Elias Cornell,
Professor Emérito de Teoria e História da Arquitetura, Gotemburgo.
Para esclarecer espaço arquitetônico - criação, entendimento, história
- considere-se a exigência imposta à ciência de continuamente (re)conquistar
partes desconhecidas ou esquecidas da realidade. O espaço é uma das
propriedades da arquitetura. A totalidade comporta muitas mais, dada a
necessidade de tê-la todo o tempo em vista, focando-a com maior apuro para se
investigar quaisquer partes.
Muitos e diversos são os caminhos para se entender arquitetura, cada um
segundo a propensão, a experiência, o interesse, o gosto. Nossa escolha é pelo
explícito e pelo óbvio, enquanto ajude a perceber “o todo” alcançando mais
espaço e lugares, aspectos pouco considerados por quem estuda e escreve sobre a
arquitetura, sua história, sua teoria e sua prática.
O todo maior e seus dois lados
Cumpre entender como totalidade a construção edificada pelo homem para
nela estar e agir, com os lados externo (fachadas voltadas para nós) e interno
(espaço que nos envolve e do qual participamos). Ao frequentar edificações,
distinguimo-las parados ou em movimento. O exterior e o interior proporcionam
permanente e recíproca expe-riência. Um pressupõe o outro, apresentam-se em
simultânea e rica contradição.
As formas de existenciação do espaço arquitetônico são singulares. Ante
a obra é possível postar-se como observador e pensante, ou como quem só
contempla, como a imagens, pinturas, esculturas, murais. Nos dois casos mais se
percebem o exterior edificado, as fachadas, como introdução, prelúdio, anteato.
E nos predispomos à expectativa de conhecer-lhe o interior, onde se realizará
um ato ou um fato.
Ao se estar no interior do edifício, a experiência alcança a segunda
fase. Aprofunda-se, estende-se da expectativa à constatação da finalidade de
sua concepção. A contemplação do exterior costuma ser passiva, e a descoberta
interna traz o compor-tamento ativo. Entramos e apropriamo-nos do lugar,
usamo-lo para agir, participar, perceber como é ou imaginamos. Em certas
edificações cria-se mais a situação que a atividade, ou a contradição entre as
situações.
O lugar onde se está é edificado e equipado no convite à ação, à
inspiração, à sugestão, à viabilidade, à predisposição, à correspondência, ao
esclarecimento, à conscientização, à prescrição, à orientação; serve de espaço,
é palco e cenário do ato e do fato. De modo algum se admita a existenciação do
espaço arquitetônico como excludente da ação, ou vista independentemente da
experiência artística, porque por meio da ação experimentamos a arquitetura-arte,
levando à plenitude sua existenciação.
Ato ou fato que motivam o lugar, que o pressupõem, podem ser
manifestos, palpáveis, evidentes, permitir movimentos, exigir equipamentos,
acomodações especiais. Contudo, ato pode ser tranquilo, simbólico, inusitado,
surpreendente, tratar de algo oculto ou esquecido que exija esclarecimentos
para uma experiência arquitetônica completa.
As questões de construção são claras, compreensíveis. As necessidades a
satisfazer costumam ser de amplo domínio, embora os construtores as enfoquem
conforme condições inerentes às sociedades. Para interpretar a arquitetura
atenhamo-nos à linguagem livre de expressões especiais, visitemos edificações
ou as conheçamos por imagens, desenhos, descrições, confiemos na nossa imaginação
e respeitemos os dados objetivos.
Tectônica e estereotômica descrevem os caracteres da expectativa
externa e da plenitude interna, a ação recíproca, a contradição externo x
interno e como se imbricam as duas dimensões.
Tectônico e stereotômico
A arquitetura é tectônica quanto a seu exterior e estereotômica quanto
ao interior de seus lugares.
O tectônico significa “construído com partes e componentes
construtivos, independente-mente dos necessários ou dos representativos”.
Templos gregos antigos são tectônicos quanto ao exterior, principalmente, com
palpáveis bases, colunas, capitéis, vigas, empenas.
“O estereotômico visa ao que paira, ao que está em balanço, ao
escavado, à sustentação, à profundidade, ao infinito”. Há muitos forros
estereotômicos, sobretudo cúpulas e abóbadas cuja profundidade acentua-se à
nossa vista, frequentemente pintadas para aparentar o céu. Coberturas de
construções religiosas, em geral, são estereotômicas, como em grandes halls e
tetos pendentes que cobrem locais para jogos, reuniões, exibições.
O tectônico e o estereotômico pouco existem de forma absoluta.
Coexistem, contrastam. Grandes nichos em fachadas podem ser incrustações
estereotômicas entre colunas tectônicas. Portas e outras reentrâncias
apresentam incrustações estereotômicas. Colunas tectônicas e outros suportes
sustentam abóbadas e cúpulas estereotômicas, em compartimentos.
As denominações são corretas, mas não devem ser usadas para quaisquer
edifícios. Adotá-las com ponderação ajuda-nos a avançar no caminho da compreensão
da arquitetura. Auxiliam a superar o equívoco de não dizer impossível
descrever, interpretar o espaço arquitetônico.
Algum pesquisador de arquitetura afirmou: o espaço arquitetônico não
constitui factum (feitura, fato). Um
historiador da arte defende: a arquitetura é tectônica e nada mais. Ambas as
opiniões expressam extraordinária falta de vontade de entender a totalidade.
Organização artística e
realidade prática
Ao criarem, os construtores valem-se da organização artística da
realidade prática, que abrange técnica e finalidade. Não existe lado puramente
artístico nem o somente prático. Nada importa se o artístico é expresso - como
em muitos arquitetos - ou implícito, inconsciente, desconhecido ou negado por
auto construtores, mestres de obra, engenheiros e até por arquitetos. As
qualidades da totalidade são determinantes, acima de tudo.
Preocupemo-nos em “Como deve ser o artístico?” Isto testemunha a
totalidade. Sem a forte visão do global, resulta um capricho mecânico, vazio,
deprimente, frustrado, reflexo até de desprezo humano.
O campo visual
Ao entender a arte de construir, cabe ver o que temos diante dos olhos
e o que apreendemos com os outros sentidos. Campo visual é profundidade
unívoca, espaço em que volumes delineiam-se como corpos e lugares, nítidos ou
imprecisos. A visão humana torna tudo nítido, inteligível, e a percepção das
cores ajuda-nos muito mais.
Não cumpre antecipadamente ocuparmo-nos das dimensões comprimento,
largura e altura, que pertencem às técnicas de construção, desenho, perspectiva.
Por mais familiares como apoio, não participam da vivenciação da arquitetura e
da existenciação do espaço arquitetônico, são apenas distintas formas para
construir. Precisa-se criticar imprecisas afirmações quanto à harmonia, beleza
e o mais que se vincular à busca de regras objetivas para garantir qualidade
artística ao trabalho arquitetural.
O desenvolvimento histórico
Para avançar na arte de construir, constate-se o óbvio das obras que o
homem cria, o valor para cada uma isoladamente e para todas entre si, do nascer
do homem ao futuro dele. A aptidão de apreender e sequenciar conhecimentos e
experiências, geração a geração, constitui meio capital para desenvolvermos
atos e obras, a cultura, o desenvolvimento. À parte isto, a história faz-nos compreender
que a dinamização da cultura distingue-se da evolução da natureza. Não há que
confundi-las, mesmo se nos parecerem similares.
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