sábado, 16 de fevereiro de 2013

É NO SABER ENSINADO QUE A SORTE REAL DAS PEDAGOGIAS É DECIDIDA


Claude Méril Schnaidt (* 23. Junho 1931 em Genebra; † 22. Março 2007 em Paris). - Professor de arquitetura, em Paris e Zurique. Dele ver também, neste blog;  Arquitetura, uma definição.

Tradução: Frank Svensson


Na formação acadêmica, o projeto — a composição arquitetural, como se denominava então — constituía o corpo essencial, a parte nobre do ensino. Umas vinte e cinco ciências e algumas técnicas desempenhavam um papel secundário. Desdenhosamente, eram consideradas como concessões às baixas contingências materiais da arquitetura. A incorporação sucessiva de disciplinas que não podiam mais ser desconsideradas e que se julgavam relacionadas à arquitetura modificou esse sistema. O processo desenvolveu-se aos solavancos, sob a pressão dos fatos. Só muito raramente ele foi o reflexo de uma linha diretora, cada qual definindo por si mesmo o que os futuros arquitetos deviam conhecer do seu domínio, sendo numerosos os catedráticos estreitamente especializados que reclamavam o seu pequeno complemento indispensável. Isso explica por que a maioria dos programas são inçados de lacunas, duplicações e disfunções referentes ao conteúdo, à duração e à sincronização dos ensinos.

Algumas escolas se orgulham da abundância e da variedade dos seus ensinos opcionais. Na realidade, raros são os estudantes que tiram proveito disso, porquanto no mais das vezes são o acaso ou caprichos (oportunidade de horários, cabeça do professor ... ) que decidem a escolha dentre a multiplicidade de possibilidades, pois, contra toda lógica combinatória, os elementos do leque de opções são fortemente personalizados e, por conseguinte, inarticuláveis.

Por ocasião da diplomação, descobre-se com horror que o aluno mediano sabe coisas,. mas que não as assimilou no seu conjunto. Entre os professores de arquitetura, às vezes imagina-se poder resolver esses problemas exigindo que todas as disciplinas sejam relacionadas à arquitetura: não mais matemáticas, mas sim cálculos úteis ao arquiteto; não mais sociologia, mas sim receitas para adaptar a habitação aos seus habitantes. Uma solução complementar seria incrementar a importância dos ensinamentos especificamente arquiteturais: curso de tipologia das edificações, curso de composição, curso de arquiteturologia etc. No ápice de todo o sistema — mas isto é apenas sub-entendido — reinaria o Arquiteto, potentado, árbitro e advinho.

Reencontra-se ai a velha ideia da profissão, tal qual é, como modelo de ensino. Só podem sustentá-la aqueles que ainda não compreenderam que não estamos mais numa situação estável em que bastavam alguns conhecimentos provados por uma experiência milenar para responder a um número muito limitado de programas invariáveis.

Atualmente o melhor meio de não preparar jovens para fazerem arquitetura é reproduzir na faculdade as práticas ancestrais da profissão. As faculdades de arquitetura experimentam dificuldades enormes em construir urna ponte entre o saber que transmitem e a prática de criação. Por um lado, isso advém do modo de aprendizado do projeto. Entre nós, os professores que aprendem a projetar geralmente são práticos que não têm nem tempo nem meios de comprovar e de coneeptualizar os fatos da sua experiência.

Eles mostram, iniciam; seu ensino consiste mais na transmissão de uma habilidade que na aplicação de regras gerais explícitas. A palavra, quando vem completar o lápis no diálogo em torno da prancheta, raramente se articula num discurso autônomo e racional. O esboço proposto pelo aluno suscita observações por parte do professor, que espontaneamente lhes confere uma expressão gráfica porque isso é mais rápido e mais prático. Assim, a experiência é transmitida pela forma, com todos os equívocos que isso comporta.

