Francesco
La Regina.* Texto
extraído de Archittetura, Storia e
Politica, 1976.
*
Francesco La Regina foi professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade
de - Nápoles. Desenvolveu trabalhos e pesquisas na área do patrimônio histórico
arquitetônico e ambiental. È autor de trabalhos como: William Morris e l'anti-restoration mouvement e Regioni: beni culturali e territorio (com R. di Steffano e A.
Aveta).
Qual
é o caminho que nos leva à problemática real da cultura arquitetônica
contemporânea? Que critérios de investigação podem nos garantir uma leitura
sintomática e sistemática da disciplina espacial que encontre os motivos
profundos da existência que a arquitetura objetivamente contém, mas que
permanecem desconhecidos mesmo aos especialistas do setor?
Enquanto por trás do
desinteresse pelos produtos acabados e pela atividade projetual houver a
tendência para ocultar e para suprimir todos os impulsos críticos e criativos,
será difícil destacar o caráter histórico de todas as concessões e expressões
arquitetõnicas. Insistir-se-á no equívoco fundamental de substituir, à luz da
análise científica desta ou daquela forma histórica de construção do ambiente
antropológico, a pretensão de descobrir o que é a arquitetura em geral, pela
tentação de negar a existência da própria arquitetura no inundo de hoje. Mas
nenhuma apologia do existente, ainda que refinada e atualizada, é capaz de
negar que todas as formas do presente são estruturadas no passado, fazendo
emergir delas mesmas as novas formas do futuro.
Uma ideia, em
arquitetura, afirma-se sempre em virtude de múltiplos fatores históricos,
conectados no âmbito de possibilidades objetivas e pragmatismos específicos -
na verdade reconduzíveis a sínteses de continuidade histórico-cultural e
subjetividade íntegra e capaz de intencionalidade projetual - dentro dos quais
a arquitetura consegue exprimir até o fim o próprio horizonte de validade
disciplinar e projetar no tempo, no espaço e no ambiente os próprios esquemas
comunicativos. Toda mudança histórica produz geralmente uma mudança nos
critérios com os quais uma determinada comunidade estabelece, em última
instância, a própria relação com o mundo. Essas mudanças, juntamente com os
problemas de herança cultural que sempre as acompanham, estão na origem das
transformações nas modalidades do conhecer, projetar, construir e usufruir do
espaço físico.1
Aqui se delineiam os
traços característicos da arquitetura: os homens projetam e constroem o próprio
ambiente, mas fazem-no sempre em condições já estabelecidas e transmitidas,
dado que, "contemplando o processo passado, entendem seu presente e lutam
por um futuro mais humano".2
Nesse sentido é possível sempre descobrir o fundamento real ao qual se referem
todas as possíveis concepções arquitetônicas quando relacionadas, como as
outras formas de especulação intelectual, à "soma de formas produtivas, de
capital e formas de relações sociais", ou seja, quando relacionadas à
história real.
Ao colocar-se como
específico campo de conhecimento e de ação para a construção prática do espaço
físico, a arquitetura tem importância especial a partir do momento em que não é
vista somente como uma disciplina especializada que convive com outras
disciplinas especializadas, mas como uma arte complementar que, associando-se
às formas e às funções da realidade social, as qualifica no sentido estético.
Todas as formações sociais produtivas da história têm, até hoje, uniformizado o
ambiente de acordo com as próprias exigências, segundo um preciso código
espacial, e usado a arquitetura como resposta global e orgânica aos impulsos
externos e internos. Pode-se afirmar que em qualquer parte onde soube
manifestar-se a arquitetura teve como fundamento o exercício dessa importante tarefa
e continuou a existir, em suas várias expressões históricas determinadas, até
onde conseguiu projetar-se no exercício prático. Sua utilidade depende da
"função", que não é, no entanto, algo absolutamente simples e
definido, uma espécie de "ponto cardeal" da concepção arquitetônica e
da sua composição projetual, porque a arquitetura, como fenômeno coletivo, não
pode ser resumida às suas utilidades funcionais, mas faz parte da sua natureza
ser o diafragma de convergência de múltiplos fatores econômicos, sociais,
técnicos, estéticos, políticos e culturais.
