Frank Algot Eugen Svensson
nasceu na cidade de Belo Horizonte, sendo filho do casal sueco Algot e Elin
Rosalie Svensson. O pai era um pastor evangélico, de maneira que, desde muito
cedo, Frank foi instigado a conhecer, a compreender e – provavelmente – a
questionar (sempre!) as coisas da religião; a mãe era telefonista do estado
sueco e acumulara uma rica experiência de vida comunitária em sua vila natal,
de modo que, desde criança, Frank ouvira relatos de tipos diferentes e, por
vezes, mais harmônicos de sociedades – sempre em contraste com a dura realidade
brasileira, que o pai ajudava a melhorar. O casal veio para o Brasil em 1928,
com um objetivo evangelizador, primeiro em Recife e logo em Belém; no entanto,
a malária obrigou Algot a voltar à Europa, permanecendo lá por alguns anos. Os
Svensson, ainda assim, retornaram ao Brasil no início da década de trinta,
direto para Maceió; finalmente, em 1934, mudaram-se para Belo Horizonte, em
substituição ao pastor local. Naquele mesmo ano, em 25 de setembro, nasceu
Frank Svensson. Ainda em 1934, um jovem político de Diamantina, o médico
Juscelino Kubitschek, elegera-se Deputado Federal.
Da infância, Frank se lembra dos cafés da manhã, com o pai lendo – em
voz alta – um versículo da Bíblia retirado da Caixinha de Promessas, seguido
das principais manchetes da edição diária do
Estado de Minas Gerais; lembra da Escola Malheiros, do coro da igreja e
da comunidade erguendo seus templos sob a direção do pai-pastor (sua primeira
experiência com a arquitetura!).
Em 1940, Juscelino Kubitschek foi eleito prefeito de Belo Horizonte e,
com dezesseis anos, Frank começou a trabalhar em uma firma de engenharia que
prestava serviços ao governo. Durante o dia, apontava as solicitações dos
mestres, encomendava os materiais necessários e realizava o pagamento semanal
do pessoal de obra; durante as noites, cursava o científico no Colégio Marconi.
Em 1950, quando Juscelino Kubitschek foi eleito Governador de Minas Gerais, a
capital Belo Horizonte já era uma outra cidade.
A região da Pampulha estava urbanizada
e, para as margens da Lagoa, Oscar Niemeyer havia projetado algumas das mais
importantes obras da arquitetura brasileira: a capela e o cassino. De 1953 a
1954, Frank prestou serviço militar como soldado na aeronáutica, encarando-o
como uma experiência de cidadania, pois pôde conviver pela primeira vez, dia e
noite, com pessoas das mais variadas classes sociais. Foi motorista de
ambulância e trabalhou na biblioteca do Cassino dos Oficiais. Era para ser
aviador, mas virou arquiteto...
De estudante a camarada
No ano em que Frank deu baixa na aeronáutica, Juscelino Kubitschek
lançou sua candidatura à Presidência da República. A tumultuada posse ocorreu
em 1956, inaugurando o nacional-desenvolvimentismo. Lúcio Costa projetou
Brasília e Oscar Niemeyer seus monumentos. Segundo Roberto Schwartz, o Brasil
estava “irreconhecivelmente inteligente”[1].
Ainda vivendo em Belo Horizonte, Frank cursou – de 1958 a 1962 – a
tradicional Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, a primeira
criada na América do Sul sem um vínculo direto com as Belas Artes e as Escolas
Politécnicas[2]
(mesmo assim foi, por muito tempo, caracterizada por um ensino bastante técnico
– com uma maioria de professores engenheiros). Tal perfil só começou a mudar
quando os primeiros alunos formados pela Escola começaram a retornar à
Instituição para nela lecionarem. Entre eles estavam Raphael Hardy Filho,
Eduardo Mendes Guimarães e Sylvio de Vasconcellos.
