Duas aulas proferidas
pela da prof. Zuleide Faria de Mello
na Universidade de Brasília, 08.11.2003. Curso de extensão: Arquitetura e Marxismo.
Transcrição: Frank
Svensson
1ª
aula: parte I
Eu fui apresentada como
uma estudiosa de marxismo e que eu sou uma militante. É verdade. Eu sou estudiosa porque eu
acho que ninguém pode pretender ser professor se não tiver capacidade de
estudar. Quer dizer, eu estudo para poder ser professora. Qualquer professor é
antes de tudo um estudante. Vocês podem achar que não é assim, mas o é. Porque
as coisas mudam, a terra gira, e naturalmente qualquer professor têm que
acompanhar os movimentos do mundo, enfim, as novas situações até para poder
analisar adequadamente a realidade e o marxismo, antes e acima de tudo, exige
pelo método de análise que ele adota essa capacidade de observar, de seguir e
de analisar, e discutir para poder entender para a partir daí poder explicar.
Por outro lado o professor que me apresentou esqueceu-se de dizer que eu não
sou apenas marxista; sou marxista-leninista. Para a gente botar aqui as coisas
como elas são. O Lênin dizia uma coisa muito interessante: perguntaram uma vez
o que ele achava que era o primeiro dever de um comunista? E ele disse: estudar,
estudar e estudar. Então como eu acredito nisso é por isso que eu faço estudos
permanentes.
Mas olha aqui, em
primeiro lugar eu quero agradecer o convite para vir aqui discutir com vocês
algumas questões desse nosso mundo atual e dizer que é com muita alegria que eu
estou aqui. Eu estive no começo do mês na Universidade Federal do Paraná e por
coincidência para discutir esse mesmo tema. O pessoal lá estava realizando a
primeira semana de debates filosóficos. Dentro disso fizeram uma escolha de
abordar Marx e a atualidade do marxismo hoje e me honraram com um convite para
ir lá. Então pela mesma razão estou aqui hoje com vocês.
Vocês todos certamente veem
televisão, cinema, passam os olhos pelos jornais e a situação do mundo, creio
eu, não é das mais alvissareiras. Não é. A situação mundial é absolutamente
dramática, caminhando para tragédia. Hoje já há pensadores que dizem com muita
clareza que não é mais a humanidade que está em perigo de desaparecer. É o
próprio planeta e, naturalmente, por uma série de questões, que se devem às
formas de organização social. Porque quando as Nações Unidas, pelo PINUD, que é
o programa de estudos para o desenvolvimento, faz um levantamento anual de
desenvolvimento humano e coloca, como vem colocando sistematicamente, que três
bilhões de seres humanos, portanto exatamente metade da humanidade, vive entre
a pobreza e a miséria absoluta.
Ora, essa não é uma
coisa qualquer. Eu estive hoje mais cedo na Universidade Federal do Rio de
Janeiro, na qual eu sou professora, numa mesa falando de Josué de Castro. E eu
queria aqui fazer um desafio à meninada, se alguém aqui já ouviu falar de Josué
de Castro? Não? Então vejam: Josué de Castro foi sem dúvida um dos maiores
homens deste país. Uma figura internacional. Ganhou o premio Lênin da paz. Foi
diretor da FAO que é a organização da alimentação e da nutrição das Nações
Unidas. Foi embaixador do Brasil no exterior e escreveu vinte e cinto livros.
Começou em 1946 com uma denuncia que foi a Geografia
da Fome. Um livro imediatamente traduzido para 25 idiomas do mundo inteiro.
Depois ele escreveu a Geopolítica da
Fome, Homens e caranguejos, enfim livros tendo como tema básico a questão
da fome no Brasil e no mundo. Josué de Castro teve os direitos políticos
cassados no inicio da ditadura. Foi expulso do país e morreu no exterior.
Entrou aqui morto num caixão para ser enterrado.