As reações do aluno às aprovações ou às censuras traduzem-se menos pela reflexão que pelo gesto plástico. A capacidade que ele adquire de fazer surgir formas dá-lhe uma sensação inconsciente de poder sobre as coisas. No aprendizado do projeto reencontram-se os traços principais de urna formação pré-científica: o fazer prevalece sobre o saber, o implícito sobre o explícito, a intuição sobre o raciocínio, e a correção dos erros sobre a sua prevenção.

De modo geral, os temas irrealistas de projetos foram substituídos por assuntos que satisfaçam as necessidades da vida cotidiana. Mas essa mudança necessária com muita frequência oscila diante das contingências. A pretexto de permitir aos noviços descobrir toda a complexidade do fenômeno arquitetural, dão-se lhes a estudar casos que ultrapassam completamente as suas possibilidades.

Para parecer mais realistas e a fim de compelir os alunos a evitarem a pergunta, prolonga-se desmesuradamente a duração dos projetos. Não é raro ver os alunos labutar um ano ou mais no mesmo trabalho. Do ponto de vista pedagógico, essa dilatação no tempo de um exercício, que apesar de tudo é fictício, apresenta sérios inconvenientes. Gera lassidão. Estimula à indolência, já que a data de entrega ainda está longe (a experiência mostra que não se faz muito mais em dois semestres que em um só). Favorece a fuga ao ato criador (o aluno eterniza-se na documentação e na análise esperando que elas forneçam por si mesmas a solução). Reduz a variedade dos assuntos tratados no decorrer dos estudos, o que é ainda mais lamentável nas escolas que pretendem formar generalistas.

Em virtude de na prática a criação ser um ato coletivo e porque os professores estão sobrecarregados, formam-se equipes que, não sendo pluri-disciplinares, quase sempre são impotentes, reunindo alunos demais de níveis muitas vezes desiguais, seus membros não sendo designados para tarefas precisas pelas quais pudessem ser julgados. Tudo isso anula a eficiência da colaboração, contribui para criar situações penosas e explica a preferência — muitas vezes expressa — por trabalhar só em projetos curtos.

Que se pode creditar — com muita benevolência — em favor dos projetos curtos? Como seus temas são variados, eles tornam a mente mais ágil, estimulam a imaginação criadora e ampliam o campo da competência. Servem de exercícios de expressão gráfica. Consolidam a autoconfiança, pontuando o ciclo universitário de resultados concretos (fizemos algo de tangível). Renovam o interesse pelo estudo, rompendo periodicamente com a monotonia do ramerrão escolar do dia-a-dia. Permitem avaliar trabalhos individuais. Essas propriedades pedagógicas do projeto curto são mais ou menos efetivas no âmbito de um ensino que considera a arquitetura corno uma arte e a obra como a projeção de uma subjetividade, que crê no primado da forma e atribui à composição o papel principal.

Esse era o caso do esboço em doze horas da formação tradicional. A partir do momento em que se considera a forma como o resultado e a sanção de um processo de adequação que o aluno se esforça por objetivar pelo recurso a conhecimentos e métodos científicos, essas propriedades tendem a embotar-se até se metamorfosear em defeitos. Os projetos ultracurtos mantêm a sobrevivência extremamente nociva de uma concepção ultrapassada da arquitetura. Eles exaltam, no mais recôndito de cada um, o gesto, a inspiração, o eu e a desenvoltura. Cultivam a facilidade que consiste em brincar com o poder da forma e confiar nos especialistas quanto ao resto.

Os projetos ultracurtos servem de pretexto para a desforra do resultado sobre o procedimento. Os temas adequados aos projetos ultracurtos são muito escassos. Ou se oferecem sempre os mesmos, e adeus à diversidade que desprende os espíritos e amplia o horizonte da competência; ou se extrapola em domínios cada vez menos pertinentes. Os folhetos das faculdades de arquitetura afirmam que a síntese dos conhecimentos se opera no projeto. Na realidade ela não se dá ali por causa do hiato persistente entre a aquisição dos primeiros e a aprendizagem deste.

