e vestimentas, e os transforma em grande quantidade de lixo.

O furto da fertilidade do solo se materializa, de acordo com O Capital, no monocultivo a que a demanda de matérias primas e as concentrações urbanas condenam a agricultura; além da necessária reposição de elementos fertilizantes que o transporte de grandes massas de produtos agrícolas implicam mas que não são devolvidos à terra13.

Desse estado de coisas podemos depreender uma primeira denuncia ecológica à partir da visão marxista. De um lado a terra é empobrecida – da mesma maneira que se empobrece ao trabalhador segundo Marx. E do outro, se desencadeia uma das causas da expansão imperialista14 . Além disso, e continuando com o pensamento de Marx, o acumulo de detritos e lixo acumulado nas cidades passam a ser a base da poluição urbana, das áreas pestilentes e a contaminação dos cursos d’água que lhes atravessam. Todos esses fatores agravam as precárias condições nos lugares de trabalho e são, conjuntamente, as origens imediatas das deploráveis condições de vida da classe trabalhadora.

A cidade em que Marx passa seus últimos anos de vida, Londres, torna-se nessa época paradigma da contaminação urbana produzida por esse processo. Não só tem o seu ar irrespirável pelas emissões de suas fábricas, suas ruas, especialmente aquelas em que vivem os pobres, se transformam pestilentos monturos de lixo. O Tamisa torna-se a cloaca na qual vão parar os detritos de seus já mais de quatro milhões de habitantes, gerando sérios problemas sanitários e em sua flora e fauna. Tanto as ciências do momento, como a realidade do meio em que se move, dão a Marx elementos objetivos para desenvolver suas concepção da ação recíproca entre natureza e seres humanos através do trabalho como um processo metabólico. Vale dizer, de apropriação das substâncias necessárias e devolução do resto para sua renovação no ciclo natural.


Engels e as ciências naturais

Correspondeu a Frederick Engels desenvolver em detalhe a relação entre ciência e marxismo (Foster, J.B.: 2000:229). Suas obras mais importantes a respeito são Introdução à Dialética da Natureza (1875); O Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem (1876) e Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico (1880).

Desses textos extrairemos aspectos que se relacionam mais diretamente com o objeto desta nossa abordagem, sem deixar de observar que é no estudo mais profundo dos mesmos que se justifica o maior aprofundamento do tema enunciado no início deste trabalho. Em primeiro lugar, é básico para a aceitação do princípio da terra sujeita a câmbios contra a imutabilidade desta e das espécies vivas (Engels, F. : 1875 p. 62). Mais adiante nos mostra em sua Introdução à Dialética da |Natureza, explicando-nos passo a passo a relação entre massa e energia e os descobrimentos em que se baseia a concepção evolutiva do nosso entorno natural. A meio caminho, nos antecipa a circunstancia em que se produz a inserção da ferramenta na relação entre este e o ser humano. E nos apresenta que, a diferença de outros animais, o ser humano é o único que:

... Conseguiu marcar a natureza, não só levando plantas e animais de um lugar a outro, senão modificando também o aspecto e o clima de seu habitat e até mesmo as próprias plantas e os animais a tal ponto que os resultados de sua atividade só podem desaparecer com a extinção geral do globo terrestre. (Engels, F. Ibidem: 68).

Continuando com esse arrazoado em O papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem, Engels afirma:

Resumindo: o único que podem fazer os animais é utilizar a natureza exterior e modificá-la pelo mero fato de sua presença nela. O homem, pelo contrário, modifica a natureza e a obriga a servir-lhe, a domina. Esta é, em ultima instância, a diferença que, uma vez mais, é efeito do trabalho. É bem verdade que as primeiras conseqüências destas vitórias são as por nós previstas, mas em segundo e terceiro lugar aparecem umas conseqüências muito distintas, imprevistas e que, freqüentemente, anulam as primeiras (Engels, F.: 1876: 83)15.
      
