Sinopse (versões e
livres exposições) do livro de Michael
Schneider: Neurose und Klassenkampf (Neurose
e luta de classes), Reinbeck bei Hamburg, 1973.
Frank
Svensson, 2009.
O caráter do desejo e o
da usura afeitos à circulação financeira marcam o movimento próprio da
sociedade capitalista. Marx o exemplificou com Midas, um camponês feito rei
pelo povo, que pediu ao deus Baco o poder de tudo transformar em ouro. Encarnou
assim a negação de seu moto próprio, tornando-se arquétipo do neurótico
capitalista.
O colecionador de
tesouros caracteriza-se por abstratas virtudes. É assíduo, abstinente,
parcimonioso e avaro, virtudes que ao fim são marcas da burguesia industrial e
financeira como classe social. Sua razão econômica deixa de ser o valor de uso
e de desfrute, torna-se valor de troca e de acumulação. Sua ancoragem religiosa
dá-se nas neuroses coletivas das coerções no cristianismo, principalmente do
protestantismo reformista e do evangelismo hodierno. Em termos políticos
apregoa a ideologia da não-ideologia e do não-partidarismo.
A burguesa psicologia
da abnegação e da performance só ganhou terreno entre o proletariado quando a
burguesia conquistou o poder do Estado impondo a disciplina de caserna nos
locais de trabalho. Os filhos dos proletários passaram a ser disciplinados
segundo severas ideias de autoridade, higiene e ordem, com a função de arraigar
disposição para o trabalho assalariado.
A sensorialidade do ser
humano é, no modo de produção capitalista, submetida ao rígido e exato cálculo
do ditame do mercado. Com a crescente coisificação das relações na sociedade, a
libido, ou seja, a conformação dos desejos, entra em crescente contradição com
a abstração do princípio de realidade da razão. Amor, poesia e originalidade
tornam-se sinônimos de incapacidade ou recusa de submeter-se aos princípios do
quantificável. A alma capitalista só consegue aceitar paixão e amor como
ligados à ruína e ao castigo econômico. São vistos como risco, como desvantagem
comercial, como fraqueza, como bobagem e até como forma doentia. O sensorial é
concebido em inconsciente oposição ao insensível pagamento à vista que o
capital impôs a todas as relações humanas.
Esta mistificação
econômica é reproduzida no plano psíquico do capitalista. Sua índole
apresenta-se ao sujeito como natural, apesar de tratar-se de uma segunda
natureza, reflexo de uma sociedade na qual os meios de produção apresentam-se
como um estranho poder, ao mesmo tempo em que seu anacrônico reflexo religioso
ganha formas profanas de caráter psicopatológico.
A crescente contradição
entre a autêntica proletarização e os ideais de autonomia pessoal expressam-se
– principalmente nas classes intermediárias da sociedade – em forma de neurose e
psicose. Os cada vez mais difíceis momentos de crise social e política dão
origem a uma crescente presença de males psíquicos em todas as camadas sociais.
Quando as mais acentuadas contradições de classe não são resolvidas de forma
progressista – com o método da revolução socialista – evidenciam-se de forma
regressiva, introvertendo-se doentiamente.
No capitalismo tardio,
uma crescente frequência de doenças decorre da organização e da divisão do
trabalho. Seguem-se a fragmentação e a parcialização das aptidões e das
afeições do indivíduo. Sua estrutura de motivações persiste rudimentar, tendo
seus últimos rudimentos de criatividade extirpados do contexto do trabalho
assalariado. Simultaneamente, o processo do trabalho na sua totalidade torna-se
mais complicado, mais coordenado e mais qualificado. Para grande parte dos
trabalhadores torna-se mais simples, mais fácil, mais automático e mais
desclassificado. A desclassificação do trabalho avança de mãos dadas com a
impossibilidade de nele aplicar suas habilidades, alimentando uma das
principais patologias industriais.
O aumento de doenças
funcionais e de desvios patológicos na população obreira deve-se sobremodo a
mudanças estruturais na produção e a novos métodos de extração de mais-valia. A
exclusão do trabalho manual em favor do trabalho mental no semiautomatizado
trabalho industrial implica na substituição de doenças orgânicas por
enfermidades funcionais. O incremento da exploração da mais-valia relativa pela
intensificação do trabalho explica a depauperização psíquica em oposição ao
recrudescimento brutal das formas de lucro.