Embora a biblioteca da Escola fosse uma das melhores do Brasil, naquela
época, não existia um mercado editorial voltado para a arquitetura, bem como a
oferta de títulos em português era insignificante. Frente a esses fatos, os
cursos terminavam por produzir edições “artesanais” de obras significativas. A
Escola de Minas Gerais foi responsável pela publicação de uma série destas
obras, hoje consideradas paradigmáticas: Arquitetura
no Brasil - sistemas construtivos, de Sylvio de Vasconcellos; Arquitetura e o homem, de Edgard
Graeff; A arquitetura da sociedade
industrial, de Paulo Santos; Lúcio
Costa – obras completas; entre outras. Frank participou da publicação do
livro de Graeff (1959)[3],
enquanto Roberto Sussmann organizou o de Lúcio (1961)[4].
Em meio a uma comunidade empobrecida e evangélica – no coro da igreja do
pai – Frank conheceu um trabalhador gráfico que, em conversas descontraídas,
constantemente dava notícias das lutas operárias. Falava da classe
trabalhadora. Na Escola de Arquitetura, o tema ganhou força
e, pouco a pouco, o jovem estudante foi encontrando colegas esclarecidos e mais
engajados, entre eles muitos latino-americanos, militantes comunistas. A
inquietação e a necessária reflexão sobre a situação da classe trabalhadora
levaram à organização de um grupo de estudos e o estabelecimento de relações
com o movimento estudantil de esquerda, inclusive com o Partido Comunista. Não
tardou muito, Frank estava no Partido:
“Meu encontro com Marx foi em Minas, lendo Caio Prado Jr. (...) Só em
Recife passei a questionar Marx e Arquitetura ou vice-versa”[5].
“...Entrei para o PC, que na época era clandestino, sem data exata nem
ficha de filiação. Minha primeira tarefa, a pedido da direção local, foi em
outubro de 1959. Pediram-me para dirigir uma reunião no sindicato dos bancários
em Belo Horizonte e ali apresentar o palestrante, um advogado trabalhista por
nome Mario Alves, depois trucidado pelo regime militar. Na Escola de
Arquitetura da UFMG havia uma célula do PCB na qual militei até ir para o
Nordeste, onde passei a militar numa das duas bases da SUDENE”[6].
Durante a construção de Brasília, Oscar Niemeyer costumava passar por
Belo Horizonte. Em uma destas viagens, Frank com mais dois colegas (todos do
Partido), foram visitá-lo no hotel Amazonas. Da conversa e reflexão sobre a
situação do país, surgiu o convite para um estágio na nova Capital. A partir de
então, todas as férias escolares foram dedicadas a Brasília – com exceção de
uma, quando Frank participou, sob coordenação de Luis Saia, da equipe que
inventariou Pirenópolis para o SPHAN. “Luis Saia nunca foi do Partido, mas um
nacionalista ardoroso. Lutou muito pelo Patrimônio Histórico”[7].
Destas férias tão bem aproveitadas, ficaria o carinho permanente por Oscar
Niemeyer e pelas coisas do patrimônio (temas que seriam retomados anos mais
tarde).
Brasília foi inaugurada em 1960. Eleito no mesmo ano, Jânio Quadros
governou o país por apenas sete meses. O vice João Goulart assumiu o poder em
meio a uma grande crise institucional e econômica. Eram tempos de grande
efervescência política-cultural. Em São Paulo, foi realizado o 1º Encontro de
Arquitetos e Estudantes de Arquitetura[8]. Na
oportunidade, Frank deu início a um contato fraterno com os arquitetos Vilanova
Artigas, Demétrio Ribeiro e Edgard Graeff.
O curso de graduação em arquitetura de Frank culminou com a elaboração –
juntamente com os colegas José Expedito Prata, Ivan Cupertino, Haroldo
Nogueira, Léo de Judá Barbosa e Fernando Camacho – em 1961, do projeto de uma
Universidade Operária no Vale do Rio Doce, MG. O trabalho, com características
inovadoras e de forte conteúdo social, foi laureado com o Prêmio Internacional
destinado a escolas de arquitetura, durante a VI Bienal de São Paulo. O Prêmio
foi entregue ao Diretor da Escola, José Geraldo Faria, pelo próprio presidente
da República, João Goulart, que em discurso afirmou: “A democracia traduz as
formas mais belas da convivência humana, da qual a arte é uma superior
expressão. Ambas exigem, para florescer, o mesmo clima de liberdade. E, para
serem autênticas, não se pode desvincular de sua raiz comum, a vida do povo”.
