domingo, 20 de janeiro de 2013

A VANGUARDA MODERNISTA DOS ANOS 1920


Per G. Råberg  - PhD e livre-docente em Ciência da Arte na Universidade de Estocolmo.
Tradução: Frank Svensson


São vários os resumos históricos, entre os mais conhecidos, que fornecem uma imagem desconcertante do triunfo internacional da arquitetura funcionalista — com escritores corno Pevsner, Giedion, Hitchcock, Whittick c Benévolo — mas também com alguns críticos de tendência mais teórica corno Banham e Collins. O material escolhido revela que o funcionalismo é encarado como um estilo arquitetônico entre outros, um estilo subsequente ao barroco, ao classicismo e ao ecletismo estilístico, mas inspirado em novas fontes e refletindo novas relações sociais. As obras representativas do desenvolvimento são alinhadas em série, e coleções de fotografias mostram como o desenvolvimento de suas formas se dá, como as experiências menos bem-sucedidas de um reduzido grupo de mestres são seguidas de outras mais bem-sucedidas.

Além disso, dá-se grande espaço aos programas teóricos do funcionalismo, nos quais são minuciosamente descritas a oposição às características da configuração artística do meio ambiente da época e o negativo enfoque de questões de configuração em geral. A estética é vista como expressão de um individualismo inoportuno para a época, exigindo-se que a expressão Baukunst (arte de construir) seja substituída por Bauen (construir). Aprendemos que a moderna arquitetura e a produção artística querem submeter-se à função, ao processo industrial de produção, aos rígidos condicionamentos econômicos de uma produção social, ao invés de formas exclusivas, coisas belas. Para o novo tipo de arquiteto que aparece nos anos 1920, o técnico racionalmente calculista constitui um ideal e um modelo a seguir.

Toda a formação teórica racionalista é apresentada, no entanto, sem que os escritores abandonem os princípios estético-estilísticos de avaliação do material que é ao mesmo tempo por eles apresentado. Curiosamente não encontram nenhum motivo para refletir sobre a contradição existente entre as obras descritas e as teorias de apoio às mesmas, ou entre o enfoque formalista próprio e o programa parcialmente antiestético do funcionalismo. O programa antiformal, é pelo contrário, entendido como uma fonte de novas tendências formais.

Reyner Banham está entre aqueles que observaram a existência nos primórdios do funcionalismo de um hiato entre o enfoque teórico e a prática, mas seu único comentário é o de que a linguagem formal dos vanguardistas dos anos 1920 não expressa um racionalismo autêntico; as formas de Buckminster Fuller seriam muito mais funcionais. Se, no entanto, queremos tomar o discurso dos funcionalistas ao pé da letra, como o fez Banham, o triunfo do funcionalismo é muito mais a derrocada do enfoque formalista da configuração do meio ambiente. Uma análise do desenvolvimento da arquitetura moderna, a partir de teorias, deve tratar do sucessivo desmonte da configuração do meio ambiente do ponto de vista da história da arte. E se ai os anseios de racionalização quanto ao meio ambiente devem ser seriamente discutidos, não há naturalmente nenhum motivo para isolar ou dar prioridade justamente às iniciativas dos arquitetos funcionalistas em detrimento do sério trabalho de desenvolvimento que ocorre concomitantemente em outros grupos profissionais, ou para aguçar o discurso antes desenvolvido por arquitetos com um outro enfoque estilístico.

Há um dualismo embutido no desenvolvimento do radicalismo dos anos 1920, cujo significado ainda não parece devidamente esclarecido, uma crescente dialética entre os anseios de uma nova forma e uma forte tendência de um enfoque puramente técnico quanto à configuração ambiental. Parece residir na tensão entre esses pólos a originalidade da iniciativa do movimento dos anos 1920, podendo a tônica situar-se tanto num polo como no outro. Com isso quero pedir uma certa compreensão às dificuldades de, num breve resumo, fornecer uma imagem inequívoca do fato. Pode ser problemático precisar onde situar a tônica, como decidir o que seja o verdadeiro intuito de uma séria intervenção no debate técnico-econômico e o que seja utopismo poético.

