Duas aulas proferidas pela da prof. Zuleide Faria de Mello na Universidade de Brasília, 08.11.2003. Curso de extensão: Arquitetura e Marxismo.
Transcrição: Frank Svensson
2ª aula
Enquanto o produto sai
da fabrica e chega ao famoso mercado, nalgum momento se agregou a ele o valor
do trabalho que vai estabelecer o preço do produto no mercado. Bem, o caminhão
parou na estrada, o valor do trabalho chegou e se incorporou ao produto como é
que foi? Marx vai dizer que não, que há um engano. Que este valor trabalho se
incorpora ao produto no trabalho. Gente, isso faz uma imensa diferença. Porque
toda alegação dos grandes empresários é que eles não exploram o trabalho.
Nenhum grau de exploração. Porque se o valor trabalho estabelece afinal a taxa
de lucro que se incorpora apenas no processo de especulação, uma coisa que a
gente não consegue explicitar, como é que se vai dizer que tem exploração? Não
pode dizer. Aí o Marx vai dizer que o problema não é esse. O problema é que
esse valor se incorpora na produção por uma coisa que ele vai chamar de
trabalho não pago, de trabalho excedente.
O trabalhador quando
chega na fábrica diz: eu quero trabalhar. Ele não diz sequer onde ele quer
trabalhar a não ser que seja altamente especializado. O patrão diz: eu estou
precisando de uma pessoa aqui, serve? Serve. E aí? Aí ele firma um contrato de
jornada de trabalho de doze, quatorze, dezesseis e hoje oito horas e mais o
trabalho extraordinário. E diz o Marx: o empresário alega que ele precisa de
uma determinada taxa de lucro para compensar o seu investimento. Espera aí, eu
investi na fábrica, na matéria prima, eu pago os impostos e eu pago a mais os
salários, o que Marx chama de capital fixo e capital variável. Está bem,
estamos todos de acordo que o empresário tem direito de se ressarcir desse
investimento. Marx também não está contra, ele só diz: vamos ver essa coisa
direitinho: O trabalhador assinou um contrato que a lei garante de doze horas
de jornada de trabalho. Vamos tomar aqui um número absolutamente imaginário que
nas dez primeiras horas de trabalho ele produziu uma dada quantidade de
sapatos, que caída no mercado e vendidas e apropriadas pelo empresário permite
o mesmo se ressarcir do capital fixo e do capital variável que investiu. Esse
trabalhador assinou uma jornada de trabalho de 12 e não de 10 horas de
trabalho. Quando chega ao fim das dez horas o trabalhador tem um estalo de
Vieira e diz: Ué, eu já produzi vinte pares de sapatos, já paguei tudo o que eu
devia, tchau passe bem, ao que o patrão retruca: que história é essa? Você
assinou aqui foi doze horas, não foi dez. Vá continuar trabalhando. Faltam duas
horas às quais Marx chama de trabalho não pago, de trabalho excedente. É a este
período que Marx chama de trabalho não pago; trabalho excedente. É este
trabalho não pago que vai permitir que o produto que caiu no mercado e
estabeleceu a diferença entre o valor de produção e o valor de venda que vai
permitir uma taxa de lucro tal ou qual. Não é por outra razão que os
capitalistas do mundo todo querem produzir, produzir e produzir. Na expectativa
de obter, de auferir, uma taxa de lucro cada vez maior.
Gente, eu estou colocando
isso aqui que pode parecer um pouco enfadonho porque na verdade este é o pulo
do gato. Esta é a grande verdade. Portanto é com esta descoberta que Marx foi
apetrechado para escrever e dizer aos trabalhadores que eles são na verdade os
produtores da riqueza social. E que, por outro lado, com uma das três leis do
desenvolvimento capitalista que é a lei do desenvolvimento desigual ela vai
permitir não só a reprodução do capital, mas também a acumulação de capital. Em
algumas poucas horas. E este processo é inexorável. Quanto mais aumenta a
riqueza mais o capitalista que é um proprietário privado dos meios de produção,
ele se apropria de tudo isso. Então é fácil porque o capitalista ou vai à
falência como mau administrador ou fica rico, e o trabalhador ao fim de
quarenta anos não conseguiu amealhar nada. Nada.
É por este projeto que
Marx vai propor que os trabalhadores se unifiquem e tenham um projeto comum
para afinal dizer: nós não queremos espoliar ninguém, mas nós também não
queremos mais ser espoliados, nós queremos o valor justo do nosso trabalho. Aí
começa essa grande pendenga que está aí. Esse processo de acumulação de capital
faz com que as pequenas empresas do século XVIII, nos meados do século XIX já
sejam grandes empreendimentos.
Eu estou dando um curso
sobre globalização lá no Rio e estou me apoiando com alguns filmes. Eu passei
Queimada que é sobre a extração da cana de açúcar nas Antilhas que é uma coisa
dantesca para quem viu e depois Germinal que mostra a mesma coisa no sul da
França. Então são exemplos variados, no terceiro mundo, nas Antilhas, que estão
submetidos porque os trabalhadores da cana estão submetidos também e mais
recentemente um acidente na Rússia* exatamente numa mina de carvão, exatamente
da mesma forma como se fazia no século XIX. Numa mina inundada por água porque
o madeirame não estava bem colocado que é também o tema do filme Germinal a 150
anos atrás.
Então vejam que com o
alto grau de tecnologia e tudo o que se diz da globalização no essencial não
mudou nada, do ponto de vista das formas de trabalho e das relações de
trabalho. Hoje tantos mineiros russos mortos e outros tantos de feridos
exatamente ipsis literis como numa
mina de carvão no sul da França em meados do século XIX. Quando Marx propõe que
na verdade os trabalhadores se unam, no fim do manifesto que é na verdade um
documento de grande valor embora não ter o grau de pesquisa em A Ideologia
Alemã por se tratar de um documento feito para um congresso de trabalhadores e
que ele termina conclamando: trabalhadores de todo o mundo uni-vos. Ele diz que
só pela união se gera uma força, e o grau de conscientização é que pode
permitir os trabalhadores se libertarem desse processo “escravizador”. Hoje nós
temos escravidão no Brasil com as mesmas tragédias, os mesmos autores e com as
mesmas vitimas.