O projeto do grupo mineiro ficou exposto durante toda a Bienal, ao lado
de outros concorrentes, entre os quais o do grupo paulista, assinado por Sérgio
Ferro, Rodrigo Lefèvre e Flávio Império[9] (que
receberam Menção Honrosa). A VI Bienal foi organizada por Mário Pedrosa e ficou
marcada pelas mostras de arte religiosa das missões do Paraguai, de arte
bizantina iugoslava e de arte dos aborígines australianos – um impressionante
passeio pela arte universal de origem popular (vernacular) e erudita. Na mesma
exposição, Paulo Mendes da Rocha recebeu o
Grande Prêmio Presidência da República, pela construção do Ginásio do Clube
Atlético Paulistano (1958) – exemplo de obra com solução estrutural arrojada e
grande espacialidade. Sobre arquitetura e arquitetos, mais tarde, Frank
concluiria: “A criação arquitetônica, como qualquer criação artística, implica
numa atitude de coragem e desprendimento. A gente percebe pela arquitetura a
mesquinhez do arquiteto...”[10]
A colação de grau ocorreu em 1962. Vilanova
Artigas foi o paraninfo e Frank Svensson o orador da turma. Os respectivos
discursos foram publicados. O do mestre, na íntegra; e o do jovem arquiteto,
com trechos censurados...
Um camarada na Sudene
A formatura e a premiação na Bienal resultaram em duas oportunidades de
trabalho. O professor Edgard Graeff o convidou para lecionar na Universidade de
Brasília. O Setor de Construções Escolares Pernambucano o convidou para atuar
na Sudene. Em 1963, entre Brasília e Recife, Frank escolheu trabalhar como
arquiteto na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, transferindo-se
para a capital pernambucana. Até então, não havia tido experiências
profissionais concretas, mas optara por enfrentar, e contri- buir para
amenizar, a mais dura realidade da miséria nacional. Sobre sua opção de vida,
sentenciou:
“Ainda estudante universitário, vivi uma época de intenso questionamento
dos destinos do Brasil e cedo assumi a posição de vir a atuar através do
serviço público. Reforçar o serviço público, bem como a estatização e a
nacionalização da vida prática de um país, constitui medida indispensável de
oposição aos interesses privados multinacionais que minam a identidade
econômica, política e cultural de uma nação”[11].
Como Brasília, a SUDENE foi criada no governo de Juscelino Kubitschek, a
partir do Plano de Desenvolvimento do Nordeste, elaborado por Celso Furtado
(que a dirigiu de 1959 a 1964). Provavelmente, a SUDENE foi a primeira
experiência revolucionária a que se dedicou Frank Svensson. Naquele momento, o
panorama político do nordeste era desafiador. Apoiado pelo PCB, Miguel Arraes
do Partido Social Trabalhista (PST), estava à frente do governo pernambucano
(1962 a 1964), buscando, também, transformar radicalmente a vida local. Não
tardaria, todos seriam perseguidos, cassados e forçados a viver longe do
Brasil.
Na SUDENE, Frank conheceu uma experiência de trabalho multidisciplinar
que buscava solucionar problemas concretos do povo nordestino. Assim, pode
desenvolver alguns projetos significativos e de grande alcance social, como a
rede de Escolas Primárias padrão
para as cidades do interior nordestino (1963); o Centro de Treinamento para Professoras Leigas e Centro de Supervisão de Ensino[12],
de São Luis do Maranhão (1963[13]);
e os projetos dos núcleos populacionais de Bebedouro e de Mandacaru,
no vale do São Francisco, respectivamente em Pernambuco e na Bahia (de
1967 a 1970).
