segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A ATUALIDADE DO MARXISMO


Frank Svensson

Por volta dos anos 1910, Lenin fez ver que nos últimos cinquenta anos ninguém havia entendido O capital porque ninguém se havia dado ao trabalho de penetrar no pensamento de Hegel. Um dos méritos de Lenin é o de haver mostrado como Marx e Engels procuraram conhecer o método dialético proposto por Hegel.

A dialética é o fulcro do corpo teórico habitualmente conhecido como marxismo. Podemos resumir que o posicionamento de Marx e Engels em face do método dialético de Hegel se deu seguindo três direções:

Iº livrar o enfoque de Hegel da linguagem mistificadora em que estava envolvido;

2° apresentar a essência de suas leis de tal forma que constituíssem uma unidade lógica;

3° partindo de elementos realistas de sua filosofia, motivar a virada materialista ocasionada por Marx.

Quanto aos problemas da linguagem e à vinculação do método dialético com a infra-estrutura da realidade, o trabalho executado por Engels e Marx é plenamente satisfatório. Reconheçamos que quanto a relacionar as leis da dialética configura-se, no entanto, um campo no qual há sempre muito que fazer. Isso não invalida; porém, as conquistas conceituais básicas feitas pelo marxismo. Contentar-se com as conquistas conceituais feitas até aqui pode, no entanto, facilmente conduzir a um materialismo mecanicista e dogmatismo.

Para que o materialismo seja dialético há que se reconhecê-lo em desenvolvimento. Hoje, encontramo-nos num estágio histórico sobremodo difícil de esclarecer. As conquistas obtidas por meio dos clássicos do marxismo nos permitem avançar um bom pedaço, mas eles mesmos nos esclarecem a necessidade de prosseguir enriquecendo o corpo teórico necessário para tanto.

Nesses tempos em que os ventos de neoliberalismo tanto nos açoitam é bom, por exemplo, refletir sobre como o marxismo encara conceitos como os de vontade e de liberdade. Um dos pontos que de forma mais profunda distingue o materialismo mecanicista do materialismo dialético é a questão da vontade e o seu papel com relação ao desenvolvimento. Que o materialismo mecanicista é determinista está claro. Desconsidera qualquer possibilidade da vontade influir nos acontecimentos. Na melhor das hipóteses atribui ao ser humano uma relativa liberdade de decidir se quer resistir ou voluntariamente se submeter às imposições das necessidades.

Os nossos atos são sempre precedidos de muitas condições — pessoais e sociais — que não lhes permitem ser arbitrários, mas o desencadeamento do ato em si implica algo mais. Representa o surgimento de algo novo. Cada ato de vontade expressa uma de-terminada situação concreta da qual dependem suas reflexões e impulsos, mas também urna série de considerações anteriores, tanto de caráter pessoal como principalmente de caráter social. Representa uma inovação qualitativa de mesmo caráter que as que se dão no campo da fisiologia ou da química mas num plano superior: o humano e o social.    O fato de se dar num plano superior de relacionamento de leis próprias não quer dizer que essa forma superior seja desligada de formas inferiores. Não é ignorando as forças e as leis da natureza que evidenciamos nossa liberdade, mas, isso sim, adequando-nos conscientemente a elas com o mínimo de conflitos possível.

Para o materialismo dialético o conceito de liberdade constitui uma categoria com significação própria quando de sua relação com a consciência e a vida em sociedade; querer aplicá-lo à matéria inorgânica é um equivoco do materialismo mecanicista. Como liberdade o marxismo não conceitua outra coisa senão a aptidão conquistada pelo homem de intervir na realidade modificando-a em seu favor e assim modificando-se a si mesmo. Desenvolvendo-se, fundamentalmente, por meio dos modos e das relações de produção, corno ser social.

Essa aptidão pressupõe situações de causalidade que aprendemos a dominar valendo-nos do conhecimento e nas quais a nossa vontade se insere, como fator co-determinante da continuidade do desenvolvimento. Sem essa dialética ação reciproca entre liberdade e leis da realidade o conceito de liberdade desmorona-se, reduz-se a uma ilusão subjetiva.

Com este exemplo do caráter evolutivo do marxismo procuramos demonstrar, também, a sua atualidade. O marxismo recusa um enfoque mecanicista que nos leve a distinguir a consciência do ser e a admitir o desenvolvimento dos mesmos como o de duas substâncias independentes. Para o marxismo o que há é uma experiência sequencial entre a consciência e a matéria, que todos, na prática, sabemos ser verdadeira e que nos confirma que a matéria pode existir sem a consciência, enquanto a consciência sempre pressupõe um substrato material e não pode ser pensada sem tal base.

Friedrich Engels, em seu conhecido trabalho sobre Feuerbach — produzido quarenta anos depois das teses de Marx sobre o mesmo assunto, observa que a maior contribuição do materialismo emana do desenvolvimento de uma situação natural intacta na qual o espírito a uma certa altura se apresenta como produto da matéria biologicamente organizada, enquanto o idealismo vira de cabeça para baixo a situação de fato e deixa a matéria parecer como uma criação do espirito ou dos deuses.

A observação de Engels criticando o idealismo não visa atingir a realidade dos fenômenos espirituais ou suas propriedades qualitativas. O que ele contesta é a deturpação da experiência histórica e cientifica existente, invertendo a relação empírica entre ambas as partes. Seria tão inconcebível negar a existência da matéria, como seria inconcebível, segundo Engels, duvidar de que, no tempo, preceda o surgimento da cons-ciência. Nessa dupla convicção reside a motivação teórica de seu posicionamento, posteriormente conhecido como marxista.

Nosso tempo, como já observamos, apresenta novos problemas e novas situações as quais exigem novos esclarecimentos, mas o fulcro do marxismo, seu posicionamento materialista dialético, continua sendo a mais confiável conquista do conhecimento humano em termos de referência comum e básica para o desenvolvimento do saber e da prática humana.

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