Para quem se interessa por estes temas e, sobretudo, para quem pensa que a teoria marxista não se preocupa dos problemas ambientais e a ação humana sobre seu entorno, Engels nos oferece adiantados (tempranos) exemplos de consciência dos mesmos:

Os homens que na Mesopotâmia, na Grécia, na Ásia Menor e em outras regiões derrubavam os bosques para obter terra de cultura, nem sequer podiam imaginar que, eliminando com os bosques os centros de acumulação e reserva de umidade, estavam assentando as bases da atual aridez dessas terras. Os italianos dos Alpes, que derrubaram nas encostas meridionais os bosques de pinho, conservados com tanto zelo nas encostas setentrionais, não faziam ideia de que com isso destruíam as raízes da industria leiteira em sua região, e muito menos podiam prever que, ao proceder assim, deixavam a maior parte do ano sem água as suas fontes de montanha, com o que lhes permitiam, ao chegar o período das chuvas, vomitar com tanta maior fúria suas torrentes sobre a planície. Os que difundiram o cultivo da batata na Europa não sabiam que esse tubérculo farináceo difundia por sua vez a escrofulose. (Engels, F.: ibidem: 83/84).

É possível captar um matiz de contradição entre Marx e Engels quanto ao uso do conceito domínio da natureza pelo homem. No entanto, é justamente Engels o que mais o usa dando-lhe sua verdadeira dimensão na continuação do parágrafo antes citado:

Assim, a cada passo, os fatos nos recordam que nosso domínio sob re a natureza não se parece em nada ao domínio de um conquistador sobre o povo conquistado, que não é o domínio de alguém situado fora da natureza, senão que nós, por nossa carne, nosso sangue e nosso cérebro, pertencemos à natureza, nos encontramos em seu seio, e todo nosso domínio sobre ela consiste em que, a diferença dos demais seres, somos capazes de conhecer suas leis e de aplica-las adequadamente. (Engels, F.: ibidem.: 84)

Com o conceito conseqüências remotas, o autor que comentamos nos dá uma adiantada lição acerca do processo que leva inexoravelmente a espécie humana a adquirir maior consciência sobre suas intromissões na natureza. Isso ocorre na medida em que se trate da simples relação direta entre o produtor e sua base natural, graças aos avanços das ciências naturais; Engels considera ao escrever seu ensaio sobre a matéria que estas já haviam contribuído bastante (muito) a essa capacidade ao menos no que se refere à produção mais comum.  Na medida em que essa capacidade se desenvolve,

os homens não só sentirão de novo e em crescente grau sua unidade com a natureza, senão que a compreenderão mais, e mais inconcebível será essa ideia absurda e antinatural da antítese entre o espírito e a matéria, o homem e a natureza, a alma e o corpo... (Engels, F.: ibidem; 84 e seguintes).

O grau de conseqüência com que os fundadores do pensamento materialista contemporâneo consideraram a relação natureza x seres humanos não se limita à produção mais comum. Para além desta, e devido tanto à divisão do trabalho como ao desenvolvimento dos meios de produção, se nos apresentam suas implicações sociais. Eles nos adiantam a íntima relação entre as possibilidades que a ciência entrega para aumentar a consciência a respeito de tal relação, na medida em que nos enunciam a falta dela naquilo em que a alienação do homem frente a natureza implica. Engels introduz o tema com um importante porém:

Mas, se foram necessários milhares de anos para que o homem aprendera em certo grau a prever as remotas conseqüências naturais de seus atos dirigidos à produção, muito mais lhe custou aprender a calcular as remotas conseqüências sociais de esses mesmos atos. (Engels, F.: ibidem: 84).

Em outras palavras, (página 10 no texto em espanhol) e como afirma Marx, a alienação dos humanos a respeito da natureza produz-se devido às relações de produção e a incapacidade, temporal, destas preverem as conseqüências de sua ação sobre o entorno. Engels expõe interessantes exemplos a respeito: A introdução da batata na Europa e sua conseqüência ao difundir a escrofulose derivam nas fomes que afetaram o continente na segunda metade do século XIX, considerando que o desenvolvimento capitalista a essa altura havia condenado a população a uma alimentação quase exclusivamente baseada nesse tubérculo; a destilação do álcool, invento árabe, havia entregue --- sem que puderam prever tampouco --- uma das armas com que se exterminou as populações indígenas do continente americano. Pensa Engels que as viagens do descobrimento de novos continentes para os europeus, exemplificados por Colombo em seu relato, não previram que se dava nova vida à escravatura, desaparecida há muito tempo na Europa ... (Engels, F.: 1876:85). Das descobertas de novos territórios, considerados dentro das vitórias sobre a natureza, fala das vitórias tecnológicas. Sua tese defende que os que desenvolveram a máquina a vapor no suspeitavam que com ela estavam criando o instrumento que daria lugar a uma mudança total das condições sociais, gerando as maiores concentrações de riqueza e desencadeando  a luta de classes.