Desejando tornar
evidente o significado da arquitetura, este não pode nunca resultar em uma
representação puramente funcional, ou puramente técnica, ou puramente estética.
Poderíamos dizer, ao contrário, que o significado da arquitetura é sempre um
significado histórico, abrangente, ligado a condicionamentos naturais e a
manifestações culturais. Histórico no sentido de que mesmo as formas mais
evoluídas da cultura arquitetônica devem medir-se e confrontar-se com o
passado. Por isso, os elementos da arquitetura, mesmo quando não inspirados na
história, apresentam-se na atualidade das próprias formas (ou, na verdade, têm
significado nas atuais fornias), com todas as possibilidades de um processo
disciplinar na expressão mais completa de seu desenvolvimento.
Os vários estágios de
formação da concepção arquitetônica até aqui examinados levam-nos, sem dúvida,
ao reconhecimento do ambiente antropológico como complexo articulado de
exigências comuns e contrastantes a serem "ordenadas" em um código
bem definido de estruturas formais. O emergir de urna consciência arquitetônica
e de uma disciplina autônoma de práxis da construção demonstra, em primeiro
lugar, o reconhecimento da importância de uma regulamentação das estruturas
espaciais, nas quais urna determinada sociedade comunica os próprios conteúdos,
estabelece suas próprias relações e instituições, desenvolve as próprias
atividades. Em segundo lugar, demonstra que onde o homem imprime ao ambiente,
com suas atividades produtivas, formas conscientemente elaboradas, abre-se a
estrada a uma consideração não somente técnica e econômica, mas também estética
dessas formas.3
A arquitetura nasce,
afirma-se e desenvolve-se em estreita ligação com o processo histórico que
torna possível aos indivíduos socialmente organizados criar formas novas e
adequadas ao grau de desenvolvimento atingido pelas formas produtivas. Por essa
razão, a arquitetura é baseada na divisão social e sempre reproduziu, seja na
sua linguagem nobre seja na sua linguagem popular, todas as desigualdades
induzidas pelas relações de subordinação e dependência.
Naturalmente, a
consciência desse fato não nos autoriza a desprezar a cultura arquitetônica
produzida até este momento somente porque é baseada na escravidão, na
exploração e na alienação econômica.4
Parece evidente que o progresso em direção a uma arquitetura baseada na
abolição dos antagonismos de classe pode se tornar realidade somente na forma
de um processo, que percorreu todos os estágios necessários de seu
desenvolvimento histórico.
O problema da
arquitetura como patrimônio realmente coletivo, como "forma de toda a
sociedade" e não somente de um grupo ou de uma classe dominante, foi
colocado apenas quando a concentração e a transformação dos meios de produção
nas possantes alavancas da socialização industrial permitiram às massas
trabalhadoras adquirir os instrumentos de crítica social prática e teórica
(nessa direção devemos reconhecer a função histórica do modo de produção
capitalista e da classe que o representa, a bur-guesia). O surgimento e a
difusão da consciência de que os modos vigentes de apropriação e articulação do
espaço urbano e territorialisação injustos, insuficientes e às vezes
irracionais são um sinal de que aconteceram mudanças, para as quais não é mais
adequado o arranjo social que é reconhecido e expresso naqueles métodos e
naquelas formas de constituição ambiental. Isso significa que também os meios
para eliminar as disfunções patológicas e as contradições das estruturas
físicas nas quais vivemos existem, mais ou menos desenvolvidos, nos fatos
materiais da produção social. O verdadeiro problema relaciona-se diretamente
com a possibilidade de uma ação eficaz e duradoura capaz de realizar, por meio
da socialização dos meios de produção e pelo aumento da produtividade do
trabalho, o desenvolvimento unilateral das aptidões e das capacidades dos
indivíduos e das massas.
