Arnold Ljungman – Militante
escritor sueco do GRUPO CLARTÈ – formado na França por Phillippe B. Barbusse –
de pensadores suecos marxistas do período entre guerras. Sua obra destaca A Visão de Mundo do Marxismo (1947), O Problema Kierkegaard (1964) e A Estética de Gyorgy Lukàcs (1967).
Tradução
– Frank Svensson
Quem
estudou a história dos tempos modernos está familiarizado com o estreitamento
das formas de vida e das relações sociais no fim da Renascença. Do âmago da
luta entre nobreza, burgueses e monarquia no continente europeu ergue-se, ao
iniciar-se o século XVII, rígida e centralizada constituição estatal com
monarca absoluto no ápice, em Carta Magna que apoiada no princípio da
autoridade aspira conservar a divisão hierárquica da nobreza ad infinitum. Uma ordem que na França,
país de origem, caracteriza-se pela predominância das velhas forças sociais.
Nobreza francesa e Igreja tiveram liberdades limitadas, mas mantiveram privilégios
econômicos e jurídicos. De dentro da nobreza o monarca recruta seus mais
próximos e também forma o fulcro da aristocracia burocrática exigida pelo
centralismo adotado. Mesmo se se procura, de início, concomitantemente
Satisfazer os interesses da burguesia pela via da política comercial
mercantilista, apoiando a manufatura e a indústria, a situação inverte-se com
rapidez. O apoio transforma-se numa camisa-de-força que leva os portadores do
novo modo de produção a revoltarem-se contra o absolutismo.
No
confronto absolutismo x burguesia, a ideologia é muito importante, com
expressão maior no início. Liga-se a condições especiais de surgimento da oposição.
Mais que outros regimes restauradores, o absolutismo assegurou uma ação
política incólume a elementos descontentes. O antigo sistema partidário das
guerras dos huguenotes e dissidências extinguiu-se, e não existia constituição
parlamentar moderna que possibilitasse aos burgueses evidenciarem-se. Até mesmo
tentativas de gestão local na Idade Média foram extirpadas por Luís XIV, e
cidades e províncias passaram a ser dirigidas por funcionários reais com
poderes quase ilimitados.
Não
difícil de entender é a crítica ao estabelecido assumir caráter de luta
cultural: oprimidos usam as armas disponíveis. Para a burguesia da época, a
literatura veio a ser instrumento de insuperada eficácia. Não que a atividade
literária passasse despercebida das autoridades. Pelo contrário, até a
revolução foi objeto da mais exigente censura, apesar de nenhuma das medidas
contra ela surtir efeito. Para o escritor habilidoso há sempre como burlar a
censura, como nunca faltaram editores dispostos a arriscar recursos e conforto
por boas causas. Se necessário, imprimiam-se indesejáveis obras na Inglaterra,
na Holanda, e as contrabandeavam para a França. A insegurança da vida dos
escritores era compensada pela autoridade que a perseguição proporcionava à
mensagem deles. O público era consciente da iniciativa pessoal que havia por
trás das palavras e sua atenção aumentava na razão oposta.
A
oposição não surge pronta e equipada, tal qual um Pallas, da cabeça da
burguesia. Justamente quanto à ideologia, a ordem social absolutista caracteriza-se
por formidável estabilidade. Não só pela hierarquia -social ligar-se a um
sistema de hábitos, tradições e ma-neira de pensar com séculos de afirmação
(para a grande massa, mais ou menos óbvio), como por no trabalho cultural
basear-se em concepção de extraordinária unidade e hermetismo, visão de mundo
em que o gosto por polidez e refinamento convive intimamente com o delicado
código de honra da aristocracia e o severo racionalismo necessário à vida sob
regime burocrático e centralizado. Em história da literatura caracteriza-se
este estilo como clássico francês, enunciando contradição para com o desejo de
liberdade do período histórico que lhe é anterior. À espontânea afirmação renascentista
dos anseios humanos opõe uma psicologia pessimista que exige repressão de
emoções e incondicional submissão à razão, em nome da autoridade social. A
doutrina do indivíduo, que destaca seu próprio caminho, é substituída pelo
princípio das ordens como norma-mor da conduta individual. (Em suas comédias,
Moliére ironiza os burgueses que desejam transgredir sua condição social e copiar
os hábitos da aristo-cracia!)
O que
ocorre na literatura e no pensar está na arte em geral: por toda parte vemos a
preferência pelo determinado, pelo regulamentado, pelo delimitado. Poussin,
pintor da época, afirma: Minha natureza
move-me a buscar situações ordenadas e a evitar toda confusão e mistura. A
arquitetura gótica é menosprezada por representantes do classicismo como
monstruoso aborto de uma época obscura. Chega-se ao exagero de substituir os
maravilhosos vitrais de Notre-Dame por vidros lisos transparentes. Os jardins
de Versailles são submetidos a formas geométricas euclidianas. Arbustos e
árvores são podados como pirâmides, canteiros definidos com esquadros e
compassos, passeios traçados a régua. A água é enfiada em canais e nas formas
geométricas dos lagos, e dos chafarizes jorra água na mais perfeita
ortogonalidade.
