Heidegger
como expressão do parentesco entre fenomenologia e existencialismo
Martin Heidegger
(1889-1979) é um dos representantes mais notórios do existencialismo cujo
método provém da fenomenologia de Husserl e das obras de Sören Kierkegaard. O encontro entre Husserl e Heidegger ocorreu
em Freiburg, em 1916. Os trabalhos e
interesses próprios de Heidegger, cedo próximos do pensamento Husserl ano,
movem-se, nessa época fora de um plano de reflexão histórica ou filosófica e
não resultaram em nenhuma obra orientada nesta direção. Crise moral e crise política com choques
sociais resultaram no emprego pelo grande capital de seu braço armado (Primeira
Grande Guerra - 1914-18) tendo a Alemanha como principal cenário. O desespero e o abatimento suscitados pela
derrota do militarismo kaiseriano, o medo perante a revolução proletária na
Rússia e o movimento revolucionário em diferentes países, configuraram o
ambiente político e espiritual em que cresceu a filosofia da existência; as
distintas expressões do pensamento vitalista.
Em momentos históricos como esse muitos são tomados de preocupação sobre
os problemas do indivíduo e sua sorte.
Isso ocorre quando há uma perda geral de confiança na estabilidade da
ordem social, quando os conflitos sociais provocam crises morais e políticas, e
quando há necessidade de fazer escolhas em situação na qual os critérios
tradicionais já não existem. Isso, entre
outras coisas, explica a atração que o existencialismo tem para a massa em
períodos marcados pelas conseqüências da guerra e de regimes fascistas os quais
têm por característica básica recorrer às armas para o exercício do poder. Muitos viram no seu tema o reflexo de suas
próprias preocupações, e a atmosfera de depressão mental, o senso de
resignação, de impotência do indivíduo em luta com forças onipotentes e
irracionais, refletindo-se nos próprios sentimentos.
Heidegger tomou partido
pelo nacional-socialismo (nazismo). Via
nele um partido forte capaz de impor uma nova ordem social. Quanto à filosofia aderiu ao
existencialismo, dando ao enfoque
fenomenológico herdado de Husserl uma dimensão vitalista. Em 1923 Heidegger foi nomeado professor e
diretor do seminário de Filosofia da Universidade de Marburg. Em 1928 seria chamado para assumir a cátedra
de Filosofia em Freiburg. Sempre com o
apoio e recomendações explícitas de Husserl.
É no período de Marburg que publica sua principal obra: Ser e Tempo/Sein und Zeit, 1926. Essa obra não tem por único objeto a
existência individual, isolada, fechada numa análise limitada ao sujeito. Heidegger propõe efetivamente uma medida
pela qual se possa avaliar a existência individual e coletiva: a tradi-ção que
torna a existência autêntica enquanto esta a assume como herança cultural. No entanto vê tradição e herança como duas
formas de uma outra realidade, que as causa e que só ela as torna possíveis: o
povo e, portanto, a comunidade-do-povo.
Heidegger envia-nos a
uma estrutura totalizante (o povo) e à tradição (o que tem por hábito fazer a
gente anônima de uma nação) que por direito próprio lhe pertence. Essa concepção da comunidade-do-povo, com a
sua tradição e a sua herança, coloca Heidegger em perfeita ressonância com as
noções semelhantes que o nacional-socialismo propagaria. Não se trata, portanto, nem da conservação
tradicionalista de valores culturais recebidos do passado, nem da simples
defesa das instituições e dos costumes.
Segundo Ser e Tempo, o ato constitutivo do ser-com-outro autêntico, no
sentido em que ultrapassa o simples fato da associação entre indivíduos, é a
luta/kampf. Para Heidegger, em Ser e Tempo, não basta, a
conjugação de tradição, herança e povo em geral. A existência que-já-foi/gewesene e que o existente/ Dasein pode e deve eleger como exemplar
é a do herói. Na prática, no caso de
Heidegger, os do nazismo. O povo deve
ser no futuro o que foi no passado.
Heidegger foi um
filosofo militante. Além de professor
catedrático da Universidade de Freiburg; de Reitor nomeado da Universidade de
Marburg; Em seu livro Heidegger e o
nazismo, o pesquisador Victor Farias narra pormenorizadamente, com base em
documentos, as atividades de Heidegger em favor da formação política do partido
nacional-socialista (nazista). Farias
mostra, também, como Heidegger, que sobreviveu à Segunda Guerra, manteve-se até
à morte fiel às questões de princípio ligadas aos valores genéricos do
nacional-socialismo. Heidegger
desqualifica numa de suas derradeiras manifestações, uma entrevista à revista Spiegel, os outros sistemas políticos
que não o nacional-socialismo. Continuou,
até o fim, desclassificando a democracia vendo-a como sistema político incapaz
de fazer face à tecnicização do mundo.
