terça-feira, 15 de janeiro de 2013

CULTURA E LUTA DE CLASSES - Parte II


Arnold LjungmanMilitante escritor sueco do GRUPO CLARTÈ – formado na França por Phillippe B. Barbusse – de pensadores suecos marxistas do período entre guerras. Sua obra destaca A Visão de Mundo do Marxismo (1947), O Problema Kierkegaard (1964) e A Estética de Gyorgy Lukács (1967).

Tradução – Frank Svensson


Anterior às luta entre girondistas e jacobinos, a contradição entre a corrente moderada e a revolucionária da burguesia mostra-se primeiro na literatura. Dá-se pela oposição sensorial ao Iluminismo. Preparada em círculos puritanos e pietistas (meados do século XVIII), com a violência de uma intempérie, irrompe na Inglaterra como no continente, em romances de Richardson e na crítica de Diderot. A filosofia social de Rousseau e a epopeia religiosa de Klopstock ganham as primeiras expressões, correntes de caráter radicalmente distinto da iluminista. A respeito de Voltaire, Brunetière disse que grande parte dos iluministas limitou-se à crítica intelectual cautelosa e prudente das instituições estabelecidas, enquanto se movia com a liberdade de peixes em água no mundo dos salões, le bourgeois gentilhomme. A oposição passava a objeto de sentimentos e vontades, a atingir toda a personalidade. Muito mais que antes ligava-se às revoltas religiosa e moral da burguesia contra a degenerescência da vida aristocrata. Contra a libertinagem erótica dos nobres e da corte opõe a exaltação do. idílio incorruptível da vida familiar burguesa, de hábitos inocentes e antiquada devoção, esta última uma postura que perpassa as artes e alcança na pintura de Chardin a mais eloquente equivalência. No fim do século, com os ataques à podridão da cultura cortesã, principalmente no teatro, em frequente e aberta pregação revolucionária, como sugeriam Emitia Galotti, de Lessing, ou Intrigas e Amor, de Schiller.

O novo conteúdo propicia a exigência de uma configuração mais livre: a burguesia em geral interpreta como ultrapassada e incômoda a submissão dependente da pseudo-morfose aos ideais e imagens clássicas. Na história da literatura, a mudança é vista como reação germânica contra o domínio exclusivo do gosto francês. Quando Lessing   - em Lakoon - e em Dramaturgia hamburguesa - na Alemanha - ataca as formas classicistas, funda seus mais eficazes argumentos em Diderot, não em Aristóteles. Ideológica como estilisticamente, o mais precursor representante da tendência revolucionária é o francês Rousseau.

Na luta entre o velho e o novo na literatura, a reavaliação estética das iniciativas pretéritas tem séria importância. Acertando contas com a pseudomorfose, com instinto histórico a burguesia volta a quando a jovem criação burguesa era limitada à camisa-de-força do classicismo: retorna à Renascença, que é atualizada em consciente polêmica com os representantes do absolutismo e do Iluminismo. Entretanto, não se entenda esta reavaliação como de caráter científico. Claro, há o lado objetivo; e há que reconhecer que só agora a crítica descobre a grandeza de Shakespeare, Rembrandt e Spinoza, o que não significa que suas obras devam incluir-se na pretensão de validade eterna. Revelam muito mais transformarem-se em fermento de uma realidade viva e orgânica, sendo senha, grito de guerra, uma bandeira. Como nas conquistas produtivas, o interesse filológico é sobrepujado pelo pragmático.

Verifica-se na forma tratada por Spinoza. Em aparentes clareza e integridade, Spinoza é indubitavelmente dos mais complicados personagens da história do pensamento ocidental, homem cujos posicionamentos implicam elementos os mais inconciliáveis. No aspecto formal, acerca-se do método racionalista de Descartes e pode ser responsabilizado como representante das tendências teóricas básicas do absolutismo. Sua teoria sobre a submissão das emoções ao intelecto evidencia, inclusive, parentesco com o entendimento psicológico do classicismo. Ao mesmo tempo Spinoza tem profundo e sofrido engajamento pessoal e envolvimento na patologia dos sentimentos humanos, cuja intensidade distingue-se fundamentalmente do clássico. Na realidade, é de natureza renascentista. Quem leu o terceiro livro de sua Ética supreendeu-se pela semelhança com as tragédias de Shakespeare, com a sobrecarga de sentimentos tencionados ao extremo.

Sua visão da natureza é igual. Spinoza representa uma tendência fortemente mecânica e determinista que supera o cartesianismo e aponta para o materialismo das ciências naturais do fim do século XIX, circunstância que bem explica sua extraordinária influência sobre o mundo sucedâneo. A partir do marxismo, supervalorizou-se a dimensão mecânica do spinozismo (Thalheimer, Deborin), esquecendo-se que Spinoza preenche uma tendência frontalmente oposta, como último grande precursor da filosofia renascentista da natureza, com mística panteísta e enfoque organicista. Pode-se questionar qual dimensão é a mais importante, mas para o sentimento de vida revolucionário burguês a vinculação com a Renascença é determinante. Em Herder e Jacobi, que na Alemanha desencadearam a reavaliação de sua obra, a visão de mundo de Spinoza se desvia para o subjetivo e o sensorial, remetendo a Ellen Key, de cem anos depois. Goethe expressa que Spinoza o salvou, libertou-o do materialismo estéril e desalmado de A Natureza como sistema, de Holbach. 

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