segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

SURPRESAS E DÚVIDAS QUANTO A VIDA E OBRA DE LOUIS LÈGER VAUTHIER

(Faits et interrogations concernant la vie et l’oeuvre de  Louis-Leger Vauthier : temoignage).

Frank Svensson *

(Comunicação apresentada em colóquio realizado em Recife e posteriormente incluído num livro a respeito, publicado na França; Un ingeniéur du progrès Louis Lèger Vauthier entre la France et le Brésil – Pernambouc 1840-1846. Michel Houdidard Editeur, Paris 2010)

Ce chapitre, sous forme de témoignage, cherche à faire ie rapprochement  entre mon parcours professionnel d’architecte et mon parcours personnel de militant de gauche avec celui de Louis-Leger Vauthier, ingénieur, arcchitecte et introducteur des idees socialistes au Brésil.

Mon intérêt pour Ia vie et L'œuvre de Louis-Léger Vauthier prend sa source dans de nombreux dornaines. À l’ occasion d’un séjour long de huit ans à Recife, je me suis rapidement intéressé à la vie et à l'œuvre d’architectes étrangers, ayant laissé leur empreinte sur cette ville. Parmi eux, Vautnier se détache évidemment du lot.

Lors de mon séjour de deux ans en France, durant mon long exil en Europe, imposé par le régime militaire au Brésil, j’ai effectué dans des archives françaises, des recherches sur les trois principales périodes de Ia vie et de L'œuvre de Vauthier: celle qui a précédé sa venue au Brésil,celle qui couvre son séjour dans notre pays et celle postérieure à son retour en France. Cet article contient donc quelques informations sur deux premieres périodes de Ia vie de Vauthier, mes recherches en cours étant vouées a apporter d’autres informations sur la troisième période .

Falar de Vauthier limitado apenas em vinte minutos é um desafio. Para não repetir o que aqui já foi dito, resumo minha fala tornando públicas algumas surpresas e dúvidas surgidas ao Iongo de minha pesquisa  sobre sua obra e sua vida. A primeira grande surpresa foi constatar o quanto Vauthier é representativo de uma significativa transição histórica, da passagem da Sociedade ocidental do período de produção artesanal para o período industrial. O artesanato e a artesania como que haviam atingido o ponto  máximo de desenvolvimento possível, dando o salto para a condição de indústria.

As estradas da França camponesa eram usadas por pedestres e carruagens de tração animal. Cargas mais pesadas eram transportadas com a ajuda de cursos d’água ligados às estradas. Grandes batelões os singravam, tracionados por animais a partir das estradas. Raramente com apoio de velas e ventos. O pai de Louis, Pierre Vauthier, era engenheiro politécnico conhecido e reconhecido como especialista em cursos d'água  Já como estudante da École Polytechnique em Paris, Louis teve seu primeiro estágio prático permitido junto ao pai, em Dordogne.

Contemporâneo foi o surgimento da máquina a vapor. Aplicada a transportes, fez surgir a locomotiva e os barcos a vapor. Quando de seu segundo estágio prático, Vauthier reivindicou à direção da escola a permissão de fazê-lo na primeira fábrica de locomotivas instalada em Paris.

O advento do período industrial implicou muitas previsões quanto às influências de novo ferramental nas relações sociais vigentes e na configuração dos lugares a elas adequados. A partir de uma cultura marcada pelo humanismo católico,  evidenciaram-se na Franca os socialistas utópicos Charles Fourier e Claude-Henri Saint-Simon. Na Ècole Politecnique, o professor Victor Considerant reanimava os princípios fourieristas lançando a Ècole Societaire, da qual Vauthier faria parte. Foram amigos pelo resto da vida.

Eu gostaria de mencionar um quarto nome influente na formação da visão de mundo de Vauthier, o de August Blanqui, mais conhecido por sua posterior liderança na Comuna de Paris.

A formação profissional de Vauthier deu-se na transição das engenharias militares para as civis. Os alunos politécnicos conjugavam o caráter militar ao universitário. Entre 1835 e 1839 participaram de vários movimentos insurrecionais liderados por August Blanqui, resultando em 1839 em detenções de estudantes politécnicos. Vauthier, então, aceita um convite para vir trabalhar em Recife, interrompendo seu curso, seu noivado e suas práticas profissionais. Há de se perguntar se o convite para trabalhar em Recife não lhe foi conveniente e confortável.