Elaborados em parceria com o Organismo das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO), os núcleos populacionais de Bebedouro (10.000
habitantes) e Mandacaru (400 habitantes) envolveram o projeto e a construção de
inúmeros espaços qualificados e toda a infraestrutura necessária para o seu
pleno desenvolvimento, como as unidades residenciais ampliáveis, a escola
primária, o clube, o ambulatório médico-dentário, a sede da administração da
área irrigada, a cooperativa de produção e de consumo, entre outras
edificações. Frank projetou tudo.
Em Bebedouro, cada pequeno produtor deveria receber (um lote de
dimensões variáveis) para a produção agrícola irrigada e um lote urbanizado (de
800m2 com residência já construída) para a sua morada. O conjunto de
residências configuraria uma espécie de vila, complementada com os serviços
necessários. Frank criou um núcleo urbano que se desenvolve numa espécie de
“espinha de peixe” a partir de uma rodovia de acesso principal (paralela à
linha férrea não construída e ao leito do São Francisco). Desta rodovia, partem
(quase a 45°) três vias estruturais que organizam todo o núcleo: a via
residencial; a via de serviços comunitários, com escola, clube, posto médico e
hospedaria; e a via administrativa, com o Centro de Treinamento. Como
estratégia de organização dos espaços urbanos, Frank adotou o zoneamento e a
dispersão das áreas edificadas. Trata-se de uma pequena cidade funcional, marcada
pela hierarquia das vias, pela hegemonia do verde, pelo zoneamento e pelo macro
parcelamento não identificado (zonas).
A via residencial também assumiu o desenho de “espinha de peixe”, com
derivações de seis ruas locais de, no
máximo, dez lotes. No entanto, reproduz “uma rígida divisão classista dos
moradores”[14].
As residências dos agricultores foram pensadas considerando um estudo
anterior produzido por Frank para a Sudene: o levantamento de 62 casas de
camponeses, buscando os indicativos de uma cultura vernácula. Assim, trabalhou
com o conceito de tipo, identificando o que chamou de “casa de faixas”, ou
seja, uma arquitetura caracterizada por uma planta de base retangular dividida
em “faixas” que correspondem às funções da morada, ao sistema construtivo e ao
sistema de cobertura (pequenas peças de madeira sustentando telhado em duas
águas). Uma habitação com varanda de frente e de fundos, e com cozinha e
sanitário pulverizados no lote. Do tipo
“casa de faixas” foi desenvolvida, para Bebedouro, toda uma série de habitações
ampliáveis (M-1 e M-2) a partir de um módulo básico (fornecido aos moradores),
e que reunia sob uma cobertura em duas águas, sala, cozinha, sanitário,
dormitório, depósito, varandas e forno. As casas dos técnicos e funcionários
oriundos do meio urbano (M-3 e M-4) também seguiram a um procedimento projetual
semelhante, mas, desta vez, baseado nos tipos habitacionais urbanos
ribeirinhos. Frank refere-se[15]
às casas de medianeira ou geminadas, tão bem caracterizadas e ilustradas por
Nestor Goulart Reis Filho, no seu Quadro da arquitetura no Brasil[16],
de 1970.
O projeto da Escola Primária foi desenvolvido a partir de um módulo
quadrado de 7,5 x 7,5 m que corresponde, em planta baixa, à dimensão de uma
sala de aula e a estrutura básica de cobertura (triangulações de peças de
madeira). Assim, o módulo foi sendo repetido e articulado, de maneira a
permitir a definição de espaços fechados em contraste com abertos ou
simplesmente cobertos. Nas vedações,
Frank utilizou – intencionalmente – uma linguagem moderna, alternando, panos
horizontais de vidro e de treliças de ventilação. A mesma arquitetura de
módulos quadrados foi utilizada em outros projetos de Bebedouro.
Na Estação Principal de Bombeamento,
Frank explorou o conceito de caráter em arquitetura. Buscou dar-lhe
força e representatividade, considerando sua função emblemática no projeto de
irrigação. Único prédio em altura do conjunto, foi tratado como uma antiga sede
de fazenda, imponente em sua escala e generosa na sua cobertura em quatro águas
(numa falsa casca de concreto). Buscando humanizar programa tão técnico, Frank
incorporou um pequeno mirante ou belvedere à construção.
