Claude Méril Schnaidt (* 23. Junho 1931 em Genebra; † 22. Março 2007 em Paris). -
Professor de arquitetura, em Paris e Zurique. Dele ver também, neste blog; Arquitetura,
uma definição.
Tradução:
Frank Svensson
Na
formação acadêmica, o projeto — a composição arquitetural, como se denominava
então — constituía o corpo essencial, a parte nobre do ensino. Umas vinte e
cinco ciências e algumas técnicas desempenhavam um papel secundário.
Desdenhosamente, eram consideradas como concessões às baixas contingências
materiais da arquitetura. A
incorporação sucessiva de disciplinas que não podiam mais ser desconsideradas e
que se julgavam relacionadas à arquitetura modificou esse sistema. O processo
desenvolveu-se aos solavancos, sob a pressão dos fatos. Só muito raramente ele
foi o reflexo de uma linha diretora, cada qual definindo por si mesmo o que os
futuros arquitetos deviam conhecer do seu domínio, sendo numerosos os
catedráticos estreitamente especializados que reclamavam o seu pequeno complemento indispensável. Isso
explica por que a maioria dos programas são inçados de lacunas, duplicações e
disfunções referentes ao conteúdo, à duração e à sincronização dos ensinos.
Algumas
escolas se orgulham da abundância e da variedade dos seus ensinos opcionais. Na
realidade, raros são os estudantes que tiram proveito disso, porquanto no mais
das vezes são o acaso ou caprichos (oportunidade de horários, cabeça do
professor ... ) que decidem a escolha dentre a multiplicidade de possibilidades,
pois, contra toda lógica combinatória, os elementos do leque de opções são
fortemente personalizados e, por conseguinte, inarticuláveis.
Por
ocasião da diplomação, descobre-se com horror que o aluno mediano sabe coisas,.
mas que não as assimilou no seu conjunto. Entre os professores de arquitetura,
às vezes imagina-se poder resolver esses problemas exigindo que todas as
disciplinas sejam relacionadas à arquitetura: não mais matemáticas, mas sim
cálculos úteis ao arquiteto; não mais sociologia, mas sim receitas para adaptar
a habitação aos seus habitantes. Uma solução complementar seria incrementar a
importância dos ensinamentos especificamente arquiteturais: curso de tipologia
das edificações, curso de composição, curso de arquiteturologia etc. No ápice
de todo o sistema — mas isto é apenas sub-entendido — reinaria o Arquiteto,
potentado, árbitro e advinho.
Reencontra-se
ai a velha ideia da profissão, tal qual é, como modelo de ensino. Só podem
sustentá-la aqueles que ainda não compreenderam que não estamos mais numa
situação estável em que bastavam alguns conhecimentos provados por uma
experiência milenar para responder a um número muito limitado de programas
invariáveis.
Atualmente
o melhor meio de não preparar jovens para fazerem arquitetura é reproduzir na
faculdade as práticas ancestrais da profissão. As faculdades de arquitetura
experimentam dificuldades enormes em construir urna ponte entre o saber que
transmitem e a prática de criação. Por um lado, isso advém do modo de
aprendizado do projeto. Entre nós, os professores que aprendem a projetar
geralmente são práticos que não têm nem tempo nem meios de comprovar e de
coneeptualizar os fatos da sua experiência.
Eles
mostram, iniciam; seu ensino consiste mais na transmissão de uma habilidade que
na aplicação de regras gerais explícitas. A palavra, quando vem completar o
lápis no diálogo em torno da prancheta, raramente se articula num discurso
autônomo e racional. O esboço proposto pelo aluno suscita observações por parte
do professor, que espontaneamente lhes confere uma expressão gráfica porque
isso é mais rápido e mais prático. Assim, a experiência é transmitida pela
forma, com todos os equívocos que isso comporta.
As
reações do aluno às aprovações ou às censuras traduzem-se menos pela reflexão
que pelo gesto plástico. A capacidade que ele adquire de fazer surgir formas
dá-lhe uma sensação inconsciente de poder sobre as coisas. No aprendizado do
projeto reencontram-se os traços principais de urna formação pré-científica: o
fazer prevalece sobre o saber, o implícito sobre o explícito, a intuição sobre
o raciocínio, e a correção dos erros sobre a sua prevenção.