Vauthier inicia no Brasil uma dualidade inerente ao exercício profissional no período industrial: resolver problemas das elites com a mais desenvolta competência e habilidade possível, sem atender às necessidades da maioria de destituídos. Para tanto se faz necessário o concomitante engajamento em formas socialmente organizadas. Temos entre nós o extremo oposto no tempo, expresso por Oscar Niemeyer, com quem trabalhei por um curto período e que é frequentemente acusado de não propor arquitetura para pobres. Acontece saber ele que o problema da pobreza não se resolve à escala individual.

É complexo, exige formas complexas de solução, e o instrumento mais eficiente que a história nos apresentou para tanto foram os partidos obreiros. Vauthier chega ao Brasil como politécnico e fourierista saintsimoniano militante. É curioso observar que, de volta à França, não abandona tal posicionamento, mas o canaliza para uma longa militância como socialista republicano. Aquele país deixara de ser República, passando a condição de monarquia representativa, enquanto em Recife se olhava de soslaio para a experiência republicana desenvolvida nos Estados Unidos da América do Norte. Será que reflexões feitas em Recife influiriam na posterior militância na França?

O diário intimo de Vauthier, publicado por Gilberto Freyre em Um Engenheiro Francês no Brasil, constitui-se no único livro a seu respeito. Ora, diário intimo é algo que se escreve para si mesmo, em linguagem intimista. O que melhor revela o que Vauthier fez no Brasil são os seus minuciosos relatos de trabalho reunidos no Arquivo Púbico de Pernambuco. Urge restaurá-los, em que pese o muito que já se perdeu por efeito de traças e umidade. Uma análise minuciosa deles resgataria a verdade histórica em vários casos. Cito somente um, o do Cemitério de Santo Amaro.

Trata-se do primeiro cemitério laico e público do Brasil, senão de toda a América Latina. Por muitos é tido como de autoria do Engenheiro Mamede Ferreira, em muitos projetos um sucessor de Vauthier. É deste, no entanto, a autoria do projeto original.

Vauthier não era religioso. De volta à França, participa de uma sociedade defensora da laicidade. Publica, junto com Charles Chassin, uma revista a respeito. Preenche inclusive um formulário abdicando de um enterro religioso. Para Recife propõe um cemitério em forma de frondoso parque em local fora do perímetro urbano, onde antes eram lançados cadáveres de escravos. Simples, sereno e sem simbologia religiosa. E depois Mamede Ferreira propõe uma capela mortuária em estilo neogótico, fazendo com que o original cemitério ganhasse a condição de Campo Santo devidamente cristianizado.

Em seu livro sobre Vauthier, Gilberto Freyre acrescentou ao diário íntimo um conjunto de cartas denominadas de brasileiras. Durante muito tempo imaginei que tivessem sido enviadas do Brasil. Só conhecendo melhor o período posterior a sua volta a França é que fui descobrir terem sido escritas em Paris.

Vauthier foi rapidamente eleito deputado da  Assembleia Legislativa Nacional, em 1849. Seu mandato durou pouco, pois se envolveu logo com o levante armado de julho naquele ano. Preso, foi condenado pela Alta Corte de Versalhes à deportação. Deportação era um termo jurídico que não levava necessariamente a ausentar-se do país, e sim a ficar confinado em prisão exclusiva para presos políticos. Esteve em três, sucessivamente. Na última, estava preso também Proudhon (o personagem citado por Engels em seu livro sobre a questão da habitação). Proudhon teve direito na prisão a usar um  escritório a partir do qual dirigia seu jornal: La Voix du Peuple. Uma vez em liberdade, instou junto à administração da prisão para que Vauthier ocupasse tal escritório. Foi a partir desse que escreveu seus artigos (inclusive as chamadas cartas brasileiras) publicadas na revista de Cesar Daly, Revue d´architecture et des Travaux Publics, bem como seu trabalho sobre o Imposto Progressivo.

Proudhon continuou lutando pela libertação de Vauthier. Consegui-la foi  sob a condição de que Vauthier deixasse a Franca. Nesse período ele vai trabalhar com os cursos d’agua em Veneza, com a perfuração do túnel Simplon e com a construção do grande canal de retificação de rio Ebro, no trecho entre Zaragoza e Barcelona.

Neste último minuto que me é dado, e décimo nono, quero tornar público que Vauthier foi meu mestre. Ninguém como ele me adentrou tão intensamente no conhecimento do industrial da sociedade ocidental.

Tenho dito.

*Frank Svensson, arquiteto e professor da UNB, é membro da Comissão Política Nacional do PCB

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