Direcionado nesse sentido,
o problema da importância histórica da arquitetura no mundo de hoje
solidifica-se em uma visão mais geral com problemas como o significado da
arquitetura, a importância da arquitetura de urna dada época e o sentido da
produção arquitetônica de cada uma das épocas a serem examinadas. Ora, do ponto
de vista que a nós interessa, não é de fato suficiente um conhecimento (ia
arquitetura como se entende comumente, e como se insiste em ensinar nas escolas
e nas universidades: um conhecimento feito somente de vidas e obras de
arquitetos, ou de concepções e técnicas setoriais e unilaterais. Pelo menos
corno metodologia, é necessário chamar a atenção para todos os aspectos da
realidade arquitetônica, porque a disciplina espacial de urna dada época toma a
forma da combinação de muitos elementos, e somente depois de ter absorvido
instâncias diversas, às vezes opostas e contraditórias, torna-se norma
coletiva, isto é, "arquitetura integral".5
Concebida não mais
somente corno elaboração individual ou de grupo, a obra arquitetônica
engrandece a luta política e cultural para transformar o mundo e adequá-lo às
exigências da vida civil. Em oposição a todas as formas de relativismo
histórico, é necessário indagar sobre a "concepção arquitetônica que
progride"; por outro lado, a evolução da concepção arquitetônica não pode
ser assumida corno um dogma, individuando necessidades a priori ou a posteriori
na transformação dos critérios teórico-práticos de organização espacial. É
necessário, ao contrário, reconhecer que o desenvolvimento dos modos de
concepção e formação do ambiente não é de fato isento de implicações de caráter
geral e é sujeito, continuamente, a interpretações ideológicas que tendem a
desvirtuar seu real significado.
Os princípios
construtivos da arquitetura são o produto de peculiares condições históricas e
possuem sua plena validade somente para estas condições. A consciência disso, ao
mesmo tempo em que nos ilumina sobre os riscos da involução, imbuídos em todas
as tentativas de instrumentalização vulgar da tradição disciplinar, também
mostra as razões que, no presente, fazem coincidir a máxima dilatação e
abstração da concepção arquitetônica com a mais grave crise da ciência das
edificações e sua dominação cultural.
Separada da ideia da
transformação revolucionária do mundo, a ciência das edificações decai de
arquitetura para pura tecnologia e denuncia a sua total alienação à história.
Ora, diante dos mais recentes acontecimentos, extremamente perigosos para o
destino do patrimônio ambiental, é absolutamente necessário e urgente fazer o
quanto antes urna recomposição político-cultural das forças produtivas
arquitetônicas e consequente livre exercício da criatividade individual e
social. Daqui parte o pressuposto permanente de um confronto sério e constante
com a tradição disciplinar e de uma reflexão crítica sobre a cultura
arquitetônica e suas estruturas conceituais que fixe a problemática da
incessante dialética histórica nas várias fases de seu desenvolvimento.
Com o atual confronto de
classes, a exigência do capital monopolístico de estender seu domínio ao
trabalho vivo e a toda a sociedade civil, bem além dos limites do progresso
econômico, produtivo e dentro de todos os aspectos e momentos de existência da
mão-de-obra, torna possível o crescimento espontâneo c difuso de uma
consciência arquitetônica na grande massa dos produtores. Nesse ponto, ir além
da mobilização espontânea e superficial das consciências e penetrar na dimensão
real do problema quer dizer enfrentar a compreensão dos processos específicos
pelos quais a arquitetura, a cidade e o território colocam-se no ciclo de
acumulação e socialização do capital. Isso quer dizer, também, que a exigência
de urna arquitetura diversa emerge como uma necessidade objetiva interna do desenvolvimento
das forças produtivas, já dentro da sociedade capitalista, mas a possibilidade
de configuração teórica e realização prática não é urna consequência mecânica
das mudanças estruturais. Portanto, e absolutamente necessário unir a
recognição científica da realidade espacial com a luta pela participação
consciente no processo, que acontece somente sob nossos olhos, de revolução
formal e funcional das estruturas ambientais. Esta é uma escolha de base,
aberta a todas as instâncias e interesses da coletividade, cujos principais
objetivos consistem em: profundo e sistemático conhecimento do território em
todos os seus aspectos naturais e culturais: desenvolvimento equilibrado do
ambiente antrópico por meio do controle dos assentamentos residenciais e produtivos,
dos serviços sociais e da rede de infra-estrutura; salvaguarda dos recursos
naturais e culturais e a valorização para fins sociais dos bens .históricos,
artísticos e ambientais; participação dos cidadãos corno indivíduos c
associados à defesa, à planificação c à construção do espaço físico, tanto na
projetação quanto na implantação e na gestão das escolhas.
