Peter Bredsdorf – Arquiteto dinamarquês (1913–81). Professor catedrático da Escola
Superior de Belas Artes de Copenhague.
Tradução: Frank Svensson
Tony Garnier 1899
La Citè Industrielle de Tony
Garnier
Em 1901
o jovem arquiteto francês Tony Garnier expôs na Academie des Beaux—Arts de Paris um anteprojeto de urna cidade
industrial. Não obteve nenhum reconhecimento, mas sim amargas criticas.
Mostrou-se, no entanto, depois, que esse projeto era um precoce prenúncio do funcionalismo, na forma em que se
expressou nos anos 1920. Tratava-se, na realidade, simplesmente da forma de um
artista antever o novo século. Esse projeto localiza-se de forma
surpreendentemente solitária no tempo, não só em relação ao passado corno
também à sua época. Muitas circunstâncias em torno do mesmo permanecem
nebulosas. Pretendemos, com este trabalho, narrar um pouco sobre o contexto e o
autor do projeto.
Grandes
cidades da Europa ocidental do século XIX é um conceito amplo mas ao mesmo
tempo uma caracterização bastante válida. São as cidades do século no qual a
burguesia veio ao poder com suas novas concepções de liberdade, dando,
inclusive, liberdade à iniciativa privada de agir sem a intervenção dos
interesses públicos. vigoroso desenvolvimento industrial e a mudança em massa para as cidades. O crescimento sem planejamento, a
desenfreada especulação imobiliária e um sem fim de fábricas poluentes.
Péssimas condições sanitárias e habitacionais e a liberdade de abusar do
direito de explorar a miséria humana. Os privilegiados buscando guarida nos
melhores enclaves do centro urbano ou em áreas reservadas às suas mansões na
periferia. A transformação das áreas centrais em quadras de serviços e
escritórios segundo imponentes projetos. Áreas da preferência dos visitantes da
cidade, sem contato com a miséria da periferia e do entorno. Situação ainda
hoje reconhecida em nossas próprias cidades.
Inicialmente,
esse desenvolvimento deu-se em relação a cidades inglesas. Rapidamente atingiu,
também, a França e a Alemanha. Nada mais natural que personalidades engajadas
nos problemas sociais buscassem alternativas para tal forma de crescimento
urbano. Buscavam bases de maior justiça social e de um modo de vida mais sadio,
sobre as quais organizar o binômio indústria/habitação. Na primeira parte do
século, por meio de propostas como as das industrial
villages e dos phalanstères, de
autoria, respectivamente dos utopistas Robert Owens e Charles Fourier. Mais
realista foi um conjunto de iniciativas de grandes industriais — a partir de
seus bem intencionados interesses — construindo cidades modelo junto a suas fábricas e as iniciativas de sociedades
filantrópicas construindo conjuntos habitacionais modelo, mas foram diminutos experimentos, corno agulhas no palheiro
do crescimento urbano. As epidemias grassavam mesmo quando as leis cobravam
condições de higiene por meio da aprovação dos projetos de moradia e
construção. A simples necessidade de uma certa ordenação do suprimento de água
e da rede de esgotos transformou o planejamento urbano numa questão de ordem
técnica. Outra forma de planejamento urbano foi o drástico embelezamento de
Paris, recortando os superpovoados quarteirões da cidade com largos boulevards canteados de novas fachadas.
Essa demonstração de força suscitou a admiração dos demais países da Europa e
foi repetida em escala menor em muitas cidades. Mas os novos assentamentos que
surgiam no entorno das cidades existentes, graças ao direito de propriedade
privada, foram difíceis de manter sob controle.
Em
termos de planejamento urbano os arquitetos, inicialmente, limitaram-se
sobremodo às áreas centrais com ambiciosos projetos como, por exemplo, o da
Ringstrasse para o campo de tiro da Viena velha. O austríaco Camillo Sitte
defendeu, no fim do século passado, uma nova forma de se configurar cidades a
partir de pressupostos artisticos. Desejava
urna nova criação baseada na riqueza fruitiva e vivencial dos espaços e lugares
das cidades medievais. Outros achavam que o desenho urbano devia ser
consi-derado a partir de ideais rigidamente clássicos. Com relação ao
crescimento das cidades como fenômeno social, os planejadores da época não
apresentaram nada de novo. Reportaram-se aos utopistas já havidos. A exceção
foi Ebenezer Howard com sua ideia de cidade-jardim, apresentada em 1897. Queria
simplesmente estancar o crescimento malsão das cidades e dirigi-lo para
assentamentos industriais autônomos, que não fossem maiores do que a capacidade
de reunir as vantagens de se morar na cidade com as vantagens de se morar no
campo. Afirmava humildemente só haver destacado uma página da obra de cada utopista
juntando às mesmas, num livro, as implicações da concretização das respectivas
utopias. A construção de uma cidade jardim foi iniciada ao virar o século. Mais
uma agulha no palheiro.
