Frank Svensson *
(Comunicação
apresentada em colóquio realizado em Recife e posteriormente incluído num livro
a respeito, publicado na França; Un ingeniéur
du progrès Louis Lèger Vauthier entre la France et le Brésil – Pernambouc 1840-1846.
Michel Houdidard Editeur, Paris 2010)
Ce
chapitre, sous forme de témoignage, cherche à faire ie
rapprochement entre mon parcours
professionnel d’architecte et mon parcours personnel de militant de gauche avec
celui de Louis-Leger Vauthier, ingénieur, arcchitecte et introducteur des idees
socialistes au Brésil.
Mon
intérêt pour Ia vie et L'œuvre de Louis-Léger Vauthier prend sa source dans de
nombreux dornaines. À l’ occasion d’un séjour long de huit ans à Recife, je me
suis rapidement intéressé à la vie et à l'œuvre d’architectes étrangers, ayant
laissé leur empreinte sur cette ville. Parmi eux, Vautnier se détache
évidemment du lot.
Lors de
mon séjour de deux ans en France, durant mon long exil en Europe, imposé par le
régime militaire au Brésil, j’ai effectué dans des archives françaises, des
recherches sur les trois principales périodes de Ia vie et de L'œuvre de
Vauthier: celle qui a précédé sa venue au Brésil,celle qui couvre son séjour
dans notre pays et celle postérieure à son retour en France. Cet article
contient donc quelques informations sur deux premieres périodes de Ia vie de
Vauthier, mes recherches en cours étant vouées a apporter d’autres informations
sur la troisième période .
Falar de
Vauthier limitado apenas em vinte minutos é um desafio. Para não repetir o que
aqui já foi dito, resumo minha fala tornando públicas algumas surpresas e dúvidas surgidas ao Iongo de minha pesquisa sobre sua obra e sua vida. A primeira grande
surpresa foi constatar o quanto Vauthier é representativo de uma significativa
transição histórica, da passagem da Sociedade ocidental do período de produção
artesanal para o período industrial. O artesanato e a artesania como que haviam
atingido o ponto máximo de
desenvolvimento possível, dando o salto para a condição de indústria.
As
estradas da França camponesa eram usadas por pedestres e carruagens de tração
animal. Cargas mais pesadas eram transportadas com a ajuda de cursos d’água
ligados às estradas. Grandes batelões os singravam, tracionados por animais a
partir das estradas. Raramente com apoio de velas e ventos. O pai de Louis,
Pierre Vauthier, era engenheiro politécnico conhecido e reconhecido como
especialista em cursos d'água Já como estudante da École Polytechnique em
Paris, Louis teve seu primeiro estágio prático permitido junto ao pai, em
Dordogne.
Contemporâneo
foi o surgimento da máquina a vapor. Aplicada a transportes, fez surgir a
locomotiva e os barcos a vapor. Quando de seu segundo estágio prático, Vauthier
reivindicou à direção da escola a permissão de fazê-lo na primeira fábrica de
locomotivas instalada em Paris.
O
advento do período industrial implicou muitas previsões quanto às influências
de novo ferramental nas relações sociais vigentes e na configuração dos lugares
a elas adequados. A partir de uma cultura marcada pelo humanismo católico, evidenciaram-se na Franca os socialistas
utópicos Charles Fourier e Claude-Henri Saint-Simon. Na Ècole Politecnique, o
professor Victor Considerant reanimava os princípios fourieristas lançando a Ècole Societaire, da qual Vauthier faria
parte. Foram amigos pelo resto da vida.
Eu
gostaria de mencionar um quarto nome influente na formação da visão de mundo de
Vauthier, o de August Blanqui, mais conhecido por sua posterior liderança na
Comuna de Paris.
A
formação profissional de Vauthier deu-se na transição das engenharias militares
para as civis. Os alunos politécnicos conjugavam o caráter militar ao
universitário. Entre 1835 e 1839 participaram de vários movimentos
insurrecionais liderados por August Blanqui, resultando em 1839 em detenções de
estudantes politécnicos. Vauthier, então, aceita um convite para vir trabalhar
em Recife, interrompendo seu curso, seu noivado e suas práticas profissionais.
Há de se perguntar se o convite para trabalhar em Recife não lhe foi conveniente
e confortável.
Vauthier
inicia no Brasil uma dualidade inerente ao exercício profissional no período
industrial: resolver problemas das elites com a mais desenvolta competência e
habilidade possível, sem atender às necessidades da maioria de destituídos.