Nunca rompeu os laços espirituais com a condição de possibilidade última
do nacional-socialismo em todas as suas formas: a sacralização da alemanidade e a sua conversão em exemplo
exclusivo e discriminante de outros regimes e culturas.
Conceitos
de Heidegger considerados básicos por arquiteturólogos hodiernos
Um texto de Heidegger
varias vezes lembrado por modernos teóricos da arquitetura é: "Construir,
morar, pensar" /Bauen Wohnen Denken
(conferência proferida 05.08.1951 para Discursos de Darmstadt II/Darmstädter Gespräch II sobre o assunto
"O Homem e o Espaço"/ Mensh und
Raum. Nesse artigo Heidegger
procura a essência desses três aspectos e da relação entre os mesmos num
enfoque fenomenológico em que busca esclarecer o conceito de espaço com base em
antigos usos da palavra pela língua alemã..
Deduz que o termo raum / lugar-espaço, deve ter surgido quando da
construção de lugares vistos como continentes de conteúdos. Perguntando-se
sobre a relação homem/lugar observa que nessa são introduzidas as relações
entre o céu e a terra, entre os deuses e
os mortais, o que faz com que o conceito de lugar amplie-se para o de
espaço. Vale-se da tradição e do
sobrenatural. Os lugares entre si geram
distâncias que incorporam os interstícios dos lugares reduzindo o próximo e o
longínquo entre os homens a meras distâncias.
Da multiplicidade do conteúdo dos interstícios pode-se captar as
dimensões; o que deles não captamos é entendido como extensão.
Heidegger não entende o
espaço como em contradição com o homem.
Segundo ele o homem não está no espaço e nem este é resultado da fruição
ou da existenciação do homem. Defende
que à partir do lugar em que estamos podemos também estar num lugar distante:
Podemos, estando aqui,
estar muito mais perto de outro lugar e das pessoas que essas mesmas pessoas e
daquilo que as distância indica. Os
lugares e com isso o espaço estão sempre ocupados pelo habitar dos
mortais. Os mortais estão; ou seja, em
decorrência da presença com coisas e lugares os habitantes, podem mediar os
lugares, e por poder mediar os lugares podem, também perpasssá-los. Perpassando continua-mente os lugares os
temos próximos e distantes ao mesmo tempo.
Se vou no rumo da porta dessa sala, ao mesmo tempo já estou nela e
simplesmente não poderia alcançá-la se assim não fora. Eu nunca estou somente aqui encapsulado por
meu corpo, mas sempre estou também lá ou seja eu perpasso o espaço e somente
assim consigo atravessar o espaço.
A relação dos homens
para com os sítios, e por meio desses com o espaço decorre do habitar. A relação entre o homem e o espaço essencialmente
nada mais é que o habitar imaginado.
Provando assim a relação entre sítio e espaço, mas também a relação
entre homem e espaço esclarecemos a essência das coisas que constituem os
lugares e que nós denominamos construção, edifícios.
Para Heidegger a
essência do construir, o conformar lugares, é o permitirem morar. No conceito de morar não inclui o de
trabalhar. O caráter ativo da vida
considerado é o existencial e não o produtivo.
A questão da habitação não é resolvida, para Heidegger, com a construção
de moradias mas com a educação do morar.
Morando o homem deixa de se sentir perdido pois é o morar que o chama
para dentro do habitar. De que outra
forma, pergunta, podem os mortais, de sua parte e de seus sítios, introduzir o
habitar na plenitude de sua essência? O
conseguirão somente se construírem à partir do morar e imaginando o morar.
Para fundamentar essa
sua argumentação Heidegger busca apoio no significado de termos apresentados
pelo alemão antigo. Chega a afirmar ser
o alemão a única língua capaz de tal esclarecimento e dá como exemplo o fato de
os franceses acabarem por aprender o
alemão quando realmente interessados em filosofia. Heidegger mistura o enfoque fenomenológico
com o existencialista. Seu conceito de
história é limitado ao de tradição idealizada.
Sua idealização leva-o ao nacionalismo conservador, à religião e a um
conceito de sociedade conformado e dirigida por heróis. Na prática, Hitler e os que o apoiaram.