Nos cursos, o docente dedica-se a transmitir um saber abstrato; no projeto, o docente empenha-se em estimular a imaginação criadora. O aluno se vê constantemente cindido entre o desejo de saber mais antes de agir e a tentação de fazer sem esperar mais. Em matéria de ensino da arquitetura, a objetividade detém-se quase sempre à porta de certas salas de cursos teóricos. Transposta essa porta, os alunos entregam-se sem reserva à sua subjetividade em projetos que justificam depois com fragmentos do que aprenderam. Para remediar essa situação, toda espécie de artimanhas foram consideradas.

Inicialmente houve a metodologia. Infelizmente, ao invés de começarem por ensinar separadamente técnicas provadas, com suas regras, seus princípios e suas modalidades de aplicação com vistas a um propósito concreto, puseram-se a cobiçar uma ciência das ciências que permitiria descartar definitivamente o arbitrário para chegar a resultados perfeitos. Com exceção de algumas faculdades, o estudo das matérias da alçada da metodologia apresenta-se mais como uma tintura cientifica da cultura geral do que como uma assimilação das etapas operatórias da criação. Ou então a metodologia se restringe a informática, com a qual os alunos não sabem bem o que fazer quando não têm um computador ao seu alcance.

Os alemães orientais depositaram grandes esperanças naquilo que denominaram projektbezogenes Studium (estudos relacionados ao projeto). Esse sistema atribui um papel motor ao projeto, supondo-se que sua elaboração regula o processo de aquisição dos conhecimentos. A execução de uma tarefa concreta faz o aluno descobrir lacunas no seu saber e estimula a necessidade de aprender. Sempre que tivesse necessidade, o aluno consultava o membro do corpo docente que lhe ministraria os dados pertinentes. Desse modo, cultura e utilidade, teoria e prática reconciliam-se; pelo menos é isso que os promotores do sistema apregoavam.

Se houve céticos, isso não foi somente por causa dos problemas suscitados pela organização de lições individuais a pedido. Situando-se no campo do pragmatismo pedagógico, o projektbesogenes Studium retoma a si as taras essenciais dessa doutrina: o conhecimento é reduzido a uma função utilitária. Serve para resolver problemas imediatos, limitados, terra-a-terra e fraciona-se em pequenos fragmentos. Não é mais um meio sistemático de busca da verdade e não permite mais os questionamentos fundamentais. O aluno permanece no circulo que pode explorar por si mesmo, ao nível do que ele pode aprender e aprovar imediatamente. Destarte, seus pensamentos têm todas as probabilidades de estar de acordo com as ideias mais conformistas.

O postulado segundo o qual todos os arquitetos deveriam ser projetistas eméritos falseia irremediavelmente a apreciação do papel que convinha atribuir ao projeto no ensino. Aferrando-se a esse postulado herdado do sistema antigo, as faculdades formam arquitetos mais ou menos inadaptados ao processo de diferenciação da profissão. Os autoqualificados generalistas têm muita dificuldade na vida de estender a sua competência além da elaboração do projeto e deixam a outros o cuidado de ocuparem funções em que uma formação de arquiteto seria no entanto desejável.

Fazer arquitetura não é necessariamente fazer projetos. Todos sabem, pesquisas precisas demonstraram-no, e, contudo, as faculdades de arquitetura não ousam ir até o extremo da tradução dessa evidência em termos programáticos. O mito do projeto como sintetizador do conhecimento, a indiferenciação do tempo despendido no projeto e a maneira corno ele é abordado no ensino não são apenas a negação das realidades novas da arquitetura, mas também das possibilidades reais dos indivíduos.

Um professor experiente bem depressa detecta diferenças sensíveis no temperamento, no interesse e nas aptidões de seus alunos. Alguns são mais inclinados para a análise que para a criação. Existem os bambas em tecnologia e os que têm o dom da organização, que manejam os números com mais facilidade que as formas. Seja como for, ao saírem da faculdade, eles procurarão uma colocação em harmonia com a sua  personalidade. Assim sendo, em vez de persistir inutilmente em fazer de todos os alunos virtuosos do projeto, por que não fazer Com que adquiram, a partir de um certo estágio, urna competência numa das múltiplas atividades da função arquitetura?