Para tanto se faz necessário o concomitante engajamento em formas socialmente
organizadas. Temos entre nós o extremo oposto no tempo, expresso por Oscar
Niemeyer, com quem trabalhei por um curto período e que é frequentemente
acusado de não propor arquitetura para pobres. Acontece saber ele que o
problema da pobreza não se resolve à escala individual.
É
complexo, exige formas complexas de solução, e o instrumento mais eficiente que
a história nos apresentou para tanto foram os partidos obreiros. Vauthier chega
ao Brasil como politécnico e fourierista saintsimoniano militante. É curioso
observar que, de volta à França, não abandona tal posicionamento, mas o
canaliza para uma longa militância como socialista republicano. Aquele país
deixara de ser República, passando a condição de monarquia representativa,
enquanto em Recife se olhava de soslaio para a experiência republicana
desenvolvida nos Estados Unidos da América do Norte. Será que reflexões feitas
em Recife influiriam na posterior militância na França?
O diário
intimo de Vauthier, publicado por Gilberto Freyre em Um Engenheiro Francês no Brasil, constitui-se no único livro a seu
respeito. Ora, diário intimo é algo que se escreve para si mesmo, em linguagem
intimista. O que melhor revela o que Vauthier fez no Brasil são os seus
minuciosos relatos de trabalho reunidos no Arquivo Púbico de Pernambuco. Urge
restaurá-los, em que pese o muito que já se perdeu por efeito de traças e
umidade. Uma análise minuciosa deles resgataria a verdade histórica em vários
casos. Cito somente um, o do Cemitério de Santo Amaro.
Trata-se
do primeiro cemitério laico e público do Brasil, senão de toda a América
Latina. Por muitos é tido como de autoria do Engenheiro Mamede Ferreira, em
muitos projetos um sucessor de Vauthier. É deste, no entanto, a autoria do
projeto original.
Vauthier
não era religioso. De volta à França, participa de uma sociedade defensora da
laicidade. Publica, junto com Charles Chassin, uma revista a respeito. Preenche
inclusive um formulário abdicando de um enterro religioso. Para Recife propõe
um cemitério em forma de frondoso parque em local fora do perímetro urbano,
onde antes eram lançados cadáveres de escravos. Simples, sereno e sem
simbologia religiosa. E depois Mamede Ferreira propõe uma capela mortuária em
estilo neogótico, fazendo com que o original cemitério ganhasse a condição de
Campo Santo devidamente cristianizado.
Em seu
livro sobre Vauthier, Gilberto Freyre acrescentou ao diário íntimo um conjunto de cartas denominadas de brasileiras. Durante muito tempo
imaginei que tivessem sido enviadas do Brasil. Só conhecendo melhor o período
posterior a sua volta a França é que fui descobrir terem sido escritas em
Paris.
Vauthier
foi rapidamente eleito deputado da
Assembleia Legislativa Nacional, em 1849. Seu mandato durou pouco, pois
se envolveu logo com o levante armado de julho naquele ano. Preso, foi
condenado pela Alta Corte de Versalhes à deportação. Deportação era um termo
jurídico que não levava necessariamente a ausentar-se do país, e sim a ficar
confinado em prisão exclusiva para presos políticos. Esteve em três,
sucessivamente. Na última, estava preso também Proudhon (o personagem citado
por Engels em seu livro sobre a questão da habitação). Proudhon teve direito na
prisão a usar um escritório a partir do
qual dirigia seu jornal: La Voix du
Peuple. Uma vez em liberdade, instou junto à administração da prisão para
que Vauthier ocupasse tal escritório. Foi a partir desse que escreveu seus
artigos (inclusive as chamadas cartas
brasileiras) publicadas na revista de Cesar Daly, Revue d´architecture et des Travaux Publics, bem como seu trabalho
sobre o Imposto Progressivo.
Proudhon
continuou lutando pela libertação de Vauthier. Consegui-la foi sob a condição de que Vauthier deixasse a
Franca. Nesse período ele vai trabalhar com os cursos d’agua em Veneza, com a
perfuração do túnel Simplon e com a construção do grande canal de retificação
de rio Ebro, no trecho entre Zaragoza e Barcelona.
Neste
último minuto que me é dado, e décimo nono, quero tornar público que Vauthier
foi meu mestre. Ninguém como ele me adentrou tão intensamente no conhecimento do
industrial da sociedade ocidental.
Tenho
dito.
*Frank
Svensson, arquiteto e professor da UNB, é membro da Comissão Política Nacional
do PCB
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