Marx fala de algumas
coisas interessantes entre elas a questão da alienação. Hoje nós estamos
imersos numa dupla alienação. A alienação que é produzida no processo de
trabalho pela extração da mais valia absoluta e relativa, e por uma nova forma
de alienação que é produzida pelos novos meios de comunicação de massa que
mascaram toda a realidade. Criam fantasias mil que na verdade encobrem todo o
processo de trabalho. Então essa dupla alienação que sofremos todos hoje é algo
que está transformando esse nosso planetinha em algo muito complexo e muitos
estudiosos aí receosos declaram que o futuro da humanidade talvez não seja tão
alvissareiro como gostaríamos todos. De qualquer forma o escritor Eduardo
Galeano, que todos aqui devem conhecer, vale-se de uma imagem muito
interessante desse processo. Ele diz isso num livro chamado O mundo de pernas
para o ar. Ele usa a seguinte imagem:
esse processo chamado de globalizante, neoliberal, é como um homem que serra
sorrindo um galho onde ele está sentado à beira do abismo. É como que se ele
estivesse submetido a um feitiço, ele não se dá conta do que vai acontecer com
ele próprio, porque quando acabar de cortar o galho em que está sentado vai
cair no abismo. É como se estivesse sem
capacidade de pensar, vitima de um processo de alienação e de fetichismo da
mercadoria o que é uma outra figura também muito interessante de que Marx fala:
o fetichismo da mercadoria. Esse fetichismo da mercadoria, hoje mais do que
nunca, é absolutamente verdadeiro.
O que é que Marx chama
de fetichismo? Fetichismo é feitiço mesmo. É como se a mercadoria ganhasse vida
e exercesse sobre todos nós um grau de atração e dominação nos impondo o que
devemos, comprar, fazer. Isso aí qualquer pessoa pode fazer a experiência. A
gente compra aquilo que a televisão diz que é para comprar. Não é verdade?
Há alguns anos atrás,
apareceu o produto OMO. Ninguém sabia o que era. Daí a algum dia alguns meses
depois apareceu: OMO lava mais branco e a gente começou a se dar conta que era
um novo sabão em pó. Até hoje é um dos sabões em pó mais caros que até eu desde
aquela época até hoje uso. Porque? A
gente inconscientemente vai realizando os desígnios do mercado, porque a
mercadoria como que tivesse lhe dado ordem. Não somos nós que a escolhemos. É
ela que diz: agora você vai lá e me compra porque eu sou ótima. A gente
acredita, vai lá e compra, e sendo ótima ou não, não temos o que fazer.
Propaganda de cigarro,
vocês já devem ter visto, Hollywood e não sei o que, eu não fumo e não conheço
bem. Não há um que não tenha uma mulher bonita, deslumbrante ou então um carro,
ou então consegue juntar o carro com a mulher esfuziante que só podem ser
adquiridos se você fumar um cigarro daquela marca. Implica a imagem que vai se
projetar no subconsciente de todos nós como se fumando aquele cigarro você pode
conquistar aquela mulher e ganhar o carro de lambuja para passear porque
ninguém é de ferro. Finalmente o fetichismo da mercadoria junto com um brutal
processo de alienação faz com que todo este contexto da chamada globalização
neoliberal possa se realizar de forma
cada vez maior sem que todos nós possamos nos dar conta do que está por detrás.
É como se a gente perdesse a capacidade de pensar, de raciocinar.
Eu ontem dei aqui um
exemplo rápido de novela da Globo. Na novela tem sempre uns rapazes altos,
fortes, jovens, simpáticos; típicos jovens da Globo. Todos moram em casas
esfuziantes com uma cozinha de dar inveja a qualquer gourmand do mundo. Ninguém
trabalha. Todos, de um modo geral, são filhos de uma pobre viúva que mantém
aquela casa e os três filhos, cada um com um carro. Isso começou na década de
oitenta. Eu comecei a olhar e pensar que neste momento extremamente.(?)
financeiro internacional, em 1975 tinha dado uma guinada total e fez com que o
aumento de juros fosse unilateral e o capital chamado financeiro, que é o
capital bancário associado ao capital industrial, a partir de 1975 mudou toda a
sua característica e passou a ser capital especulativo.
A partir daí esse
capital se reproduz cada vez mais fora da produção. Ele vem cada vez mais se
destacando do processo produtivo. Portanto ele se reproduz de forma
absolutamente fictícia. Capital fictício. A rigor ele não existe. Não existe
mesmo, e isto na verdade vai necessitar de criar ao nível da ideologia, a
ideologia do não trabalho, ou seja, você pode viver muito bem sem trabalhar.
Desde que naturalmente você especule, invista, seja lá como for, mas fora do
trabalho produtivo. Isto vem criando para a humanidade toda problemas que hoje
a gente não sabe como resolver. Eu participei, aqui na UNB, de uma palestra com
o senador Lauro Campos. Faz uns dois anos isso. Eu ouvi desse senador um número
que eu não tinha. Eu tinha lido da Maria da Conceição Tavares que naquele
momento há mais ou menos dois anos atrás o capital produtivo, o PIB mundial,
estava mais ou menos avaliado em trinta e seis trilhões de dólares e que o
capital especulativo na mesma ocasião já estava atingindo setenta e cinco
trilhões de dólares. Portanto mais do que o dobro de capital especulativo em
relação ao capital produtivo. O senador Lauro Campos na sua palestra, invocando
este tema, disse que naquele momento o capital especulativo já tinha atingido
cento e vinte trilhões de dólares. Portanto três vezes maior do que o capital
produtivo todo, do que todo o PIB mundial. Isso não é uma brincadeira, porque
quando a gente tem o capital especulativo, que tem a característica de que
antes ele pelo menos era visível através de apólices, de papéis assinados, hoje
não tem nem mais isso. Hoje são simples impulsos de computador. Faz-se uma jogada de um bilhão de dólares e
se der certo muito bem. Se não der vai-se à falência.
O banco da rainha da
Inglaterra que foi criado em 1776 acabou numa noite com uma única jogada.
Alguém fez uma jogada de um bilhão e seiscentos milhões e o banco faliu. Esse
banco da rainha depois foi dividido em três ou quatro, a Holanda comprou um
pedaço, a Bélgica comprou outro e o banco acabou, assim num piscar de olhos; o
banco da rainha que tinha duzentos e trinta e seis anos acabou. Não foi um
sonho, foi um pesadelo mesmo; o banco acabou numa única jogada especulativa.
Então gente, eu estou colocando aqui isso porque ontem eu fiz aqui uma
afirmação que eu quero reafirmar: eu estou cada vez mais convencida de que numa
enquete que foi feita por uma grande empresa de Londres, no apagar das luzes do
século XX, essa empresa de propaganda da Enciclopédia Britânica fez uma enquete
pela Internet, perguntando quem as pessoas consideravam o maior pensador do
milênio? Porque acabava o século e o milênio tudo junto, e surpreendentemente,
e para o desgosto de uma boa quantidade de pessoas, foi Marx o escolhido como o
pensador do milênio.
Como eu também estou de
acordo com isso, eu quero declarar aqui como eu declarei ontem que eu continuo
o que eu sempre fui, continuo onde eu estava: marxista convicta e praticante.