De modo
geral, os temas irrealistas de projetos foram substituídos por assuntos que
satisfaçam as necessidades da vida cotidiana. Mas essa mudança necessária com
muita frequência oscila diante das contingências. A pretexto de permitir aos
noviços descobrir toda a complexidade do fenômeno arquitetural, dão-se lhes a
estudar casos que ultrapassam completamente as suas possibilidades.
Para
parecer mais realistas e a fim de compelir os alunos a evitarem a pergunta,
prolonga-se desmesuradamente a duração
dos projetos. Não é raro ver os alunos labutar um ano ou mais no mesmo
trabalho. Do ponto de vista pedagógico, essa dilatação no tempo de um exercício,
que apesar de tudo é fictício, apresenta sérios inconvenientes. Gera lassidão.
Estimula à indolência, já que a data de entrega ainda está longe (a experiência
mostra que não se faz muito mais em dois semestres que em um só). Favorece a
fuga ao ato criador (o aluno eterniza-se na documentação e na análise esperando
que elas forneçam por si mesmas a solução). Reduz a variedade dos assuntos
tratados no decorrer dos estudos, o que é ainda mais lamentável nas escolas que
pretendem formar generalistas.
Em virtude
de na prática a criação ser um ato coletivo e porque os professores estão
sobrecarregados, formam-se equipes que, não sendo pluri-disciplinares, quase
sempre são impotentes, reunindo alunos demais de níveis muitas vezes desiguais,
seus membros não sendo designados para tarefas precisas pelas quais pudessem
ser julgados. Tudo isso anula a eficiência da colaboração, contribui para criar
situações penosas e explica a preferência — muitas vezes expressa — por
trabalhar só em projetos curtos.
Que se
pode creditar — com muita benevolência — em favor dos projetos curtos? Como
seus temas são variados, eles tornam a mente mais ágil, estimulam a imaginação
criadora e ampliam o campo da competência. Servem de exercícios de expressão
gráfica. Consolidam a autoconfiança, pontuando o ciclo universitário de
resultados concretos (fizemos algo de
tangível). Renovam o interesse pelo estudo, rompendo periodicamente com a
monotonia do ramerrão escolar do dia-a-dia. Permitem avaliar trabalhos
individuais. Essas propriedades pedagógicas do projeto curto são mais ou menos
efetivas no âmbito de um ensino que considera a arquitetura corno uma arte e a
obra como a projeção de uma subjetividade, que crê no primado da forma e
atribui à composição o papel principal.
Esse era
o caso do esboço em doze horas da
formação tradicional. A partir do momento em que se considera a forma como o
resultado e a sanção de um processo de adequação que o aluno se esforça por
objetivar pelo recurso a conhecimentos e métodos científicos, essas propriedades
tendem a embotar-se até se metamorfosear em defeitos. Os projetos ultracurtos
mantêm a sobrevivência extremamente nociva de uma concepção ultrapassada da
arquitetura. Eles exaltam, no mais recôndito de cada um, o gesto, a inspiração,
o eu e a desenvoltura. Cultivam a facilidade que consiste em brincar com o
poder da forma e confiar nos especialistas
quanto ao resto.
Os
projetos ultracurtos servem de pretexto para a desforra do resultado sobre o
procedimento. Os temas adequados aos projetos ultracurtos são muito escassos.
Ou se oferecem sempre os mesmos, e adeus à diversidade que desprende os
espíritos e amplia o horizonte da competência; ou se extrapola em domínios cada
vez menos pertinentes. Os folhetos das faculdades de arquitetura afirmam que a
síntese dos conhecimentos se opera no projeto. Na realidade ela não se dá ali
por causa do hiato persistente entre a aquisição dos primeiros e a aprendizagem
deste.
Nos
cursos, o docente dedica-se a transmitir um saber abstrato; no projeto, o
docente empenha-se em estimular a imaginação criadora. O aluno se vê
constantemente cindido entre o desejo de saber mais antes de agir e a tentação
de fazer sem esperar mais. Em matéria de ensino da arquitetura, a objetividade
detém-se quase sempre à porta de certas salas de cursos teóricos. Transposta
essa porta, os alunos entregam-se sem reserva à sua subjetividade em projetos
que justificam depois com fragmentos do que aprenderam. Para remediar essa
situação, toda espécie de artimanhas foram consideradas.