Sobre a situação atual

Intentamos agora dar uma visão geral dos principais problemas. O desenvolvimento exaustivo de uma descrição do diagnóstico do estado em que se encontra o entorno físico da terra desviaria este trabalho de seu fim principal e, além disso, está cheio de contradições, pelo que requer uma discussão também exaustiva, com grande base científica.

O efeito invernadouro e a deterioração crescente da capa de ozônio são vistos como os principais problemas do meio ambiente. O primeiro, causado primordialmente pelas diferentes formas de combustão usadas hoje, ameaça de mudanças irreversíveis o clima. O segundo, refere-se à eliminação de filtros vitais para a existência da vida sobre o planeta; sua origem é também a combustão mas, por sua vez, influi nesse processo a presença de gases corrosivos emanados da atividade humana e o uso deles em seu equipamento. Tais emissões não se elevam até as capas de proteção da atmosfera, são conhecidos, por exemplo, os efeitos que as rodovias de alta velocidade produz\em sobre florestas e plantios circundantes.

As interferências desses resíduos globais na estabilidade da atmosfera  s]ao motivo de controvérsias a nível mundial, toda vez que para evita-las se faz necessário mudar radicalmente o enfoque que os países industrializados e os grandes monopólios dão à produção. Tende predominar, no entanto, a transação comercial das cotas de emissão --- especulação inclusive --- devido às posições de força que empregam os Estados Unidos para manter seus graus de poluição e inclusive incrementa-los 16 .

Outra tendência com conseqüências globais da atual ação humana sobre o entorno natural é a sistemática devastação de florestas que se está levando a cabo. Seus já bem conhecidos e difundidos efeitos negativos sobre o clima, o normal fluido das águas e o provimento  de águas frescas aos mares e oceanos; a sobrevivência de distintas espécies animais e vegetais, para não falar da eliminação de seu entorno natural para culturas que ainda vivem em direta relação com o mesmo.

Tanto os cultivos agrícolas, como a piscicultura, levados na forma em que se desenvolvem atualmente, produzem efeitos, às vezes irreversíveis, sobre mais de um aspecto do entorno. O uso de fertilizantes artificiais, tende a contaminar rios e lagos, gerando a superprodução de algas e sua conseqüente falta de oxigênio, provocando a morte de espécies animais e vegetais. Os cultivos da piscicultura, além de contaminar as águas circundantes, na escala hoje difundida, estão provocando sérias baixas nas populações de outras espécies marinhas que são indiscriminadamente capturados para elaborar os alimentos que utilizam 17 .


As condições de vida nos centros urbanos continuam deteriorando-se

As grandes concentrações urbanas advêm, tal com o expusera Karl Marx, por força de boa parte dos problemas ambientais que hoje nos preocupam. A pressão demográfica (ver Guerásimov em pgs. 3-4) desenvolve-se principalmente nos assentamentos urbanos. Se confirmaram com acréscimos os prognósticos que, com pessimismo, a Organização das Nações Unidas (ONU) nos forneciam em 1986 (um 46,6% da população total do mundo em áreas urbanas). Do informe de HABITAT correspondente ao ano 2001, podemos deduzir que a população urbana se eleva hoje a quase um 59%.

A cidade contemporânea é o principal emissor de matérias nocivas e desperdícios, na medida em que representa a maior demanda de matérias primas elaborados.