Para eu não enganar aqui a ninguém. Não fiquem duvidando do que eu estou
fazendo aqui. Estou convictamente marxista e por isso eu aceitei, como eu
aceitei na Universidade Federal do Paraná, colocar esta questão: a atualidade
do marxismo hoje, que é o tema dessas aulas aqui assim como foi o tema de uma
semana de debates filosóficos na Universidade Federal do Paraná. Porque eu
creio que hoje se a gente for realmente, com olhos de pesquisador e com
espírito aberto, sem preconceito, com naturalidade e sem partie-pris, não se apoiando numa falsa neutralidade ideológica que
não existe, a gente realmente definir e redefinir conceitos e decidir como nós
vamos analisar a realidade concreta do nosso tempo e como vamos propor saída
para esses imensos problemas que a humanidade acumulou.
Esses problemas não foi
eu quem criei, nem fui eu que fiz as estatísticas. Eu só trabalho com
estatísticas basicamente do IBGE e das Nações Unidas. Porque é que eu faço
isso? Porque para mim são suficientes. Já são tão escandalosos e tão
deteriorados que eu não preciso de mais do que o IBGE no Brasil e as Nações
Unidas no mundo. Não fui eu que inventei. Não fui eu que criei nem os números
nem as situações. Nem uma coisa nem
outra, mas uma coisa é certa, é que nós adentramos o século XXI que nos foi
prometido como o século da alta tecnologia, envolvido numa sugestão de que esta
alta tecnologia e o mercado eram o lócus, os locais privilegiados para resolver
todos os problemas da humanidade. Continuamos esperando, continuamos esperando.
Porque a rigor todos os dados existentes dizem uma coisa: tudo é um horror.
Tudo, tudo.
Eu creio que está
chegando aí o momento da verdade em que todos nós vamos estar diante dessa
necessidade de afinal dizer o que queremos. Outro dia um estudante peruano
disse-me: nós não queremos sobreviver, nós queremos viver. Não basta
sobreviver. Jovens de todo o mundo tem o direito de viver, de ter casa, saúde,
escola, universidade e trabalho. Para que eles possam enfim dizer que um mundo
melhor é possível. Senão é só mais um jogo de palavras. A gente chega nos
foros, eu também vou ao foro social, e a gente diz que um mundo melhor é
possível. É. Mas temos que fazer um esforçosinho. Não é só na base de discurso,
não é mesmo? Porque? Porque na verdade, e aí eu acho que o Marx continua
coberto de razão, são os trabalhadores do mundo, queiramos ou não, que produzem
a riqueza social. E quando eu estou falando de trabalhador eu estou falando dos
trabalhadores manuais e dos trabalhadores intelectuais.
Aliás, tem algumas pesquisas que dizem que o
trabalho intelectual consome o mesmo numero de calorias que o trabalho braçal.
Portanto precisamos de grandes quantidades de calorias, proteínas, tarará,
tarará, para escrever as nossas belíssimas teses de mestrado e de doutorado.
Até porque gastam o mesmo grau de energia, a mesma quantidade de energia. Se
for assim e eu creio que a gente vai ter que se apropriar desta realidade,
primeiro como método de aferição desta realidade que nos permita reconceituar
todo este processo. Que nos permita na verdade decodificar conceitos que tinham
um sentido que semântica e historicamente mudaram de sentido. Só para dar um
exemplo: Maquiavel, no Príncipe, fala o tempo todo de um príncipe virtuoso e a
gente confunde hoje a palavra virtude porque ganhou um conteúdo moral, mas a
virtude de Maquiavel não é conceito moral, é conceito político. Estritamente
político. Porque quando Maquiavel fala de um príncipe virtuoso ele está dizendo
que o príncipe virtuoso é aquele que trabalha pela unificação do Estado porque
estamos diante daquele processo de transição que se iniciou no século XV e
avançou no século XVI para a formação deste estado que se chamou de estado nacional.
Que é o estado colocado em questão hoje. Então os conceitos se modificam. Os
conceitos podem ter hoje um significado e amanhã o seu significado ser
exatamente o oposto.
Eu quero aqui afirmar o
conceito de democracia que a gente continua repetindo sem nenhum senso crítico
e eu quero aqui declarar que eu não sou contra democracia, muito pelo
contrário, eu sou absolutamente a favor desde que seja verdadeira e para todos.
Agora, se democracia é o governo do povo e o povo na antiga Grécia não era mais
do que vinte por cento da população grega, e hoje é a mesma coisa, então a
rigor a gente está usando um conceito que foi visto de uma forma num tempo
histórico que mudou e que a gente repete ipsis
literis sem nenhum senso critico, sem nenhum critério de análise para saber
quem é povo. Nelson Werneck Sodré escreveu um livro muito interessante: Quem é
povo no Brasil? Eu queria recolocar aqui esta questão: quem é povo no Brasil? Os sem terra não têm terra, vinte por cento
dos trabalhadores brasileiros estão sem emprego. Mais do que isto está subempregado.
A mortalidade infantil continua uma das maiores do mundo. A mortalidade materna
também. Então gente, tem alguma coisa fantástica nos dados do IBGE, que no Brasil
hoje, hoje, o numero de analfabetos
totais e tem que se considerar que no Brasil só é considerado analfabeto
quem tem mais de quinze anos de idade. Até os quinze anos ninguém é analfabeto,
assim como ninguém é desempregado.
Se só a partir de 15 anos
se pode classificar alguém de analfabeto, esse numero de analfabetos totais vai
dar uns trinta milhões. Mas os analfabetos funcionais segundo o IBGE são cinquenta
e tantos milhões daqueles que a rigor, como se diz no interior fazem o ó com
uma taboca. Também não sabem escrever, também não sabem ler, também não sabem
entender, também não sabem decodificar. Então este numero para o Brasil dá uns
setenta por cento de analfabetos. Então
gente, nós aqui na universidade de Brasília temos algum compromisso com isso.
Boa parte da gente aqui é professor, tem título de professor, tem pais
professores. Como é que a gente enfrenta essa realidade?
Agora vi nos jornais,
nem li direito porque eu estava vindo para cá, que o governo brasileiro vai
herdar um empréstimo do FMI de oito bilhões de dólares. A gente vai pegar só
para pagar juros?. Porque a gente não faz nada além disso. Eu vi num jornal, o Correio Mercantil, um
jornal da burguesia, não é um jornal popular não, um jornal que há uns três
meses atrás dizia o seguinte: a América Latina tinha exportado de capitais,
numa década, US$ 976 bilhões de dólares, arredondando, um trilhão de dólares em
dez anos. Nós exportamos isso em nome da globalização E de uma globalização que
a rigor, os economistas sérios sabem disso, só se pode falar de globalização
financeira. Não há globalização de outro tipo. Os economistas sérios não
admitem a palavra globalização e Galbraith, um dos maiores economistas
norte-americanos diz o seguinte: Globalização
é invenção dos americanos para dominar o mundo. Isso dito pelo Galbraith,
um dos maiores economistas norte-americanos, num livro dele.