Inicialmente
houve a metodologia. Infelizmente, ao invés de começarem por ensinar
separadamente técnicas provadas, com suas regras, seus princípios e suas
modalidades de aplicação com vistas a um propósito concreto, puseram-se a
cobiçar uma ciência das ciências que permitiria descartar definitivamente o
arbitrário para chegar a resultados perfeitos. Com exceção de algumas
faculdades, o estudo das matérias da alçada da metodologia apresenta-se mais
como uma tintura cientifica da cultura geral do que como uma assimilação das
etapas operatórias da criação. Ou então a metodologia se restringe a
informática, com a qual os alunos não sabem bem o que fazer quando não têm um
computador ao seu alcance.
Os
alemães orientais depositaram grandes esperanças naquilo que denominaram projektbezogenes Studium (estudos
relacionados ao projeto). Esse sistema atribui um papel motor ao projeto,
supondo-se que sua elaboração regula o processo de aquisição dos conhecimentos.
A execução de uma tarefa concreta faz o aluno descobrir lacunas no seu saber e
estimula a necessidade de aprender. Sempre que tivesse necessidade, o aluno
consultava o membro do corpo docente que lhe ministraria os dados pertinentes.
Desse modo, cultura e utilidade, teoria e prática reconciliam-se; pelo menos é
isso que os promotores do sistema apregoavam.
Se houve
céticos, isso não foi somente por causa dos problemas suscitados pela
organização de lições individuais a pedido. Situando-se no campo do pragmatismo
pedagógico, o projektbesogenes Studium
retoma a si as taras essenciais dessa doutrina: o conhecimento é reduzido a uma
função utilitária. Serve para resolver problemas imediatos, limitados,
terra-a-terra e fraciona-se em pequenos fragmentos. Não é mais um meio
sistemático de busca da verdade e não permite mais os questionamentos
fundamentais. O aluno permanece no circulo que pode explorar por si mesmo, ao nível
do que ele pode aprender e aprovar imediatamente. Destarte, seus pensamentos
têm todas as probabilidades de estar de acordo com as ideias mais conformistas.
O postulado
segundo o qual todos os arquitetos deveriam ser projetistas eméritos falseia
irremediavelmente a apreciação do papel que convinha atribuir ao projeto no
ensino. Aferrando-se a esse postulado herdado do sistema antigo, as faculdades
formam arquitetos mais ou menos inadaptados ao processo de diferenciação da
profissão. Os autoqualificados generalistas têm muita dificuldade na vida de
estender a sua competência além da elaboração do projeto e deixam a outros o
cuidado de ocuparem funções em que uma formação de arquiteto seria no entanto
desejável.
Fazer
arquitetura não é necessariamente fazer projetos. Todos sabem, pesquisas
precisas demonstraram-no, e, contudo, as faculdades de arquitetura não ousam ir
até o extremo da tradução dessa evidência em termos programáticos. O mito do
projeto como sintetizador do conhecimento, a indiferenciação do tempo
despendido no projeto e a maneira corno ele é abordado no ensino não são apenas
a negação das realidades novas da arquitetura, mas também das possibilidades reais
dos indivíduos.
Um
professor experiente bem depressa detecta diferenças sensíveis no temperamento,
no interesse e nas aptidões de seus alunos. Alguns são mais inclinados para a
análise que para a criação. Existem os bambas em tecnologia e os que têm o dom
da organização, que manejam os números com mais facilidade que as formas. Seja
como for, ao saírem da faculdade, eles procurarão uma colocação em harmonia com
a sua personalidade. Assim sendo, em vez
de persistir inutilmente em fazer de todos os alunos virtuosos do projeto, por
que não fazer Com que adquiram, a partir de um certo estágio, urna competência
numa das múltiplas atividades da função arquitetura?