Quando uma formação
econômico-social está historicamente madura para se tornar dirigente, tende
necessariamente a elaborar uma concepção do inundo total e autônoma. Em nossa
problemática, tal autonomia se exprime na capacidade de saber impor o terreno
de confronto na arquitetura, na cidade, no território, orientando a
produtividade política e cultural do setor em função da demanda social e do crescimento
orgânico e equilibrado do sistema ambiental. Isso comporta um sério e rigoroso
empenho em direção à máxima exaltação do patrimônio arquitetônico e em vista de
seu ulterior desenvolvimento, para o qual é necessário trabalhar com a máxima
clareza de ideias. O confronto com a arquitetura e sua história — e portanto
também com o Movimento Moderno — é absolutamente improrrogável, porque todas as
autênticas revoluções culturais não nascem do vazio, mas implantam-se
profundamente no corpo da própria tradição histórica. Nesse senti-do, podemos
afirmar que os nós principais da crise que envolve a arquitetura contemporânea
são todos em torno da difícil questão da "relação com a história". A
necessidade e o significado deste confronto são a caracterização de um campo de
realidade, que tem por conotação dominante o confronto político atual por urna
nova gestão/construção do ambiente físico.
O problema da
relevância histórica da arquitetura no mundo de hoje, ou seja, o problema das
atuais formas de consciência arquitetônica, está ligado ao caráter dinâmico do
confronto de classes atual, e ao terreno concreto da relação orgânica que os
arquitetos estabelecem com os grupos sociais que são fundamentais no plano da
produção. A urgência de liquidar rapidamente as novas mitologias de uma
categoria, até agora condicionada pelas ilusões e pelos equívocos do Movimento
Moderno, apesar de reconhecer o que este representou dentro da história, deriva
da relação que os intelectuais estabelecem hoje com a ação política. Essa relação,
escreveu Simonetta Piccone Stella, torna-se politicamente madura, não quando os
intelectuais escolhem a negação de si mesmos, isto é, abandonam as exigências
da pesquisa e da reflexão teórica, nem quando se auto elegem permanentemente
dirigentes das classes oprimidas, mas quando encontram na teoria e na prática
ligadas ao próprio trabalho, interesses e perspectivas comuns àquelas classes.
