Em face do problema da cultura nacional
Frank Svensson - Professor titular aposentado da Universidade de Brasilia e membro do CC PCB
A predisposição biológica e fisiológica para
refletir o mundo objetivo é igual para todos os homens. Independente de raça e
de origem social, todas as pessoas têm sistemas nervosos iguais. Mas cada
indivíduo acrescenta à sua reflexão do real, algo de original, algo subjetivo.
Em formas socialmente organizadas, a reflexão do indivíduo é enriquecida com
motivações que reúnem pessoas em diferentes formas de atividades sociais e
produtivas. As propriedades psíquicas
não são natas, ao contrário das estruturas anatômicas e fisiológicas, que
possibilitam o surgimento e o desenvolvimento das funções psíquicas. É através
da atividade, em relações sociais por
ela ocasionadas, que as funções psíquicas superiores se apresentam, bem como a
complexa interação de seus centros nervosos. Através do trabalho, como
atividade produtiva e criativa, o Homem conquista a possibilidade de armazenar
e comunicar a matéria histórica de seu desenvolvimento.
O conjunto de imagens ideais, subjetivas, e as associações permitidas
pelas mesmas podem ser semelhantes para pessoas que vivem sob as mesmas
condições de vida e de trabalho. Tais condições são, no entanto, objeto de
mudança em todo o mundo. Por isso, faz-se indispensável ver as características
espirituais de uma determinada nação, em relação à sua interação com o resto do
mundo.
O mundo espiritual é subjetivo e diferencia-se do consciente, por
incluir, também, o inconsciente, a
partir da experiência, da vivência e da fruição. O consciente não é a mêsma
coisa que o pensamento. O consciente reflete a realidade, não somente em forma
de pensamentos, mas também sob forma de sentimentos, imaginação e vontade. As
propriedades psíquicas das pessoas formam uma estrutura complexa: a mentalidade, baseada, principalmente, em
quatro elementos: a) necessidades e interesses, que explicam a posição do individuo na vida; b) o temperamento, como um sistema das propriedades
específicas da atividade psíquica do indivíduo; c) as aptidões do indivíduo, as
quais decorrem de suas pro-priedades intelectuais e emocionais; d) o caráter,
como sistema dos posicionamentos toma-dos pelo indivíduo, em face das relações
e do comportamento social[1].
Os traços comuns dos indivíduos de uma nação expressam-se em sua maneira
de apreenderem e refletirem o real, o que, por sua vez, sempre reflete
interesses reais de deter-minados grupos sociais. A crença de que existiria um
temperamento ou índole nacional não resiste a uma verificação científica. Não
existe uma índole nacional capaz de ocasionar relações nacionais específicas.
Em determinadas relações sociais, formam-se determinadas relações nacionais,
objetivamente definidas, as quais se refletem, com seus traços nacio-nais, na
índole do índivíduo. Ao surgirem tais traços, fazem-se relativamente
independentes e influem sobre o comportamento das pessoas. Não existe uma
mentalidade nacional, mas a suposição de
sua existência pode exercer real influência sobre a mentalidade dos indivíduos[2].
A cultura não constitui um fenômeno homogeneo Inclui o que é progressivo,
mas também aquilo de conservativo que foi criado pelos grupos sociais. Na
cultura de uma nação, encontramos uma cultura material e outra cultura
espiritual. Torna-se cada vez mais difícil diferenciar as nações naquilo que concerne
aos meios materiais, os quais estão submetidos a uma crescente
internacionalização. Mesmo na cultura espriritual, encontra-mos uma crescente
internacionalização, mas elementos como literatura e arte, modo de vida,
hábitos e tradições, grau e caráter da formação cultural trazem traços
nacionais.