A atual situação a respeito do último, está claramente relacionada ao desenvolvimento da economia mundial durante os últimos decênios do século XX e o recorrido agora no presente século. De acordo com o catedrático em economia da Universidade de Barcelona Joan Martinez, o agravamento das diferenças entre pobres e ricos e o incremento da dívida externa, juntamente com constatar que estamos vendo uma reação cada vez maior contra as supostas virtudes da globalização pode-se observar que Estamos vendo o fim do “pensamento único” como exaltação ... (Martinez, J.: 1998, p, 339). De acordo com minha leitura, aqueles são alguns dos sintomas de crise do modelo econômico em vigor e, de acordo com o mesmo autor:

Ao aumentar das dívidas por efeito da crise, os ex-mercados emergentes se converterão em sociedades que submergem outra vez na pobreza, da qual nunca saiu a maioria de seus habitantes. E para pagar essas dívidas voltarão outra vez a superexplorar a natureza. Nunca houve um boom de exportação de matérias primas como agora: petróleo, gás, minerais, madeira ... Nunca se haviam exportado tantas toneladas. (Martinez, J.: Ibid,:339).

Somente esboçada a relação globalização x impacto ambiental através da citada anteriormente, é necessário observar que tal dívida, que está sendo paga a um preço inaceitável de fome e destruição do entorno, tem também uma direta relação com a dominação política e econômica exercida pela potencia dominante. Uma boa parte dos conflitos dos últimos decênios --- pára não falar de períodos anteriores, por certo --- estão relacionados com o acesso a maiores recursos naturais que permitam manter os ritmos e orientações da produção, além dos níveis de consumo ... Os EEUU depende de suas importações de matéria prima, e em particular do petróleo ... Por isso, Washington se preocupa em ver garantida a rota das importações que vêm do Golfo. E se interessa também pelas zonas do mar Cáspio e do mar da China... (Klare, M. T. : 1997, pp.37),

Observe o leitor o desenvolvimento dos acontecimentos desses últimos anos nessas zonas e a busca não só de acesso às reservas, senão também de independência dos territórios o que facilitaria o livre acesso a esse recurso natural. E, do ponto de vista do presente trabalho, introduza o tema da negação dos EEUU a submeter-se aos convênios internacionais sobre regulamentação das emissões como o acordo Kyoto a suas observações.


A guisa de conclusões parciais

Os postulados marxistas tornam-se clara orientação para orientar as verdadeiras causas dos impactos produzidos pela relação ser humano x natureza. Fornecem-nos critérios claros para enfocar esses impactos a partir de nossa própria atitude frente à sociedade e o entorno em que se desenvolve.          A dedução que extraímos desses postulados, é que os efeitos da relação ser humano x natureza do presente não se devem simplesmente a irresponsabilidade ou falta de conhecimento. Por trás desses compactos encontramos a intenção de domínio combinado sobre o produtor --- o trabalhador --- e as matérias que ele elabora --- a natureza. Mesmo não podendo negar a importância do nível cognitivo para prever as conseqüências de nossa ação sobre o entorno, é necessário reconhecer que deve haver uma intenção alheia à relação normal entre trabalhador e natureza para que se executem os abusos que hoje se fazem tão patentes, e se trata nada menos que da intenção utilitária: o lucro.

Ainda sendo difícil pensar que a humanidade chegue a desenvolver tal capacidade de intuição como o que Engels parece pedir ao expor os exemplos com que sustenta a crítica a incapacidade de prever as conseqüências remotas, fica claro que, de não mediar o interesse utilitário, bastante mais próxima à avaliação das conseqüências possíveis, e imediatas, a que se pode chegar mediante a aplicação de análises mais cientifica dos passos a dar e projetos que nos propomos.