Se a força de trabalho
adoece por tornar-se objeto de inescrupuloso lucro, só se deixa reparar
submetendo-se também a condições lucrativas. A frequência de doenças psíquicas
entre os trabalhadores tem a função objetiva de favorecer a indústria
farmacêutica, que se alimenta da crescente procura de remédios e aparelhamento
médico, uma indústria que apresenta os mais elevados índices de expansão e
lucro.
A imagem clínica da
sociedade do capitalismo tardio caracteriza-se por um sensível aumento das
doenças psicóticas, claramente super-representadas nos segmentos proletários.
As rígidas práticas de formação e educação eivadas do desejo e do exercício de
poder na família obreira; decrépita agressividade; obediência a regras e normas
emanadas do processo de produção resultam numa formação de superego com elevada
disposição psicótica. Já a prática formadora da família classe média, de
orientação amorosa em busca de segurança, com absorção das normas de
performance dos pais, resulta numa forma distinta de formação do superego de
acentuada disposição neurótica. Os trabalhadores podem muito menos se dar o
luxo de neuropsicoses, desde que suas decorrências sociais são muito mais
graves do que para a classe média e a elite. A perda da noção de realidade
resulta muito maior para uma psicose do que para uma neurose. Corresponde-lhe,
portanto, o grau de dificuldade implícito à situação social do doente. O
psicótico proletário regride mais do que o neurótico classe média, por ser sua
alienação – decorrente de sua longa e obrigatória condição de assalariado –
muito mais acentuada.
A crescente frequência
psicótica na população proletária esclarece a opinião de que as ilusões
psicóticas incluem a necessidade de uma outra e nova realidade. Sendo o
proletariado o que mais sofre sob a realidade capitalista é o que objetivamente
mais quer substituí-lo. Mas enquanto – por sua fraqueza organizativa e política
– de fato não consegue mudar a realidade social, o isolado e impotente
proletário passa a mudar suas ideias sobre a realidade, a alimentar ilusões. A
radicalidade nelas inclusa sempre foi vista pela sociedade como séria ameaça.
Por isso trata o psicopático revolucionário ou o revolucionário psicopata como
um caso de se exorcizar um endemoninhado.
As atuais pesquisas
progressistas de psicose e esquizofrenia expõem as velhas teorias manicomiais a
sérias críticas. O clássico entendimento da esquizofrenia como doença mental
hereditária tem sido confrontado pela pesquisa de orientação psicanalítica com
uma interpretação psicoevolutiva. Segundo esta, os distúrbios esquizofrênicos
de comunicação decorrem de contradições da sinalização de distintos planos, por
sua vez resultantes de ambivalentes posições emotivas por parte dos pais ou de
profundas divergências entre si. A velada luta entre os pais reflete-se na
psique da criança, cindindo-a.
Esse estudo
psicanalítico da esquizofrênica constelação familiar expressa duplas ligações
na sociedade, veladas contradições de classes às quais se expõem pais e filhos
na escola e no local de trabalho. A esquizofrenógena consciência nada mais é
que uma obstruída consciência de classe.
A pesquisa de
orientação mais sociológica evidencia que a mais elevada frequência de
esquizofrenia na população proletária decorre principalmente de seu isolamento
social na esfera reprodutiva (família, local de habitação), aumentando a
disposição a colapsos esquizofrênicos. Do ponto de vista de dependência
salarial, nada mais é que uma reação a participar, a continuar vendendo sua
força de trabalho sob desumanas condições. Do ponto de vista do capital,
entretanto, é típico de uma força de trabalho imprópria, não rentável e
insubmissa
Para as ideias da
psiquiatria social quanto à terapia e à reabilitação tomam-se por base outros
conceitos capitalistas de doença e de saúde. O mais importante instrumento de
reabilitação é a terapia laboral, visando tornar o doente em condições de
novamente vender a sua força de trabalho. Uma mão lava a outra: a indústria clinica
fornece os casos psiquiátricos arruinando a força de trabalho dos obreiros e
sua saúde psíquica; a clínica industrial recupera a força de trabalho o
suficiente para poder oferecê-la de volta a preço muito inferior. Comum ao
trabalhador saudável e ao doente é ser externa a si a determinação das
condições sociais sob as quais trabalha, ou seja, quando adoece e quando é
recuperado. Esta decisão de estranha influência externa constitui a essência de
todas as doenças psíquicas no capitalismo.