Estávamos agora o
homenageando pelos trinta anos de sua morte em 24 de setembro de 1973. Quando
vocês aqui não ouviram falar de Josué de Castro, sabendo todos quem é o Pelé, é
uma coisa complicada. Não que eu tenha nada contra o Pelé. A verdade é que eu
não tenho nada contra e também não tenho a favor. Mas isso não invalida que
além do Pelé, do Roberto Carlos etc. a gente conhecesse aqueles cidadãos
brasileiros que contribuíram e são respeitados no mundo inteiro inclusive pela
denuncia desse grande tabu do qual nenhum de nós quer ouvir falar, que é a
fome.
Eu estou colocando isso
como uma espécie de introito porque quando Marx constrói a sua teoria ele a
constrói a partir de premissas da organização social, da organização do
trabalho. Toda a teoria marxista roda em torno, parte de pressupostos, ela
edifica uma série de conceitos para tentar explicar a sociedade, e explicar
essa sociedade em movimento. Aí entra, para quem está na universidade, uma
outra questão: a inamo-bilidade dos corpos na natureza é meramente aparente
porque tudo está em movimento, e estando em movimento produz transformações
tais ou quais. Tem momentos de tese, momentos de antítese, momentos de síntese,
que vão na verdade permitir àquele que analisa possa se apropriar desta
realidade tendo clareza de que, como já dizia Heráclito, na antiga Grécia, há
três mil anos atrás: Tudo que é não é,
tudo que é está deixando de ser. Isso não é um jogo de palavras porque tudo
que é, não é. Exatamente porque se você parte da premissa de que tudo está em
movimento, naturalmente isso que é hoje uma coisa, amanhã pode ser seu
contrário. Portanto isso vai formar um conjunto de ideias de pensamento que
depois de elaborado viria ser chamado de dialética.
.
O interessante é que
quando a gente chega numa sala de aula, o que não é o caso aqui, e a gente pergunta os alunos quais os métodos
de análise que vocês conhecem? Ah não, o
empírico, o dedutivo, o indutivo, e vai por aí. E eu digo e o dialético alguém
ouviu falar? O dialético? O que é isso? É como Josué de Castro, ninguém sabe.
Ninguém ouviu falar. No entanto eu creio que o verdadeiro cientista e aqui
quando vocês e eu estamos numa universidade é exatamente porque a finalidade da
universidade é produzir conhecimento universal. Universidade é isso. Traduzido
em miúdos, trocado em miudinhos, universidade significa conhecimento do
universo. Conhecimento universal e universalizante que permita a cada um de
nós, na verdade, se apropriar da realidade do mundo. Uma realidade que às vezes
chega a nós meramente pela sua forma aparente e não pelo que ela possa ter de
essência, de coisas que às vezes ficam escondidas, escamoteadas no próprio
fenômeno.
Só para dar um exemplo
para vocês: eu estava dizendo a quem me trouxe do aeroporto para aqui, que
ontem no Rio fez um calor desesperador e à noite não mais que de repente
choveu, começou a chover. Esse de repente choveu é a forma como a gente lê o
momento da síntese de várias determinações, ou seja, a chuva não caiu por
acaso, ela não caiu de repente. De repente é o momento da síntese, mas foi
preciso uma série de fenômenos: água parada, raios do sol, tudo o que todo
mundo sabe, formam nuvens, a nuvem estoura, tem eletricidade, enfim são fenômenos,
quantidades infinitas de fenômenos que vão se modificando até dar um
determinado resultado. No caso a chuva. Só que eu, ser que penso o mundo, eu
que estou me apropriando dos fenômenos do mundo, eu me aproprio deste momento
de síntese. Todo este processo de movimento não aparece de forma visível no
primeiro momento. Quem vai me permitir isso é a análise. Não é a mera
observação.