É portanto evidente que se trata de uma questão extremamente complexa, ligada
ao desenvolvimento e aos contrastes dos quais é feita a sociedade: como
expressão de uma nova sabedoria social, esta pertence ao clima histórico geral
na qual surge e se apresenta sob forma de experiência viva. Qualquer tentativa,
por parte deste ou daquele grupo de intelectuais, de resolver a crise histórica
da disciplina arquitetônica exclusivamente em proveito próprio, é destinada a
fracassar. Confinada ao confronto político entre classe dominante e classe
subalterna, uma nova concepção da arquitetura, baseada na "reintegração do
homem às condições de alienação típicas da sociedade dividida e da sua
estrutura técnico-industrial (isto é, capitalista)", não pode ser senão o
efeito de uma iniciativa setorial, ainda que sistemática e com bases
científicas. Não é nem o efeito espontâneo das transformações em curso, o
reflexo automático de processos objetivos; como não é o efeito das decisões
desta ou daquela organização social, política, cultural. O ponto de partida
para a afirmação de uma nova concepção da arquitetura é a constatação de que,
na dialética real dada pela luta de classes, o grupo social chamado a tornar-se
dirigente por razões objetivas, que dependem da estrutura da sociedade,
elabora, estende e impõe suas próprias qualidades de visão e de direção em toda
a realidade, orientando neste sentido também os arquitetos em uma concepção
integral do mundo e da arquitetura. Concepção não genérica c não utópica, que
atua no terreno concreto da ação política e da pesquisa cultural e na
consciência da máxima tensão que, de tal forma, se estabelece entre
perspectivas imediatas e perspectivas a longo prazo. A unidade real de teoria e
práxis da arquitetura é hoje possível na política, ou seja, na inserção ativa
para o desenvolvimento ininterrupto do grau de participação consciente de um
número cada vez maior de homens na vicissitude arquitetônica. Nesse sentido, a
tarefa dos intelectuais-arquitetos adquire um alto e profundo significado
social, para seu papel no processo de formação e expansão da consciência
histórica das classes subalternas.
Essa consciência, que
se traduz em hipóteses fecundas de trabalho, encontra muitas resistências no
curso de seu caminho. Muitas objeções foram e serão feitas: que se trata de um
critério estreito e reducionista, ou largo e genérico, estranho ao corpo
dis-ciplinar. Às objeções do gênero, respondo que a teorização da
especificidade política, como horizonte privilegiado da cultura arquitetônica
contemporânea, não é um preconceito metafísico e metahistórico, fruto de uma
intencionalidade puramente subjetiva.
Essa reivindicação não
encerra o assunto em relação à arquitetura, porque nasce como resposta determinada
a uma fase de desenvolvimento das contradições da sociedade moderna. O peso
político da arquitetura não é urna descoberta dos nossos dias, mas é necessário
entender que — historicamente, a partir do momento em que a sociedade se
unificou pelo mercado e pelo capital — o fundamento e o uso da arquitetura não
podem mais separar-se da conexão geral, "política", na qual a
arquitetura se constitui de uma certa forma e não de outra, e é usada de uma
certa maneira e não de outra. A atual produção arquitetônica é, acima de tudo,
produção de mercadoria de construção civil, e portanto de mais-valia: o
arquiteto, o urbanista, o operário da construção civil, os técnicos não
trabalham para a coletividade, mas para o capital (em sua combinação entre
lucro e renda). Mas por outro lado, essa "redução" da arquitetura
converte-se necessariamente em uma ampliação de seu significado histórico,
envolvendo não somente o trabalho produtivo, mas o conjunto do processo social
dentro do qual o trabalho arquitetônico se torna trabalho produtivo para o
capital. O que implica a revelação e a unificação de todas as relações sociais
— e, portanto, de seus contrastes fundamentais, políticos — do modo de produção
e a valorização do capital investido na construção civil. São essas relações
que imprimem à arquitetura moderna sua marca "política": isolar a
arquitetura em si mesma (seja subespécie ideológica ou subespécie cientifica)
pode acarretar a perda de sua consistência histórica. Quando se renuncia a essa
consistência, procurando fundar ontologicamente um corpo disciplinar setorial,
a arquitetura reduz-se a uma ciência sem seu objeto, ou a uma filosofia sem seu
objetivo.
N
o t a s :
1 Deve ser aqui considerado com
atenção que tais transformações "nas formas de conhecer, projetar,
construir e usufruir o espaço físico" têm margens temporais de evolução
histórica muito amplas e não devem ser absolutamente confundidas com estremecimentos
aos quais a disciplina arquitetônica é continuamente submetida por causa das
recorrentes crises econômicas e das rápidas e às vezes violentas explosões
políticas. Basta pensar, por exemplo, nos equívocos que influenciaram
notavelmente e continuam a influenciar o debate arquitetônico contemporâneo,
em contraste evidente com a advertência de Antonio Gramsci, para o qual
"as mudanças nos modos de pensar, nas crenças, nas opiniões, não acontecem
por 'explosões' rápidas, simultâneas e generalizadas, acontecem quase sempre
por 'combinações sucessivas', segundo 'fórmulas' disparatadas e incontroláveis'
de 'autoridade'. A ilusão 'explosiva' nasce da ausência de espírito critico.