Por fim, na garagem e posto de abastecimento, Frank utilizou uma solução
de cobertura com membranas de concreto armado em parabolóide hiperbólico (15 x
15m com 4cm de espessura) sobre apoio único. Solução pioneira no nordeste,
calculada pelo frei dominicano e ex-engenheiro civil, José Raymundo Oliva.
Simultaneamente ao trabalho desenvolvido na SUDENE – que começou a diminuir
em decorrência da Revolução de 64 – Frank projetou e construiu sua própria residência[17],
na cidade de Olinda. A partir de então, contando com a colaboração permanente
do arquiteto Marcos Domingues da Silva, atuou como profissional liberal,
criando o Templo Evangélico de Recife
(1965); o Centro Cívico de Patos,
Paraíba (1966); o Ginásio de Paulista,
Pernambuco (1966); a Residência de
Enário de Castro, em Recife (1967); a Residência de Zenaldo Rocha, em Recife (1967); e a importante e
premiada Sede da Rede Ferroviária
Federal SA de Recife (1968). Projetou também a Residência de Roland Poultney[18], em Santa
Lucia, Pequenas Antilhas (1968); a Residência
de Lineu Borges Escorel[19],
em Recife (1969); o Restaurante e os
Vestiários da RFFSA[20],
em Jaboatão (1969); as Residências
Edmirson Duarte e Aldo Freire[21], em
Olinda (1970); um Posto de
Abastecimento[22],
em Recife (1968-69); e a Agência do
Banco do Brasil de Caxias do Sul[23], Rio
Grande do Sul (1970).
Destas obras, é importante salientar o cuidado e o requinte de execução
da residência do arquiteto em Olinda,
modesta e marcada pelo expressionismo e perfeccionismo artesanal, onde –
entre outros cuidados – os tijolos da laje de cobertura correspondem às lajotas
do piso. Onde o espaço interno expande-se para o exterior, e onde “a casa é o
lote e o lote é a casa”. Ela é o antecedente direto da Residência Enário de
Castro (1967), na qual os arquitetos foram mais radicais nas propostas de
integração e fluidez espacial. Agora o jardim invade a morada e a cobertura
transforma-se em grande abrigo. A Residência Enário de Castro apresenta a mesma
radicalidade espacial que caracterizou, mais tarde, obras como a Casa Nadir
Zacarias, de Ruy Ohtake (1971) e a Casa Gerassi, de Paulo Mendes da Rocha
(1988); todas ligadas à Residência Taques Bittencourt (1959), de Artigas e
Carlos Cascaldi.
Em entrevista concedida a Geraldo Gomes da Silva[24], Marcos
Domingues conseguiu caracterizar e sintetizar a arquitetura até então realizada
por ele e Frank Svensson. No entanto, tais características, já estavam
presentes em todas as obras desenvolvidas por Frank na Sudene:
- Uma
arquitetura resultante de uma parceria entre o arquiteto e a comunidade
interessada;
- Uma
arquitetura que valoriza os elementos arquitetônicos e as formas de
conceber os espaços próprios da cultura nordestina;
- Uma
arquitetura que considera o homem em sua integridade e que responde às
condições climáticas locais;
- Uma
arquitetura que busca “reutilizar o repertório popular, os materiais e as
técnicas dentro do mesmo espírito de simplicidade e provar que, através de
soluções mais acessíveis à economia popular, atingiríamos níveis
satisfatórios tanto do ponto de vista técnico quanto do ponto de vista
estético”[25].
- Uma
arquitetura que explora os diferentes sistemas estruturais e que trabalha
com as vedações como elementos de valorização da experiência espacial, o
“trato espacial”;
- Uma
arquitetura que rejeita as soluções formais exóticas e estranhas às
culturas locais.
Foi por intermédio de Marcos Domingues que Frank conheceu o advogado,
filósofo e professor Evaldo Coutinho:
“Dos filósofos existencialistas (vitalistas), é para mim o mais evoluído
do Brasil. Ensinou-me que o mais importante instrumento cognitivo de que
disponho sou eu. A partir de minha existência no mundo, o mundo vem a mim e torna-se
referência para a busca de sua verdade, que apesar de não existir em termos
absolutos, deve ser procurada com intensidade e persistência”[26].