A
fenomenologia do lugar de Norberg Schultz
Norberg Schultz é
professor emérito em teoria e história da arquitetura da universidade de
Oslo. Foi um dos primeiros pesquisadores
de arquitetura a apoiar-se no enfoque fenomenológico, exercendo hoje,
indiscutivelmente, a liderança dos que buscam tornar frutífera essa maneira de
teorizar a arquitetura. De sua produção constam significativos livros como: Existence, Space and Architecture (1971); Meaning
in Western Architecture (1975); Mellon
jord og himmel/Entre o céu e a terra (1978); Genius Loci - Towards a Phenomenology of Architecture (1980); The
concept of Dwellin. On the Way of Figurative
Architecture (1985); Stedskunst/Arte urbana (1994).
De seus escritos
deduz-se, e ele mesmo o confessa, considerar-se fenomenólogo situando-se como
tal na tendência existencialista da fenomenologia. O fenomenólogo que maior influência exerce
sobre a obra de Norberg-Schulz é Martin Heidegger, ao qual já nos referimos, o
que não exclui referir-se ainda a outros nomes dessa visão de mundo.
Os escritos de Heidegger que mais influenciaram a obra de
Norberg-Schultz são: Sein und Zeit /
O ser e o tempo; Bauen, wohnen, denken
/"Construir, habitar, pensar"; Das
Ding / "A coisa", e Hebel - o amigo de casa /Hebel - der Hausfreund.
À partir desses
escritos Norberg-Schultz desenvolve uma fenomenologia do lugar pró-pria, cujos
componentes formam uma teoria do lugar.
De início teoriza sobre o que caracteriza um lugar: um lugar não é algo desligado de quem o usa e
conhece; o lugar detém, ainda,
significado para as pessoas com ele relacionadas, faz com que o homem seja o
que é, sua identidade e respectivamente perda de identidade, deriva do
lugar. Na teoria de Norberg-Schultz há,
ainda, espaço para a história do lugar:
em tempos modernos, impondo-se a industrialização e a urbanização, evidencia-se um processo de
demolição e decadência que se expressa sob forma de falta de referências
locacionais. O intuito dessa teoria
locacional de Norberg-Schultz é: preservar, resgatar, e criar lugares que
coincidam com as bases ontológicas do lugar e assim livrem as pessoas de se
sentirem perdidas e alienadas.
Não há como por em
dúvida a boa intenção implícita a uma teoria que busca a essência de um
fenômeno, que não se perde em detalhes, e que deixa se guiar por princípios
éticos relatando a conformação dos lugares a seus autores e usuários. As questões que dai emergem é que precisam ser respondidas: Para que
forma de vida são criados os lugares?
Quais as possibilidades de vivência, de atividade, e de relações humanas
permitirão os novos lugares?
Norberg Schultz
descreve a relação das pessoas com o lugar apoiando-se em sete momentos. O primeiro momento é a chegada. Chegamos sempre de alguma parte, de algum
lugar onde estivemos antes e nos preparamos para chegar a outro passando por
lugares intermédios. A relação
dentro-fora é vista como fundamental para a identidade locacional. Como ilustração busca na tradição norueguesa
a imagem da porta da aldeia. Só
encontramos o lugar quando entramos nele.
Já no lugar defrontamos multiplicidade e unidade, o que nos impõe
escolha. A identificação com o lugar
implica empatia com a constituição do mesmo.
Implica vivência e convivência.
No lugar podemos guardar distância uns dos outros, mas podemos também
estar em acordo uns com os outros. O
acordo exige lugares próprios sob forma de instituições. Entre as instituições as igrejas jogam um
papel especial. Representam não só uma
concordância mas também uma explicação que incorpora o lugar numa ordem
cósmica. O templo explica o lugar
específico e sua vida como parte de uma ordem mundial de caráter geral. A relação dentro-fora ganha no templo uma
compreensão holística na qual a fachada expressa a porta coeli e o interior a Ierusalem
coelestis.
A ação recíproca da
vida e o lugar leva-nos a três aspectos essenciais da presença: lembrança, orientação, e identificação. Enquanto os momentos chegada, encontro, permanência, convivência, acordo e explicação indicam como a vida se
localiza, os outros três aspectos indicam o entendimento necessário para que
isso possa se dar. São esses aspectos
que possibilitam o uso dos lugares. Como
tais não podem decorrer de uma experiência mas implica serem dados de antemão. Implica,
como explicara Heidegger em Dasein / ser-no-mundo, ser o homem dotado de um
valor existencial que a priori define os
traços básicos de sua existência. A estrutura que nesse contexto é
especialmente relevante Heidegger chama de Räumlichkeit
/ espacialidade. Para explicar a relação
com o uso do lugar Robert-Schultz traduz Räumlichkeit
por existenciação e entende que estamos no lugar por meio de lembrança,
orientação e identificação.
Robert-Schultz guarda distância do funcionalismo
substituindo as funções por momen-tos. A
arquitetura não é vista como algo que decorre das atividades humanas; afasta-se
do fator trabalho como fulcro da história.