Depois dessa minha reserva quanto ao conteúdo do radicalismo dos anos 1920, é necessário admitir que o funcionalismo, com seus líderes, de qualquer forma se apresenta nitidamente delineado no tempo; nunca, superficialmente visto, foi mais fácil distinguir e delimitar um movimento histórico da arquitetura. Nunca houve tampouco, dentro da arte ambiental, uma tendência para a qual a denominação radical fosse tão adequada. Os funcionalistas provocam uma revolução estética total, mas o programa dos mesmos é muito mais amplo do que isso. Em seus propósitos estão incluídas a reformulação do planejamento urbano, a industrialização das habitações e de seu equipamento, a introdução de uma cultura sem diferenças de classe, tudo em substituição a urna cultura de hierarquizada representatividade. Os arquitetos funcio-nalistas defendem um programa intencionalmente provocativo, mas é menos do que se possa pensar a expressão de um idealismo utópico. Os funcionalistas são realistas, têm plena consciência da revolução que a industrialização e o processo de democratização implicam e reconhecem que a nova situação exige uma nova mentalidade, assim corno novas condições ambientais.

Tal radicalismo pode ser encontrado durante os primeiros anos após a Primeira Grande Guerra em vários lugares da Europa; os principais agrupamentos são de Stijl, na Holanda, der Sturm, em Berlim, o construtivismo, na União Soviética, Le Corbusier, em Paris, Bauhaus, em Weimar. Todos os grupos têm caráter específico e características locais, mas apresentam, já nos anos 1920, traços em comum. Que existe uma relação entre esses centros — tão atentos para o que acontece em outras partes da Europa — é nítido, basta mencionar as viagens de van Doesburg ou de El Lissitky, mas trata-se de relações e de origens afins mal esclarecidas. Qual a importância para a nova arquitetura que teriam as discussões profissionais desenvolvidas junto a Peter Behrens, 1910-1911? Durante esses anos, três dos grandes mestres da arquitetura moderna passaram por seu escritório: Gropius, Mies van der Rohe e Le Corbusier.

O radicalismo do início dos anos 1920 tem uma evidente ancoragem romântico-estética, talvez mais clara nas variantes alemã e russa, mas presente também em de Stijl, onde ao lado de van Doesburg Mondrian exerceria um papel dominante. Oud o confessa. Por meio de Mondrian, a nova arquitetura é ligada ao cubismo na pintura; o radicalismo encontra-se nos três elos da cadeia.

De Stijl por certo significou muito para a vanguarda da arte ambiental dos anos 1920, tanto para Le Corbusier (por exemplo por meio da exposição em Paris, em 1923) quanto para o desenvolvimento da Bauhaus, evoluindo de idealismo artesanal carregado de misticismo para uma concepção bem mais moderna. Já em 1921 van Doesburg atuava em Weimar em Berlim, e a partir de 1922 pode-se perceber uma mudança formal na produção da Bauhaus rumo a um purismo no espírito de de Stijl.

Em L'esprit nouveau Le Corbusier divulga durante esses primeiros anos as novas ideias concernentes à construção habitacional, ao urbanismo e à arquitetura de interiores. Também ele é romântico, ou, se assim quisermos, um visionário, mas sua visão tem uma conotação mais básica que a de de Stijl; a sua ousadia é fortemente ancorada na realidade e nas problemáticas concretas. Onde de Stijl prevê a concretização de princípios eternos quanto ao universal e ao elementar, Le Corbusier fala do funcional e do técnico. É um grande admirador das espetaculares invenções da moderna ciência e da técnica de engenharia — o automóvel, o transatlântico e o avião — e compartilha generosamente suas descobertas intelectuais e visuais no campo da cultura técnica.