Esse momento de síntese
é um momento em que uma grande quantidade de fatores e elementos se uniu e
produziram um dado fenômeno, chuva, ou seja o que for, o milho, qualquer outra
coisa. Portanto eu, cientista, eu que quero entender melhor, de forma
científica, não estou falando aqui do senso comum, e é preciso deixar claro que
a humanidade sobreviveu até hoje boa parte dela a partir do senso comum. Mas o
conhecimento cientifico, e é isso que a gente quer produzir na universidade,
pelo menos pretende, para que a gente possa avançar na análise. Para que a
gente possa encontrar as respostas adequadas para resolver os problemas que são
colocados. A gente observa o mundo, a natureza, uns aos outros e às vezes a
gente se limita a essa mera observação e por outro lado ao ver apenas a
aparência das coisas eu não me dou conta de que uma série grande de fenômenos está
embutida aí; a fome por exemplo.
Eu posso fazer uma
análise empírica da fome. Ora no Brasil tem tantos milhões de crianças morrendo
de fome, a mortalidade infantil ainda é das maiores do mundo e tá-tá-tá, e faço
lá um arrazoado e esqueço-me de algo que tem que passar a ser fundamental. Que
não basta eu me dar conta da fome. Não basta que eu tenha uma estatística das
mais perfeitas dizendo quantas crianças morrem de fome no Brasil. Eu preciso
afinal saber por que há fome. Essa é a questão. Porque ai vocês vão ver
aparentes contradições.
Há uns dois anos atrás
eu li um livrinho da Nestlé e a Nestlé não me deixa mentir, eu tenho o maior
respeito porque quando a Nestlé diz, ela sabe o que está dizendo. Pode não ser
o melhor, mas ela sabe o que está dizendo. E esse livrinho da Nestlé diz o
seguinte: que as condições técnicas existentes há uns três anos atrás já eram
suficientes para que se produzisse determinada quantidade de grãos. Depois é
que vem a agricultura - agricultura vem de grãos – de grãos capazes de matar a
fome de todos os habitantes do planeta.
Eu parei e disse: ué onde é que o carro pegou? Porque se já é possível
produzir alimentos para todos os habitantes do planeta e a ONU vem e diz que
tem três bilhões morrendo de fome, alguma coisa está errada. O carro pegou e atolou
em algum trecho da estrada. Não é verdade? Então eu acho que é esse o papel.
Não é apenas dar os números, decorar e falar dos números da ONU.
Você diz aonde é que o
carro pegou? Se é possível plantar e colher e se se tem um sistema de
transporte veloz que pode levar o produto de lado para outro sem problema, mas
mesmo assim isso não está acontecendo tem que haver alguma explicação. Eu creio
que é esta relação entre a aparência do fenômeno e a sua essência, aquilo que
nem sempre está visível. O papel de todos nós aqui é desvelar esse real
concreto para enxergar adequadamente esta relação entre causa e consequência,
causa e efeito, aparência e essência, para afinal a gente poder realizar o
sonho de Josué de Castro: um mundo sem fome.
E como diz o Fórum Social
Mundial: um mundo melhor é possível. Agora vai dar um trabalhinho. Vai dar um
trabalhinho. Né? Vai dar um trabalho porque as condições colocadas não são as
mais alvissareiras. Não são.
Então gente, eu estou
colocando isso ao nível mais comum porque há praticamente 3.000 anos atrás na
Grécia antiga surgiu uma quantidade de pensadores que são conhecidos hoje ainda
como pré-socráticos. Se há pré-socráticos aí é uma questão de você ir puxando o
fio da meada. Se eu falo de pré-socráticos é porque depois desses deve haver os
pós-socráticos. E há. Mas se também, aí para a gente aprender, tem
pré-socráticos e pós-socráticos tem que ver então quem é esse socrático que é
como uma espécie de divisor de águas entre dois pensamentos dispares, do seu
surgimento até hoje. E aí a gente vai encontrar um filósofo grego, Sócrates,
que é esse divisor de águas. Ele está colocado entre este grupo dos chamados
pré-socráticos e o grupo que surge depois, os chamados pós-socráticos do qual a
grande figura é Platão. E aí a gente pode não ter ouvido nunca falar dos
pré-socráticos: Heráclito, Demócrito, Epaminondas, Demóstenes e por aí afora,
mas com certeza todos aqui ouviram falar de Platão. Não é verdade?