Vê a arquitetura como a concretização de um mundo que permite as
atividades humanas. Como a constituição
desse mundo adquire qualidade espiritual, não pode ser compreendida
logicamente, tem que ser expressa poeticamente.
A obra de arquitetura faz isso, pelo fato de seu entendimento fenomenológico
congregar e produzir a multiplicidade de espaço, forma e figura que conforma o mundo.
Robert-Schultz
refere-se a um pequeno livro de Heidegger sobre o poeta Hebel, onde esse
afirma:
As
construções transformam a terra, como sítio habitado, em vizinhança e agrega
sob o infinito do firmamento a convivência dos vizinhos.
Vê a arquitetura como
fator de congregação dos homens aproximando o mundo, na medida em que capta as
configurações e as consolida como lugares definidos e de formas
construídas. O infinito do céu também
participa como uma ordem geral para todos os lugares. A paisagem habitada torna-se uma paisagem
compreensível, onde o homem se encontrou entre o céu e a terra através de
respeitáveis atividades. Isso é o que
chama de habitar poeticamente.
O estar (ser)
arquitetonicamente implica para Robert-Schultz numa estrutura de três componentes:
espaço, forma e figura. Não nos localizamos somente por força de orientação, ou
somente de identificação, e todo lugar congrega implicitamente organização
espacial, forma característica e figuras humanas motivadas. Mas no uso de um lugar específico pode predominar
a presença de um desses componentes. Os
afazeres da vida quotidiana pedem uma estrutura espacial de fácil leitura
enquanto que a primeira impressão de uma cidade desconhecida é a sua ambiência
e o seu caráter.
A organização espacial
pode ser mais topológica e/ou geométrica.
A ordem topológica é a original desde que só se baseia na continuidade
dos caminhos, no caráter dos pontos focais, e na delimitação dos sítios. Considera interessante o fato de que nas
crianças constitui o inicio de seu pensamento espacial. A ordem geométrica pressupõe, no entanto, uma
espacialidade contínua na qual caminhos e sítios são localizados. Nas crianças essa se desenvolve relativamente
tarde, e estudos de povos primitivos revelam ser condicionada culturalmente. Para essa sua posição Schultz invoca
Heidegger o qual vê nessa relação que: O
espaço adquire sua essência dos lugares e não do próprio espaço. Genericamente organização espacial resulta da
correção da amplitude horizontal em que a vida primária encontra lugares na
Terra.
Por forma entenderíamos
aquilo que se ergue no espaço, tanto por força da Natureza como construído
pelos homens. Materiais, cores e
texturas, bem como as maneiras de utilizá-los, passam a fazer parte do espaço. Seu entendimento implica num pré-conhecimento
como identificação das formas do entorno pelo próprio corpo. Conforme a feitura da organização espacial
resultará a ambiência ou o caráter do mesmo.
Robert-Schultz faz
distinção entre forma e figura. Entende
como forma a ordenação daquilo erguido verticalmente que expressa a existência
humana abaixo do céu. Por figura entende
a forma das coisas concretas que constituem o entorno dos lugares. A Natureza é composta por montanhas, istmos e
baías, rios e pântanos, árvores e arbustos, ou seja, tudo o que tem nome. Analogamente a arquitetura tem coisas como
cúpulas e abóbadas, colunas e vigas, corredores e nichos, arcos e empenas etc.
que constituem a substância do seu pré-conhecimento, e a distinção entre os
mesmos depende de nossa aptidão em reconhecer algo como tal. São as coisas que funcionam como elementos de
identificação, tanto no meio circundante como em contextos mais amplos.
Quando da constatação
da paisagem habitada, espaço, forma e figura manifestam-se em ação recíproca
formando a identidade do lugar, aquilo que desde muito é conhecida como o genius loci. A conjugação das identidades dos lugares
pela memória vai nos permitir as ordens regionais e nacionais sob forma de imago mundi, de visão de mundo.
A identidade dos lugares vista no tempo vai nos permitir a tradição. Afirmando que cada lugar tem seu genius loci é implícito possuir uma identidade que deve ser mantida. É nossa atribuição, também, fazer o lugar situar-se na história. Uma tradição é, portanto, constituída de possibilidades e não de regras rígidas. É nessa perspectiva que devemos entender a memória do ser. A memória não é um conjunto de lembranças, mas o reconhecimento das estruturas básicas da vida entre o céu e a terra. A memória manifesta-se sob forma de resgate e de projeto, incluindo, assim, tanto passado, presente e futuro. Para os gregos a memória era a mãe das musas e a filha do céu e da terra. Era com outras palavras a fonte da arte. Sendo a arquitetura aquilo que faz com que a vida encontre os lugares entre o céu e a terra, merece ser reconhecida como a mãe das artes. Podemos definir isso melhor como a arte dos lugares. É como tal que uma simples construção ganha sentido. Cada obra deve ser marcado pelo lugar, que tanto é dado como uma totalidade natural e como tradição arquitetônica.