É certo que a maioria das faculdades deram um passo nesse sentido introduzindo nos seus programas ensinamentos opcionais. O que é lamentável é que, pretextando a imprevisibilidade do futuro da arquitetura, elas conceberam esse ensino opcional como um livre serviço. Com exceção de algumas instituições que programaram os estudos com referência a campos de qualificação definidos, os alunos improvisaram ciclos por livre escolha em listas que geralmente não levam a nada. A essa consequência do façam como quiserem, acrescentam-se outras igualmente graves. A faculdade da não-interferência é a faculdade do fim das verdades e das certezas, do fetichismo dos comportamentos, do desinteresse pelos conteúdos, do desprezo pelos programas e, definitivamente, da desforra do conservadorismo.

Os dísticos de caráter pedagógico das faculdades de arquitetura são sempre muito concisos. mas reveladores. Que se acha neles? Preceitos repisados tais como: Mais vale aprender a aprender que acumular saber; É preferível desenvolver a personalidade e aferrar-se aos resultados; O método é mais importante que a apreensão das coisas". Proclamar que o aluno deve aprender a aprender é esforçar-se por demonstrar uma coisa evidente e há muito sabida. Onde estão as faculdades que teriam considerado o saber acumulado com válido por si mesmo?

O saber sempre foi um meio de formação e de superação. E só adquirindo conhecimentos sobre determinadas coisas se pode aprender a aprender. A oposição entre formação e informação exprime de maneira incorreta a preocupação de ressaltar o aspecto educativo do ensino, pois ela supõe, falsamente, que o desenvolvimento da personalidade não tem nada a esperar da instrução e, reciprocamente, que a matéria estudada nada acrescenta ao desenvolvimento das qualidades reais.

Uma formação da personalidade vazia de conteúdo é impensável. Elas desenvolvem-se em relação recíproca com o saber. Constituem com ele uma unidade dialética. O problema não é escolher entre um ensino formativo e um informativo. Basta pôr sob a rubrica resistência dos materiais para que a resistência dos materiais repercuta em profundidade no comportamento do aluno. A obsessão da precedência do como sobre o quê tem efeitos desastrosos.

Por exemplo, despacham-se jovens alunos para um bairro exigindo-lhes fazer o levantamento das suas características e classificá-las. Elas realizam esse trabalho de conformidade com as semelhanças formais que. de impacto, retiveram a sua atenção e, assim, cometem muitos erros. O professor diz: Pouco importa, pois assim aprendem a trabalhar. Por outras palavras: critérios superficiais poderiam levar. a um método de trabalho justo. Essa indiferença pelo conteúdo entrega os alunos à inconsistência das aparências e à futilidade.

Nas juntas examinadoras ouve-se com frequência: Teu projeto (o tratamento por tu, ao que parece, intimida menos), teu projeto não se mantém de pé, mas a feição é interessante; levaremos isso em conta. Essa sentença dissimula um desprezo profundo pelo aluno. Significa que ele não seria capaz de fazer mais que um projeto defeituoso de neófito. Essa apreciação o encerra na impotência, no mais ou menos. Ademais, ela acarreta um rebaixamento do nível geral. Verificando que um trabalho grosseiro recebe a mesma avaliação de um bem elaborado, raros serão os alunos que se esforçarão para se distinguir. Visto que qualquer conteúdo pode servir para a educação, o mundo real perde a sua substância, e a capacidade de atuar sobre ele evapora-se.

Não se pode aprender a aprender, desabrochar a sua personalidade, nem formar-se num método sem assimilar um saber preciso que vá ao fundo das coisas. A faculdade faça como quiser e da indiferença pelo conteúdo é também a faculdade da seleção natural.   O poder de que o docente se despoja deixa o campo livre à manifestação das diferenças e ao jogo da competição. Os alunos que tiverem mais inteligência, cultura, vocabulário, audácia e habilidade sair-se-ão melhor que os que tiverem menos. Ora, sabe-se que essas qualidades estão distribuídas muito desigualmente entre a população. O filho de um meio familiar superior herda um patrimônio que o indivíduo oriundo de um meio muito simples levará à vida toda para adquirir. A faculdade do faça como quiser desfavorece sistematicamente o segundo. Dentro desse mecanismo, os conteúdos não são outros. Perceber, através de um exercício de primeiro ano, a globalidade dos elementos componentes dum espaço arquitetural" oferece menos possibilidades à totalidade dos alunos do que esquematizar a rede de circulação de uma habitação.