Le Corbusier opõe-se aos ornamentos e aos princípios das formas de representação defendendo a visão de uma arquitetura em consonância com a objetiva visão de realidade da moderna ciência e da técnica de engenharia. Não se limita ao estético ou ao construtivo, encarando de urna forma não dogmática para o seu tempo a conformação ambiental num contexto social e socioeconômico. Na Maison Citroen, em 1919-1922, apresenta o tipo de urna moradia unifamiliar pré-fabricada, e em seu Plan Voisin, numa primeira versão (intitulada Une ville contemporaine) exposta no Salão de Outono, em Paris, em 1922, e demonstra uma solução radicalmente nova para o centro de Paris, a qual considera as crescentes necessidades de espaço do tráfego, bem como uma maior densidade de superfícies construídas, ao mesmo tempo em que a natureza é melhor integrada à imagem da cidade. Seus projetos em distintas áreas, num novo e radical espirito, são bem conhecidos; ganham enorme divulgação por meio dos livros que publica a partir de 1923, Vers une architecture, Urbanisme, etc.

Com esses textos Le Corbusier apresenta-se como a personalidade que lidera o radicalismo dos anos 1920 e torna-se a principal referência para toda uma geração de jovens arquitetos. O contagiante entusiasmo, a ousadia, a imaginação, mas sempre apoiada numa considerável objetividade intelectual, dão às suas ideias uma enorme repercussão. Nesse contexto podemos lembrar que o pavilhão de Le Corbusier na exposição de Paris, em 1925, foi o primeiro ponto de contato com sua obra para inúmeros arquitetos de todo o mundo.

Nesse mesmo ano Gropius publicou seu livro Internationale Architektur, no qual o movimento moderno é apresentado como um fato histórico. Toda uma série de arquitetos de diferentes países comparece, e uma mesma tendência ressalta de suas obras. Esse livro consegue, a partir dos mais distintos anseios, dar a ilusão de uma frente unida, e um movimento moderno fica patente, uma impressão reforçada pelo livro de Adolf Behne Der moderne Zweck-bau (A moderna arquitetura funcional), publicado no ano seguinte. É nessa época que a Bauhaus passa a ser vista como expoente do vanguardismo na Europa. Após uma série de experimentos surge a famosa cadeira de tubos de Marcel Breur, e com ela muitos produtos desenhados para produção industrial em massa. Elaboram-se protótipos de novos serviços funcionais de porcelana, simplificam-se as artes gráficas e uma nova arquitetura é experimentada; os primeiros e mais conhecidos exemplos são desde cedo os prédios da Bauhaus e as moradias de seus professores. A Bauhaus sabe também divulgar a si e as suas ideias, por meio de um periódico próprio — só publicado durante alguns anos — e por meio dos Bau-hausbücher ("livros da Bauhaus"), produzidos com a colaboração de personalidades da arte e da arquitetura radical; Oud, Moholy-Nagy, Mondrian, Kandinsky, Malevitj são alguns deles. O programa pedagógico da escola, corno por exemplo os Vorkurs (cursos de iniciação), segundo orientação de Johannes Itten, contribui para tornar a Bauhaus conhecida em toda a Europa como um centro de reforma de ensino.

A exposição de Stuttgart, em 1927, pode ser vista como o triunfo dos princípios do movimento funcionalista. A exposição consegue reunir as principais forças do radicalismo europeu. Arquitetos corno Le Corbusier, Gropius, Oud, Bruno Taut, Mart Stam e Josef Frank tomam parte. A exposição marca o momento em que foram sintetizados os distintos anseios; os líderes uniram-se numa mesma atitude, numa mesma forma de se expressar; um novo estilo viu a luz. Para os jovens arquitetos do mundo, que a distância e com cética curiosidade haviam seguido as radicais tendências, a exposição de Stuttgart foi uma experiência de fortes emoções.