Há teorias que consideram a cultura como limitada à cultura das classes
dominantes e excluem da comunhão cultural de toda a nação as amplas massas do
povo que a suporta. As classes inferiores também formam a sua cultura, e é a
partir do modo de vida das mês-mas que se desenvolve a ideologia democrática,
em busca da sociedade sem classes. Existem outras teorias que vêem isso sob
diferentes formas de proletkult e
querem limitar a cultura do proletariado à classe social que a origina, não
considerando na cultura de outras classes aquilo que beneficia o proletariado,
independente de quem a originou. Consi-derando toda a cultura que favorece a
transição para uma sociedade sem contradições antagônicas, não podemos ignorar
uma cultura de todo o povo.
Na opinião do autor, a cultura não constitui uma categoria nacional, mas
uma cate-goria social, com traços nacionais. Na análise dos traços específicos
da cultura nacional, a estética não
pode desprezar as ciências sociais, como as ciências da história, da mesma
forma como essas não podem menosprezar a estética. Não conseguimos ‘captar’ e
comu-nicar o conteúdo do modo de vida e da conformação dos meios que a vida
exige, em sua ambiência plena, sem fazer uso dos meios artísticos. Não basta
reconhecer teoricamente o significado
contido naquilo que é nacional e, ao mesmo tempo, na prática, idealizar o nacional como base da cultura, como
se esta fosse dada, a priori, para o esclarecimento dos traços nacionais. A
partir de um humanismo realista, temos que reconhecer que os traços nacionais
da produção humana começam com seus produtores e usuários, e os traços do modo
de vida e do processo de produção não podem ser encontrados fora das
características da vida, em seu desenvolvimento histórico na natureza e na sociedade. Os traços nacionais refletem aquilo que é imaginado
quanto às relações socais reais, inclusive a cren-ça numa índole nacional
quanto à conformação do modo de vida nacional em sua espaciali-dade e temporalidade[3].
[1]
Sobre o pensamento como forma de atividade, ver: Luria, A. R., El cérebro
em acción. Ver,
também, Gazzaniga, Michael, S. & LeDoux, Joseph., The integrated mind. Quanto à formação e ao desenvolvimento
do caráter do indivíduo, ver: Ash, William, Marxismo e Moral. Quanto ao
desenvolvimento da moral, ver Shiskin, A. F., Ética marxista.
[2]
Ver Kataljchian, K. O leninismo sobre as
nações e as novas comunidades internacionais. O trecho: “O pro-blema da
constituição psíquica da nação à luz da teoria leninista dos reflexos e da
psicologia científica”.
[3] É
mais importante chegar-se à clareza sobre o que os povos expressam em si
mesmos, em sua vida prática e
quotidiana, do que analisar o que os povos pensaram e pensam a respeito de si
mesmos. O problema da cultura consiste na transformação das pessoas por si
mesmas, através de trabalho criativo, de desenvovimento material e de câmbios
sociais.
Os humanistas da Renascença criaram as bases
de uma cultura totalmente nova, uma cultura de leigos, dirigida e dada às
pessoas, caracterizada pela criação espiritual e subjetiva das mesmas. A
cultura libertou-se do culto, dos mitos e das tradições para transformar-se
numa obra dos homens, um conhecimento dos homens, um trabalho dos homens. O homem não é
entendido mais como um ser genérico, mas como tipo ativo do desenvolvimento da
divisão social do trabalho: produção material e produção espiritual.
A crise do homem da Renascença foi ocasionada
pela carente correpondência entre o que a vida se mostrava ser e a opinião
humanista a respeito. O humanismo romântico busca, ainda hoje, vínculos
preferenciais para a criatividade do indivíduo. Alguns buscam fundamento dentro
de si mesmos, nalguma forma de realização intropesctiva. Outros sentem-se mais
seguros em relação com a Natureza e o meio ambiente mais próximo. Ainda outros
deixam-se seduzir por aquilo que parece interessante no passado.
A conceituação marxista de cultura busca as
leis da realidade e a explicação da mesma,dentro da própria realidade, numa
proposição de que a existência social dos homens determina a sua consciência.
Dessa forma a cultura não é limitada ao
nostálgico ou ao local. Cultura implica desenvolvimento, melhoria e aumento de
conhecimento sobre aquilo que existe. A cultura é entendida como uma categoria
do desenvolvimento da totalidade.
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