Um arquiteto professor / Brasil: ame-o ou deixe-o
No mesmo ano em que Frank Svensson projetou sua residência para viver em
Olinda, os militares depuseram o presidente João Goulart e, pela força, tomaram
o poder no Brasil. Entre outros, Celso
Furtado foi exilado nos Estados Unidos e Miguel Arraes na Argélia.
De 1964 a 1968, a SUDENE sofreu um pesado processo de esvaziamento e
mudança de prioridades, de modo que – convidado pelo professor Miguel Pereira –
Frank transferiu-se para Brasília e, em fevereiro de 1971, foi admitido no
Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UnB.
Uma escola de luta em uma Instituição que enfrentava graves problemas
conjunturais. Na UnB, Frank passou a fazer parte de uma geração que teve a
coragem de enfrentando o poder instituído e –
contra tudo e contra todos – reconstruir a utopia vetada de Darcy
Ribeiro.
As aulas ministradas sobre planejamento físico e urbano em cursos de
administração municipal promovidos pela Sudene em várias cidades do nordeste e
as inúmeras viagens ao exterior[27]
para estudo in-loco da
arquitetura então realizada, foram de extrema importância para a formação de Frank
que, na UnB, tornou-se professor de Projetos Especiais de Urbanismo e de Teoria
do Urbanismo, e logo foi designado para exercer o cargo de Chefe do
Departamento (1972). Na FAU UnB, Frank deu início a uma experiência didática
pioneira, que objetivava colocar os estudantes da Capital em contato com a
contrastante realidade distrital e regional.
Ainda em 1972, foi designado para orientar a elaboração do projeto do
Centro Político Administrativo do Estado do Mato Grosso, em Cuiabá
(desenvolvido por um grupo de ex-alunos). No entanto, não pode finalizar o
trabalho, pois no início de 1973, por determinação do ministro Jarbas
Passarinho, foi enquadrado na “odiosa lei de exceção 477, sendo proibido de
lecionar e de ser servidor público pelo prazo de cinco anos”[28].
Um professor do mundo
Não havendo mais condições de trabalho no Brasil, Frank optou por partir
para o exílio. Em 1973, – por intermédio da arquiteta Philomena Miller (membro
do PC) e do professor Jean-Pierre Halevy – aceitou o convite do Ministério dos
Assuntos Culturais da França para lecionar nas Escolas de Arquitetura de
Estrasburgo e Nancy, onde permaneceu até 1974. No mesmo ano, partiu para a
Argélia e passou a colaborar com o arquiteto Oscar Niemeyer nos projetos da Universidade Tecnológica de Argel. Sua
atividade profissional consistiu em coordenar a equipe que desenvolveu o Centro
de Informática da Universidade. Um prédio baixo, de planta circular com um
jardim central.
“Foi uma experiência interessante. A imagem primeira do pensamento é a
força dos projetos de Oscar. Ela – a
imagem primeira – é muito artística, muito bonita... Você tem que lutar
consigo mesmo para esclarecê-la. Oscar sabe fazer isso.... Ele tem noção de
escala, proporção e fluidez espacial”[29].
Em 1975, mudou-se para a Suécia – terra natal de seus pais – e assumiu o
cargo de professor assistente e pesquisador do Departamento de Teoria e
História da Arquitetura do Instituto Politécnico Chalmers em Gotemburgo
(1975-1986). Ali, desenvolveu atividades no campo da preservação do patrimônio
arquitetônico e da renovação urbana. E em viagens à Itália e à Alemanha
desenvolveu pesquisa sobre o período
europeu de Gradjean de Montigny.