Sob
tamanha pressão de pré-elaborada visão de mundo, a criação inicial da burguesia
tinha de ser eivada de insegurança. Valho-me de um termo de Spengler:
pseudomorfose. Com pseudomorfose, Spengler refere-se ao fenômeno de uma cultura
em ascensão, mas não suficientemente forte para libertar-se das amarras da
anterior que se exaure, aplicando ainda suas regras e formas. É o que ocorre
sob o iluminismo, na França, no fim do século XVII e no início do século XVIII,
ao romper com o absolutismo religioso e político.
Quanto a
conteúdos, o iluminismo distingue-se radicalmente do classicismo. Abominam a
doutrina da herança pecaminosa dos homens, como a configurada em Pascal,
substituindo-a pela confiança no aperfeiçoamento infinito, com base em educação
e na influência do meio ambiente. Ideias, porém, emprestadas de modelos
clássicos. Quando apregoa a tolerância dos evangelhos para o público teatral da
época, Voltaire aponta para Corneille e Racine, mesmo se impressões recebidas
de Shakespeare ajudam a modificar a regra obrigatória. Em O Barbeiro e no
Casamento de Fígaro, Beaumarchais satiriza a aristocracia num estilo que conduz
diretamente a Molière.
Se em
ambas as obras, a posição intermediária não deixa de prejudicar o imediatismo
da literatura iluminista, contribui para dar a essa tendência extraordinária
penetração. Por sua fé em desenvolvimento e reformas atrai o interesse burguês,
pela refinada e ele-gante forma penetra em salões aristocratas e espalha-se
pelo continente, dominando o gosto culto, na metade do século. Muito cedo lança
raízes na Inglaterra, onde aristocracia e burguesia rica viveram política e
economicamente em uma espécie de regime de meia, desde a gloriosa revolução de
1688, obtendo na poesia de Pope e na prosa de Allison e Swift a maturidade e a
riqueza que tornam sedutora essa literatura.
No
"entanto, o mundo do gosto clássico nunca foi totalmente incontestável.
Através da literatura iluminista mergulha uma corrente de muito mais radical
caráter do que a oficial, batizada por Martin Lamm como o romantismo do período
iluminista, que prenuncia uma mudança de enfoque e pensamento por opor-se ao
culto exclusivo do classicismo pelo racional. Origina-se em círculos burgueses
na Inglaterra e no continente, onde as exigências da reforma quanto a intimismo
pessoal e religioso permaneceram mais vivas do que para a burguesia em geral e
onde a reação à frivolidade do modo de vida aristocrata se tornou mais forte.
É
notório que com a rigorosa ética da parcimônia esses círculos lideraram o
investimento de capital na jovem manufatura, na indústria, situação que Engels
pela primeira vez observou, depois utilizada por Max Weber e outros ao
polemizarem sobre o marxismo. Sem introduzir discussão sobre a interpretação
idealista de Weber das relações puritanismo x capitalismo, destacamos a
exemplar exposição de Erich Fromm em O
Medo à Liberdade, em que mostra convincentemente como o novo espírito
religioso de que Weber quer originar o capital industrial tem muito a ver com a
alterada situação econômica da burguesia no fim da Idade Média.
Quando
Max Weber visa atingir as bases da compreensão materialista da história, sua
crítica tem de ser recusada, embora reconheçamos que no marxismo haja tendência
a menosprezar o papel do elemento religioso dentro da luta ideológica que
grassava entre absolutismo e burguesia. No texto sobre Feuerbach, ao narrar o
desenvolvimento que leva à revolução na França, Engels cita quase
exclusivamente a ação dos iluministas, considerando-a manifestação da
mentalidade não religiosa que enciclopedistas ajudaram a formar. Entendimento
tão superficial como errôneo. A literatura iluminista passa, na metade do
século XVIII, por um processo de radicalização geral que de outras formas se
expressa corno inimiga da religião. Diferentemente do deísmo do iluminismo
antigo, torna-se materialista, sensorial e ateísta. Na nova forma é mais
atração para os salões e os bem-providos da burguesia, financeiramente ligados
a sonegadores de impostos e similares do que a industriais, comerciantes,
artesãos e intelectuais que constituem a tropa de choque da revolução. Talvez
se possa dizer que Mirabeau e os girondistas moderados constituíam a linha dos
enciclopedistas, Danton inclusive, mas para a maioria da montanha, Robespierre
à frente, o materialismo e o ateísmo são mais uma expressão da crescente
dissolução da ordem social aristocrata.
Com a
revolução, a burguesia aproxima-se do mais heroico papel de sua história:
conquistar o aparelho de poder econômico do absolutismo, arrancar desde a raiz
suas instituições sociais, e com armas à mão defender sus conquistas contra as
ofensivas militares da reação
congregada. Nessa situação, não pode contentar-se com uma formação negativa. O
que menos lhe convém é a filosofia epicúrica do deleite, em que o iluminismo
degenerara a ética. Ao papel heroico segue-se o modo de vida heroico, exigência
pós-revolução que é satisfeita relacionando-se com a rígida pureza da República
Romana de repulsa estoica por comportamentos débeis. Não é difícil encontrar
por trás das antigas roupagens, adotadas com emotivo entusiasmo, as fontes de
inspiração, as tradições protestantes da guerra dos huguenotes e Cromwell.
Iluministas são naturalmente estranhos a tal evolução. Veem Rohespierre
defender a virtude só como expressão de intolerância. Percebem tão pouco o
significado da revolução quanto intelectuais da Europa Ocidental como Koestler, Oeverland ou Ivar Harrie perceberam as mudanças na URSS na guerra contra o nazismo.
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