Ligada à psicose do
conjunto de formas esquizofrênicas é a psicose das drogas, que sobremodo define
a paisagem clínica da sociedade do capitalismo tardio. O consumo de
psicotrópicos cresce também entre a população de trabalhadores adultos, que só
consegue suportar e atenuar a fadiga psíquica no super-racionalizado processo
de trabalho e as crescentes perturbações funcionais com o recurso de
estimulantes químicos. Os donos de fábricas têm por isso acentuado interesse de
estimular substâncias psicotrópicas. Em parte, esses preparados incrementam a
performance, garantem máxima exploração da força de trabalho; em parte
escamoteiam o constante incremento das piores consequências à saúde dos
trabalhadores. Por isso os legisladores não penalizam o consumo de drogas em
si, hoje indispensável à exploração máxima da força de trabalho, mas só os que
se desgarram com ajuda de drogas, isto é, os que se eximem da exploração legal.
A patologia que resulta
das funções totalitárias é principalmente psicossomática, psicossexual e
psicótica: é a dos distúrbios de comportamento. A patologia que resulta das
funções totalitárias comerciais apresenta-se, ao invés, como patologia das
perfeitas imagens estético-comerciais. Para resolver seus problemas de venda, o
capital monopolista desenvolve o inflacionário mundo da bela aparência, um
mundo de infindáveis promessas de felicidade e de valor de uso, com uma
perversa primazia das energias de um mundo de coisificadas pessoas em favor das
coisas personalizadas. As exposições do mundo das mercadorias são transformadas
em gigantescos e emocionantes cenários que com suas inusitadas formas
mistificam a consciência do comprador. A decomposição da mercadoria em
artificiais processos de animação desperta uma tendência no consumidor de só
apreciar aquilo que se expressa por categorias mercantis
.
Seus sentidos são
transformados em passivos receptores de sinais puramente comerciais. Suas
relações com o mundo das mercadorias tornam-se cada vez mais irreais, na medida
em que seu alucinante mundo de associações por métodos que – cada vez mais
refinados – buscam evitar a função da comprovação realista. O hábito do consumo
ganha assim mais e mais características projetivas; o aparato psíquico é
reestruturado num painel de projeção para o filme de propaganda do momento.
A abstração do
sensorial, implícita ao princípio da troca, influi na projeção assexuada da
mercadoria, forma que assim como as necessidades sexuais assemelham-se cada vez
mais a dinheiro e transações monetárias, algo que se evidencia sintomaticamente
na promíscua práxis sexual dos consumidores de pornografia, dominada pela
ilimitada convertibilidade do objeto sexual. A total sexualização do mundo do
mercado e a generalização das formas de convívio sexual implica a total
abstração do valor de uso da sexualidade. Das constantes ofertas de valor de
uso sexual as energias eróticas são levadas a uma fixação exibicionista, ou
seja, transferidas para parciais canais da libido.
A característica das
estruturas sociais de impulso e caráter é hoje determinada menos pelo processo
de socialização individual, pelo desenvolvimento infantil instintivo. Por outro
lado, a atenuante estrutura estético-mercantil, por meio de sua crescente
valorização capitalista, joga hoje um papel cada vez maior. Qual objeto sexual
é percebido como mais belo, mais merecedor de apreço, e o que é visto como mais
másculo, mais juvenil etc. é muito menos determinado por relações entre objetos
e identificações familiares na infância do que pela anônima ditadura
estético-mercantil. Quais os estímulos parciais desenvolvidos e quais os
acentuados depende sobremodo das estratégias de venda e de lucro dos ramos
industriais predominantes.