Lyon, centro regional
A cidade
de Lyon, a terceira da França em tamanho, sofria, para bem e para mal,
principalmente para mal, as consequências do crescimento de uma cidade grande.
Um centro mundial da indústria da seda, mas também com grandes fábricas de
maquinaria e de produtos químicos. Uma cidade onde notáveis invenções foram
lançadas onde novos ramos industriais
vieram á luz, mas onde os trabalhadores para ali atraídos eram pessimamente
alojados e alimentados. Uma cidade onde, por volta de 1830, ocorreram algumas
das primeiras manifestações obreiras de protesto da Europa ocidental, e depois
disso durante muitas gerações foi importante centro de resistência socialista.
A região
de Lyon tem, ainda, um importante lugar no regionalismo
do século XIX, marcado pela compreensão das relações existentes entre o
contexto físico próprio e o desenvolvimento econômico e cultural. Na França a
defesa da vinculação da população com sua região transformou-se cedo numa forma
de protesto contra o acentuado centralismo do governo nacional, e foram
cientistas franceses os que primeiro se ocuparam com questões regionais. (Na
Inglaterra o regionalismo começou a ser formulado por Patrick Geddes, que
apenas deu continuidade às ideias já desenvolvidas na França, aperfeiçoando-as
como instrumento de planejamento). A cidade de Lyon passou por consideráveis
transformações na segunda metade do século XIX. Já nos anos 1860 foi objeto de
trabalhos de saneamento urbano tendo Paris corno modelo. Em 1880 realizaram-se
vários projetos de renovação urbana com um enfoque nitidamente sanitarista, c
em 1900 foram implantadas instituições de educação e outros serviços dignos de
uma metrópole regional.
Tony Garnier o arquiteto de Lyon
Esse
contexto teve, sem dúvida, importância para o jovem arquiteto Tony Garnier, que
nasceu em 1869 e cresceu num dos melhores bairros operários de Lyon. Estudou
arquitetura na Academia de Belas-Artes daquela cidade entre 1886 e 1889. Não
sabemos se as suas primeiras imagens de urna cidade e da arquitetura do futuro
surgiram com ele ainda aluno. Em 1889, foi contemplado pela Academia de Lyon
com uma bolsa para formação continuada em Paris. Ali chegou portanto no ano da
grande exposição internacional — a exposição da qual a maioria se lembra por
causa da torre Eiffel. Passou com facilidade pelos exames de admissão à Academie des Beaux Arts, cursando com
energia as disciplinas ali oferecidas. Era sua intenção obter as melhores
menções, no sentido de conquistar o Prix de Rome, o que conseguiu em 1899. Essa
distinção deu-lhe o direito de estagiar durante alguns anos na renomada academia
francesa sediada na Villa Mediei em Roma.
Tony Garnier: perspectiva de uma cidade do futuro.
A obrigação
dos bolsistas era familiarizar-se com estudos de restauração de monumentos da Antiguidade.
Já na chegada a Roma, Tony Garnier estava firmemente convencido de que sua
missão principal era demonstrar como urna cidade do futuro poderia ser
configurada. Mas na bicentenária instituição que o abrigava não havia mais
compreensão para tais experimentos do que em Paris, muito pelo contrário. A
academia de Roma comunicou a Paris que o comportamento de Garnier não era
condizente com a época, e os esboços de uma cidade do futuro que ele
apresentara e expusera em Paris em 1901 foram simplesmente destruídos.