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Quando a gente fala de
globalização isto induz a erro, porque nos faz pensar a todos que todos
globalmente podemos adquirir todas as coisas que estão no mercado. A gente pode
comer manteiga da Holanda, comer geléia da Dinamarca, e por aí afora, uva
chilena. Porque o conceito de globalização é a internacionalização universal do
produto mercadoria. É isso. Não é tão complicado assim como parece. A rigor, aí
sim, o capital financeiro, porque? Porque hoje via satélite e uma rede de
computadores cada vez mais avançados eles conseguem aplicar enquanto a gente
cochila. Só para a gente começar a se dar conta do que a gente ouve e do que é
verdade. Porque sem dúvida nenhuma os povos do mundo inteiro estão ficando não
só exauridos, mas encantados. Em vindo para cá eu trouxe um livro para acabar
de ler no avião: Bush e a doutrina das guerras sem fim. Da editora Revan do Rio
de Janeiro, baratinho, vinte e sete reais.
Interessante porque este projeto ou esta doutrina do presidente Bush
filho que é um seguidor literal do pai, ele no dia vinte de setembro de 2001,
logo depois do onze de setembro, quando da queda das famosas torres gêmeas, o
presidente Bush declarou no congresso americano: 1º - que ele iria caçar
terroristas em qualquer lugar do mundo, e que naquele momento os povos do mundo
teriam que se decidir entre o bem e o terrorismo, deixando-nos todos numa
situação dificílima. Eu pelo menos continuo numa situação dificílima porque eu
tenho que me decidir entre o Bin Laden e o Bush, a gente ser obrigada a se
decidir entre dois loucos se é que a gente pode chamar de loucos os dois. Ele
disse mais que iria encontrar terroristas, isso foi publicado em tudo que é lugar,
em pelo menos sessenta países do mundo incluindo o Brasil. Isso não é uma
ameaça apenas. A guerra do Iraque está aí que não nos deixa mentir. A segunda
guerra do Iraque. Uma guerra interessantíssima. Chamando-a de interessante eu
não estou dizendo que é uma guerra boa, mesmo porque eu sou uma lutadora pela
paz, mas que é uma prova. Eu não sou pacifista, se disserem isso eu fico
ofendida. Eu sou uma lutadora da paz. Em dois meses se destruiu uma civilização
de sete mil anos.
Eu uma vez dizia o
seguinte uns pilotos americanos precisam ser examinados no Brasil ou em Cuba
nalguma clinica de olhos porque erram os alvos de uma forma impressionante Não
é que não tenha bons oftalmologistas nos EEUU, que não tenha uma fabrica de
óculos que permita os seus pilotos enxergar onde vão jogar as bombas, porque só
jogam em alvo errado porque atingem hospital, escola, tudo, e matam
indiscriminadamente. Eu teria a maior boa vontade de dar uma ajuda os EEUU para
ver se eles conseguem melhorar a visão de seus pilotos. Na Iugoslávia eles
bombardearam até a embaixada da China É um negocio impressionante. Passamos
todos por débeis mentais sendo tratados dessa forma. É um abuso, um pouco caso
da morte. Somos tratados como débeis mentais completos porque tudo isso é dito como se nenhum de nós
fosse capaz de enxergar, de ver. De tirar conclusões, de analisar e procurar
afinal a verdade.
O interessante é que
pela segunda vez a guerra do Iraque foi para procurar os famosos artefatos de
destruição de massa. Continuam procurando. O fato é que não acharam como não
acharam Bin Laden que estava nalguma cratera no Afeganistão. Depois desses anos
todos num jornaleco desses da grande imprensa publica que o Ben-Laden falou não
sei onde. Enfim é um negócio complicado não é verdade? A verdade verdade não é
dita.
Eu comprei um Atlas
novo para ver como é essa divisão do Oriente médio. É complicado para achar. É
espantoso. É espantoso porque o Afeganistão e não precisa ser doutor, ter feito
Harvard, para ver que o Afeganistão dá diretamente para o mar Cáspio e
comprovadamente aquela região detém 75% de todas as reservas de petróleo e de
gás do planeta. Aí eu digo mas que coisa mais engraçada né? Mas tem mais. O
Afeganistão tem lá uma ponta que faz fronteira com a China. Com essa até eu me
assustei porque eu não tinha consultado o mapa ultimamente. Ele faz fronteira
com a China. Puxa vida, isto é um achado. Mas tem mais: o Afeganistão faz
fronteira com o Paquistão que faz fronteira com a Índia. Essa região é
absolutamente estratégica e não o é porque eu o descobri. Todo mundo sabe
começando pelos grandes estrategistas dos EEUU e da Europa a importância do
controle dessa região.
O Iraque é o segundo
produtor de petróleo do mundo. Sobre a guerra do Iraque eu sou da seguinte
opinião: desde que o governo norte-americano tem força para invadir o Iraque
que vá, mas diga por que faz a guerra do Iraque, não fique escamoteando o fato
de ter dois grandes objetivos: Realizar o sonho de grandeza das empresas
petrolíferas norte-americanas e o controle nuclear-militar que foram os dois
grandes setores que enriqueceram o Bush pai e o Bush filho. Eu só quero que
digam. Assumir: vamos dominar o mundo porque nós queremos dominar o mundo.
Enquanto puder dominar vão dominar.
Os estrategistas
norte-americanos sabem que as reservas de petróleo dos EEUU não durarão mais do
que cinco, seis anos, em última hipótese, mantidos os gastos atuais. Qualquer
pessoa da área sabe disso. Se os EEUU para mantiver as suas indústrias funcionando
bem, para manterem a quantidade de carros que tem, têm que dizer isso ao preço
do mercado. Como todos os povos do mundo fazem, ou não? Melhorar o conhecimento que a gente tem.
Porque os EEUU não dizem é que o que eles estão querendo mesmo ao destruir o Afeganistão,
ao destruir o Iraque, ameaçando a Síria, o Iran e toda aquela região e armando
cada vez mais Israel, o que eles querem é o petróleo, o gás e os minérios
porque tem muitos minérios estratégicos não renováveis naquela região. Aí uma
pessoa que também seja ilustrada nessas questões, vai dizer: ué estão fazendo
uma bobagem, porque os EEUU são donos do Alasca e o Alasca tem grandes reservas
de petróleo, não é verdade? É verdade. Então porque os EEUU não trazem petróleo
do Alasca?
Por uma razão: dito por
um norte-americano, um estrategista norte-americano: para construir os gás e
oleodutos do Alasca para os EEUU ficaria em vinte bilhões de dólares sendo que
pelo mar Cáspio, passando pelo Afeganistão e logo em seguida pela divisa do
Paquistão chega no porto de Karachi, o porto mais importante do Paquistão, e
daí sai direto para os EEUU. Isso tudo fica em apenas dois bilhões de dólares.