As posições políticas e ideológicas defendidas por Frank aproximaram-no
do Movimento Popular de Liberação de Angola, de maneira que, de 1979 a 1982,
foi convidado pelo Ministério da Educação da República Popular de Angola, e
pela própria direção do MPLA, para estruturar o Curso de Arquitetura da
Universidade Agostinho Neto, em Luanda. O trabalho então elaborado foi relatado
na tese de doutorado defendida na Suécia: Arquitetura, uma aptidão do pensamento, uma necessidade da vida
(publicada em sueco em 1986).
Ao retornar à Suécia, defendeu seu doutorado na Universidade de Lund,
onde – como professor titular – passou a chefiar o Departamento de Estudos
Internacionais de Arquitetura (1986-1987) e o Instituto de Arquitetura
(1987-1989).
Um camarada do Brasil / conclusão
Em 1988, Frank Svensson foi anistiado e reintegrado aos quadros da
Universidade de Brasília, como professor titular. Antes de regressar ao Brasil,
visitou a Rússia, a República Democrática Alemã, a Tcheco-Eslováquia e Cuba. Em
1989, retornou a Brasília e logo assumiu o cargo de Diretor da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da UnB (1989-1993).
Na FAU, foi professor de História da Arquitetura e responsável por um
intenso trabalho de reflexão sobre o papel da história e da teoria na formação
dos arquitetos e urbanistas. Tal atividade resultou em um significativo esforço
editorial. Assim, pela UnB publicou sua tese de doutorado com o título Arquitetura criação e necessidade
(1991); pela ALVA criou a coleção Arquitetura e conhecimento, com seis volumes
lançados entre 1994 a 1998; e o livro Visão
de mundo – arquitetura, de 2001. Entre os artigos por ele assinados
destacam-se: Contribuição do
materialismo dialético à estética da arquitetura[30],
Arquitetura e conhecimento histórico[31], O
período europeu de Grandjean de Montigny[32], O
neopositivismo de Leonardo Benévolo face o problema da configuração urbana[33],
A atualidade do Marxismo[34]
e Marx como filósofo, economista e revolucionário[35].
Em 2001, foi aposentado do serviço público. Desde então tem participado
de atividades ligadas ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação da FAU UnB e
mantido uma constante e lúcida atividade editorial e de pesquisa. No momento,
trabalho no resgate da obra arquitetônica e ideológica do engenheiro Louis
Léger Vauthier, precursor das idéias socialistas no Recife de 1840.
Indicado pelo Partido, desde 2003, é Membro Titular do Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social (CDES), colegiado ligado à Presidência da República, com a
competência de apreciar propostas de políticas públicas e de reformas
estruturais, e de desenvolvimento econômico e social, que lhe sejam submetidas
pelo Presidente, com vistas à articulação das relações de governo com
representantes da sociedade civil.
Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o adjetivo camarada
expressa, demonstra ou resulta de sentimento de companheirismo, amizade e
simpatia; Camarada também pode designar o companheiro de militância política de
esquerda. Assim, camaradas são aqueles que se consideram amigos; mas também são
os membros do Partido Comunista. Frank Algot Eugen Svensson é um camarada! Um
amigo da boa arquitetura. Um militante do Partido. Um camarada que fez de sua
profissão um instrumento de sua militância. Como ele, foram tantos outros bons
camaradas: Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas, Demétrio Ribeiro, Edgard Graeff,
Miguel Pereira, Paulo Mendes da Rocha, Fernando Burmeister, Paulo de Mello
Bastos, Leo Bonfim, Geraldo Gomes da Silva, Jorge Cury, Silvio de Vasconcellos,
Raphael Hardy Filho, Eduardo Mendes Guimarães, Jaime Golubov, Eduardo Maia
Mendonça entre tantos outros. Arquitetos de profissão, militantes de coração.
Homens e mulheres que – criticamente – buscaram realizar uma arquitetura
correta (nem sempre reconhecida!). Uma arquitetura moderna e brasileira
elaborada por arquitetos conscientes de sua condição na estrutura social
injusta em que (ainda) vivemos. Arquitetos conscientes de que arquitetura não
faz revolução e que é – e sempre será – “representativa das malformações, das
contradições, das vergonhas da comunidade... Arquiteturas representativas de
uma infeliz realidade social e política”[36].