Mies van der Rohe apresenta-se aqui pela primeira vez num grande papel: é o organizador da exposição realizada sob a égide da Deutscher Werkbund. Participa ainda com um de seus mais interessantes prédios, urna casa com estrutura independente e paredes internas removíveis. Quanto à forma, consegue, tomando como ponto de partida seus projetos expressionistas de casas de vidro de 1919-1921, alcançar os demais pioneiros.

O significado da exposição de Stuttgart reside entre outras coisas no programa "social" da arquitetura apresentada, onde residências exclusivas para as elites cedem lugar às moradias para amplos segmentos da sociedade. Isso implica salientar problemas econômicos e técnicos antes não considerados. Em Stuttgart apresenta-se um programa mais ideal do que prático, as casas expostas apresentam muitas falhas do ponto de vista técnico, e cálculos mais precisos dos custos não são apresentados. Mas a própria reunião de grandes nomes, a nova forma e os problemas da moradia moderna são uma nova faísca incendiária. O funcionalismo, não mais uma utopia estética ou uma objetiva arquitetura de fábricas, começa a penetrar na realidade social. Mas isso não implica que faltem objetivos culturais, basta estudar o programa de Mies van der Rohe para compreendê-lo: Das Problem der neuen Wohnung ist im Grunde ein geistiges Problem ("O problema da nova moradia é fundamentalmente um gigantesco problema"). Trata-se de um combate por um novo estilo de vida, por novas formas de viver.

Stuttgart, em 1927, é o ingresso a toda uma série de exposições de habitações e de desenho industrial onde são propagados novos tipos de casas e equipamentos habitacionais: Bauen und Wohnen, em Berlim, Der Sthul, em Stuttgart, Pressa; em Colônia, onde triunfam as novas artes gráficas, Das neue Heim, em Zurique, todos em 1928; em 1929 surge Das neue Haus, em Brühn, CIAM II, em Frankfurt, e uma nova exposição Werkbund em Breslau, Wohnung und Werkraum. Em 1930 segue a exposição Werkbund em Paris, a exposição habitacional na Basiléia, CIAM III e a exposição de Estocolmo. Em 1931 continua a série, entre outras com a enorme exposição da construção em Berlim, isso para mencionar só algumas das mais consideradas mostras internacionais.

Nessas exposições manifesta-se o novo estilo como a expressão adequada da época, e é sugerida a visão de um inundo moderno de cubos brancos e abstratas superfícies, talvez de forma mais nítida do que por meio das poucas construções que ao mesmo tempo são erigidas em diferentes locais. O estilo difunde-se, e grupos radicais aparecem em países corno Checoslováquia, Itália, Dinamarca e Suécia. Adotam o programa, as novas formas e também o radicalismo, atacando os bastiões do tradicionalismo em periódicos, em exposições e em panfletos. Rapidamente o radicalismo se torna a óbvia forma de expressão da nova geração. Ao mesmo tempo cresce a penetração da nova arquitetura na sociedade, em parte nas áreas centrais das cidades, com palácios do comércio e outros prédios de serviços, mas principalmente em seus entornos, com áreas habita-cionais unitárias . São os alemães que se posicionam primeiro durante a segunda metade dos anos 1920. O grande nome é Ernst May, urbanista chefe em Frankfurt sobre o Meno e criador da série da famosa Siedlungen, no entorno da cidade em expansão. Nele se reúnem o audacioso radicalismo de Le Corbusier e uma genialidade posta em prática e canalizada para edificações de interesse social de qualidade. Os novos projetos são demonstrados com entusiasmo no periódico Das neue Frankfurt (A nova Frankfurt), no qual Ernst May, inicialmente, é o redator chefe e divulga o movimento livremente de maneira favorável. Também aqui a área considerada ultrapassa a da técnica da construção; o radicalismo é apresentado corno uma mudança social que abrange a maioria das atividades humanas, incluindo ai a cultura; aqui se discutem as novas artes gráficas (que o próprio periódico apresenta em seu lay-out), técnica fotográfica, teatro, dança e educação física com emotivo e voluntarioso pathos. Mas mesmo em outras partes da Alemanha crescem bairros semelhantes, como, por exemplo, os grandes assentamentos projetados por Bruno Taut e Walter Gropius, em Berlim; um dos mais mencionados e visitados é Siedlung Dammerstock, em Karlsruhe, projetado por Gropius com casas de painéis (1929).

