A História da UnB - Frank Svensson [2008]
Passei por Brasília em 1958 como estudante de
arquitetura da EAUMG fazendo parte de um grupo de estagiários encarregados do
levantamento patrimonial de Pirenópolis. Empolgado, voltei em todas os períodos
de férias de fim de ano do meu curso, como estagiário do escritório dirigido por
Oscar Niemeyer então situado junto ao Palace Hotel.
Eu já exercia uma militância político
partidária a qual nunca abandonei. Desde então considero a ideologia da não
ideologia uma ideologia de direita, alienada e conservadora. Convidado pelo
amigo Geraldo Joffily diretor nacional do Juizado de Menores participei de
algumas reuniões onde inclusive se discutia o projeto de uma universidade para
Brasília. Em uma delas participou Luis Carlos Prestes.
Não me lembro se em 1962 ou 1963 o professor
Edgard Graeff de saudosa memória proferiu a primeira aula inaugural da UNB à
sombra de uma das árvores situadas entre o que hoje é a sede do CEPLAN e o
Auditório do Departamento de MÚSICA. Não estive presente. Já graduado, havia
aceitado um convite para trabalhar na SUDENE de Celso Furtado. Por meio de
colegas e camaradas, no entanto, sempre me mantive informado sobre os destinos
da UNB. Mais tarde ausente involuntariamente do Brasil na Argélia, trabalhando
numa equipe dirigida por Darci Ribeiro, tive acesso a uma cópia do original do
projeto elaborado por seus fundadores.
Vivíamos no Brasil um momento que eu
caracterizaria como de salto histórico. A política que se queria era de terceira
via, o binômio Energia e Estradas, a criação da SUDENE, dos organismos de
Planejamento Regional e do Ministério de Planejamento Nacional, bem como o
surgimento da nova capital como referência para a reforma urbana do país, e da
UNB para a reforma universitária, eram viva expressão disso.
Características do projeto da UNB
Entre os que participaram da formulação do
projeto da UNB estavam nomes como Anísio Teixeira, Heron de Alencar, Samuel
Goldenberg, Leite Lopes e outros intelectuais progressistas. Ante a necessidade
de um primeiro reitor lembrou-se do nome de Darcy Ribeiro.
Resultou um projeto progressista. Para ser aceito como professor da nova universidade era mérito ter militância político partidária, ser engajado na perspectiva de emancipação da nação brasileira. O projeto tinha três metas principais:
1) Ser uma instituição produtora de conhecimento com base científica;
2)Ser um centro de excelência comparável às melhores universidades dos países altamente industrializados;
3)Orientar sua produção à solução dos problemas candentes do pais.
Resultou um projeto progressista. Para ser aceito como professor da nova universidade era mérito ter militância político partidária, ser engajado na perspectiva de emancipação da nação brasileira. O projeto tinha três metas principais:
1) Ser uma instituição produtora de conhecimento com base científica;
2)Ser um centro de excelência comparável às melhores universidades dos países altamente industrializados;
3)Orientar sua produção à solução dos problemas candentes do pais.
A esquerda existente ainda tinha muito de
positivista, mas era defensora dos princípios republicanos e assim de um serviço
público e laico. Caracterizava-se pelo pensamento objetivo crítico, o que
ocasionava intensa luta pelas almas entre militantes da mesma e os defensores do
pensamento humanista católico neojesuíta. Em decorrência havia sido criado, a
partir da Juventude Universitária Católica e com a assessoria de professores da
Universidade de Louvain na Bélgica, uma federação de militância política
denominada Ação Popular. Além desta e dos estudantes do PCB marxista-leninista
surgiu uma terceira organização por nome POLOP, Política Popular com conotações
terceiro-mundistas e neotrotskistas. Apesar de divergências de visão de mundo as
decisões dessas organizações entre si em favor da UNB eram sempre decisões de
frente ampla, decisões de consenso. Havia também militantes das Juventudes do
PTB e do PSD.
Formação de professores e alunos
Uma das grandes preocupações era a formação de
novos professores para um novo tipo de aprendizado. No turno da manhã
funcionavam os cursos de pós-graduação em torno dos poucos professores
inicialmente contratados. As aulas ministradas pela manhã eram depois repetidas
à tarde para os graduandos por meio dos pós-graduandos sob forma de
monitores.
