quinta-feira, 26 de setembro de 2013

INTERESSE PELO ANTIGO – Parte I.


Frank Svensson – Brasília 2001.


A antiguidade ocupou o pensamento dos arquitetos, desde o século XVIII. A obra de Marcus Vitruvius Pollio, arquiteto e engenheiro romano do século I A.C., no século XVI mereceu 26 edições, no século XVII outras 10, e no seguinte a quantidade novamente aumentou.1

Inicialmente esses livros serviram de base para levantamentos, documentação e para a reconstrução de monumentos arquitetônicos. Arquitetos, artistas plásticos e escritores de várias nacionalidades afluíam a Roma para aprender in loco. Em 1666, por iniciativa de Jean-Baptiste Colbert (1619-83), no reinado de Louis XIV, a França instituiu na Itália uma academia própria, para a qual enviava artistas e arquitetos promissores. Desenvolviam uma pós-graduação da época, após julgados aptos a merecer o Prix-de-Rome.2

Colbert, ministro das Finanças e ministro da Marinha, dos Portos e das Colônias, dirigia as artes na França. Antes de instituir a Academia Francesa em Roma, fundara a Academia de Arquitetura em Paris, dando a direção a François Blondel (1617-86). À Academia de Arquitetura incumbia elaborar uma doutrina cujos princípios fossem ensinados aos alunos -- e aplicados nos edifícios do rei -- ou àqueles que solicitassem opiniões sobre edifícios e projetos. A doutrina emergente foi mareada pelo enfoque racionalista, enfrentando o belo como problema maior. Como determinar beleza arquitetônica?

Louis Jean Desprez – Templo de Juno em Agrigento. Em Voyage pittoresque on description des royomes de Naples et de Sicile. Paris 1885.



Para resolver isto, os arquitetos deveriam inspirar-se na antiguidade. Para voltar aos bons princípios dirigir-se-iam aos antigos, e Colbert passou a enviar arquitetos para conhecer os edifícios romanos. Das determinações estabelecidas aos bolsistas constava a obrigação de fazerem levantamento de obras da antiguidade, e no século seguinte exigiu-se que os levantamentos fossem rigorosos, para permitirem restauro preciso e conservação das obras.3

Além dos de Vitruvius, vários livros foram sendo publicados visando ensinar como eram arquitetura e monumentos da antiguidade. Em 1682, Antoine Desgodetz publicou Les Édifices Antiques de Rome. Entre muitos outros que publicaram depois, Grandjean de Montigny, após ser arquiteto emissário de Napoleão na Vestefália do Norte e vir ao Brasil na missão francesa, escreveu Architecture Toscane (1815) e Le Recueil des plus Beaux Tombeaux Exécutés en Italie dans les XV et XVI Siècles.4


Capa do livro de Grandjean de Montigny e Antoine Famin publicado em Paris 1815.


Roma passou a ser prioridade de visita para os que se queriam cultos. Lá se estabeleceram cidadãos estrangeiros habilitados (principalmente ingleses, franceses e alemães) a servir de guias aos compatriotas visitantes. Atrações obrigatórias eram os museus pontifícios do Vaticano e do Capitólio e as ruínas em Roma e cercanias. Em 1720 iniciaram-se as escavações dos antigos palácios imperiais do Palatino e anos após as da mansão de Adriano, em Tivoli. Em 1738 reencontrou-se a antiga Herculaneum sob a cidade de Portici. Uma década depois se escavou Pompéia.

Na Inglaterra de 1732 foi fundada The Society of Dilettanti, no começo um clube de viajados turistas, que com o tempo congregou viajantes ricos para financiar escavações e publicações a respeito.5

Depois da queda de Constantinopla e de os turcos conquistarem a Grécia em meados do século XV, eram raras as visitas à Hélade. Era restrito o conhecimento de sua antiguidade. Em 1751, dois membros da Society of Dilettanti foram a Atenas interessados em produzir um trabalho correspondente ao de Desgodetz sobre Roma.  James Stuart, arquiteto, e Nicholas Revet, arqueólogo, fizeram levantamento dos monumentos de Atenas. Quando Stuart e Revet publicaram The Antiquities of Athens (1.0 vol.), já se havia divulgado material antigo e levantamentos sumários: Le Roy: Ruines des plus Beaux Monuments de la Gréce (1758) e Sayer: Ruines of Athens (1759), contribuições representativas para que aumentasse, às custas da romana, o interesse pela arquitetura grega.

Palácio público em Siena, desenho do livro de Montigny sobre arquitetura toscana.



Roma deixou de ser ponto final de interesses turísticos e se tornou passagem para o Oriente. Johan Joachim Winckelman (1717-68), estudando arte grega na própria Itália, não foi mais longe do que a Roma. Sua monumental História da Arte da Antigüidade fez a Europa admirar a Grécia, embora idealizada, descrita no estilo que ele mesmo atribuiu à sua arte. Em Vila Albani e nos pontifícios museus estudou-a sob forma (em parte) de cópias romanas, formulando teorias sobre a supremacia da arte helênica.


Não pode passar despercebido o caso de Grandjean de Montigny. Nascido em Paris, no bairro onde estavam sendo edificadas as mansões da burguesia parisiense, e tendo vivenciado intensamente a revolução em 1789, perguntava-se quanto a esse tipo de arquitetura ainda na Itália. Independentemente de outras particularidades, sua motivação ratificava-lhe o interesse pelas primeiras construções em Florença, mandadas erigir pelos Medici, Pitti, Sforzi e outros, primeiros burgueses mercantis da Itália. Escavações e levantamentos, bem como livros daí divulgados, excitaram imaginações. Na arquitetura juntaram-se a doutrinas acadêmicas e determinaram mudanças nas formas e nas teorias arquitetônicas que se ligariam à revolução democrática burguesa. O conhecimento arquitetônico passava a exigir também o conhecimento histórico.


N o t a s :

1. C. Cheschi - Teoria e Historia del Restauro, Roma, 1970. M. Jonsson - Os primórdios da preservação de monumentos. Escavações e restauro de monumentos antigos em Roma 1800-1830. Estocolmo, 1976.

2. H. Lapauze - Histoire de l'Académie de France à Rome - vol. I. Paris, 1924.

3. De acordo com o regulamento da Academia Francesa em Roma (1788).

4. Ver em Arquitetura e Conhecimento, n.º 3. Editora ALVA. Brasília, 1996.

5. Os irmãos James e George Gray participaram das escavações em Herculaneum e divulgaram-nas na Inglaterra. Sobre Pompéia, Sir William Hamilton divulgou Account of lhe discoveries at Pompeii cammunicated to the Society of Antiquaries of London (1777). Lord Charlemont foi pioneiro na visita às ilhas gregas (1749). James Dawkins também visitou precocemente a Grécia. Robert Wood esteve (1742-43) nas ilhas gregas, no Egito, na Síria e na Mesopotâmia; publicou The Ruins of Palmyra (1753) e The Ruins of Balbec (1757). Entre 1762 e 1816, Stuart e Revett  publicaram The Antiquities of Athens. Richard Payne contribuiu para se ver com novo olhar os templos dóricos na Sicília.

6. J. J. Winckelmann trabalhou em Roma (1755-68) e descreveu observações em Sendschreiben von den Herculanischen Enteckungen (1762) e Neue Nachrichten von den Neuesten Herkulanischen Entdekungen (1764), Ver O. M. Carpeaux – “Classicismo e Anticlassicismo” em Literatura Alemã. São Paulo, 1994.


     


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