Se você chegar no Rio,
aqui em Brasília não sei, tem muita toalha no chão das calçadas com livros. Em
qualquer desses lugares, eu estou dando isso como uma certa caricatura, você
acha a República de Platão, mas você não acha Heráclito. E não acha Heráclito
na biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais que é o meu instituto.
Se isso acontece a gente tem curiosidade de perguntar: onde é que o carro pegou
mais uma vez. O bondinho da História que trouxe para nós Platão se esqueceu de
trazer esses pré-socráticos. Foi coincidência, foi aleatório? Não sei.
Provavelmente não.
Se não foi mera
coincidência senão a gente vai acreditar em Papai Noel, em conto de fadas; ai
já é outra história e não temos como resolver isso. Mas veja, só para citar
Heráclito que é muito citado: Heráclito dizia, formulava o seguinte pensamento:
Um homem sentado á beira de um rio nunca bebe da mesma água, nem é o mesmo
homem. O que é que isso significa. Isso
é um jogo de palavras? Não. O que é que Heráclito está dizendo na verdade? Ele
está dizendo que a água que passa, embora seu componente básico seja H2O, mas
ela pode permitir a vida? Pode. Porque se essa água estiver envenenada, se
houver um desbarrancamento e a água ficar absolutamente poluída e eu beber dela
provavelmente morrerei. Da mesma água
que era fator de vida, do mesmo rio.
E o homem que está
sentado à beira do rio? Vamos admitir
que ele fique um mês. Resistente, enfim ele fica um mês sentado à beira do rio.
Ele é o mesmo homem? Sim e não. Porque sim e não? Porque ele também mudou. Não
foi só a água do rio que mudou. Hoje qualquer biólogo, enfim, não precisa ser
doutor em coisa nenhuma, ter doutorado em Harvard, para saber que cada ser
humano a cada dez anos é outra pessoa. Porque já mudaram todos os seus milhões
e bilhões de células. Por isso é que eu faço uma pergunta: O que é um jovem?
Claro, vocês já observarão: é um cara legal, bonito, simpático. Não é? Tá
bem, eu estou inteiramente de acordo. Mas o que mais? A gente admite como
pressuposto que o jovem é isso. Pô.
Beleza. Jovem é uma beleza. Que mais?
Vamos fazer aqui um
pequeno exercício. Deixe-me perguntar a você. Quantos anos você tem? Resposta: 23. Vinte e três, ora só. Tem vinte
e três anos. Perguntar às meninas é deselegante. Aí eu vou perguntar a você: Se
você tem 23 anos, você nasceu há 23 anos atrás, é isso? E quando você nasceu há
23 anos atrás você era esse jovem simpático que você é hoje? Risadas. Não. O
que é que você era? Um bebê. Não falava, não andava, não comia sozinho, não
fazia arte. Não é verdade? Mas se transformou num jovem de 23 anos na UnB, o
que não deixa de ser uma coisa importante.
Então algumas coisas
aconteceram. Você hoje dança, canta, fala, não é verdade? Faz discurso, estuda,
aprende, uma série de coisas. Aí eu pergunto: você é ou não aquele bebê que
nasceu há 23 anos atrás? Sim e não. Porque você parou de engatinhar. Ora você é
e não é. Porque do ponto de vista da estrutura do ser você é. O nome é o mesmo,
o pai, a mãe imagino que não mudou, a não ser por opção, naturalmente não. Mas
aquele bebê sofreu um tal processo de permanentes transformações que acabou
dando num jovem que daqui a vinte anos não será tão jovem assim. Não é verdade
também? Então veja: era isso que o Heráclito estava falando, que tudo o que é,
está deixando de ser. Portanto ele diz: a vida é um eterno vir a ser. É este
vir a ser permanente. Por isso a gente diz brincando que o futuro está
começando agora. O futuro não é daqui a dez, cinquenta anos. O futuro é aqui
começando a cada minuto. Envelhecendo.