Como não se passou, nos métodos de tração, da diligência a motor aos modernos
expressos elétricos, mas passou-se através de uma série de combinações
intermediárias, que em grande parte subsistem ainda (como a tração animal em
trilhos, etc), e como acontece que o material envelhecido nos Estados Unidos
seja utilizado ainda por muitos anos na China e represente um progresso
técnico, da mesma forma na esfera da cultura as diversas camadas ideológicas
combinam-se de maneiras diversas; e aquilo que virou 'feno velho' na cidade é
ainda 'utensílio' na província. Na esfera da cultura, ao contrário, as
'explosões' são ainda menos frequentes e menos intensas que na esfera da
técnica, na qual uma inovação se difunde, pelo menos no plano mais elevado, com
relativa rapidez e simultaneidade. Confunde-se a 'explosão' de paixões
políticas acumuladas em um período de transformações técnicas, às quais não
correspondem formas novas de uma adequada organização jurídica, mas
imediatamente um certo grau de imposições diretas e indiretas, com as
transformações culturais, que são lentas e graduais, porque se a paixão é
impulsiva, a cultura é produto de uma elaboração complexa" (A. Gramei, Gil intelettuali e l'organizzazione de/ia
cultura, Einaudi, Torino, 1966,p. 142)
2 - A.
Schmidt, Geschichte und Struktur Fragen
einer marxististchen Historik, Munchen, 1971 (trad.em Storia
e struttura. Per una interpretazione
materialistica deita storia,
De Donato, Bari, 1972, pp. 14 e 15).
3
- Ver E. Sereni,
Storia dei paesaggio agrário italiano
(História da paisagem rural italiana), Laterza, Bari, 1961.
4 - Esta observação possui sua
validade na própria existência de documentos arquitetônicos e urbanos que
testemunham a complexidade do desenvolvimento no campo da história da
arquitetura e das ideologias espaciais. Basta pensar na relevância estética de
certos monumentos e certos antigos assentamentos, que de fato repousam
historicamente em tipos de sociedades construídas em torno das formas mais
impiedosas de opressão econômica e política, para excluir qualquer
esquematização, qualquer recurso a banais deduções mecânicas. A estrada que
leva ao conhecimento crítico e profundo da concepção arquitetônica, no próprio
momento em que se percorre o itinerário histórico-material de sua argumentação,
não pode simplesmente reconduzir todas as mudanças ocorridas na disciplina a
impulsos sociais. Por isso, Marx escreve: "Na arte, sabe-se que
determinadas épocas de florescimento não estão de maneira nenhuma em relação
com o desenvolvimento geral da sociedade, portanto, também com sua base
material, com a estrutura de sua organização. Por exemplo, os gregos comparados
com os modernos, e também Shakespeare. De certas formas de arte, por exemplo epopeia,
reconhece-se até mesmo que não podem ser produzidas cru sua forma clássica, que
define uma 'época do mundo', logo que começou a produção artística como tal;
reconhece-se, portanto, que no âmbito da própria arte certas criações notáveis
são possíveis somente em um estagio de evolução artística insuficiente. Se isso
ocorre na relação entre diversas formas artísticas no âmbito da própria arte, é
menos surpreendente que ocorra no inteiro campo da arte com o desenvolvimento
geral da sociedade". (cit. in G. Lukács, II marxismo e Ia critica letteraria, p. 34).
5 - Retirei o conceito das
considerações que Gramsci desenvolve em torno dos problemas de filosofia e
história. (cf. em especial Il
materialismo storico e la filosofia di Benedetto Croce, Einaudi, Torino,
1972, p. 22).
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