Tudo bem são regras do jogo. Quem pode interpor, interpõe. Eu só queria que
dicessem isso. Mais nada.
Hoje, nesse chamado
mundo novo, neste mundo da tecnologia, neste mundo da velocidade, e que à par
disso os povos do mundo vão, inclusive a Europa, voltaram a ter todas as
doenças do século XIX e do início do século XX. Eu só acho uma coisa esquisita,
porque essas doenças no Brasil chamadas de tropicais que de tropicais não tem
nada porque são doenças da pobreza e da miséria, mas seja qual o nome que se
dê, essas doenças, pelo menos na Europa, estavam todas erradicadas. Hoje a
tuberculose está avassalando. No Brasil a quantidade de tuberculosos é imensa e
com um bacilo resistente. O famoso bacilo de Cock hoje não desaparece nem com o
chamado coquetel de drogas contendo cinco grandes drogas. Esse bacilo já
adquiriu uma tal resistência que pode usar o coquetel que quiser que ele
continua belo e faceiro. Matando.
Deve ter alguma coisa
errada eu imagino. Porque se a ONU diz que três bilhões de seres humanos da
população do mundo vivem entre a pobreza e a miséria absoluta, se um bilhão de
crianças vivem na miséria, se cem mil de crianças na África morrem por ano por
falta de vitamina A, que é esse o quadro sanitário, o quadro endêmico, à par de
grandes cirurgias de coronárias e tudo mais, muito bem, O mesmo processo que
permite operações inacreditáveis que eram possíveis o homem realizar, e à par
disso as pessoas morrendo por duas razões principais: a fome e a miséria por um
lado e pelo outro as doenças coronarianas por excesso de comida. No mínimo uma
piada de mau gosto. Porque um contingente de uns tantos milhões morre de fome enquanto
outro contingente de outros tantos milhões morre de colesterol, que é acumulo
de gordura, por excesso de comida.
Eu cá com os meus
botões fico pensando que podia ser um pouquinho diferente, não é verdade? Não
me parece seja um crime querer que seja diferente. Por outro lado no Brasil,
antigamente, até uns dez anos atrás, as duas grandes causas de morte eram: as
chamadas doenças coronarianas de todas as formas e as doenças infecciosas, pelo
menos no terceiro mundo todo. Isso mudou. No Brasil, pelo menos, hoje a
primeira causa continua sendo as coronarianas e a segunda causa de morte é
basicamente por armas de fogo contra jovens entre 15 e 24 anos de idade. Dados do IBGE, não estou inventando. Pode
procurar no anuário de estatística do IBGE que vão encontrar tudo isso. Num
país onde a segunda causa de morte se dá basicamente por armas de foto contra
jovens de 15 a 24 anos de idade é país que está destruindo o seu futuro. Nós
estamos destruindo pelo desemprego, por doenças os trabalhadores de hoje, mas
estamos aproveitando e eliminando os trabalhadores do futuro deste país. Não é
só para mim, não pode ser só para mim, mas isso coloca para todos nós,
principalmente numa universidade como esta, um grau de compromisso e
responsabilidade muito grande. O que é que nós queremos com o futuro, ou
melhor, será que nós temos direito ao futuro? Uma boa pergunta. Temos direito
ao futuro?
Não sou derrotista, nem
alarmista, mas estou vendo a realidade mais dantesca do que se podia imaginar.
E voltando um pouco ao Marx; quando a gente pega O Capital, ou pega o XVIII
Brumário de Luis Bonaparte que trata basicamente da formação do capital
financeiro, ou seja, da transformação do capital bancário que é o capital de
empréstimo, em capital financeiro que é um capital de investimento. Marx faz um
desenho desta nova forma de organização do capital, que sinceramente eu faço um
apelo aqui a todos que leiam. Se a gente pega O Capital hoje e jura que acabou
de ser escrito porque Marx descreve a formação do capital primitivo que vem a
ser capital especulativo com uma clareza e com uma riqueza de detalhes que é
difícil imaginar que ele escreveu isso nos meados do século XIX, portanto a
cento e cinquenta anos. Mas quando você
pega a obra de Marx no geral e Marx vai dar contribuições ao nível da
historiografia porque ele propõe uma nova leitura da história, não mais a
história factual, mas agora uma história em processo. Porque quando ele pega o
método dialético e aplica à História, ele vai analisar a História à luz da
dialética e mostrando que cada tempo histórico sai do bojo de um tempo
histórico anterior. Essa questão do novo e do mais velho é uma questão muito
interessante também. Porque como Marx diz o processo dialético vai levando pelo
choque permanente de tese e antítese a momentos de síntese e cada momento de
síntese carrega elementos da tese e elementos da antítese para poder formar a
síntese e continuar em movimento formando novas teses e novas antíteses.
Com isto no processo
histórico você pode ter a prevalência de coisas muito velhas num processo muito
novo. Esta é uma coisa muito interessante para a gente até hoje que fala muito
de moderno e nem se lembra de nossos professores antigos de história. A gente
diz que está vivendo em modernidade. Eu comecei a pensar o que é que é moderno
afinal de contas? Para mim moderno é acabar com a fome em primeiríssimo lugar.
Para mim é o que há de mais moderno que a humanidade poderia fazer. Mas seja lá
como for com a fome a verdade é que a historiografia anterior até os meados do
século XIX considerava o período moderno como a partir do Renascimento, do
século XVI. Depois vem a História contemporânea. A história moderna está
situada a partir do século XVI. Portanto em época nós estamos? A gente continua
afirmando que é moderna independente de ter quinhentos ou mil anos. E
independente de que carregue ou não no seu bojo formas absolutamente
ultrapassadas como a escravidão que deveria já ter sido superado
historicamente.
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Aliás, se a gente abre
os jornais como O Jornal do Brasil e a Folha de São Paulo que eu leio todo dia
anunciam a descoberta de mais uma fazendo lá não sei onde com trabalho escravo.
Em pleno século XXI no bojo da modernidade com o mercado dirimindo todas as
questões e aplanando todos os erros e arestas, a gente continua tendo trabalho
escravo. Da mesma forma como continua tendo prostituição. No Ceará, todo mundo
sabe disso, meninas de nove anos de idade dividem Cristo com a prostituição.
Portanto, é a destruição da própria infância. Eu continuo dizendo que não fui
eu que fiz. Não fiz, não gosto e, portanto não me acusem amanhã de eu estar
subvertendo a ordem porque eu estou dizendo isso.