Então gente denominou a
esse processo de dialética. Porque no início, para os gregos, este grande
embate se dava pelo diálogo, o embate das ideias. Mas quando você fala de ideia
você tem que se dar conta de algumas outras coisas. Se existe um embate das ideias,
significa que estamos todos produzindo pensamentos, ideias tais ou quais, que
podem se transformar em conhecimento, em capacidade de análise, de verificação,
de avanço ou de guerra. Perguntem ao Bush essas coisas para ver a opinião dele
sobre tudo isso. Certamente não é a que eu estou falando aqui. Não é. Porque
para ele basta invadir, matar, botar força às armas, e tudo o mais é resultado.
O Heráclito vai mais
longe e depois o Demócrito e os outros todos vão avançando neste processo e o
Heráclito diz o seguinte: que este movimento que vê o mundo faz parte de um
movimento que é intrínseco da matéria. Portanto ele está falando de matéria em
movimento. E diz uma coisa fantástica: que o átomo é a partícula indivisível da
matéria. Portanto há três mil anos atrás o Heráclito já começa a falar e
esboçar, de forma rudimentar, uma teoria atômica. Diz que o átomo é indivisível
porque não havia técnica para dividir.
Veio a ser dividido no século XX. Pela primeira vez, e desta divisão do
átomo a primeira coisa que se fez foi a bomba atômica. Podiam ter feito outra
coisa não é verdade? Mas se fez a bomba atômica. Dividiu-se o átomo e a gente
ficou sabendo que o átomo tem elétron, nêutron, próton. Agora já tem outros
elementos não é? Aí quem é da área sabe disso. Tem um monte de coisa que a
gente se pergunta se é verdade mesmo.
Mas o que é que eu
estou querendo dizer? Que o Heráclito há três mil anos atrás já falava de
coisas que na universidade no mundo inteiro não se sabe. Não se sabe. Então
gente, a teoria do conhecimento estancou em algum lugar. E eu acho que cabe a
nós resgatar esta teoria do conhecimento. Para permitir que o conhecimento
avance e mais que o conhecimento seja avançado, que ele seja distribuído. Que
ele não fique fechado em escaninhos para muito poucos. Tem duas coisas que não
se tem como deixar de socializar: o pão e o conhecimento. O pão é o alimento do
corpo e o conhecimento é o alimento do espírito. E isso aí é fundamental.
Mas também quando
Heráclito coloca essa questão que o mundo é matéria que se move de uma forma
particular, que lhe é própria pela luta dos contrários, pelo choque das coisas
opostas entre si. É desse choque entre elétrons, prótons etc. etc. que se
produz o movimento. Então isso vai dar uma teoria ao nível da filosofia que se
chama de materialismo, e se vocês repetirem o que um aluno meu uma vez disse eu
saio de sala. Uma vez eu perguntei o que é materialismo? É um cara que gosta
muito de carro, de dinheiro, Aí é complicado pra chuchu. Dá vontade de
sentar e dizer vou cuidar da vida, vou fazer outra coisa. Porque materialismo é
uma teoria, é uma forma de conhecer, analisar e explicar o mundo, o mundo como
algo que deriva dele mesmo. Que não tem começo, agora mesmo está aí uma
discussão grande se o mundo tem limite, não tem limite, não é verdade? Três mil
anos depois a gente não saiu do começo. Estamos agora começando a engatinhar.
Então isso forma um
pensamento que o chamado pré-socrático, porque todos os pré-socráticos
trabalharam com esse corpo de ideias, de um mundo material, de um mundo que é
feito de matéria e de uma matéria que se movimenta pelas suas particularidades,
pela luta dos contrários que estão contidos nela. E aí? Quanto Sócrates surge
algum tempo depois já começa a colocar um pouco disso em dúvida. E isso vai a
Platão e vamos perceber a imensa diferença entre essas duas formas de pensar.