Tampouco se deve simplificar baseando-se no conceito, já generalizado, que defende haver sido um excesso de confiança na ciência e na tecnologia o que nos levou à atual situação. Tal argumento é normalmente usado por ecologistas conservadores para criticar o industrialismo preferencialmente baseado nos bens materiais. Com isso busca-se culpar por igual os sistemas sociais que competiram em durante grande parte do século passado, agregando-se argumentos a favor das posições contrárias à economia planificada. Além disso, e como corolário, busca-se melhorar o modelo capitalista, argumentando que é o excesso de consumo o que produz os perigos de deterioração irreversível de nosso entorno natural. O que se percebe com tal argumentação, é o ter em conta o grau de consumo de recursos que se deveria alcançar ao desenvolver uma política econômica realmente eqüitativa e as mudanças necessárias --- que demandariam ingentes investimentos hoje desviados à especulação e aos orçamentos armamentistas --- para introduzir as necessárias modificações nos meios de produção e as infraestruturas, com o fim de evitar os atuais níveis de poluição e outros danos; para não mencionar as necessárias melhoras ao entorno imediato a nosso habitat, cujas necessidades aumenta dia a dia e se fazem cada vez mais urgentes. Em outras palavras, somam-se argumentos para espreitar o imenso impacto que a especulação de capitais está produzindo sobre o entorno natural, aceitando o dogma de que o lucro do capital é o único meio para alcançar o bem-estar; bem-estar que dessa forma resulta mais que relativo.

Assim enquanto se moraliza em torno do consumo, se dá rédeas soltas à mundialização da economia, termo que tende hoje a substituir o da globalização. Este último,  tem também um signi-ficado que é possível atribuir a aspectos positivos de uma internacionalização com maior conteúdo humano, como seriam, por exemplo, umas comunicações que desenvolveram melhor seu potencial no desenvolvimento do pensamento comunitário e uma cultura generalizada, a defesa dos direitos humanos sobre as fronteiras nacionais, a regulamentação do uso de recursos naturais, as normas internacionais acerca da produção industrial ecologicamente sustentável, o controle internacional sobre as emissões nocivas etc.
 
Este ano se completa 10 da realização, no Rio de Janeiro, da Conferência Mundial Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nesse evento, os chefes de estado dos países representados na Nações Unidas acordaram um volumoso documento, por todos conhecido com a Agenda 21,. No qual se estabeleceram as diretrizes gerais para a ação conjunta --- e local --- em torno das questões relacionadas ao entorno humano para o século já iniciado.  Dois aspectos devemos destacar desse documento (cujo estudo detalhado merece mais que uma referência).: 1) se estabelece nele uma relação clara entre o desenvolvimento social e a chamada proteção do meio ambiente e 2) os resultados desses acordos estão longe de serem satisfatórios.


      N o t a s : 
         
1.   O tema já está bastante estudado e existe uma profusa literatura a respeito. No entanto, a crítica às posições de esquerda sobre a matéria é abundante e tende a prevalecer na formação de opinião a respeito dos problemas que afetam a humanidade atualmente.
2.   Ver mais adiante o trecho “Engels e a Natureza”.
3.   Tema que merece larga e especial discussão que aqui evitamos.
4.   O não suficientemente discutido conceito dominar a natureza e o sentido que se lhe dá nas interpretações dos textos marxistas, é outro tema que merece ampla indagação; a medida que se trata de um imperativo para a sobrevivência os seres humanos e o sentido cognitivo que também se lhe dá nesses, merece especial estudo.
5.   Havia nesses postulados uma busca de um novo espiritualismo.
6.   Questão relativa, pois desde que se atualizou o problema ambiental não tem havido ano de paz absoluta.
7.   Este postulado é exposto na extensa análise da agricultura capitalista que Marx faz no terceiro volume de O Capital.
8.  Chaturian, V., Un conflicto latente entre Rusia y los Estados Unidos por el petróleo de Transcaucásia (ver bibliografía)
9.   Entendemos por biosfera, o espaço que penetra por baixo da superfície da terra uns tantos cem metros e se estende em sua altura até as camadas gasosas que constituem a atmosfera em que nos deslocamos. Pode-se dizer que abrange o espaço físico em que se desenvolve a vida e de onde esta obtém as condições de sua subsistência e reprodução.
10.  Resta pendente aqui a discussão mais profunda a respeito de em que medida o ser humano está em luta contra a natureza e/ ou a domina. Como assim mesmo, a necessidade de elucidar em que medida se considera esse domínio como um exercício de poder ou cognitiva em sua essência.
11.  Inspirado na definição da ex Primeiro Ministro Norueguês Sra Gru Harlem-Bruntland e seu famoso texto “nosso Mundo Comum”.
12.  A definição tradicional de sustentabilidade reza: “... satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de satisfazer suas próprias necessidades”. (tradução do autor).

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