De nada
lhe valeu argumentar que urna cidade moderna pode perfeitamente ser inspirada
no antigo — algo de que estava plenamente convencido e que defendia tanto no
seu projeto como antes. Para poder continuar seu trabalho em Roma, dedicou-se à
reconstrução de toda uma cidade da Antiguidade: Tusculum ou Tusculo cidade da
antiga Itália (Lácio); hoje Frascati. Possuía uma história de cidade satélite de
Roma, com mais de 50.000 habitantes, mas fora destruída nos anos 1100. A nova
ocupação de Garnier não despertou admiração, mas foi aceita e bem mais tarde
veio a ser muito reconhecida.
Voltando
a Paris, em 1904, a reconstrução de Tusculum tornou-se objeto de exposição e foi aceita como seu trabalho principal. Foi
autorizado, no entanto, a expor também, como complemento a seu trabalho de Prix
de Rome, os esboços de sua cidade do futuro, sem dúvida urna provocativa
atividade extracurricular. O
material elaborado por Garnier entre 1901 e 1904 não é conhecido, com exceção
do plano diretor por ele divulgado. Sabe-se, no entanto, que além desse plano
foram expostos muitos esboços sobre detalhes da cidade por ele proposta. Nem de
parte da Academia em Paris nem da imprensa especializada surgiu alguma
manifestação de estímulo ao trabalho de Garnier. A única referência positiva
veio de um periódico de sua própria cidade: Construction
Lyonnaise. Garnier desapontado esteve a ponto de emigrar da França. No
entanto deixou-se convencer a ficar, em função de um emprego municipal
oferecido a ele em Lyon. Suas primeiras incumbências foram o seu famoso projeto
de abatedouros, um grande hospital, um estádio municipal, uma exposição
internacional em Lyon, etc. Ao mesmo tempo, participou de vários concursos,
dando-se tempo, ainda, de desenvolver o projeto de uma cidade do futuro. Em 1917
teve este trabalho publicado em dois volumes, com 164 pranchas, sob o título Une cité industriei/e, Étude pour La Construccion
des Villes.
A visão urbana de Garnier
A obra
segue um programa bastante sucinto e é parcimoniosamente descrita. Apresenta
urna cidade numa paisagem imaginada. configurada inteiramente a partir do plano
geral, com planos parciais de bairros de distintas funções. Com soluções
habitacionais diversas e até detalhes de interior e de exterior de prédios
institucionais, residências e fabricas. Tudo avivado por perspectivas aéreas da
cidade, de sítios urbanos, de ruas, de casas e de interiores. Um grandioso
trabalho, ilustrado por ideias inusitadas de construção e arquitetura urbana,
apresentadas por um arquiteto francês na virada do milênio (1900).
O
programa formulado individualmente por Garnier pode ser descrito como de uma
cidade moderna, tendo a indústria como principal elemento configurador, localizada
em sua região de origem, o sudeste da França. Idealizou a cidade com uma
população de 35.000 habitantes, não por achar que essa fosse uma quantidade
ideal, mas por considerar que uma cidade menor não teria os problemas que
gostaria de abordar arquitetonicamente, ao mesmo tempo que uma cidade maior
seria impossível de manusear da forma por ele desejada. Em sua imaginada
paisagem havia ainda uma micro-região, campos de lavoura capazes de nutrir a
população urbana, um rio como via de transporte dos produtos industrializados.
um afluente capaz de produzir energia elétrica, luz e aquecimento para toda a
cidade. Pressupunha que a rede viária, o transporte, a água e o esgoto seriam
de responsabilidade pública. Seria de responsa-bilidade pública também, a definição
do uso do solo, o loteamento do mesmo, o
. Plano
esquemático da Cité Industrielle,
1904-1917
do mesmo, o abastecimento, a saúde e o lixo. Ideias essas bastante avançadas para um tempo em que qualquer planejamento de cidade era bloqueado pela propriedade privada da terra e por um enfoque avesso à intervenção do setor público em assuntos que poderiam ser resolvidos por empreendimentos particulares.
do mesmo, o abastecimento, a saúde e o lixo. Ideias essas bastante avançadas para um tempo em que qualquer planejamento de cidade era bloqueado pela propriedade privada da terra e por um enfoque avesso à intervenção do setor público em assuntos que poderiam ser resolvidos por empreendimentos particulares.