É certo
que a maioria das faculdades deram um passo nesse sentido introduzindo nos seus
programas ensinamentos opcionais. O que é lamentável é que, pretextando a
imprevisibilidade do futuro da arquitetura, elas conceberam esse ensino
opcional como um livre serviço. Com exceção de algumas instituições que
programaram os estudos com referência a campos de qualificação definidos, os
alunos improvisaram ciclos por livre escolha em listas que geralmente não levam
a nada. A essa consequência do façam como
quiserem, acrescentam-se outras igualmente graves. A faculdade da
não-interferência é a faculdade do fim das verdades e das certezas, do
fetichismo dos comportamentos, do desinteresse pelos conteúdos, do desprezo
pelos programas e, definitivamente, da desforra do conservadorismo.
Os
dísticos de caráter pedagógico das faculdades de arquitetura são sempre muito
concisos. mas reveladores. Que se acha neles? Preceitos repisados tais como: Mais vale aprender a aprender que acumular
saber; É preferível desenvolver a
personalidade e aferrar-se aos resultados; O método é mais importante que a apreensão das coisas".
Proclamar que o aluno deve aprender a aprender é esforçar-se por demonstrar uma
coisa evidente e há muito sabida. Onde estão as faculdades que teriam
considerado o saber acumulado com válido por si mesmo?
O saber
sempre foi um meio de formação e de superação. E só adquirindo conhecimentos
sobre determinadas coisas se pode aprender a aprender. A oposição entre
formação e informação exprime de maneira incorreta a preocupação de ressaltar o
aspecto educativo do ensino, pois ela supõe, falsamente, que o desenvolvimento
da personalidade não tem nada a esperar da instrução e, reciprocamente, que a
matéria estudada nada acrescenta ao desenvolvimento das qualidades reais.
Uma
formação da personalidade vazia de conteúdo é impensável. Elas desenvolvem-se
em relação recíproca com o saber. Constituem com ele uma unidade dialética. O
problema não é escolher entre um ensino formativo e um informativo. Basta pôr
sob a rubrica resistência dos materiais
para que a resistência dos materiais repercuta em profundidade no comportamento
do aluno. A obsessão da precedência do como
sobre o quê tem efeitos desastrosos.
Por
exemplo, despacham-se jovens alunos para um bairro exigindo-lhes fazer o
levantamento das suas características e classificá-las. Elas realizam esse
trabalho de conformidade com as semelhanças formais que. de impacto, retiveram
a sua atenção e, assim, cometem muitos erros. O professor diz: Pouco importa, pois assim aprendem a
trabalhar. Por outras palavras: critérios superficiais poderiam levar. a um
método de trabalho justo. Essa indiferença pelo conteúdo entrega os alunos à
inconsistência das aparências e à futilidade.
Nas
juntas examinadoras ouve-se com frequência: Teu
projeto (o tratamento por tu, ao que
parece, intimida menos), teu projeto não se mantém de pé, mas a feição é
interessante; levaremos isso em conta. Essa sentença dissimula um desprezo
profundo pelo aluno. Significa que ele não seria capaz de fazer mais que um
projeto defeituoso de neófito. Essa apreciação o encerra na impotência, no mais
ou menos. Ademais, ela acarreta um rebaixamento do nível geral. Verificando que
um trabalho grosseiro recebe a mesma avaliação de um bem elaborado, raros serão
os alunos que se esforçarão para se distinguir. Visto que qualquer conteúdo
pode servir para a educação, o mundo real perde a sua substância, e a
capacidade de atuar sobre ele evapora-se.
Não se
pode aprender a aprender, desabrochar a sua personalidade, nem formar-se num
método sem assimilar um saber preciso que vá ao fundo das coisas. A faculdade faça como quiser e da indiferença pelo
conteúdo é também a faculdade da seleção natural. O poder de que o docente se despoja deixa o
campo livre à manifestação das diferenças e ao jogo da competição. Os alunos
que tiverem mais inteligência, cultura, vocabulário, audácia e habilidade
sair-se-ão melhor que os que tiverem menos. Ora, sabe-se que essas qualidades
estão distribuídas muito desigualmente entre a população. O filho de um meio
familiar superior herda um patrimônio que o indivíduo oriundo de um meio muito
simples levará à vida toda para adquirir. A faculdade do faça como quiser desfavorece sistematicamente o segundo. Dentro
desse mecanismo, os conteúdos não são outros. Perceber, através de um exercício
de primeiro ano, a globalidade dos
elementos componentes dum espaço arquitetural" oferece menos
possibilidades à totalidade dos alunos do que esquematizar a rede de circulação de uma habitação.