Na incessante busca de
novos mercados o capital abarca novos continentes da sensorialidade humana,
desertificando outros já longamente cultivados. O enfermo quadro da sociedade
consumista do capitalismo tardio não pode mais ser diagnosticado com ajuda dos
clássicos conceitos de doença apontados por Freud. Se o neurótico clássico
(também o psicótico) ainda padecia de desejos de infância, o capital
comerciante o salvou desse sofrimento oferecendo imagem estandardizada por
iniciativa estético-mercadológica. Na medida em que a libido, o desejo, são
satisfeitos sob a forma de compra (ou parece ser satisfeita dessa forma) é arrecadada
pelo princípio de realização do capitalismo. Quando o comprador é levado a
vender os seus desejos, perde a condição de poder adoecer em função deles. Em
lugar do clássico antagonismo entre os princípios de realidade e desejo, entre
o eu e o isso, dá-se uma perversa ação recíproca entre ambos os lados do
aparato psíquico. Não é mais a repressão de certas necessidades instintivas que
determinam a doentia imagem de vendedor ou comprador.
Isso vale somente para
as esferas da circulação e do consumo na sociedade do capitalismo tardio. Já na
esfera da produção, o aumento dos distúrbios das funções psíquicas indicam uma
crescente resistência aos princípios capitalistas de realidade: a vitalícia
obrigatoriedade do trabalho assalariado. É também por isso que na esfera da
produção a sintomática e patogênica oposição ao princípio capitalista de
realidade pode e irá se mudar em consciente oposição política.
Perspectiva
Debilitação psíquica em
massa é tarefa para uma subversiva psicanálise de base materialista
Talvez o mais popular e
mais flagrante argumento da crítica burguesa do marxismo é que a teoria do
empobrecimento é refutada pelas condições econômicas de fato; a ascensão do
nível de vida da classe trabalhadora nos países altamente industrializados comprova
que a teoria do empobrecimento se confirma pela própria história. Essa
comprovação antimarxista oculta que o conceito de Marx não se refere ao salário
absoluto, e sim ao relativo. Tais conceitos infelizmente nem sempre foram
vistos como distintos pelas lideranças teóricas e pelos organizadores do
movimento trabalhista; por exemplo, Lasalle. O conceito de empobrecimento
implica o salário, sendo com isso que o nível de vida do trabalhador decresce,
não em termos absolutos, mas em relação ao lucro do capital. Na realidade, não
é diferente nem mesmo a denominada sociedade do bem-estar: a diferença entre o
salário e o lucro do capital só aumenta, ou seja, aquela parte do produto
nacional bruto que cabe à classe trabalhadora diminui, apesar de aumento dos
salários
Pretensos entendedores
burgueses ocultam ainda que o conceito marxista de empobrecimento não se refere
a determinado proletariado nacional, mas ao subjugado proletariado
internacional. O proletariado dos países capitalistas altamente industria-lizados
tem escapado, no entanto, do empobrecimento econômico absoluto (ao qual eram
expostos no século XIX e durante as crises do século XX) só porque
indiretamente dispuseram do sobrelucro que o capital monopolista europeu e o
norte-americano extraíram dos povos do terceiro mundo. Em razão dos enormes
sobrelucros, o espaço de concessões ao proletariado local foi relativamente
maior na fase imperialista do que na fase pré-imperialista. O relativo conforto
atingido e desfrutado pelo proletariado nos países desenvolvidos foi pago,
portanto, com um absoluto empobrecimento do proletariado na África, na Ásia e
na América Latina: empobrecem cada vez mais, enquanto os ricos países
imperialistas enriquecem.
O conceito de
empobrecimento de Marx ganha, além disso, uma especial atualidade nos nossos
dias, se o complementarmos com a dimensão psicológica. O proletariado nas
metrópoles imperialistas é, como mencionado, ainda submetido a uma relativa
extorsão econômica, mas seu processo de extorsão psíquica toma a dianteira de tal
forma que merece especial atenção justamente por parte do pensamento marxista:
Nossa
sociedade é uma sociedade de classes, ou seja, tem exploradores e explorados.