Tony
Garnier - Citè Industrielle vista do centro e do setor industrial
Em seu
conciso e austero texto. Garnier confronta sua nítida divisão da cidade em
áreas de função especifica com a contínua ampliação da diversificada
constituição urbana. Justifica a divisão da cidade — quadras estreitas,
dispostas no sentido lesteoeste — invocando a orientação dos ventos e a melhor
incidência solar. Exige sol direto em todos os quartos de dormir, proíbe palcos
internos, proíbe uma ocupação superior à metade do terreno c proibe muros
divisórios entre as casas. As partes verdes, entre as casas, devem
relacionar-se formando urna espécie de parque de livre acesso aos pedestres. O
tráfego de veículos é vinculado a urna rede viária de fácil compreensão, com
urna via principal no sentido leste-oeste partindo da estação da estrada de
ferro. Ruas com características distintas são arborizadas de forma distinta.
Apesar
do grau de detalhes apresentado, a ideia básica do projeto parece haver
existido desde 1904, ou até mesmo desde 1900. Há no projeto uma concordância
incomum entre a totalidade e os detalhes, impregnada por um conceito
arquitetônico no qual só o simples, o prático, o verdadeiro são aceitos como
belo. Um conceito que já relatara a
partir de Roma, em 1901. quando remeteu a Paris os seus primeiros esboços. Um
claro enfoque capaz de analisar e dispor o caráter básico da cidade relacionado
a seus elementos mais simples. Um desejo de não deixar nenhum problema sem
solução. Do ponto de vista da técnica urbanística a novidade da cidade de Tony
Garnier consiste na clara diferenciação de funções com um sistema viário também
claramente diferenciado. Algo surpreendente numa época em que ninguém previa
como iria se desenvolver o tráfego urbano.
Do ponto
de vista da conformação urbana, nega totalmente o formato comum — variado c
surpreendente ou rígido e bem proporcionado — das ruas e dos sítios urbanos da
Europa. Garnier queria a cidade verde, como se as casas estivessem em um
parque. Mas os prédios não seriam simplesmente distribuídos no verde, deveriam
configurar uma disciplinada paisagem urbana em nítido contraste com as áreas
cultivadas e a natureza do entorno. Um contraste marcadamente expresso pela
localização da cidade num plateau delimitado
por um majestoso muro de arrimo voltado para o vale ao sul da cidade.
Arquitetonicamente, a mensagem de Garnier comunica sua consequente exigência de
que os prédios expressem as funções. os lugares neles contidos e os processos
construtivos inerentes aos diferentes tipos. Um grau de honestidade que,
segundo Garnier, contém em si o belo, urna beleza capaz de ser enriquecida por esculturas em interação com os prédios
e com a vegetação.
Quem influenciou Garnier e a quem ele
influenciou?
Vários
historiadores da arquitetura e do urbanismo têm se ocupado em esclarecer quem e
o que na virada do século teria influenciado Garnier em seu trabalho com a Cité Industrielle. Para vários dos
prédios unitários é possível encontrar referências mais e menos seguras. O
debate europeu sobre a configuração urbana pouco o interessou. Há escritores,
no entanto, que acreditam achar traços de Sitte em seu trabalho (o livro de
Camillo Sitte foi traduzido para o francês em 1902), ou em sua rede viária
retangular, encontrar traços dos classicistas. O verossímil no entanto é que
tenha se sentido mais influenciado pela tradição urbanística francesa e pela
observação da racionalidade das cidades coloniais da Antiguidade. Deve ter
acompanhado o avanço técnico contido na solução dos grandes projetos públicos
de sua época.
Quando,
em 1910, recebeu a incumbência de projetar o hospital de Grande Blanche, fez uma viagem de estudos à Alemanha e à Dinamarca.
Em seu relatório de viagem salienta de forma especial a construção iniciada do
hospital de Bispebjerg, em Copenhague, com seus departamentos distribuídos como
pavilhões ligados por um sistema de transporte subterrâneo. Esse hospital foi
visto por ele como urna cidade-jardim
para doentes. Quem não gostaria de haver assistido a A Casa da Cultura. um debate entre seu autor Martin Nyrop e Tony
Garnier? Um nacional-romântico e o outro internacional-racionalista.*
Tony Garnier, Citè Industrielle, Casa da Cultura.
Tony Garnier, Citè Industrielle, Casa da Cultura.