O próximo passo na história do radicalismo é marcado pelos CIAMs (Congres Internationaux d' Architecture Moderne), fundados em 1928, em Sarraz. O novo movimento ampliou-se e começou a se organizar. Enquanto os primeiros grupos tiveram um caráter local ou nacional, o CIAM foi um órgão internacional, uma asso-ciação pelo radicalismo mundo afora. O CIAM implica também uma mudança em favor de questões mais técnicas e econômicas, mesmo se a nova linguagem formal é sempre o denominador comum óbvio. Nos congressos seguintes em Frankfurt, em 1929, e em Bruxelas, em 1930, são discutidos problemas habitacionais e a racionalização das técnicas de construção. Problemas práticos de urbanismo tornam-se frequentes, sendo tratados inclusive pelo CIAM IV (o cruzeiro Marselha—Atenas).

A essa altura do desenvolvimento o funcionalismo começa a ser aceito pela velha geração de arquitetos detentores dos postos estratégicos na sociedade, bem como pelo público em geral. Evidencia-se que é para esse movimento que as jovens competências são atraídas, e o respeito pelo caráter objetivo do funcionalismo só faz aumentar. O radicalismo é rapidamente assimilado pela sociedade, e os postos públicos passam a ser ocupados por seus adeptos, mesmo nos países periféricos em relação a esse vanguardismo. O nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália (em menor grau) interrompem por alguns anos o desenvolvimento nesses países, mas na maioria dos outros países o funcionalismo passa cedo a ser a forma oficial de se construir. O radicalismo, como atitude cultural, esvazia rapidamente a sua função, e nos anos 1930 é substituído por um engajamento cada vez mais político. O que resta são entretanto as grandes tarefas de trabalho, nas quais a arquitetura irá demonstrar sua força e revelar suas fraquezas. Mas isso está fora dos limites do presente trabalho.

É possível surpreender-se com a velocidade com que o radicalismo consegue expandir-se e dentro de alguns anos transformar-se num grande ideal para a configuração ambiental de grandes partes do mundo. Os motivos são vários. É evidente que o novo movimento, em muitos lugares, já vinha sendo preparado, por meio de trabalhos anteriores à Segunda Grande Guerra, por homens corno Behrens, van de Velde, Loos e outros. Deutscher Werkbund é um dos principais precursores, Tony Garnier em Lyon e sua Cité Industrielle, uma outra fonte de inspiração. Pode-se afirmar que a geração triunfante tem uma sólida base na qual se apoiar. A atenção dirigiu-se cedo a determinadas direções: para a indústria, para o problema social da habitação, para a nova técnica, mesmo se o interesse inicialmente é passivo e teórico. Quanto à forma, a velha geração também havia apresentado objetivos edifícios industriais e prédios de escritórios; a admiração pelos produtos da técnica e a força de expressão das formas do mundo da técnica são consideravelmente mais antigas que o funcionalismo. Isso explica de certa forma porque as forças radicais dos anos 1920 na Europa tão rapidamente se encontram entre si, o que não implica subestimar as relações estabelecidas no primeiro estágio pelos próprios membros do movimento.

Mas o rápido triunfo depende também do acentuado realismo do funcionalismo. Olhando o movimento mais de perto, principalmente a sua última fase de desenvolvimento, surpreende-nos quão sóbrio e realista o programa era na realidade. É bem verdade que havia uma acentuada oposição à velha sociedade, mas em parte tratava-se do desmoronamento de uma convenção já esvaziada e trôpega. Uma outra sociedade, com outros problemas, começa a surgir: a do industrialismo, da democracia, da tecnocracia. Uma sociedade com várias tarefas totalmente novas para os arquitetos. Ninguém se opõe a essas novas condições, que são aceitas corno pré-requisitos para o trabalho desses profissionais. O funcionalismo há que se reconhecer como bem adaptado a essa modificada sociedade e suas condições.