Eu tive um primo que
era coronel da policia e ele com 16 anos rapazinho ainda saiu de casa e foi
acabar numa fazenda de cacau da Bahia. Trabalhou lá uns tempos. Depois assentou
praça fez carreira e acabou coronel da Policia Militar. Eu nessa ocasião era
jovem ainda, tinha dezessete anos e meio e estava lendo um livro de Jorge
Amado: Gabriela, cravo e canela. Ele chegou um domingo lá em casa. Ele era
muito amigo de meu pai, eu estava sentada num canto lendo e ele sem nenhuma
cerimônia pegou o livro dizendo que ia leva-lo para ler. No domingo seguinte às
sete horas da manhã ele acordou meu pai, minha mãe, todo mundo para dizer como
é que eles permitiam que eu lesse aquilo que eu estava lendo que era Jorge
Amado, um escândalo. Eu lia o Jorge Amado com a maior naturalidade do mundo e
eu aí perguntei o que é que tinha de tão extraordinário o livro? Mas como? Esse livro aqui fala de crime e de
prostituição. Aí eu lhe perguntei: o senhor que trabalhou lá me diga uma coisa,
era assim ou não era? Ah era!. Então? Ah, mas não pode dizer. Eu jurei que eu
jamais iria admitir que alguém me dissesse isso outra vez. Acontecer pode, mas
não pode falar.
Eu creio que a gente na
verdade tem que se valer de um método de aferição do real concreto que nos
permita e aí vem uma questão para mim e para Marx fundamental do ponto de vista
de análise, que é a noção de totalidade. Porque isso para Marx é uma questão
fundamental. Eu, ser que penso o mundo tenho que pensar o mundo como uma
totalidade. Que as coisas surgem do bojo delas mesmo ad infinitum e que,
portanto o novo e o velho convivem mais ou menos e que até o velho ser superado
eu preciso de num tempo histórico que não depende de minha vontade. Se eu faço
uma setorização da natureza e da sociedade, eu faço um corte e pego um fato e
analiso este fato deslocado da sua totalidade, do seu contexto histórico, tudo
me leva a crer que isso vai levar a um não, a um equivoco, porque eu só consigo
ver uma pequena parte do real. Eu não vejo o real na sua plenitude, na sua
totalidade. Se, além disso, eu me valer exclusivamente do método empírico que
todos sabemos ser um método que privilegia a aparência do fenômeno e que ao
privilegiar a mera aparência não se dá conta de que esse fenômeno pode ter uma
representação não verdadeira da coisa.
Ou melhor, que além dessa aparência pode haver algo que está escondido,
que não é visível ao olho nu no primeiro momento.
Qualquer pedagogo diz o
seguinte: na primeira leitura ninguém por mais arguto e atencioso que seja
consegue se apropriar de mais de vinte por cento da leitura. E o que é que eu
devo fazer? Eu devo me valer daquilo que
Marx vai chamar da dialética do abstrato e do concreto. Eu me aproprio de vinte
por cento, mas eu sou um pesquisador sério e quero me apropriar de cem por
cento ou me aproximar disso. Como é que eu faço? Eu constituo esse campo e
volto ao real para verificar como é que as coisas estão se dando, para que eu
possa ter certeza. Ao fazer isso eu faço um movimento de ir e vir da coisa
concreta à minha capacidade de abstração, que se apropria do real concreto por
suas representações. Porque eu não tenho essa cadeira no meu cérebro. Eu tenho
a sua representação. Eu digo a alguém: traga-me uma cadeira vermelha e esse
alguém me traz uma cadeira vermelha. Então veja, eu vou a este concreto que eu
no meu cérebro construí como concreto pensado. E eu me aproprio de mais algumas
informações e eu volto ao concreto até que ao menos por aproximação eu possa me
apropriar senão da totalidade, mas do maior numero de informações deste real
concreto que me permita fazer uma análise mais próxima da verdade.
Isso parece uma coisa
dificílima, mas não é. É tranquilo. Eu leio um livro hoje, depois eu leio daqui
a um mês e então vou descobrir quinhentas coisas que eu não me dei conta na
primeira leitura e se eu ler dez vezes, ao fim de dez vezes eu me apropriei
senão da totalidade plena deste real concreto, mas da maior quantidade de
informações possíveis que eu pesquisador preciso para conceituar. Quando Marx
fala disso e ele fala disso no “Método da Economia Política” na introdução de
seu livro: A Crítica da Economia Política, num trecho pequeno, mas
impressionantemente cheio de conteúdo que permite, na verdade, que o
pesquisador, portanto aquele que quer fazer ciência, porque é disso que Marx
está falando. Ele não está falando de jogar bola. Quando você vai jogar bola,
você joga bola porque quer jogar. A bola é sua e você faz o que quer: quebra a
perna, joga mal, enfim, mas se eu quero fazer ciência a minha responsabilidade
é outra. É tentar dar do real concreto uma explicação que mais se aproxime da
totalidade desse real. E aí os conceitos têm uma função primordial.
Deixe-me perguntar a
você Thiago, o que é uma bola, uma bola de futebol? Uma esfera que (?)... Aí você combinou com seus amigos para irem
para um campo de futebol jogar bola e vão todos alegres e felizes com a bola
debaixo do braço para o campo. Todo mundo correndo atrás da bola no campo, mas
aí neste campo de futebol você não se deu conta, mas tinha uma pedrinha
pontiaguda que bateu na bola e a bola furou. Aí o que é que você vai fazer?
Porque que a bola à rigor virou uma não bola? Porque? Porque ela perdeu a sua
função. A função passou a ser outra. Porque a bola é um objeto que tem forma,
conteúdo e esta relação intrínseca entre forma e conteúdo determina uma função:
permitir o jogo de futebol. Então bola de futebol é isso: uma esfera cheia de
ar que não pode ser furada, senão o futebol acaba. Com esta bola vazia na
melhor das hipóteses você pode jogar pelada. Não joga futebol. Pelada é uma
outra categoria. Futebol exige um campo específico e uma bola feita de tal
forma. Portanto há uma relação intrínseca entre forma e conteúdo, entre a
aparência e a essência.
Vamos dar um outro
exemplo: quem aqui é amante de café? O que é um cafezinho? Cafezinho brasileiro conhecido no mundo
inteiro. ... Torrado e moído com um sabor maravilhoso. Você tem que começar a
dar sentido a um cafezinho. Com um grão de café você faz cafezinho? Não. Com
água gelada você faz um cafezinho? Não. Então você começa a dar sentido às
coisas. Para você poder fazer um cafezinho tem que ter café moído. Seja
Capital, Palhares. Seja lá qual for, tem que ter café moído e tem que ter água
fervente. Você pode fazer uma infusão qualquer com água fria, mas não café.
Café é uma coisa específica que tem pó e tem mais, se eu chegar aqui e disser
eu vou ficar uns dois dias em Brasília e pedir para vocês escreverem um
trabalho de no mínimo dez páginas sobre o cafezinho, o que é que vão escrever?
Alguém responde: A história do café. Se você quiser fazer uma tese descente
você tem que começar a falar da viagem de entrada do café no Brasil, no Pará.