Hoje a exploração não se apresenta imediatamente como miséria material (mesmo
se esta persiste de forma escandalosa no entorno das grandes cidades [obs. do
autor]), mas toma a forma de uma extorsão psíquica de massa. (U. Ehebald: Psychische und soziale Motivation zum
Drogenkonsum – Motivações psíquicas e sociais do consumo de drogas).
Ao modo de produção
capitalista é inerente a contradição que tem por um lado valor de troca e
capital e por outro destruição do valor de uso, principalmente considerando que
o valor de uso da força de trabalho aguça-se hoje cada vez mais. As forças
produtivas de caráter tecnológico – e assim as forças produtivas do trabalho
social – desenvolvem-se na medida em que o trabalho para o trabalhador
individual perde cada vez mais significado, torna-se abstrato, limitado e
monótono. Com a constante intensificação, automatização (sob condições
capitalistas) e abstração cresce também o seu caráter patogênico. Hoje, com a
possibilidade de sustar a divisão capitalista do trabalho, apresenta-se como
nunca antes na história a submissão dos homens ao capitalismo.
A mesma contradição é
reproduzida no campo do consumo: ao consumidor é posta uma crescente quantidade
de mercadorias, tornando-o cada vez mais incapaz de beneficiar-se sob forma de
desenvolvimento qualitativo de sua aptidão sensorial e espiritual. Quanto mais
a sua vida sensorial é meio de acréscimo de valor, tanto mais se distancia de
seus sentidos, tanto mais sem sentido torna-se em relação a si mesmo. Hoje,
quando as forças produtivas adquirem uma forma universal, as forças sensoriais
libidinosas mostram-se mais tacanhas e atrofiadas do que nunca.
A transformação das
forças produtivas em forças destrutivas prevista por Marx ressurge – na
economia monopolista – reproduzida num plano superior da economia de produção
da sociedade. As armas de destruição imperialistas ameaçam com destruição
física imediata não só os povos do terceiro mundo que se opõem à exploração,
mas ameaçam também a população nas metrópoles imperialistas com abrangente
atrofiamento e destruição psíquica. A avassaladora destruição das forças
produtivas da sociedade sob forma de anulação do capital físico (crises
econômicas, produção bélica etc.) e a anulação funcional do capital (automação
interditada em áreas não rentáveis para o capital, desativa mento planejado
etc.) tem sua correspondência psicológica na incessante destruição de energia
psíquica, sob forma das energias de resistência e fuga necessárias à manutenção
do equilíbrio psíquico. Os crescentes custos mortos do desenvolvimento
econômico correspondem aos crescentes custos mortos das energias despendidas
para financiar a redução de doenças em nível pessoal.
Num aspecto, a
contradição entre aperfeiçoamento técnico e o aumento de riqueza material (da
qual a classe detentora de capital incorpora parte leonina), e noutro a
crescente depauperação psíquica é historicamente recente em seu aguçamento. A
relação entre acumulação de capital e empobrecimento psíquico deve por isso ser
posta no centro da propaganda política. Ligada à tradicional argumentação
político-econômica, esclarecedora dos mecanismos de exploração econômica, urge
hoje a argumentação político-psicológica, esclarecendo os efeitos patogênicos
do capitalismo. Esta ganha crescente significado para a agitação e a propaganda
revolucionária. Não só os aumentos de lucros, preços, aluguéis, impostos e
armamento etc., mas também a crescente frequência de doenças psiconeuróticas e
psicóticas, funcionais, de distúrbios, impotência e comunicação etc., devem
passar a ser vistos como objetos de análise política e agitação.
Somente quando a dupla
face do capitalismo – crescente conforto material e depauperação psíquica –
possa ser vista de ambos os lados, ao mesmo tempo a exploração capitalista
passará a ser percebida como o enorme escândalo que sempre foi. Percebida não
só objetivamente, mas também subjetivamente. Somente quando as massas
assalariadas tiverem consciência do preço econômico e psíquico que sustenta as
relações produtivas do capitalismo, ou seja, ao preço de exploração econômica e
depauperação psíquica de sua força de trabalho, ao preço de crescente miséria
espiritual e psíquica de todo o mundo do bem-estar ocidental é que as ações, a
televisão em cores, o aparelho de som estereofônico, o voo charter etc. perdem
seu conciliador efeito em relação à desumanidade das formas de produção
capitalistas. Somente quando o balancete psíquico da chamada sociedade do
bem-estar estiver à vista de todos, juntamente com o balancete entre lucro e
exploração, a ideologia consumista será definitivamente desacreditada.