Muito
poucos são propensos a crer que Garnier tenha sido influenciado por Ebenezer
Howard. embora o livro To Morrow de
Howard, já houvesse sido traduzido para o francês em 1903 e que ele estivesse
trabalhando na implantação de uma cidade de 32.000habitantes (Letchworth). ou
seja, mais ou menos do mesmo tamanho que a cidade de Garnier. Howard defendia a
propriedade comum do solo urbano e que o assentamento urbano fosse cercado de
áreas cultivadas para o seu auto-sustento. Apesar de apresentarem pontos em
comum, as duas propostas tinham caráter muito distinto. Howard ilustrara sua
proposta com diagramas, tratava-se, portanto, de um modelo aplicável a
diferentes situações concretas. Garnier projetou urna cidade concreta para uma paisagem
imaginada. Howard não desejou que sua cidade crescesse além do tamanho pensado
— entre outros impedimentos haveria o da faixa verde que circundaria a mesma.
Sua cidade era circular e concêntrica. denunciando uma forma estática.
A conformação da cidade de Garnier permitia o crescimento não só da cidade, mas também de suas partes especificas. Mais comum do que atribuir a Garnier um influência do tipo garden-city é dedicar-lhe urna postura socialista e ver a sua cidade do futuro como a concretização das visões de Charles Fourier na primeira metade do século XIX. Além disso, Fourier escrevera seus textos na cidade de Lyon. Suas ideias quanto a cidades industriais menores de novo tipo se concretizaram com o familistère construído por iniciativa do industrial J. B. Godin junto à sua fundição em Guise, no norte da França, entre 1860 e 1880, depois transformada numa cooperativa de trabalhadores. Que Garnier desejasse a propriedade comum do solo urbano era um pressuposto natural para uma construção racional de uma cidade, mas não implicava defender a propriedade coletiva da terra em geral. Desejar a preponderância do público como responsável pelo aprovisionamento dos principais gêneros. bem como a administração de água. luz e lixo, era uma postura progressista para a sua época, mas sem ser socialista, embora tenha previsto a construção no centro da cidade de instituições de amparo a desprovidos e a desempregados.
A conformação da cidade de Garnier permitia o crescimento não só da cidade, mas também de suas partes especificas. Mais comum do que atribuir a Garnier um influência do tipo garden-city é dedicar-lhe urna postura socialista e ver a sua cidade do futuro como a concretização das visões de Charles Fourier na primeira metade do século XIX. Além disso, Fourier escrevera seus textos na cidade de Lyon. Suas ideias quanto a cidades industriais menores de novo tipo se concretizaram com o familistère construído por iniciativa do industrial J. B. Godin junto à sua fundição em Guise, no norte da França, entre 1860 e 1880, depois transformada numa cooperativa de trabalhadores. Que Garnier desejasse a propriedade comum do solo urbano era um pressuposto natural para uma construção racional de uma cidade, mas não implicava defender a propriedade coletiva da terra em geral. Desejar a preponderância do público como responsável pelo aprovisionamento dos principais gêneros. bem como a administração de água. luz e lixo, era uma postura progressista para a sua época, mas sem ser socialista, embora tenha previsto a construção no centro da cidade de instituições de amparo a desprovidos e a desempregados.
Garnier
não revela de quem seria a propriedade das fábricas (ou os construtores e os
habitantes) da sua cidade. Prevê reformas sociais, mas não uma nova estrutura
social. Seu entusiasmo é o mesmo quando busca soluções habitacionais ótimas e
mínimas para as famílias obreiras e quando deixa sua imaginação discorrer sobre
casas para os bem-sucedidos. É preciso boa vontade para encontrar muitas das
idéias de Fourier na proposta de Garnier, atendo-nos à descrição de Fouricr de
urna cidade em transição para a forma ideal (como Godin concretizara).
Tony Garnier, Citè Industrielle, Estação ferroviária.
Tony Garnier, Citè Industrielle, Estação ferroviária.
O engano
fourierista quanto a Garnier talvez possa ser atribuído ao romance Travail de Émile Zola, que conta a
estória de um engenheiro idealista, que transforma uma decadente cidade mineira
numa cidade industrial ideal. O engenheiro é despertado para o problema por um
pequeno texto escrito por um não nominado discípulo de Fourier. O romance descreve urna comunidade feliz com
residências ajardinadas para todos, além de incontáveis possibilidades de lazer
c educação. Uma comunidade tão perfeita que podia dispensar prisões e igrejas.
É possível que esse romance, que hoje nos parece supersentimental, editado em
1901, tenha impressionado Garnier, levando-o a incorporar um programa social no
projeto que já tinha em andamento. De qualquer maneira, imprimiu graciosamente
uma frase desse romance de Zola na fachada do prédio destinado a abrigar um
centro de vivência. Mas nada poderia ter mostrado de forma tão nítida quão
frágil era a ligação de Garnier com os socialistas utópicos.
É mais
fácil descobrir uma postura regionalista ao invés de uma postura política em
Garnier. Na sua — bastante imprecisa — argumentação sobre a relação da sua
cidade com as demais cidades e entre esta c o campo; na sua incorporação de uma
cidade antiga ao projeto; na sua consideração à especificidade do clima e da
topografia; na sua observação quanto a museus de história e de botânica à
necessidade de um local de exposições regionais, etc. Garnier deve no mínimo
ter lido ou ouvido à respeito do congresso sobre regionalismo que a Sociedade
de Geografia organizou em 1894 em Lyon, considerando naturalmente a região de
Lyon c suas possibilidades de desenvolvimento como tema. Não se sabe com
segurança qual foi a verdadeira mola propulsora do projeto de Garnier. o que o
fez prosseguir trabalhando no mesmo após a decepção de 1904. Tampouco quanto a
quem ou o que o influenciou. Em contradição a tantos outros grandes arquitetos.
manteve silêncio sobre tais circunstâncias, marcadas por urna mistura de
acentuada busca de reconhecimento c profunda modéstia. É muito possível que o
seu trabalho como arquiteto para uma mostra internacional em Lyon, em 1914, de
prestigiosos projetos de cidade o estimulara a tornar pública a sua própria
visão a respeito.
Garnier
não exerceu praticamente nenhuma influência imediata sobre a geração um pouco
mais jovem que ele.
Tony Garnier, Citè Industrielle, porto marítico.
Durante os primeiros dez anos após a publicação de seu trabalho, foi considerado por demais radical, engenherático c -não artístico. Durante os dez anos seguintes, foi considerado corno não suficientemente radical e como que flertando com a Antiguidade. Sabe-se que Le Corbusier, aos vinte anos de idade, o visitou em Lyon, em 1907. Le Corbusier foi, também, o primeiro arquiteto de renome que elogiou Garnier, após a publicação do trabalho em 1917, por sua contribuição à nova objetividade da arquitetura e do urbanismo (Esprit Nouveau. 1921). Talvez seja com Le Corbusier como intermediário que Garnier tenha exercido a maior influência sobre o desenvolvimento. Mesmo depois de o funcionalismo haver penetrado seriamente no mundo ocidental, causava surpresa cada vez que surgiam exemplos da anterior e consequente obra-mestre. Não surpreende, portanto, que em 1932 tenha sido objeto de urna nova edição.
* Bispebjaerg Hospital, projetado por Martin Nyrop e construido entre 1908 e 1913, com 700 leitos ampliáveis para 1600. Sua forma é pavilionar, comportando dois centros cirúrgicos, dois centros clínicos e vários departamentos especializados
Tony Garnier, Citè Industrielle, porto marítico.
Durante os primeiros dez anos após a publicação de seu trabalho, foi considerado por demais radical, engenherático c -não artístico. Durante os dez anos seguintes, foi considerado corno não suficientemente radical e como que flertando com a Antiguidade. Sabe-se que Le Corbusier, aos vinte anos de idade, o visitou em Lyon, em 1907. Le Corbusier foi, também, o primeiro arquiteto de renome que elogiou Garnier, após a publicação do trabalho em 1917, por sua contribuição à nova objetividade da arquitetura e do urbanismo (Esprit Nouveau. 1921). Talvez seja com Le Corbusier como intermediário que Garnier tenha exercido a maior influência sobre o desenvolvimento. Mesmo depois de o funcionalismo haver penetrado seriamente no mundo ocidental, causava surpresa cada vez que surgiam exemplos da anterior e consequente obra-mestre. Não surpreende, portanto, que em 1932 tenha sido objeto de urna nova edição.
* Bispebjaerg Hospital, projetado por Martin Nyrop e construido entre 1908 e 1913, com 700 leitos ampliáveis para 1600. Sua forma é pavilionar, comportando dois centros cirúrgicos, dois centros clínicos e vários departamentos especializados
Ótimo conteúdo, me ajudou muito.
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