O
primeiro ato de uma renovação do ensino deve incidir sobre o conteúdo. O saber
ensinado constitui a base de uma pedagogia. Em última análise, é com base no
conteúdo que se julga um ensino. Ali não se
aprende nada — não é o que se diz de uma má escola? Teria sido por praticar
os métodos ativos que o Bauhaus foi fechado três vezes em catorze anos? Não;
esses métodos estavam muito em voga na Alemanha naquela época. Tratava-se do
conteúdo, considerado subversivo. Foi por terem organizado um seminário
experimental não direcional que a Escola Politécnica Federal de Zurique
exonerou com celeuma três professores em 1971? De maneira alguma. O motivo foi que se
desvendou o lado esconso de uma operação imobiliária ilegal concreta.
O
conteúdo é o revelador mais confiável de uma pedagogia. Que diz ela, que deixa
de dizer e que é que ela faz os alunos fazerem? Quais as matérias que essa
pedagogia aprofunda? Quais matérias são apenas passadas de leve? Que posições
relativas são atribuídas aos fatos, às leis, às opiniões, às doutrinas, às
críticas? A cultura transmitida favorece o desenvolvimento dos alunos? Que pode
realizar o formando ao sair da faculdade de posse dos conhecimentos e
experiência adquirida? Eis as questões a esclarecer antes de partir para uma
ação renovadora do ensino.
Um dos
dados capitais a levar em conta é a importância crescente da ciência no mundo
moderno. Um homem privado de conhecimentos científicos está condenado a viver à
margem desse mundo, a não poder mais compreendê-lo ou transformá-lo. Essa
assertiva não decorre do cientificismo, mas de uma simples constatação. A
humanidade do nosso tempo não pode deixar de ser cientifica. Por conseguintes,
a escola deve conceder um espaço considerável ao ensino das ciências básicas e
procurar objetivar o conjunto das disciplinas. Em construção, por exemplo, a
experiência mostra que conhecimentos que não possam basear-se em princípios
físicos são extremamente frágeis. Quando o estudante defronta com um problema
para o qual não encontra uni esquema correspondente na sua apostila, está
completamente desamparado. Para elaborar uma solução adequada, ser-lhe-ia
preciso poder formular o problema em termos de desempenhos exigidos que remetam
a expressões abstratas do real.
Nas mais
diversas disciplinas, um grande número de demonstrações não podem ser feitas ou
parecem obscuras aos alunos se eles não tiverem uma sólida cultura matemática.
Não é raro que uma análise matemática do comportamento de uma estru-tura contradiga
o que o bom senso sugeria Para comprovar as intuições, para criticar os
conhecimentos adquiridos, o domínio das ciências básicas é indispensável. Esse
domínio é imprescindível também para poder atualizar-se e para passar de uma
especialidade a outra. O espirito cientifico deve impregnar passo a passo todos
os ramos do ensino.
Experiências,
infelizmente dispersas, atestam ser possível racionalizar o aprendizado da
criação arquitetural. Com referência a isso, a formulação, a complexidade, a
tecnicidade, o desenvolvimento, a avaliação dos projetos e exercícios
constituem tantos elementos sobre os quais se pode atuar. Até mesmo o
treinamento na manipulação das formas e cores não é por natureza impermeável à
ciência. De uns trinta anos para cá se têm obtido resultados promissores nesse
domínio. A tudo isso se objetará: Assim,
querem esmagar a subjetividade. Essa
exclamação é sobejamente conhecida. A réplica oportuna o é menos: Pelo contrário, isso é o triunfo da
subjetividade, finalmente consciente, concreta, isto é, não fora do mundo e dos
produtos humanos, mas dentro de poderes determinados!
Até o
presente a ciência foi considerada pela escola como o complemento de um
conjunto de faculdades humanas eternas. Ela tem sido muito pouco empregada na
qualidade de fator decisivo da formação da personalidade. Realizado de uma
maneira ativa, o acesso ao conhecimento científico põe em jogo todos os
recursos intelectuais; sensibilização, observação, correlação, classificação,
análise, imaginação, indução, dedução, experimentação, comprovação, síntese.