A identidade dos lugares vista no tempo vai nos permitir a tradição. Afirmando que cada lugar tem seu genius loci é implícito possuir uma identidade que deve ser mantida. É nossa atribuição, também, fazer o lugar situar-se na história. Uma tradição é, portanto, constituída de possibilidades e não de regras rígidas. É nessa perspectiva que devemos entender a memória do ser. A memória não é um conjunto de lembranças, mas o reconhecimento das estruturas básicas da vida entre o céu e a terra. A memória manifesta-se sob forma de resgate e de projeto, incluindo, assim, tanto passado, presente e futuro. Para os gregos a memória era a mãe das musas e a filha do céu e da terra. Era com outras palavras a fonte da arte. Sendo a arquitetura aquilo que faz com que a vida encontre os lugares entre o céu e a terra, merece ser reconhecida como a mãe das artes. Podemos definir isso melhor como a arte dos lugares. É como tal que uma simples construção ganha sentido. Cada obra deve ser marcado pelo lugar, que tanto é dado como uma totalidade natural e como tradição arquitetônica.
Ser marcado pela
totalidade não significa, no entanto uma relação causal, como era a intenção
funcionalista. Como interpretação a obra
é tanto nova como antiga, permitindo múltiplas relações e não uma simples
harmonia estática. Com isso a história
ganha vida e o desenvolvimento dos estilos uma decorrência disso. Hoje a arte de construir é coisa do passado,
e a originalidade foi substituída por invencionice. O único remédio contra isso é o resgate da
arquitetura como arte dos lugares.
Norberg-Schultz
considera que arte implica conhecimento e por isso é necessário desenvolver a
compreensão dos lugares num enfoque fenomenológico do que seja. Considera que a lei básica da compreensão dos
lugares é comum a toda a humanidade.
Sendo uma lei comum a todos a pré-compreensão dos lugares é parte de
nossa avaliação da existência e nos seus principais aspectos independente de
lugar e tempo. Por isso a nossa análise
do uso dos lugares é atual mesmo se os exemplos sejam históricos. De um modo geral chegada, encontro,
permanência, convívio, acordo e explicação são os momentos capitais do uso dos
lugares e também de um modo geral lembrança, orientação e identificação os
aspectos que permitem as formas de uso.
Por isso as estruturas arquitetônicas básicas são atuais mesmo se sempre
empregadas novamente.
Graças a sua origem,
essas estruturas básicas são o ponto de partida da análise dos lugares no
sentido de que nos façam entender o nosso estar-no-lugar. É necessário que a apreensão das
características do lugar se dê a partir de uma visão holística à luz da qual
analisar os aspectos antes mencionados.
Só assim a análise terá uma ponto de partida realista para a busca da
identidade do lugar. Assim será possível, também, demonstrar se o lugar se
localizou historicamente. E só assim
será possível apontar o que deve ser preservado e o que deve ser desenvolvido
para que o lugar continue a viver. Pois
a vida do lugar não implica mudanças contínuas mas guardar sua identidade
dentro das transformações.
Norberg-Schultz
considera que hoje cada vez menos arquitetos demonstram respeito por meio de
obras que interpretam a buscam a auto realização dos lugares. Ao invés as obras são cada vez mais
projetadas isoladamente como expressões exclusivas de arquitetura.
Considerações
à fenomenologia locacional de Norberg-Schulz
Uma tese central da
teoria locacional de Norberg-Scultz é a ideia de uma crescente perda locacional
nos tempos modernos. Como vimos Norberg-Schultz
define o lugar com a ajuda de três aspectos ontológicos quanto aos homens e ao
lugar. Por um lado a lembrança, a orientação
e a identificação são
concomitantemente dependentes entre si e estão presentes em toda e qualquer
situação. De per se nenhum desses três
aspectos consegue produzir uma compreensão locacional. Por outro lado organização espacial, forma
e figura agem em ação recíproca para
formar a identidade do lugar, o seu genius
loci.
Perda locacional seria
portanto a falta de identidade de um lugar, ou seja, a falta de organização,
forma e figura. Mas como é isso
possível? É possível haver lugares sem
identidade? Se assim for temos que
admitir uma patologia humana. Implicaria
o ser humano não poder vivenciar o lugar.