A universidade era composta de cinco grandes
institutos como entidades máximas responsáveis pela gestão de variadas formas de
produção de conhecimento. Correspondiam a cinco grandes agrupamentos das formas
de prática e conhecimento humano: Ciências da Terra; Ciências Humanas; Ciências
Exatas; Ciências da Saúde e Artes. Dentro dos institutos havia faculdades em
correspondência às profissões estabelecidas no país
.
Os dois primeiros anos dos cursos
profissionalizantes constavam de cursos básicos de formação oferecidos
respectivamente por cada um dos cinco institutos. Só depois o aluno comporia de
forma orientada o seu próprio currículo de formação profissional. Deveria ao fim
de seu curso ter obtido um mínimo de 240 créditos dos quais a metade em matérias
oferecidas na faculdade correspondente. A outra metade dos créditos seriam
obtidos de forma orientada em matérias oferecidas no restante da
universidade.
Já no início dos anos 1970 surgiu a
possibilidade de trabalhos de conclusão de curso inter-disciplinares. O objeto
considerado era comum a alunos de distintas faculdades, sendo a avaliação do
trabalho final feita nas faculdades de per se.
Para cada instituto era previsto um centro
interdisciplinar de pesquisa e planejamento com possibilidade de captar recursos
através da solução de problemas práticos da vida ativa desde que ainda não
resolvidos pelas forças de mercado. Desta forma surgiriam informações
importantes oriundas da solução dos problemas candentes do país para o próprio
plano pedagógico da UNB.
Como hospital universitário funcionou durante
vários anos o Hospital de Sobradinho. Em Planaltina foi fundada uma escola para
as profissões de nível médio para o trabalho na área rural.
Paralelamente aos Institutos instituiu-se uma
Faculdade de Educação para formação de professores visando o ensino básico do
Distrito Federal. Ligado a esta faculdade funcionava um ginásio experimental
para treinamento de professores da Faculdade e formação de alunos do ensino
médio, o CIEM.
A UNB como universidade da capital do país foi
pensada como de caráter regional. Nesse sentido foram previstos campi avançados
sendo o mais efetivo o de Aragarças que atendia também a população indígena da
ilha do Bananal.
No início a UNB não adotou uma estrutura
departamental. Era composta de grupos de trabalho visando a solução de problemas
concretos cujas constatações alimentavam o plano pedagógico dos cursos de
formação profissional.
Alterações do Projeto inicial da
UNB
Com o advento do governo militar no país em
1964 a UNB foi considerada reduto de subversivos.
Afastado involuntariamente, por motivos
políticos, do país por 16 anos não estive presente aos acontecimentos na UNB
entre 1972-1989 não devendo incidir em detalhes a respeito. Outros sabem fazê-lo
com muito mais precisão. O que eu sei dizer é que ante a reação dos novos
professores proclamando uma greve geral em 1965 os militantes do PCB, em minoria
face às outras organizações políticas, ponderaram estar-se entregando o ouro ao
bandido. Supunha-se que o governo não poderia fazer funcionar a universidade e
assim recuaria, mas não foi o que ocorreu. Resultou numa caça aos professores e
alunos militantes de esquerda e o governo passou a preencher os cargos com
pessoas fieis ao regime militar. Valeu-se até de jovens norte-americanos do
Peacecorp daquele país, apresentados por sua Aliança para o Progresso.
Durante o regime militar a UNB manteve em boa
parte sua estrutura funcional. Enviou inúmeros bolsistas para os países do
chamado 1° mundo no intuito de se pós-graduarem. Como o enfoque de problemas
candentes do Brasil passava pelo filtro ideológico do regime, as fontes
financiadoras o faziam segundo o gosto do regime e a vontade do bolsista, sem
participação em nenhuma política coordenada de pesquisa. No meu entender foi a
primeira medida de desmantelamento do projeto inicial da UNB quanto a seu
conteúdo.
O estágio no exterior permitia ao bolsista
adquirir um considerável registro de comparações, assim como, vivenciar a
realidade de algum país altamente industrializado. Geralmente nalguma
universidade muito bem equipada e com amplos recursos para seu funcionamento.
Para a grande maioria isso ofuscava o esclerosamento nesses países de muitos
hábitos herdados da origem medieval e das imperfeições das medidas de sua
superação. Para enfrentar a carga nobiliárquica da cátedra vitalícia, por
exemplo, haviam surgido ali as estruturas departamentais. Algo que o projeto da
UNB superara por força de país novo. O projeto da UNB havia substituído a
estrutura de departamentos por uma estrutura de grupos de trabalho
interdisciplinares com base na solução de problemas concretos.