Hoje, quando em todas
as circunstâncias desponta um deslocamento do centro de gravidade da
depauperação econômica para a psíquica, a teoria político-econômica
propriamente dita tem que incorporar uma teoria de enfermidade e a prática
política incluir uma prática terapêutica. A sumamente importante tarefa de uma
psicanálise materialisticamente esclarecida – ou talvez seja melhor
classificá-la como uma teoria de doenças psicanaliticamente esclarecidas sobre
base materialista – implica desenvolver todas as formas de resistência psíquica
aos condicionamentos laborais e de socialização, expressos como doença, como
alavanca da luta política. Uma tal teoria psicanalítica das doenças
materialisticamente esclarecida evidenciará que a doença psíquica,
independentemente de sua forma, contém traços subversivos e progressistas:
constitui uma ainda inconsciente forma de protesto contra as vigentes condições
de exploração e opressão na família, na produção e no consumo. Então, as
contribuições de William Reich poderiam ser atualizadas e complementadas, desde
que não se trataria tanto de demanda de liberdade sexual, mas de combate à
moral sexual burguesa (sempre minada pela apropriação estético-mercantil da
sexualidade), mas principalmente para transformar o momento de passiva
resistência expressa em doença em ativa resistência política à sociedade
doente. Uma psicanalítica teoria de doença materialisticamente esclarecida
pressupõe – e o deve propagar – que uma doença psíquica tem de ser vista de
pontos de vista opostos, embora se trate de neurose ou de psicose: do ponto de
vista do bem-estar da saúde oficial, trata-se de etiquetar uma força de
trabalho deficiente, não rentável e talvez insubordinada; do ponto de vista do
trabalho assalariado não se trata de outra coisa que uma consciente fuga
psíquica ou tentativa de rompimento com as condições capitalistas de trabalho e
de socialização, uma sintomática recusa de continuar participando.
A consciência de classe
em grande parte tem, no entanto, por meio do fascismo e de sua posterior
restauração, sido ocultada ou desviada para outro plano, o do aparato psíquico,
isto é, expressa-se cada vez mais como recusa ao trabalho por motivo de doença.
As doenças como fenômeno de massa precisam mais do que nunca ser consideradas
como motivo de pública discussão e agitação política, para que a raiz comum das
muitas distintas formas de doença e depauperização psíquica seja enfocada.
Somente desse modo o enfermo individual, acostumado a aceitar sua moléstia como
seu destino pessoal, pode compreender seu caráter social. Somente dessa forma a
perda de prestígio que na sociedade capitalista é vinculada a enfermidade, pode
ser sustada.
Visto do marxismo,
atribuiu-se à psicanálise até agora uma função limitada. Isso com toda razão,
visto que suas mencionadas categorias dependem da superestrutura, são cegas em
relação às determinantes não familiares de socialização, bem como aos processos
de formação ideológica. Uma teoria sobre doenças psicanaliticamente
esclarecidas, com base materialista, como aqui esboçada, decorre oposta e
diretamente da base, mostrando que psicologia passa a ser psicopatologia, ou
seja, enfermidade, na mesma medida em que é submetida ao processo de acumulação
do capital; implica também em estratégia terapêutica: se as reações
psicossomáticas, psiconeuróticas e psicóticas nada mais são que cegas e
inconscientes reações de defesa ou mecanismos de defesa (como denominado no
campo da psicanálise) contra as funções acumulativas do capitalismo, sob as
quais as pessoas geralmente são organizadas atualmente, é necessário transformar
essas reações de defesa em ação política contra uma sociedade enferma. Se a
classificação em sadio e enfermo, em última instância, expressa a seleção
capitalista em intacto e defeituoso, rentável e dispendioso, em força de
trabalho adaptada e adversa, é necessário mobilizar doença, sob todas suas
formas, como resistência à saúde reinante.