Por outro lado teremos que admitir que o lugar pode perder as suas
propriedades como tal. Obteríamos um
lugar sem propriedades. Nenhum dos dois
casos nos parece verosímil. Mesmo os lugares modernos têm identidade. O que ocorre é que os lugares da vida mudam
de caráter com o decorrer o tempo. Isso
é uma constante da história da arquitetura.
Outra questão é se as mudanças são bem sucedidas ou não. É necessário, também, ter cuidado com o risco
de pensar que somente o presente gera arquitetura de má qualidade.
Norberg-Schultz nos
recomenda proteger os lugares para que permaneçam como foram conformados. Isso implica, no entanto num paradoxo:
pressupõe que tudo o que tenha sido produzido como arquitetura seja bom e que
tudo o que seja novo constitua uma ameaça.
No nosso entendimento tanto velhos como novos lugares podem ser bons ou
maus. Substituindo a concepção de
história pela de tradição , como o fazem à partir de Heidegger os fenomenólogos
em geral, excluímos os fundamentais elementos de avaliação da qualidade dos
lugares da vida. Principalmente aqueles
de caráter objetivo.
Norberg-Schultz
relaciona sua teoria locacional à identidade existencial das pessoas. A identificação dos homens com os lugares
é, segundo ele, determinante para a definição da identidade também
daqueles. Ocorrendo que alguém não se
identifica com o lugar, a sua própria identidade seria perturbada. Baseado nessa teses é que ele argumenta e
considera que os lugares modernos, caracterizados por falta de proprie-dades
locacionais alienam as pessoas, bem como, que os homens necessitam raízes
concreta nalgum lugar.
A alienação é definida
por Norberg-Schultz como perda de propriedade, no sentido de não pertencer ao
lugar. O entorno de nossas grandes
cidades são exemplo gritante de lugares em decadência ou com falta de
identidade. O vemos quotidianamente nos
jornais da televisão. Jornalistas
condenando arquitetos e urbanistas pela má qualidade de vida decorrente da
falta de melhor planejamento são vivamente contestados por moradores
ressentidos. Por estes os lugares são
tidos como parte de sua identidade o que explica porque se sentem agredidos.
Sua outra tese vai
noutro sentido. Indica que as pessoas
não conseguem desenvolver uma identidade sem pertencer a determinado lugar, não
adquiririam a devida dignidade sem raízes concretas. Pobre sentença para com os inúmeros
imigrantes que hoje se aproximam das antigas metrópoles em busca de uma
melhoria de vida com relação à degradação de suas antigas colônias! Aqui Norberg-Schultz corre o risco de
simpatizar com ideais racistas tanto como o fez Heidegger. Parece esquecer que fora Oslo já morou em
Zurique, Boston, Chicago e Roma. E não é
preciso viver em país estrangeiro para ter que trocar de lugar. Qualquer pequeno artesão ou pequeno
comerciante sabe a pressão que sofre para ceder seu lugar a empresários e
capitalistas mais fortes.
O radicalismo de
Norberg-Schultz é falso quando iguala homens a plantas. "Plantando-as" ele as botaniza e,
portanto as desumaniza desautorizando a sua mobilidade física e social. A
identificação existencial de uma pessoa não pode ser limitada a determinado
lugar. A identificação com determinado
lugar joga um certo papel, mas são muitos mais os componentes da formação de
sua identidade: família, coletivos de trabalho, cultura, visão de mundo
(política, religião, ética etc.). Esses
componentes do processo de formação da identidade são supra- locacionais.
As relações sociais e de produção (trabalho) não necessitam obrigatoriamente de serem limitadas a relações de vizinhança. Uma pessoa do outro lado do mundo pode significar muitos mais do que um vizinho para a formação da identidade de alguém. Paixão e simpatia pode unir muito mais, e à distância, do que relações de vizinhança. Coitadas das pessoas que se casam com estrangeiros! Num mesmo lugar podem conviver pessoas de convicções as mais opostas. Quanto mais as propriedades do lugar significam em detrimento de outros aspectos da formação da identidade pessoal tanto mais destorcida será. Uma das medidas fundamentais para enfrentar o conservadorismo social e político é o de desviar o olhar preferencial para coisas pelo olhar preferencial para a dimensão social da vida!
As relações sociais e de produção (trabalho) não necessitam obrigatoriamente de serem limitadas a relações de vizinhança. Uma pessoa do outro lado do mundo pode significar muitos mais do que um vizinho para a formação da identidade de alguém. Paixão e simpatia pode unir muito mais, e à distância, do que relações de vizinhança. Coitadas das pessoas que se casam com estrangeiros! Num mesmo lugar podem conviver pessoas de convicções as mais opostas. Quanto mais as propriedades do lugar significam em detrimento de outros aspectos da formação da identidade pessoal tanto mais destorcida será. Uma das medidas fundamentais para enfrentar o conservadorismo social e político é o de desviar o olhar preferencial para coisas pelo olhar preferencial para a dimensão social da vida!