Sendo as soluções dos problemas candentes
geralmente vistas como de caráter subversivo, restava ao bolsista retornado
construir uma disciplina segundo o tema de sua pós-graduação e limitar-se a uma
prática de sua teoria pondo um pé no mercado externo à academia e ficar dividido
quanto a sua dedicação exclusiva. A universidade viu-se povoada de disciplinas
desconexas entre si e desligadas de sua aplicação prática.
Como o interesse pelas experiências concretas
dos paises em busca do socialismo foi excluído da universidade, restaram duas
tendências dominantes de visão de mundo, o que até hoje caracteriza a composição
ideológica da UNB: o neojesuitismo e o social-darwinismo. Expressão flagrante
disso foi a recente eleição para a ADUNB-UNB. Duas chapas com fortes raízes no
humanismo católico, amigo do povo e com pena dos pobres, e uma chapa marcada
pelo pragmatismo republicano defensor da causa pública e laica. Ambas
acreditando que basta melhorar o capitalismo segundo os respectivos princípios
dessas tendências, para se alcançar uma sociedade justa e fraterna. Como nenhuma
das duas incorpora a busca do conhecimento da transformação e das mudanças da
realidade através do pensamento objetivo crítico, mostram-se débeis na
resistência ao favoritismo e a corrupção hoje enfrentada pela UNB.
O advento das idéias neoliberais e da
globalização capitalista no fim do século XX teve fortes reflexos na UNB. De
início sorrateiramente para depois ser defendido abertamente passaram a ser
vistos como melhores professores aqueles capazes de captar recursos financeiros
externos à universidade. O corpo de engenheiros é dentre os profissionais
liberais o que historicamente mais se adestrou na fundação de fabricas e
empresas de construção. Não é por acaso que a principal instituição captadora de
recursos veio a ser a FINATEC por iniciativa da Faculdade de Engenharia
.
A UNB passou a se caracterizar, portanto, por
uma fundamental contradição ideológica, bem como, por um acentuado comportamento
individualista. Comportamento que abriu as portas da universidade ao capital
financeiro e a distorção da produção de conhecimento em produção de capital. Só
faltou tornar-se acionária com participação na Bolsa de Valores.
A possibilidade da negação da
negação
Hoje a UNB vive um novo momento histórico que
pode ser caracterizado como um salto histórico. Isso me faz recordar uma
explicação dada pelo professor Edgard Graeff quando no inicio da UNB lhe foi
perguntado por alunos o que e como era essa lei da História. Professor Graeff o
era de História e Teoria da Arquitetura. Dizia ele: No início os homens viviam
livres na natureza, eram donos da paisagem e do horizonte. Depois com a produção
de excedentes surgiram as feiras como pontos de troca e posteriormente as
cidades com suas praças e mercados. A liberdade inicial foi negada por um novo
tipo de assentamento que necessitava proteger-se contra a usura e cobiça de
outros assentamentos e donos de terra. As cidades frequentemente resultaram
fortificadas e de conteúdo exíguo e comprimido. Hoje estamos em vias de uma nova
formação social; ferramentas modernas e novos meios de produção passam a exigir
assentamentos de outra grandeza. Escala, proporção e fluidez espacial necessitam
ser de novo tipo como estamos considerando com o plano de Brasília.
.
Esta negação da primeira negação nos permitirá
também recuperar valores perdidos a partir da primeira negação. É por isso que
estamos elevando os prédios de apartamentos sobre pilotis. Os habitantes de
Brasília poderão percorrer o terreno com toda liberdade e apropriarem-se de sua
paisagem, bem como, de seu horizonte.
Esse modesto exemplo serve também para a UNB.
Neste segundo salto histórico que eclodiu por iniciativa dos estudantes; por uma
mocidade ávida e entusiasta, é possível recuperar valores e hábitos perdidos e
abandonados à partir do primeiro salto histórico: o contraditório na compreensão
da realidade e os mecanismos de interação e ação recíproca necessários à
intervenção na mesma. Não se trata de repetir particularidades. Isso seria
ortodoxia. Mas de recuperar conquistas essenciais como referências históricas e
cognitivas.
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