O primeiro ato de uma renovação do ensino deve incidir sobre o conteúdo. O saber ensinado constitui a base de uma pedagogia. Em última análise, é com base no conteúdo que se julga um ensino. Ali não se aprende nada — não é o que se diz de uma má escola? Teria sido por praticar os métodos ativos que o Bauhaus foi fechado três vezes em catorze anos? Não; esses métodos estavam muito em voga na Alemanha naquela época. Tratava-se do conteúdo, considerado subversivo. Foi por terem organizado um seminário experimental não direcional que a Escola Politécnica Federal de Zurique exonerou com celeuma três professores em 1971?   De maneira alguma. O motivo foi que se desvendou o lado esconso de uma operação imobiliária ilegal concreta.

O conteúdo é o revelador mais confiável de uma pedagogia. Que diz ela, que deixa de dizer e que é que ela faz os alunos fazerem? Quais as matérias que essa pedagogia aprofunda? Quais matérias são apenas passadas de leve? Que posições relativas são atribuídas aos fatos, às leis, às opiniões, às doutrinas, às críticas? A cultura transmitida favorece o desenvolvimento dos alunos? Que pode realizar o formando ao sair da faculdade de posse dos conhecimentos e experiência adquirida? Eis as questões a esclarecer antes de partir para uma ação renovadora do ensino.

Um dos dados capitais a levar em conta é a importância crescente da ciência no mundo moderno. Um homem privado de conhecimentos científicos está condenado a viver à margem desse mundo, a não poder mais compreendê-lo ou transformá-lo. Essa assertiva não decorre do cientificismo, mas de uma simples constatação. A humanidade do nosso tempo não pode deixar de ser cientifica. Por conseguintes, a escola deve conceder um espaço considerável ao ensino das ciências básicas e procurar objetivar o conjunto das disciplinas. Em construção, por exemplo, a experiência mostra que conhecimentos que não possam basear-se em princípios físicos são extremamente frágeis. Quando o estudante defronta com um problema para o qual não encontra uni esquema correspondente na sua apostila, está completamente desamparado. Para elaborar uma solução adequada, ser-lhe-ia preciso poder formular o problema em termos de desempenhos exigidos que remetam a expressões abstratas do real.

Nas mais diversas disciplinas, um grande número de demonstrações não podem ser feitas ou parecem obscuras aos alunos se eles não tiverem uma sólida cultura matemática. Não é raro que uma análise matemática do comportamento de uma estru-tura contradiga o que o bom senso sugeria Para comprovar as intuições, para criticar os conhecimentos adquiridos, o domínio das ciências básicas é indispensável. Esse domínio é imprescindível também para poder atualizar-se e para passar de uma especialidade a outra. O espirito cientifico deve impregnar passo a passo todos os ramos do ensino.

Experiências, infelizmente dispersas, atestam ser possível racionalizar o aprendizado da criação arquitetural. Com referência a isso, a formulação, a complexidade, a tecnicidade, o desenvolvimento, a avaliação dos projetos e exercícios constituem tantos elementos sobre os quais se pode atuar. Até mesmo o treinamento na manipulação das formas e cores não é por natureza impermeável à ciência. De uns trinta anos para cá se têm obtido resultados promissores nesse domínio. A tudo isso se objetará: Assim, querem esmagar a subjetividade.  Essa exclamação é sobejamente conhecida. A réplica oportuna o é menos: Pelo contrário, isso é o triunfo da subjetividade, finalmente consciente, concreta, isto é, não fora do mundo e dos produtos humanos, mas dentro de poderes determinados!