Norberg-Schultz opõe-se
a grandes lugares, citando algumas das principais cidades de seu pequeno país,
a Noruega. Exclui assim a possibilidade
de cidades de maior porte poderem constituir a conjugação de bons lugares. Onde é que deve-se determinar os limites de
tamanho de uma cidade para garantir a qualidade do processo de socialização de
seus habitantes? Ou é quanto menor que a cidade garante a melhor formação da
identidade pessoal?
Norberg-Schultz busca
apoio, também, no pensamento apoiado na consideração da língua como fator de
interpretação da realidade. Nisso também
lembra Heidegger que buscava apoio em palavras antigas como mais fidedignas que
os termos mais modernos. O enfoque linguístico
da arquitetura defendido por Norberg-Schultz, levando em conta a mensagem
normativa contida no conceito nameable
objects quer fazer valer que a arquitetura funcionalista não tinha
objetividade suficiente.
A condição de
objeto é condicionada por Norberg-Schultz ao fato de ser representado por um
nome. Não é sem importância a maneira
como a arquitetura é relatada a conceitos e palavras, mas que a arquitetura
dependeria das palavras a tal ponto é uma construção idealista. Isso sabem todos os que tentaram descrever
arquite-tura com palavras.
Considerando as relação
entre coisas e palavras verificamos forte ação recíproca. Uma cadeira está fortemente ligada à palavra
cadeira e a nítidos conceitos de como deve ser uma cadeira. Sentimo-nos tranqüilos se uma cadeira
corresponde a nossas expectativas quanto à sua constituição e aparência. Uma tranquilidade que não é perturbada pelo
fato de escultores e designers tratarem isso com uma certa liberdade. Mas a teoria será enganosa se tentarmos
transferir sua objetividade para relações espaciais mais complexas. Os textualistas
incorrem no erro de pensar que há correspondência direta entre distintos
fenômenos e um mundo externo à consciência e as palavras faladas, e uma
correspondência direta, palavra por palavra, entre palavras faladas e palavras
escritas. Muitos dos fenômenos sobre os
quais necessitamos falar são múltiplos e complexos. A tentativa de representá-los por meio de
palavras precisas e definidas implica negar ou ocultar importantes aspectos dos
mesmos e além disso impossibilitar uma natural ação recíproca ao nível da
abstração.
A necessidade de
precisar distintos lados em distintos contextos não se obtém somente
acrescentando conceitos. Tentativas de
diferenciar a língua com apoio de definições próprias nem sempre são bem
acolhidas. As tentativas de ser exato
quanto a terminologias científicas em trabalhos acadêmicos nem sempre resultam
em melhor aceitação. A maioria dos
escritores abandonam a exatidão de seu vocabulário quando o engajamento toma
conta.
A fenomenologia
pretende, em princípio, fazer justiça a todos os fenômenos inde-pendente de
caráter dos mesmos. Quer alcançar
"as coisas como tais", como anunciado já nas primeiras páginas de Logische Untersuchungen (Verificação
lógica). - - - - -
CONCLUSÃO
O desmantelamento de
todas as barreiras que possam oferecer alguma resistência ao livre curso da
concentração de capital e à concretização da mais-valia do neoliberalismo é um
processo altamente excludente do ponto de vista social. È natural, assim, que os excluídos, para
superar o seu estado de exclusão, de distintas maneiras ponham em questão o
direito de propriedade privada, provocando crises as mais variadas na ordem
estabelecida. Como reflexo, no campo do
pensamento, digladiam-se dois enfoques contraditórios: 1) aquele que busca o
conhecimento das leis mais gerais que governam toda a realidade; e 2) o que vê
nela principalmente a contemplação da vida humana, sem exigir dessa
contemplação os métodos altamente precisos para o aprofundamento da compreensão
precisa do indivíduo como ser social e portanto histórico.
A questão fundamental
que se coloca é: Cria o indivíduo a sociedade, escolhendo seu comportamento com
total espontaneidade e completa liberdade?
Ou é a sociedade que cria o indivíduo e determina seu
comportamento? São essas indagações que
estão na essência da contradição entre o pensamento vitalista e o
marxismo. Todo o resto são consequências
da resposta que lhes for dada.