Um terceiro fator de caráter técnico para o progresso é a facilidade com que os contatos são estabelecidos e as ideias são propagadas. Depende naturalmente das melhores condições de comunicação e do crescente processo de internacionalização do mundo; viaja-se com facilidade para os centros continentais da arquitetura radical, mesmo vindo de países periféricos. Importante papel desempenham também os textos programáticos, pincipalmente os de Le Corbusier, e as muitas exposições.

Além disso, é necessário mencionar um fator cujo significado é difícil de avaliar, mas que por certo é muito importante: as modernas revistas de arquitetura e de desenho industrial. São por meio de publicações corno L'Esprit Nouveau e de Stijl que as novas ideias e as novas formas primeiro se difundem além do apertado círculo de afins; outras publicações pioneiras dos anos 1920 são: L'Architecture Vivante, ABC-Beitrage zur Baukunst, Kritisk revy, bauhaus, Das neue Frankfurt, Die Form, Das Werk. Mesmo revistas fora do debate crítico mostram forte interesse (Cahiers d'Art, L'Architeture d'aujourd'hui e uma série de revistas alemães), mesmo se muitas vezes é uni interesse negativo e crítico. De qualquer forma o radicalismo é discutido, e aos poucos as opiniões tornam-se moderadas e positivas. Depois de 1925 não tarda muito para que outras revistas alemãs de arquitetura mudem seu curso, substituindo sua composição gráfica e tornando-se radicais. Por meio dessas revistas cria-se evidentemente uma forte ilusão de que o funcionalismo seja realmente um movimento cultural irresistível, a caminho de eliminar toda construção tradicional — aqui já temos o novo mundo todo pronto. O fato de tratar-se na realidade de uma ilusão fica evidente ao estudarmos alguns dos periódicos mais preocupados com a tradição. A imagem ali apresentada difere de forma surpreendente da propaganda radical, e é por certo mais realista nos anos 1927-1930, quando a construção tradicional na realidade deve ter sido a dominante.

Mas o fator mais importante de uma rápida difusão é o fator comum de que o movimento dispõe em sua linguagem formal diferente. O novo entendimento das formas introduzido pelo funcionalismo, principalmente na arquitetura, baseia-se numa inversão da apreensão do espaço e dos volumes: as aberturas — as janelas de grande superfície — passam a ser as partes mais substanciais e expressivas do prédio, enquanto elementos de alvenaria têm seu peso aliviado por meio de artifícios de ilusão de ótica; a casa ganha um caráter abstrato, de levitação. Essa nova expressão formal talvez seja a principal conquista da nova geração de arquitetos — há uma considerável diferença entre a arquitetura dos anos 1920 de Le Corbusier e o estilo mais de coisa encontrado em Loos, Hoffman ou Behrens; os antigos entendem ainda a parede como muro com aberturas. Só na concepção criada pela geração de Le Corbusier o ornamento de todo o aparelho estilístico da história da arquitetura torna-se algo totalmente supérfluo, não uma impossibilidade, o que vale também para o espaço e o equipamento dos interiores. É impossível não se perceber o sentimento de libertação que essa descoberta desperta na jovem geração de arquitetos dos anos 1920.

É essa nova linguagem das formas que mais facilmente distingue o funcionalismo do período anterior e de outros movimentos contemporâneos seus e que congrega o radicalismo num movimento coeso e unitário quando teorias e posições diferem. É, também, o estudo de uma nova linguagem da forma arquitetônica, a qual passa a ser o ponto de partida natural para quem queira analisar o complexo fenômeno que foi o funcionalismo dos anos 1920. E isso não é o ponto final.

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