Entretanto, o alcance educativo da ciência nada teria de extraordinário se ela
se detivesse ali. O exercício constante da atitude científica ensina a avaliar
os fatos, a lutar com rigor contra a sua opacidade e a sua inércia, a servir-se
de probabilidades quando faltam certezas, a só julgar depois de verificar, a
duvidar, decidir e agir no momento certo, a situar-se em relação aos
predecessores e sucessores. Essas qualidades- morais devem ser cultivadas nas
escolas de arquitetura com fervor ainda maior que em qualquer outro lugar.
Como a
unanimidade tem todas as probabilidades de acontecer aqui, convirá encostar na
parede aqueles para quem a arrogância, a intolerância e a metafísica constituem
o emblema da profissão. A partir do momento em que se sabe qual conteúdo pode
favorecer o desenvolvimento da personalidade, a oposição entre formação e
informação deixa de parecer uma fatalidade. O que não quer dizer que, estando
resolvida a questão do conteúdo, se possa passar de leve à questão do método.
Sem relação ativa entre o aluno e o conteúdo, o potencial educativo deste
permanecerá inexplorado. É preciso que o aluno se sinta interessado pelo
conteúdo e se comporte como ator da sua própria educação. Isso se torna mais
momentoso ainda em face da tendência dos meios de comunicação de massa de
alimentarem a indolência e a frivolidade. Dentro dessa óptica, deve-se
renunciar a apresentar o saber como um edifício impressionante, acabado e
definitivamente compartimentado, evitando, entretanto, sacrificar a assimilação
dos conceitos que são o cimento do conjunto.
Com a
condição de serem precedidos de um exame pessoal do indivíduo, os seminários,
relatórios-debates, os estudos de casos e trabalhos dirigidos em grupos são
bons meios para reengendrar um conhecimento, um princípio, uma obra. São todas
as disciplinas, sem exceção que devem ser abordadas com criatividade. Orientado
para a resolução de problemas, o ensino cientifico e técnico não conseguirá
senão explorar o potencial criador do aluno, mobilizar suas forças: ele
aproximar-se-á consideravelmente do aprendizado do projeto, que, por sua vez,
terá avançado um lanço de caminho racionalizando-se. O escolho mais perigoso de
contornar será este: ensino ativo não significa contentamento das inclinações
naturais, não é sinônimo de imersão no vivido.
Entre a
experiência pessoal imediata e o conhecimento não há continuidade simples, mas
inversão de perspectivas. Para conhecer a verdade oculta sob as aparências, é
preciso libertar-se de uma multidão de imagens estereotipadas, de ideias
preconcebidas e de entraves subconscientes. Trata-se de um esforço doloroso que
não poderia ser poupado aos alunos sob nenhum pretexto. A capacidade de
abstrair, de conhecer e de criar estiola-se se não se volta para o real.
Uma
escola viva, voltada para o futuro, é uma escola ligada ao trabalho produtivo.
Na nossa sociedade, que funciona segundo a lógica do lucro, quaisquer ligações
imaginárias entre o ensino e a produção só podem ser ambíguas. A melhor delas
certamente não é o estágio em algum lugar. Essa prática não aproveita à escola;
no mais das vezes serve de veiculo aos velhos cordãos corporativos e é
dificilmente controlável. Mas não se pode abandoná-la, porquanto a solução
preferível não se destina senão a um pequeno número de alunos. Esta consiste em
abrir no próprio âmbito da escola institutos suscetíveis de firmarem contratos
com organismos externos. Por esse sistema, o trabalho produtivo pode ser ao
mesmo tempo uma ocasião para os acadêmicos e os docentes praticarem a sua
profissão em condições favoráveis de experimentação, um traço de união entre os
professores de disciplinas diferentes, um meio de experimentar e difundir as ideias
da escola, e um fermento para o ensino da pesquisa.