Até o presente a ciência foi considerada pela escola como o complemento de um conjunto de faculdades humanas eternas. Ela tem sido muito pouco empregada na qualidade de fator decisivo da formação da personalidade. Realizado de uma maneira ativa, o acesso ao conhecimento científico põe em jogo todos os recursos intelectuais; sensibilização, observação, correlação, classificação, análise, imaginação, indução, dedução, experimentação, comprovação, síntese. Entretanto, o alcance educativo da ciência nada teria de extraordinário se ela se detivesse ali. O exercício constante da atitude científica ensina a avaliar os fatos, a lutar com rigor contra a sua opacidade e a sua inércia, a servir-se de probabilidades quando faltam certezas, a só julgar depois de verificar, a duvidar, decidir e agir no momento certo, a situar-se em relação aos predecessores e sucessores. Essas qualidades- morais devem ser cultivadas nas escolas de arquitetura com fervor ainda maior que em qualquer outro lugar.

Como a unanimidade tem todas as probabilidades de acontecer aqui, convirá encostar na parede aqueles para quem a arrogância, a intolerância e a metafísica constituem o emblema da profissão. A partir do momento em que se sabe qual conteúdo pode favorecer o desenvolvimento da personalidade, a oposição entre formação e informação deixa de parecer uma fatalidade. O que não quer dizer que, estando resolvida a questão do conteúdo, se possa passar de leve à questão do método. Sem relação ativa entre o aluno e o conteúdo, o potencial educativo deste permanecerá inexplorado. É preciso que o aluno se sinta interessado pelo conteúdo e se comporte como ator da sua própria educação. Isso se torna mais momentoso ainda em face da tendência dos meios de comunicação de massa de alimentarem a indolência e a frivolidade. Dentro dessa óptica, deve-se renunciar a apresentar o saber como um edifício impressionante, acabado e definitivamente compartimentado, evitando, entretanto, sacrificar a assimilação dos conceitos que são o cimento do conjunto.

Com a condição de serem precedidos de um exame pessoal do indivíduo, os seminários, relatórios-debates, os estudos de casos e trabalhos dirigidos em grupos são bons meios para reengendrar um conhecimento, um princípio, uma obra. São todas as disciplinas, sem exceção que devem ser abordadas com criatividade. Orientado para a resolução de problemas, o ensino cientifico e técnico não conseguirá senão explorar o potencial criador do aluno, mobilizar suas forças: ele aproximar-se-á consideravelmente do aprendizado do projeto, que, por sua vez, terá avançado um lanço de caminho racionalizando-se. O escolho mais perigoso de contornar será este: ensino ativo não significa contentamento das inclinações naturais, não é sinônimo de imersão no vivido.

Entre a experiência pessoal imediata e o conhecimento não há continuidade simples, mas inversão de perspectivas. Para conhecer a verdade oculta sob as aparências, é preciso libertar-se de uma multidão de imagens estereotipadas, de ideias preconcebidas e de entraves subconscientes. Trata-se de um esforço doloroso que não poderia ser poupado aos alunos sob nenhum pretexto. A capacidade de abstrair, de conhecer e de criar estiola-se se não se volta para o real.

Uma escola viva, voltada para o futuro, é uma escola ligada ao trabalho produtivo. Na nossa sociedade, que funciona segundo a lógica do lucro, quaisquer ligações imaginárias entre o ensino e a produção só podem ser ambíguas. A melhor delas certamente não é o estágio em algum lugar. Essa prática não aproveita à escola; no mais das vezes serve de veiculo aos velhos cordãos corporativos e é dificilmente controlável. Mas não se pode abandoná-la, porquanto a solução preferível não se destina senão a um pequeno número de alunos. Esta consiste em abrir no próprio âmbito da escola institutos suscetíveis de firmarem contratos com organismos externos. Por esse sistema, o trabalho produtivo pode ser ao mesmo tempo uma ocasião para os acadêmicos e os docentes praticarem a sua profissão em condições favoráveis de experimentação, um traço de união entre os professores de disciplinas diferentes, um meio de experimentar e difundir as ideias da escola, e um fermento para o ensino da pesquisa.