Isso não significa que
de uma carência psíquica coletiva se faça uma virtude revolucionária e que se
proclame a doença como a força produtiva n.º 1 para uma conversão das relações
produtivas capitalistas. Doença não inclui somente traços positivos, traços de
resistência e protesto, como uma alavanca subjetiva para a luta política, mas
também um traço negativo, manifesto em fraqueza do eu, regressão, perda da noção
de realidade etc.
Cada modelo de
organização política necessita incluir também um modelo terapêutico. Também
deste ponto de vista ultrapassados modelos de organização política precisam ser
repensados e questionados. Com relação ao novo nível histórico da depauperação
psíquica, as estruturas das novas organizações de luta não podem mais ser
definidas tendo somente a objetividade organizacional como objetivo. O ponto de
vista terapêutico – criar formas de comunicação qualitativamente novas, não
alienadas, não coisificadas – precisa hoje exercer determinante influência
sobre a estrutura da organização revolucionária. A auto-organização política
necessita ser também uma auto-organização terapêutica, na qual os enfermos
indivíduos, atomizados, psiquicamente depauperados, de inibida comunicação,
ganhem uma ego-consciência coletiva, uma coletiva ego-força, junto à
consciência política. A forma de organização de promissor futuro não é aquela
de linha política mais pura (no sentido de ligar-se a determinada tradição
leninista, stalinista ou maoísta), mas a forma de organização ligada às novas
necessidades históricas das massas sendo capaz de apreendê-las.
Quando os moradores de
certos conjuntos habitacionais durante o levante de maio em Paris derrubaram
muros de concreto entre seus próprios apartamentos e os de vizinhos, deram
mostra das exigências terapêuticas que hoje devem ser feitas a uma organização
revolucionária: concomitantemente à superação da propriedade privada, também
superar os muros patogênicos que a propriedade privada erigiu entre os homens.
Em relação ao novo nível histórico da depauperação das massas todas as
estratégias econômicas atuais são insuficientes. Só com exigências políticas e
econômicas não se conseguirá mobilizar as jovens massas marcadas pela ideologia
do consumo. O movimento revolucionário de nossos dias precisa oferecer mais do
que somente um compreensível aparelho socialista para o Estado e a economia.
Tendo o caráter mercado, durante o capitalismo tardio, tornado-se um caráter
universal, a revolução socialista só pode ser entendida como uma conversão
universal de todas as relações sociais onde o caráter mercadoria compareça.
O deslocamento da
ênfase de depauperação econômica para depauperação psíquica é algo que o
movimento revolucionário tem de considerar no mais alto grau: precisa oferecer
um novo modelo de comunicação que se contraponha à depauperação política e
terapêutica das massas, precisa confrontar os sintomas de depauperação psíquica
das massas do capitalismo tardio com a imagem do humanismo comunista, do
universal desenvolvimento da sensorialidade humana, tal como Marx esboçou em
seus manuscritos de Paris.
Assim como a
propriedade privada é só a expressão sensorial do fato do homem tornar-se um
objeto para si mesmo – e dessa forma um objeto estranho e desumano – fazendo
com que sua vitalidade seja apagada, sua realização o seja de falta de
realismo, de uma realidade que lhe é estranha, não consegue perceber o positivo
na eliminação da propriedade privada, que se dá para e pelo homem, ou seja, a
realização concreta do ser e da vida humana, do homem como objeto e da obra
humana, como o desfrute e a apropriação imediata. O homem se realiza como ser
diversificado de forma diversificada, ou seja, como totalidade humana. Cada um
de seus posicionamentos humanos para com o mundo, a visão, a audição, o cheiro,
o gosto, o tato, o pensamento, a observação, a percepção, a vontade, a
atividade, o amor, resumidamente todos os órgãos de sua individualidade, assim
como os órgãos de sua sociabilidade, são apreendidos pelo objeto em suas
relações objetivas [ . . . ] A extinção da propriedade privada implica portanto
na completa emancipação de todos os sentidos e propriedades humanas (Karl
Marx).
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