Frank é um amigo do Brasil! Camarada Frank Svensson! Sua obra
arquitetônica é única. Tão pequena quantitativamente e tão rica
qualitativamente. É moderna, universal e diversa. Sobre sua grande obra,
argumenta: “...não deixei de me empenhar, no exterior e a distância, por um
Brasil melhor e mais livre”[37].
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1998.
SVENSSON, Frank. (1998) Arquitetura e conhecimento: inquietudes
pessoais. Aula Inaugural FAU UnB, 5 agos. 1998. Brasília: Cediarte, 1998.1 fita
de vídeo (94 min.), VHS, son., color.
SVENSSON, Frank. (2001) Visões de mundo; arquitetura. Brasília: Alva,
2001.
SVENSSON, Frank. (2006) Depoimento a Andrey Rosenthal Schlee. Brasília:
inédito, 27 jan. 2006.
SVENSSON, Frank. (2006) Depoimento a Andrey Rosenthal Schlee. Brasília:
inédito, 16 fev. 2006.
SVENSSON, Frank. (2006) Entrevista a Andrey Rosenthal Schlee. Brasília:
inédito, 15 fev. 2006.
[2] OLIVEIRA, Cléo Alves
Pinto; PERPÉTUO, Maini de Oliveira. O ensino de projeto na primeira escola de
arquitetura do Brasil. In: II Seminário sobre Ensino e Pesquisa em Projeto de
Arquitetura, Projetar 2005. Rio de Janeiro. Cadernos de Resumos. Rio de
Janeiro: PROARQ, 2005.
[3] GRAEFF, Edgar.
Arquitetura e o homem. Belo Horizonte: Edições Escola de Arquitetura, 1959. Os
textos foram compilados por Haroldo Nogueira.
[4] COSTA, Lúcio. Obras
completas. Belo Horizonte: Edições Escola de Arquitetura, 1961. A edição da Escola de Minas Gerais é de 1961,
portanto anterior a publicação semelhante, organizada pelos estudantes da
Faculdade de Arquitetura do Rio Grande do Sul, intitulada Lúcio Costa: Sobre
Arquitetura, que é de 1962.
[9] Projeto de um Centro
Educacional em Presidente Altino (SP), elaborado também por Júlio Barone,
Sérgio Pereira de Souza Lima, Geraldo Gomes Serra e Wanda W. de Souza e Silva.
[11] SVENSSON, Frank.
Entrevista a Geraldo Gomes da Silva. Repensando uma trajetória de quinze anos
na arquitetura. Revista Projeto, São Paulo, n.106, dez. 1987-jan. 1988.
[13] No mesmo ano, foi
projetado, mas não executado, o Centro de Treinamento para Professores de
Escolas Técnicas de Fortaleza. Projeto elaborado em parceria com o arquiteto
José Expedito Prata.
[14] SVENSSON, Frank.
Arquitetura e conhecimento: inquietudes pessoais. Aula Inaugural FAU UnB, 5
agos. 1998. Brasília: Cediarte, 1998.1 fita de vídeo (94 min.), VHS, son.,
color.
[22] Primeiro projeto do
nordeste a empregar uma superfície de dupla curvatura. Cálculo de José Raynundo
Oliva.
[24] DOMINGUES, Marcos.
Entrevista a Geraldo Gomes da Silva. Em Busca dos mesmos objetivos. Revista
Projeto, São Paulo, n.106, dez. 1987-jan. 1988.
[25] DOMINGUES, Marcos.
Entrevista a Geraldo Gomes da Silva. Em Busca dos mesmos objetivos. Revista
Projeto, São Paulo, n.106, dez. 1987-jan. 1988.
[27] Viagens aos Estados
Unidos da América (1966), Suécia e Dinamarca (1969), França e Espanha (1970).
[36] ARGAN, Giulio Carlo.
História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
[37] SVENSSON, Frank.
Entrevista a Geraldo Gomes da Silva. Repensando uma trajetória de quinze anos
na arquitetura. Revista Projeto, São Paulo, n.106, dez. 1987-jan. 1988.
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