Porque Platão diz: não há nada no mundo real que não tenha havido antes no
mundo das ideias. O que é que o Platão está dizendo? Ele está dizendo que este
mundo real concreto e objetivo a rigor não existe. Ele é uma mera representação
de um mundo que está fora do mundo. Portanto é um mundo dado. Um mundo dado.
A partir daí desse
mundo das ideias vai se configurar toda uma nova forma de explicação que vai se
chamar de idealista. Então a gente
tem na origem da teoria do conhecimento, desse conhecimento que conhecemos,
falamos desse para depois não dizerem que na África é diferente e no Japão
também é. É. Mas esse eu conheço pouco e acho que vocês também. Falando desse
conhecimento do chamado mundo ocidental cristão. Então vejam: a gente passa a
ter no início da própria teoria do conhecimento uma divisão, entre um
pensamento, um projeção de um mundo que é matéria e um outro pensamento de um
mundo que é um mundo que se projeta de fora do mundo pelas ideias.
Esta é uma divisão na
teoria do conhecimento que chega até nós e quem sabe explica os bondinhos da
história que não chegaram até nós. Mas aí, como bons cientistas que vocês todos
são, dirão tudo bem, mas porque que esse pessoal era maluco, pensava essas
coisas, pensava o que, p´ra que, pr’a fazer o que, e aí é uma outra questão.
Porque se a gente não contextualizar e não se der conta das condições
histórico-sociais vigentes que permitiram que essas ideias surgissem. Porque
elas não caíram do céu por descuido. Não caíram mesmo. Então aí o processo
histórico tem que ser a base tem que contextualizar esse tipo de coisa, porque
a gente tem que se dar conta de que quando surge tudo isso na Grécia, surgem
concomitantemente as novas formas de organização da sociedade; surge a
escravatura. Homens que se apropriam de
outros homens como seus escravos. Homens que ai desta mesma teoria do
conhecimento que se cinde ao meio também na questão do trabalho vai acontecer o
mesmo porque quando eu tenho homens que se dedicam exclusivamente a trabalhar
eu crio as condições para que um grupo de homens possa só pensar. Aí temos os
filósofos.
Se o Platão, por
exemplo, ao invés de passear pelas aléias dos palácios reais com seus
discípulos com túnicas brancas alvíssimas e sandálias muito bonitas tivesse que
plantar e comer será que ele podia pensar tanto como ele pensou? Uma boa
questão. Veja só. Nesta sociedade grega concomitantemente agora há duas formas
distintas de pensar e de explicar o mundo, se dão também duas formas distintas
na organização do trabalho. Homens que só trabalham e por trabalharem de sol a
sol não têm tempo de pensar e homens que são deslocados do processo de trabalho
e podem só pensar e ao pensar pensam o trabalho.
Então veja gente, é um
momento riquíssimo de produção do conhecimento e de transformações sociais, mas
é por tudo isso que surge o Estado. Porque o Estado é outra coisa. A gente diz:
não, mas o Estado sempre existiu. Não é verdade. Hoje ainda as nossas tribus
não conhecem a organização em Estado. São nações indígenas não são estados. E
as tribos africanas também, e na Ásia também, ainda hoje. Porque o estado, a
rigor qualquer compendio de ciência política diz o seguinte: forma de
organização político-social. Ponto final. Portanto estado é uma forma de
organização e se é uma forma de organização, ela é o resultado de homens que
formaram o estado como forma de resolver algumas pendengas: como submeter os
escravos, por exemplo.
Digam-me uma coisa. Vai
você aí que está mais perto. Você é livre, mas aí chego eu e digo o seguinte: a
partir de hoje você é meu escravo. Eu fico imaginando que você não vai gostar
da idéia. Fico imaginando, não é verdade? Estou só imaginando. Você vai se
rebelar vai criar problemas, vai fazer e acontecer até se acostumar ou morrer.