Os exemplos geralmente lembrados nos debates sobre a integração do trabalho produtivo ao ensino da arquitetura encerram tantas particularidades que é difícil tirar conclusões. Apesar de tudo, pode-se ter como certo que só uma faculdade levada em seu conjunto e pela sociedade inteira a se aproximar da vida pode fazer seus alunos participarem vantajosamente da produção. A natureza do binário conteúdo-método estando definida, resta determinar a estrutura do sistema ou, se se preferir, a organi-zação que permitirá atingir o objetivo nas melhores condições possíveis. O enunciado dessa organização é o programa. Sua elaboração é relativamente fácil, quando se trata de criar uma faculdade inteira. Mas o problema é diferente quando a questão do programa se coloca em termos de transformação; o menor fato suscita então mil dificuldades. Em ambos os casos o programa deve tender para a coerência e a transparência. É somente no seu conjunto e na sua ação conjugada que as diversas disciplinas contribuem para a formação do aluno. A necessidade dessa coerência vê-se reforçada pelo fluxo incessante de informações as mais variadas, muitas vezes erradas ou superficiais, que caracteriza nossa civilização.

Para evitar que o homem saiba mal um pouco de tudo, o ensino deve fornecer-lhe os meios de apreender o essencial, de dominar a totalidade e de reformular positivamente essa massa de informações. Isso implica em que o programa seja estruturado sesegundo urna concepção clara, explicativa e transformadora do mundo. Tomemos o exemplo da história da arquitetura moderna. Ela pode ser enciclopédica, dos acontecimentos e linear. Desse ponto de vista, é lógico que ela suceda a Antiguidade, a Idade Média e a Renascença, que teriam sido tratadas no primeiro e no segundo ano.

 Os alunos aprenderão o que Louis Kahn realizou e disse no fim do terceiro ano, quando já terão elaborado projetos que possivelmente serão inspirados nele. Eles terão da história apenas uma visão descritiva, fragmentária e estranha à sua própria experiência. Mas se, em vez disso, procurarmos compreender a razão, a tendência e o modo de desenvolvimento da arquitetura dentro do seu contexto econômico, social e cultural, se mostrarmos que a arquitetura moderna encontra sua especificidade e sua tradição na dialética da ruptura com as tradições pré-industriais, a situação muda inteiramente.

Pode-se ensinar a história da arquitetura moderna logo no primeiro ano; com ela, lança-se uma ponte em direção às ciências humanas e ao projeto. É evidente que em certos casos o programa deve respeitar imperativamente a hierarquia dos aprendizados: um ensino da economia da construção seria falho se não pudesse apoiar-se num curso preambular de economia política. Mas a lógica de encadeamento dos conhecimentos não basta para tornar coerente um programa. Baseando-se apenas nela, incide-se em aberrações pedagógicas do tipo dos primeiros ciclos, em que não se toca no lápis sob o pretexto de que cumpre conhecer as entradas e saídas da arquitetura antes de fazê-lo.

Com muita frequência se esquece — ou finge-se esquecer — que o programa pode ser um fator de descoroçoamento ou de alegria, de malogro ou de progresso, de retração ou de colaboração; que ele não é um quadro das matérias, banal, mas um dispositivo essencial do processo educativo. O aumento muito rápido do volume dos conhecimentos a transmitir constitui um problema muito delicado da programação. Das disciplinas de que a arquitetura deriva mais ou menos diretamente, só a geometria descritiva e a perspectiva permaneceram como eram há vinte anos. As demais se enriqueceram de fatos, de métodos, de teorias e conceitos novos, a tal ponto que a sua substância original às vezes parece pertencer à história; é o caso, por exemplo, do urbanismo e da metodologia e da sociologia urbana. Isso sem falar nos domínios que, mal acabados de nascer, já se tornaram autônomos, como a concepção com o auxílio de computador, a economia da construção e a planigrafia dos trabalhos.