Para começar. Depois tem que dizer que só determinados terrenos de terra assim
e assado no Paraná, São Paulo, em Minas Gerais e no estado do Rio de Janeiro,
depois você tem que dizer que houve a colonização italiana, e ainda não chegou
no cafezinho. Porque no cafezinho que é um café moído tem um processo
industrial. E aí como é que você faz um cafezinho? Na sua casa, por exemplo?
.Alguém descreve como faz...... Aí vai depender. Eu, por exemplo, continuo
fazendo num coador de pano.
Você descreveu uma
série de coisas que são específicas do processo industrial. Café moído. Você
pega a água para esquentar onde? No filtro. Essa água vem de alguma torneira o
que pressupõe ser encanada que é outro processo industrial. Antigamente nós não
tínhamos água encanada. A gente ia à cacimba e levava numa balde para casa. Se
você quer fazer um estudo sobre o cafezinho você tem que começar a decodificar
e se apropriar dos variados elementos que compõem um cafezinho. Depois você pode toma-lo numa tigela de
barro, num xicrinha de porcelana ou de plástico ou num copinho de papel.
Quantos elementos nós
já colocamos aqui num simples cafezinho?. E quando você diz eu vou ao mercado e
que você pegou o café, você trocou um pacote de café por uma determinada
quantidade de dinheiro. A não ser que você seja muito amiga do dono da padaria,
mas aí é outra história. Mas você chegou lá com uma determinada quantidade de
dinheiro dizendo eu quero um saco de café. Você vai lá e pega um saco de café
com o que se estabelece uma determinada relação social. E tem mais; um saquinho
de café não anda sozinho na rua. Ele passa por um processo de circulação e de
distribuição da mercadoria. Vocês estão vendo como tem coisas para a gente
pensar, para a gente fazer síntese. Então eu chego à conclusão que um simples
cafezinho a rigor pode dar algumas teses. Eu posso analisar as alterações à
partir do século XIX no Brasil, as novas concepções de trabalho; os novos instrumentos de
trabalho; os novos instrumentos de transporte, até você chegar àquele caminhão
grandão que anda pelas estradas; e você tem que ter uma série de aparatos para
por análises chegar a uma síntese e chegar a dizer: mas que café gostoso. Você
tem que ver que esses fatores todos não aparecem ao nível do pensamento num
primeiro momento, mas eles existem. Eles são reais. Eu tenho que situa-los em
determinada época. Aí você se lembra que mais de cinqüenta porcento da
população brasileira não tem recurso a uma bica d’água. Como é que fazem para
fazer um cafezinho?
Vejam como este método
dialético pode permitir a todos nós um embasamento teórico e mais a capacidade
afinal de eu conseguir me dar conta de que toda forma tem um conteúdo. Todo
conteúdo acaba adquirindo uma forma. Diz-se que o ar átomo Qual é o tamanho de
um átomo? É o tamanho de uma coisa menor. Como sempre existe forma e conteúdo,
como sempre tem a aparência dos fenômenos e a sua essência, aquilo que está por
traz fazendo com que o fenômeno tenha aquela função e não outra.
Você está com uma perna
quebrada. É uma perna. Por hipótese um outro jovem quebrou a perna e acabou
morrendo e foi para o Instituto Médico Legal, uma tragédia. E aí, vão lá
dissecar e separam a perna. Essa perna continua uma perna? Não. Aliás, ela tem
outro nome: uma peça anatômica. Não é mais uma perna normal. No Instituto
Medico Legal é uma peça anatômica.
Porque a função mudou. Como é que a gente pode hoje mais do que nunca
neste mundo que é nosso, como é que nós ao menos na universidade, e quando eu
digo ao menos na universidade não é porque eu ache que seja exclusivo da
universidade. É porque eu não posso
exigir que o infeliz que mora na favela venha discutir essas coisas aqui. Bem
que eu queria. Se eu explicar direitinho ele entende. Ele pode ser analfabeto,
mas não é necessariamente burro. É verdade que ele não foi à escola, não
aprendeu. Mas ele pode ser brilhante. Eu tive um amigo que até os dezessete
anos era um analfabeto e se tornou um dos maiores advogados deste país. Num
esforço danado.
O que eu estou
colocando aqui é o papel de Marx na estrutura e na teoria do conhecimento e
formas do conhecimento, e formas de analisar, para que a gente possa ao se
apropriar do fenômeno na sua totalidade, na essência e aparência. A gente possa
enfim produzir um conhecimento científico que aproxime da verdade dos fatos ou
da verdade histórica se formos historiadores. E não esquecer que na questão da
história tem mais um probleminha. A história trabalha com fatos e com versões.
O que é mais importante, o fato ou a versão um aluno responde (?) Eu não diria
que ideologicamente na prática é versão já que o que a gente ouve é informação.
Até porque como a história trabalha com fatos passados, aí vai dizer o Weber,
por exemplo: como é que você pode saber que
você vai ouvir a versão do Lucáks para quem o Weber é um canalha Você
não estava lá, mas se você estivesse lá
diria o Weber: você ter se equivocado, você pensa que viu uma coisa
Essa coisa da teoria do
conhecimento não é simples, mas é um desafio. É instigante. Eu acho que Marx é hoje ainda o grande
pensador que nos ensina a pensar, a realidade do mundo, a realidade humana e
mais como é que nós que pensamos o mundo, e mais, que atuamos no mundo, e que
interpretamos o mundo; como é que nós vamos nos valer de um método de análise
da realidade que nos permita dar a interpretação e a explicação do fenômeno o mais
perto possível de uma versão verdadeira?
Hoje eu também estou
convencida quanto a questão do marxismo, que o marxismo pelo que eu conheço
todo mundo reconhece isso. Eu não posso ser contra aquilo que eu não conheço.
Eu dou Marx, Weber e Durkheim muito bem, sinceramente, eu não quero puxar brasa
para minha sardinha, mas o faço por uma razão: porque eu quero permitir os que
estão me ouvindo, no caso os estudantes, que eles gostem ou não do Durkheim e
do Weber a partir da sua interpretação e não porque a Zuleide disse. Porque ele
pode repetir e pode não pensar. Eu acho que hoje mais do que nunca a gente está
repetindo muito na universidade.
Na minha casa no nordeste tinha um papagaio
que cantava, divinamente, uma coisa incrível. Repetia tudo, mas não pensava. Só
repetia. A gente não pode mais aceitar a universidade como um mero setor de
repetição. Porque o professor falou blá-blá-blá a gente repete. Por isso mesmo
eu acho que a gente tem que aprender a pensar, elaborar, decodificar, analisar,
e também estou convencida de que o método dialético, por esta propriedade dele
de ser dialético, de ver tudo em permanente movimento e transformação, e, além
disso, de nos momentos de tese e de antítese transforma em momentos de síntese
que carregam elementos da tese e da antítese que formam novas sínteses o que
nos dá a possibilidade de pensar melhor e analisar melhor, e diante de um
fenômeno da natureza ou da sociedade a gente tentar saber porque. Porque também
não adianta dizer que tem cinquenta e oito milhões de famintos no Brasil.