Duas hipóteses é verdade. Então veja quando se cria o estado esse estado vai
ter como base fundamental a propriedade privada. E se eu digo que agora eu
tenho uma forma de organização político-social que vai permitir e garantir a
apropriação privada do produto social eu estou dizendo em contra-partida, mesmo
que eu não verbalize, que isto aí difere de alguma coisa que era anterior. E
difere, que era a propriedade coletiva. Não havia propriedade privada. A
propriedade era coletiva.
Todos trabalhavam e
todos se apropriavam do produto do trabalho da tribo. A caça, a pesca, a
coleta, não pertenciam a ninguém. Era da tribo e ainda havia uma divisão do
trabalho impressionante. Muito interessante me parece. Cada um se apropria de
acordo com as suas necessidades e trabalha de acordo com as suas
possibilidades. Não é um negócio fantástico? Porque, por exemplo, aqui o
professor Frank. Com certeza o Frank come umas três vezes mais do que eu. Se
tiver aqui uma quantidade de produtos e a gente vai fazer uma divisão que
aparentemente parece justa dois a dois, ele vai ficar com fome e eu
provavelmente terei indigestão. Por isso a apropriação deve ser de acordo com a
necessidade de cada um, que não é igual.
Por outro lado as
possibilidades de trabalhar também não são iguais. Eu trabalho porque gosto.
Vivo lá no Rio correndo pra todo lado. Dizem: você não anda, corre. Eu me
automatizei assim. Então vejam, se todos trabalham, inclusive as crianças e os
anciãos, de acordo com as suas possibilidades. Isso no interior do nordeste
seria como nos ditados populares, o saber popular, às vezes dá conta disso
melhor do que a universidade. A minha avó sempre dizia o seguinte: olha
trabalho de criança é pouco, mas quem os perde é louco. Porque por menos que uma
criança faça ela pode fazer alguma coisa. Não é verdade? Então todos trabalham
Ora se todos trabalham tudo é coletivo. O produto é social. A bem da verdade a
gente aqui vai dar os nomes aos bois direitinho. É que nesse período a economia
era meramente de subsistência. Não tinha o grau de complexidade do mundo atual.
Temos que dizer isso, senão fica parecendo que hoje dá para fazer exatamente
igual. É mais complicado um pouco.
Então vejam: com o
estado grego você tem a institucionalização da escravidão. Você tem a
institucionalização de novas formas de divisão do trabalho social. Porque agora
uns se apropriam da terra, se apropriam dos animais e se apropriam dos homens.
Portanto a regulação social tem que ser diferente e o corpo de idéias que
explicava o mundo anterior chamado primitivo também tem que ser diferente. Por
isso surge a filosofia. Como uma nova explicação do mundo. Desse mundo dos
gregos.
Vejam que coisa
fantástica os gregos faziam. Porque nos tempos chamados primitivos, (primitivos
é primeiro, primitivo não é atrasado, ruim, primitivo é que veio primeiro, só
isso, nada além disso) Mas esse mundo
primitivo era explicado por deuses. Deuses que conviviam com no mundo, com os
homens, O deus do fogo era o fogo. O deus do milho era o milho. Eram os fenômenos
da natureza, o sol, a lua, que eram adorados como deuses, porque, também, a
proximidade do homem com a natureza era total. Então as explicações eram
naturais. O que os gregos fazem? Quando se forma o estado grego e se institui o
casamento ....(?).........., quando se segregam as mulheres, e estamos pagando
todos por isso até hoje, homens e mulheres. Por essa segregação forçada de
todas as mulheres. Durante milênios.
Então vejam, quando
tudo isso acontece, os deuses primitivos perdem a função. Eles que
representavam a explicação desse mundo primitivo. Aonde há escravos,
propriedade privada e mais isso e mais aquilo, esses deuses anteriores já não
servem. O que é que os gregos fazem.
Pegam os deuses e botam no Olympio. Num monte bem alto, bem distante.