Como ligar o ensino a esse movimento? Na prática. que fazer com as tecnologias da construção industrializada? Comprimir o programa da construção industrializada?    Que carga horária atribuir a uma e à outra? Refundir integralmente o ensino da cons-trução? Questões como essas surgem na maior parte das disciplinas.  A primeira resposta soa como urna banalidade, mas é determinante: é preciso ensinar o que contribui melhor para atingir o objetivo da formação. Em segundo lugar: é preciso ensinar o que é durável, ou seja, o saber básico que condiciona a assimilação, a criação e a aplicação dos conhecimentos novos. Em terceiro lugar: é preciso não solicitar a memória alem do limite em que o pensamento é paralisado. Em quinto lugar: é preciso programar os estudos iniciais em função da formação permanente e da especialização. A dosagem dos programas deixará de ser um quebra-cabeça quando as escolas de arquitetura conceberem a diversificação dos ciclos como um acesso a verdadeiras especialidades. Com um sistema de estudos opcionais agrupados e finalizados, não há mais necessidade de reduzir a matéria ao mínimo necessário e de proceder a arbitragens dolorosas entre professores para que o aluno tenha tocado em tudo ao fim do percurso.

Os adversários desse sistema objetam os malefícios da especialização em geral, as incertezas que pairam sobre o papel do arquiteto, os riscos da profissionalização das escolas, o embaraço ou a recusa dos alunos em face das escolhas precoces. Esses argumentos não são destituídos de fundamento. Legitimamente, eles visam a uma faculdade submetida à imposição da rentabilidade imediata. Contudo. quando se exami-nam atentamente as realizações e as propostas dos partidários da especialização, parece que os adversários se deixam obnubilar pela palavra. Nunca ninguém quis formar especialistas da arquitetura. Trata-se apenas e tão somente de ensinar arquitetura permitindo aos estudantes adquirirem uma especialidade. A sutileza é importante. Já que nas fileiras dos adversários da especialização alguns admitem o princípio dos campos de aprofundamento, os quais permitiriam valorizar as aptidões e propensões diversas dos alunos, é possível fechar um acordo. Basta que as matérias do campo de aprofundamento formem um todo homogêno, que elas conduzam a uma competência real. Por exemplo, a partir do momento em que o aluno pode motivar uma atração para as questões de gestão e financiamento, ele deve seguir um curso programado nesse sentido. Programado e não composto arbitrariamente, para que o aluno possa pos-teriormente contar com uma qualificação particular.

Os diversos setores, escalas e modos de intervenção no processo da produção arquitetural oferecem muitas possibilidades de programação dos estudos. Se eles estiverem distribuídos em diversos níveis, esses programas podem ser combinados estrategicamente. Sua especificidade deve decorrer mais do tempo destinado ao estudo das diferentes matérias que das próprias matérias. O que redunda em prever o maior número possível de cursos comuns às diversas opções. Mas enquanto os alunos inscritos na opção "X" se limitam a acompanhar o curso ortodoxamente, os da opção "Y" realizam a mais trabalhos práticos, e os da opção "Z" só assistem às lições sobre as generalidades.

Todos os estudantes devem se reencontrar nos projetos que cada um aborda do ponto de vista da sua especialidade. Entretanto, de acordo com a sua opção de vinculação, eles não despendem todos ali o mesmo tempo. Escusado dizer que o aluno deve poder se definir com conhecimento de causa no limiar das bifurcações opcionais. Isso implica em que a escolha dos programas de especialização — ou de aprofundamento, se se preferir — não deve entrar em cena senão quando o estudante já adquiriu um saber básico sólido, igual e obrigatório para todos. Não se pode renovar a escola por um setor deixando os outros setores se deteriorarem. Um estabelecimento de ensino sem quadro institucional viável não passa de um aparelho de transmissão de diretrizes administrativas. Uma escola desligada da prática é como um ramo morto. O ensino sem pesquisa está condenado à repetição enfadonha. Estudos sem programa alimentam a debilidade dos conteúdos. Os métodos sem conhecimentos fracassam na enfermidade. Pode-se ser levado pelas circunstâncias a enfatizar este ou aquele aspecto do ensino, mas se quisermos transforma-lo de uma maneira radical e perdurável, urge retornar rapidamente ao conjunto. Na faculdade e em torno dela tudo permanece.

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