Os
exemplos geralmente lembrados nos debates sobre a integração do trabalho
produtivo ao ensino da arquitetura encerram tantas particularidades que é
difícil tirar conclusões. Apesar de tudo, pode-se ter como certo que só uma
faculdade levada em seu conjunto e pela sociedade inteira a se aproximar da
vida pode fazer seus alunos participarem vantajosamente da produção. A natureza
do binário conteúdo-método estando definida, resta determinar a estrutura do
sistema ou, se se preferir, a organi-zação que permitirá atingir o objetivo nas
melhores condições possíveis. O enunciado dessa organização é o programa. Sua
elaboração é relativamente fácil, quando se trata de criar uma faculdade
inteira. Mas o problema é diferente quando a questão do programa se coloca em
termos de transformação; o menor fato suscita então mil dificuldades. Em ambos
os casos o programa deve tender para a coerência e a transparência. É somente
no seu conjunto e na sua ação conjugada que as diversas disciplinas contribuem
para a formação do aluno. A necessidade dessa coerência vê-se reforçada pelo
fluxo incessante de informações as mais variadas, muitas vezes erradas ou
superficiais, que caracteriza nossa civilização.
Para
evitar que o homem saiba mal um pouco de tudo, o ensino deve fornecer-lhe os
meios de apreender o essencial, de dominar a totalidade e de reformular
positivamente essa massa de informações. Isso implica em que o programa seja
estruturado sesegundo urna concepção clara, explicativa e transformadora do
mundo. Tomemos o exemplo da história da arquitetura moderna. Ela pode ser
enciclopédica, dos acontecimentos e linear. Desse ponto de vista, é lógico que
ela suceda a Antiguidade, a Idade Média e a Renascença, que teriam sido
tratadas no primeiro e no segundo ano.
Os alunos aprenderão o que Louis Kahn realizou
e disse no fim do terceiro ano, quando já terão elaborado projetos que
possivelmente serão inspirados nele. Eles terão da história apenas uma visão
descritiva, fragmentária e estranha à sua própria experiência. Mas se, em vez
disso, procurarmos compreender a razão, a tendência e o modo de desenvolvimento
da arquitetura dentro do seu contexto econômico, social e cultural, se
mostrarmos que a arquitetura moderna encontra sua especificidade e sua tradição
na dialética da ruptura com as tradições pré-industriais, a situação muda
inteiramente.
Pode-se
ensinar a história da arquitetura moderna logo no primeiro ano; com ela,
lança-se uma ponte em direção às ciências humanas e ao projeto. É evidente que
em certos casos o programa deve respeitar imperativamente a hierarquia dos
aprendizados: um ensino da economia da construção seria falho se não pudesse
apoiar-se num curso preambular de economia política. Mas a lógica de
encadeamento dos conhecimentos não basta para tornar coerente um programa.
Baseando-se apenas nela, incide-se em aberrações pedagógicas do tipo dos
primeiros ciclos, em que não se toca no lápis sob o pretexto de que cumpre
conhecer as entradas e saídas da arquitetura antes de fazê-lo.
Com
muita frequência se esquece — ou finge-se esquecer — que o programa pode ser um
fator de descoroçoamento ou de alegria, de malogro ou de progresso, de retração
ou de colaboração; que ele não é um quadro das matérias, banal, mas um
dispositivo essencial do processo educativo. O aumento muito rápido do volume
dos conhecimentos a transmitir constitui um problema muito delicado da
programação. Das disciplinas de que a arquitetura deriva mais ou menos
diretamente, só a geometria descritiva e a perspectiva permaneceram como eram
há vinte anos. As demais se enriqueceram de fatos, de métodos, de teorias e
conceitos novos, a tal ponto que a sua substância original às vezes parece
pertencer à história; é o caso, por exemplo, do urbanismo e da metodologia e da
sociologia urbana. Isso sem falar nos domínios que, mal acabados de nascer, já
se tornaram autônomos, como a concepção com o auxílio de computador, a economia
da construção e a planigrafia dos trabalhos.