Reconhecem os deuses. Estão todos lá. Nós todos nos curvamos diante dos deuses
desde que eles não atrapalhem o que a gente anda fazendo por aqui. É sempre
isso. Simples. Á partir daí o próprio conceito de divindade, de deidade, passa
a ser diferente. De seres extraterrenos situados fora do mundo numa região
qualquer. Eu não estou aqui querendo que vocês saiam dizendo que tudo é assim
não. Eu quero que vocês estudem. Agora só para começar a entender, começar a
dar nome aos bois. Saber o que estamos fazendo aqui três mil anos depois.
Porque o direito que surge na guerra, que é o direito que vai para Roma, que é
o direito romano que rege todas as formas de direito do mundo moderno, é o
direito da propriedade privada.
No Renascimento, quando
se resgatam as formas clássicas greco-romanas, o direito romano é uma das
principais. É o direito que nos rege.
Para a gente entender o que o direito é. Senão a gente não entende. Os
advogados também não entendem. Eles não sabem nada, também não sabem história,
também não sabem filosofia. Uma coisa que aparentemente é simples e fácil
.
Mas então vejam:
estamos diante deste mundo em movimento. Coisas começando, coisas acabando, e
as coisas mudando. Aí a gente diz: de repente choveu, de repente esse ou aquele
presidente caiu. Não. Não, de repente é o momento de apropriação da síntese das
coisas que estão acontecendo. Aí sim foi de repente, ou melhor, eu me apropriei
daquele momento de síntese: choveu. Quanta coisa tem da formação da chuva até a
chuva cair, que eu não me dei conta. Eu não me dei conta. Por isso é que eu
imagino que as coisas acontecem mais de repente. Mas a gente guarda hoje ainda
no meio desta brilhantíssima civilização todos os mitos ancestrais. Todos, e
repete, e repete. Aliás, a televisão faz isso com absoluta perfeição. Tudo é
mágico. Vocês já viram novela? É fantástico. Eu não vejo. Eu não tenho tempo.
Também não gosto da Globo. Mas, enfim, às vezes a minha filha está vendo. A
minha mãe é viva e vê e passando pela sala não tem jeito, eu vou olhar. É muito interessante. Aí você vê a
...(?)....... família. Uma mulher viúva não sei porque, mas de um modo geral é
viúva, tem três filhos belíssimos, todos jovens mas olha: belíssimas espécimes
humanas, altas, fortes, musculosas, todos com carro e o que me dá inveja mesmo
é cozinha. A cozinha é um negócio fantástico. Fantástico. Tudo automatizado.
Tudo tinindo. Ninguém trabalha. A mulher não trabalha. Os filhos menos ainda.
Entram e saem sempre muito bem acompanhados indo para a praia. Pôxa vida. Ninguém trabalha. Mas todos
sobrevivem muito bem obrigado. Tem que ter alguma mágica, não é verdade? A
gente é que não soube descobrir. Mas que tem que ter uma mágica, tem que ter.
Senão não ia conseguir essa coisa faraônica. E hoje com os efeitos especiais
então é aquele abracadabra. Abre-te
Césamo e aí acontece tudo. Os duendes todos se soltam e vão fazendo tudo, o
gênio sai da lâmpada, o mundo fantasia. É fantástico. É o mundo da fantasia e a
gente vive nesse mundo da fantasia.
Por isso a gente
esquece a fome. Não dá tempo de pensar nisso porque é tudo mágico, fantasioso.
Tudo ocorre miraculosamente. Inclusive a reprodução do capital, gente. O
capital hoje se reproduz numa esfera absolutamente fictícia. Por mera
especulação, absolutamente fora da produção. Como por magia. E tem uma coisa,
nos anos oitenta eu comecei a me dar conta dessa coisa das novelas e me dei
conta também que a isso correspondeu uma sistematização de todo o sistema
financeiro mundial. Que deixou de ser um sistema financeiro por investimentos e
passou para especulativo. Portanto passou para outra esfera. Em que o capital
se reproduz fora da produção. Portanto por mágica.
Olá, além dessa e das outras duas que vc postou nesse blog, tem outras?
ResponderExcluir