Resolveu o problema? Não. Apenas enunciou o problema. O que é que a gente tem
que fazer? Acabar com a fome. Se a gente tiver seis milhões de pessoas
pensando, claro que dá um qui-pro-có que não tem tamanho, mas que pode dar bons
resultados pode. A gente tem que tentar.
Então vejamos, eu creio
por isso tudo, estou convencida de que o marxismo é hoje absolutamente atual.
No final do século XIX, início do século XX na teoria das nações nos EEUU houve
acusações muito graves contra o marxismo ao próprio Marx naturalmente. A
primeira é que Marx não era um cientista, mas um mero ideólogo. Que por outro
lado ele não era digno de ser dado na universidade porque ele era um ideólogo e
a ideologia segundo o pensamento de Weber e Durkheim vem carregada de valor,
não é o valor trabalho, e que a ciência é neutra, portanto há uma chamada
neutralidade axiológica; chamada neutralidade do conhecimento. E que, portanto
também é preciso que o pesquisador se dispa de todo e qualquer juízo de valor e
examine o fato. Isso até parece uma coisa viável, só que todos os autores que
fizeram esta afirmação foram grandes ideólogos porque serviram a classes
sociais tais ou quais.
Weber, por exemplo, era
grande funcionário do governo alemão. O que ele deu para fazer era da realidade
interessava ao governo alemão, ou não? Ninguém paga ninguém para ser combatido
dentro de sua própria casa. Não é verdade? Eu não creio. Marx foi apontado
durante muito tempo e foi quase execrado nos meios universitários na Europa e
nos Estados Unidos. A gente quando fala do mundo fala da Europa e dos EEUU e o
resto é secundário. Portanto Marx em sendo ideólogo e não cientista não tinha
porque ser um autor a ser estudado na universidade. Mas tem um ditado que diz
que o homem põe e Deus dispõe. O mundo
gira e nessa segunda guerra mundial as quantidades de negros africanas foram
todos tangidos para a guerra. Fizeram bonito lá, ajudaram na Segunda Guerra
Mundial. Esses africanos quando voltaram da África voltaram todos picados pela
mosca azul, ou seja, começaram a se dar conta de que eram importantes. Porque
se foram para a guerra, enfrentaram tudo o que os brancos enfrentaram, e
ajudaram a ganhar a guerra, porque é que eles iam continuar como antes?
Começou um processo de
libertação na África e na Ásia em América Latina um pouco. E neste processo,
quando começou a pipocar revolução de tudo que era jeito efetivo em vários
lugares do mundo, os grandes acadêmicos das grandes universidades começaram a
se colocar algumas questões: como é que eles iam explicar este fenômeno? Com
Weber e Durkheim era impossível e é impossível. Aí se lembraram que tinha lá um
autor um tanto desconhecido chamado Marx que já falava dessas coisas no século
XIX. Moral da história: Marx foi reintroduzido na academia até o terceiro milênio.
Marx dava explicação desses processos revolucionários que nem Durkheim nem
Weber podiam dar. Marx jamais negou que ele construía um corpo teórico que
tinha juízo de valor sim porque tinha que ter. A gente quando faz algo faz para
isso ou aquilo. Quando se cria a bomba atômica não é por ingenuidade nem por
inocência. Quem criou a bomba atômica foi para destruir mesmo. Esta é uma
diferença entre Marx e outros pensadores.
Marx voltou para a
universidade, mas, agora depois do neoliberalismo houve mais uma tentativa de
jogar Marx para fora da História. Agora é o mercado que vai fazer e vai
acontecer e justo com o mercado que faz e acontece aumentou o mundo com um
bilhão e meio de desocupados. Dados da ONU: um bilhão de desocupados e de
semiocupados; uma queda brutal nos níveis de vida em todo o mundo. A classe
média quase desapareceu. Aí não mais do que de repente a gente começa a ver nas
universidades, como nestas semanas, o debate sobre Marx. Não é interessante? A
História caminha. Bem ou mal a gente está aqui na Universidade de Brasília
desde ontem discutindo quem é Marx, o que é o marxismo, para que serve, o que
fazer.
Eu acho que era isso
que eu queria dizer Eu também falo como os americanos: eu estou com na (?)
cabeça. A diferença é que eu digo honestamente e os americanos não. Não vejo
porque não dizer isso. Estamos todos na cabeça dos jovens e dos menos jovens.
Eu acho que uma coisa para a gente começar a se entender é dizer a verdade,
dizer as coisas como elas são. O que é que eu estou fazendo aqui? Eu estou aqui
firme e forte há três horas. Porque? Porque eu tenho um motivo.(?) As cabeças que é a sede da consciência. Para
que a gente possa melhorar os níveis de consciência. e para melhorar os níveis
de consciência a gente de que um mundo diferente é possível mas que esse mundo
melhor depende de nós. As guerras, a fome, a miséria, todas essas mazelas que
estão aí (?) pode resolver esse pequeno
problema jovens que têm que, e forjar esse caminho, esse caminho novo da nova
sociedade que não será perfeita. Quando Marx estava no leito de morte
perguntaram: o que você acha que vai haver depois disso tudo: Ele disse: o
movimento, ou seja, tudo continua a se mover. Se alguém tiver interesse, no
livro do Engels A dialética da natureza, há uma introdução inquietante em que
Engels coloca em muitas paginas que o movimento da matéria não tem compromisso
com as nossas (?) quaisquer e pode levar a que todos os planetas e astros
desapareçam Então eu só queria dizer aqui que eu acho que esta é uma nova
concepção de conhecimento, uma nova concepção de história, esta é uma nova
concepção política e esta é uma nova concepção de homens e mulheres que poderão
construir um mundo melhor para que aí, então, todos nós possamos criar uma
sociedade que não precisa ser perfeita mesmo porque a perfeição é um ideal a
ser conquistado sempre. Sempre que a gente atinge um estágio de perfeição
outras coisas mas construir uma sociedade nova no sentido de estabelecer
solidariedade, fraternidade e afinal fazer aquilo que se fazia no sistema
chamado primitivo: que todos possam participar do trabalho social, da criação
das riquezas sociais, mas que todos possam também se apropriar desse produto
final porque o dinheiro é não mais que um valor de troca. Eu troco tudo por
dinheiro O fetiche da mercadoria, o fetiche do dinheiro estão levando a essa
coisa que está aí, colocando em risco não a existência de todos, mas em risco o
planeta. Eu queria aqui deixar esta mensagem para vocês