O marxismo não
apresenta obstáculos doutrinários à análise dos problemas sobre o papel e o
lugar do indivíduo, problemas esses que o pensamento vitalista tem a pretensão
de monopolizar. Pelo contrário, o
marxismo surgiu, em grande parte, precisamente desse campo de interesse, embora
desde o princípio Marx formulasse os problemas de modo contrário ao adotado
pelos existencialistas. Assim, por
exemplo, todo o conceito de alienação nos primeiros escritos de Marx pertence a
esse campo. Não obstante, ao longo do
desenvolvimento do corpo teórico do marxismo, esses problemas tem sido
negligenciados deixando-os a outros, especial-mente aos existencialistas,
permitindo-lhes pretender um monopólio de problemas importantes e criar assim a
falsa impressão de que tais problemas só poderiam ser resolvidos por uma abordagem
idealista, subjetivista.
Não é possível aceitar,
simultaneamente, as afirmações do existencialismo e do marxismo sobre os
problemas filosóficos em geral e os problemas do indivíduo em particular, sem
cair no ecletismo e na conciliação da verdade com o erro. Abordando o problema do indivíduo de forma
marxista, ou seja, histórica e socialmente, devemos abandonar as bases
idealistas e subjetivas do vitalismo. O
marxismo ensina que as atitudes do indivíduo são produtos sociais e que, ao
adotá-las, ele "pertence na realidade a uma forma particular de sociedade. Há uma contradição fundamental entre o
marxismo e o existencialismo. É possível
escolher entre esses dois pontos de vista, mas impossível combiná-los num mesmo
sistema coerente de pensamento.
No mundo capitalista
Lenin é pouco conhecido por seus trabalhos filosóficos. Lenin tem, no entanto, o mérito de haver
analisado a "terceira via" filosófica desde o início de sua evolução. Faz ver que a filosofia antiga sustentava o
progresso das ciências enquanto que a filosofia moderna desempenha o papel de
freio porque idealiza as tendências conservadoras. Com o avanço da ciência confrontamo-nos
inevitavelmente com a questão do primado da existência ou primado da
consciência e a filosofia moderna insiste em idealizar esta última, ou bem,
aspectos da mesma como algo em si.
Em sua evolução, as
ciências fornecem novos dados e indicações para a filosofia. Tornam a filosofia aprendiz das ciências,
mas graças a aptidão humana de teorizar à partir do conhecimento científico,
obtém-se um instrumento, também em evolução, capaz de guiar as ciências todas
as vezes que os cientistas ameaçam perder-se por força dos interesses da classe
dominante ou por falta de cultura filosófica.
Lenin sublinha a importância do materialismo sem desprezar a importância
da dialética. Vendo o entendimento
materialista como em evolução, Lenin percebe que o método dialético não pode
evoluir sobre outra base que não a da ideologia materialista. As ciências prosseguem sua evolução e os
problemas sociais apresentam novos problemas para o futuro da humanidade. Constituem processos que continuam seu curso
independente do que pensam os filósofos.
Há que se admitir a relatividade e o desenvolvimento do conhecimento
admitindo, ao invés de verdades absolutas, processos de aproximação da
verdade. Somente o pensamento dialético
pode fornecer resposta a tal fato:
Para o materialismo
moderno, somente os limites da aproximação da verdade objetiva são
historicamente determinados, enquanto que a existência dessa verdade mesma é
absoluta, tanto quanto nosso progresso em direção a ela ... O que é historicamente determinado é a data e
as circunstâncias da conclusão de nosso conhecimento da essência das coisas... mas o fato de que toda descoberta
de tal natureza é um progresso do "conhecimento absolutamente
objetivo", é ele mesmo absoluto. Em
suma, toda ideologia é historicamente determinada, mas é absoluto que a toda
ideologia científica corresponde uma verdade objetiva, isto , um elemento da
natureza absoluta. Objetar-me-ão sem
dúvida que essa distinção entre verdade relativa e verdade absoluta é bem
vaga. Responderei a essa objeção dizendo
que minha distinção é suficientemente vaga para impedir a transformação da
ciência em dogma no sentido pejorativo da palavra, isto é, em uma coisa morta,
rígida, petrificada, mas que é ao mesmo tempo suficientemente nítida para
traçar, nítida e irrevogavelmente, a fronteira entre o fideísmo e o
agnosticismo de um lado, o idealismo filosófico e os sofismas dos discípulos de
Kant e de Hume, de outro.
Para o pensamento
idealista, não dialético, resta a escolha entre mitos confessados ou mitos que
procura-se esconder. Em ambos os casos
o resultado fatalmente torna-se anticientífico e antiprogressista. As distintas expressões do "terceiro
caminho" do idealismo moderno na medida em que deixam de ser a
representação móvel do conjunto da natureza e da sociedade em seu movimento,
passam a constituir as armas filosóficas, políticas e sociais da reação mundial. O testemunho histórico dos exemplos abordados
neste texto dão prova disso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário