Valton
de Miranda Leitão – Psiquiatra e militante político do Partido
Socialista Brasileiro PSB.
O homem sente-se seguro quando imagina ter encontrado a ordem. É assim na arte, na ciência e na filosofia. O famoso matemático grego Arquimedes ao descobrir o seu teorema foi tomado de tal excitação que saiu gritando nú pela rua: Eureca! Eureca! Encontrei!
A excitação que uma melodia musical provoca no compositor resulta desse encontro com a harmonia. Pedaços de sons desconexos são associados como numa unidade. O sentimento de satisfação ao inventar essa totalidade pode provocar no compositor da música ou no escritor como no cientista ou filosofo, uma explosão de alegria. Um sente-se perto do belo e o outro imagina ter encontrado a verdade.
As palavras, as imagens e os
sons, antes instrumentos da literatura, da poesia, da arte e da ciência,
atualmente fazem parte do acervo ideológico das elites que os oferecem como
mercadoria nas prateleiras do grande supermercado comunieacional. O saber anda,
nesse sentido, de mãos dadas com o grande Capital. Esta é a fronteira da
reviravolta idealista que os pensadores de raiz marxista deverão enfrentar no
duelo teórico.
Um grande número de
intelectuais — outrora ditos de esquerda — parecem ter perdido a dimensão
relativa de valores como verdade e beleza. Proclamam enfaticamente no campo
político a vitória final do neoliberalismo capitalista, no campo
científico-empírico-analítico Popper é vitorioso, e no campo
sócio-cultural-psicológico a linguística dá as cartas. Isso tudo determina a
falsa impressão de que uma corrente de pensamento tão forte como a esquerda
socialista perdeu o debate ideológico para um inimigo menos preparado — num
sentido universal — mas mais competente e pragmático na manipulação dos
artefatos materiais e espirituais.
O sistema de dominação
monitora o verbo, e deste modo, aquieta a rebeldia e silencia as massas. O
símbolo tomou o lugar do conteúdo e a fantasia substituiu a realidade. A humanidade pré-filosófica acreditava
que Prometeu dera-lhe a gramática, o fogo e a metalurgia. O desenvolvimento
histórico do homem levou mais de dois mil anos para sepultar este mito e
implantar a historicidade articuladora de trabalho e linguagem. Agora, a nova
onda filosófica quer retomar a eternidade da palavra e atribuir-lhe uma
dimensão ideológica intrínseca. O nome de uma pessoa seria mais importante que
sua biografia afetiva (história pessoal) e o símbolo linguístico transcenderia
a realidade histórico-social. E uma espécie de idealismo objetivo que atribui
às palavras uma realidade inerente e original.
Tudo se passa como se a
poesia épica de Homero fosse o próprio belo e não um momento da beleza numa
etapa mitológica do desenvolvimento da história humana. A natureza do debate entre historia e
linguagem é paradoxal porque um saber utiliza o outro como mediação e
secundariza o opositor nesta diatribe da ciência. De um lado Marx (não o de
Althusser) e Freud (não o de Lacan) e do outro Witgenstein, Habermas e Apel
discutem a primazia entre o devir de um homem nascido na história e sua
cristalização no interior da linguagem.
O homem, deste modo, continua
a procurar o tesouro mítico que para alguns está escondido dentro da palavra e,
para outros. aparece e desaparece no lampejar e apagar temporal da cultura. As
questões que a chamada modernidade coloca em discussão exigem urna reflexão
sobre princípios e fundamentos filosóficos. Certamente que o alcance deste
artigo não representa sequer um esboço de ensaio sobre o tema. Entretanto a
presente formulação contrasta a experiência empírica das coisas e da linguagem
enquanto instrumento do saber com a mitificação da palavra no bojo de um novo
idealismo.
Somos levados a pensar num
retorno a Platão onde as ideias-modelo antecedem as coisas e a experiência do
mundo que não passa, nestas condições, de urna cópia dessa realidade ideal e
imutável. As palavras, então surgem como substitutos modernos do modelo
platônico, naturalmente levando-se em conta que a contribuição da Antropologia
e da teoria do inconsciente emprestam-lhe muito maior solidez. Esta teorização
pode ser apresentada objetivamente como o. admirável Mundo Novo, de Huxley,
onde a fantasia e o sonho tomam o lugar da realidade concreta.
O retorno ao mito dá-se então
pela fusão da parafernália comunicativa com o saber produzido pela sociedade
industrial contemporânea. O mito de uma sociedade não-ideológica mostra-se
corno conformismo, imobilismo e apatia coletiva, A ideologia burguesa agora
embutida no sistema comunicacional e na indústria cultural é consumida
inconscientemente pelas massas. O resultado é uma intoxicação que paralisa a
rebeldia, o sonho da transformação e a utopia. A crítica atual deve encontrar
um caminho para desmontar essa ilusão de que chegamos ao fim da História.
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