Como
ligar o ensino a esse movimento? Na prática. que fazer com as tecnologias da
construção industrializada? Comprimir o programa da construção industrializada? Que
carga horária atribuir a uma e à outra? Refundir integralmente o ensino da
cons-trução? Questões como essas surgem na maior parte das disciplinas. A primeira resposta soa como urna banalidade,
mas é determinante: é preciso ensinar o que contribui melhor para atingir o
objetivo da formação. Em segundo lugar: é preciso ensinar o que é durável, ou
seja, o saber básico que condiciona a assimilação, a criação e a aplicação dos
conhecimentos novos. Em terceiro lugar: é preciso não solicitar a memória alem
do limite em que o pensamento é paralisado. Em quinto lugar: é preciso
programar os estudos iniciais em função da formação permanente e da
especialização. A dosagem dos programas deixará de ser um quebra-cabeça quando as
escolas de arquitetura conceberem a diversificação dos ciclos como um acesso a
verdadeiras especialidades. Com um sistema de estudos opcionais agrupados e
finalizados, não há mais necessidade de reduzir a matéria ao mínimo necessário
e de proceder a arbitragens dolorosas entre professores para que o aluno tenha
tocado em tudo ao fim do percurso.
Os
adversários desse sistema objetam os malefícios da especialização em geral, as
incertezas que pairam sobre o papel do arquiteto, os riscos da profissionalização
das escolas, o embaraço ou a recusa dos alunos em face das escolhas precoces.
Esses argumentos não são destituídos de fundamento. Legitimamente, eles visam a
uma faculdade submetida à imposição da rentabilidade imediata. Contudo. quando
se exami-nam atentamente as realizações e as propostas dos partidários da
especialização, parece que os adversários se deixam obnubilar pela palavra.
Nunca ninguém quis formar especialistas da arquitetura. Trata-se apenas e tão
somente de ensinar arquitetura permitindo aos estudantes adquirirem uma
especialidade. A sutileza é importante. Já que nas fileiras dos adversários da
especialização alguns admitem o princípio dos campos de aprofundamento, os quais permitiriam valorizar as
aptidões e propensões diversas dos alunos, é possível fechar um acordo. Basta
que as matérias do campo de aprofundamento formem um todo homogêno, que elas
conduzam a uma competência real. Por exemplo, a partir do momento em que o
aluno pode motivar uma atração para as questões de gestão e financiamento, ele
deve seguir um curso programado nesse sentido. Programado e não composto
arbitrariamente, para que o aluno possa pos-teriormente contar com uma
qualificação particular.
Os
diversos setores, escalas e modos de intervenção no processo da produção arquitetural
oferecem muitas possibilidades de programação dos estudos. Se eles estiverem
distribuídos em diversos níveis, esses programas podem ser combinados
estrategicamente. Sua especificidade deve decorrer mais do tempo destinado ao
estudo das diferentes matérias que das próprias matérias. O que redunda em
prever o maior número possível de cursos comuns às diversas opções. Mas
enquanto os alunos inscritos na opção "X" se limitam a acompanhar o
curso ortodoxamente, os da opção
"Y" realizam a mais trabalhos práticos, e os da opção "Z"
só assistem às lições sobre as generalidades.
Todos os
estudantes devem se reencontrar nos projetos que cada um aborda do ponto de
vista da sua especialidade. Entretanto, de acordo com a sua opção de
vinculação, eles não despendem todos ali o mesmo tempo. Escusado dizer que o
aluno deve poder se definir com conhecimento de causa no limiar das bifurcações
opcionais. Isso implica em que a escolha dos programas de especialização — ou
de aprofundamento, se se preferir — não deve entrar em cena senão quando o
estudante já adquiriu um saber básico sólido, igual e obrigatório para todos.
Não se pode renovar a escola por um setor deixando os outros setores se
deteriorarem. Um estabelecimento de ensino sem quadro institucional viável não
passa de um aparelho de transmissão de diretrizes administrativas. Uma escola
desligada da prática é como um ramo morto. O ensino sem pesquisa está condenado
à repetição enfadonha. Estudos sem programa alimentam a debilidade dos
conteúdos. Os métodos sem conhecimentos fracassam na enfermidade. Pode-se ser
levado pelas circunstâncias a enfatizar este ou aquele aspecto do ensino, mas
se quisermos transforma-lo de uma maneira radical e perdurável, urge retornar
rapidamente ao conjunto. Na faculdade e
em torno dela tudo permanece.
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