Frank Svensson
O
projeto da Universidade de Brasília é obra de muitos, mas quando do impasse de
configurá-la arquitetonicamente foi Heron de Alencar o principal assessor do
arquiteto Oscar Niemeyer para tanto. Arquitetura
não foi limitada a ser uma ação à
posteriori de uma programação à
priori. Com o projeto original da
UnB inaugurou-se um trabalho de concepção conjunta programa/arquitetura. Nunca
no Brasil havia se buscado com tamanho empenho o conhecimento do imprevisível em matéria de uma universidade que se queria parâmetro para uma Reforma
Universitária no país.
O professor Heron de Alencar (em cima) leciona mo Institute de Recherches de Pedagogie et Development -
Sorbonne, Paris. 1964.
Desastroso
foi esse enfoque haver sido impedido de ser acompanhado por uma continua avaliação
das implicações de sua aplicação, configurando um processo de registro de resultados
e de participação dos usuários da UnB numa continuada e participativa projetação arquitetônica.
Os
instrumentos para tanto foram previstos: Institutos em correspondência às
grandes áreas do conhecimento e da profissionalização, interdisciplinaridade,
interação teoria/prática, conselhos inter-profissionais e acadêmicos, uma dinâmica
de grupos de trabalho em substituição à esclerosada departamentalização da
antiga universidade, principio de decisões por frente-ampla etc. etc.
O pensamento dialético caracterizou os
propósitos e as atuações dos primórdios da UnB, mas os anos de chumbo escancararam
as portas da universidade à departamentalização e ao individualismo acadêmico.
Urge
resgatar a história desses propósitos iniciais e com isso também a biografia de
quem foi Heron de Alencar um intelectual orgânico e por isso mesmo discreto e
cauteloso ante as crescentes ameaças ao progresso de nosso país. Foi forçado a exílio e faleceu em 1972 sem
ter sido anistiado.
Tomo
a liberdade de anexar a seguir o necrológio que Oscar Niemeyer então também em exílio
escreveu sobre o irmão Heron ...
O
IRMÃO HERON
Oscar Niemeyer
(Jornal
do Brasil, Rio de Janeiro, 27 jan. 1972.)
Paris -
Recebo do Rio a notícia da morte de nosso querido amigo Heron de Alencar
e sinto-me na obrigação de lembrar o grande amigo que se vai, depois de uma
vida de idealismo, decepções e esperanças.
Conheci
Heron em Brasília, quando organizávamos a Universidade do Distrito
Federal. Juntos colaboramos nessa obra
esplendida que marcou um momento decisivo do ensino no nosso país, quebrando
velhas rotinas, preconceitos e normas superadas; abrindo para a Universidade um
campo novo atualizado e flexível, capaz de atender todas as solicitações da
vida brasileira.
Recordo
seu entusiasmo e convicção com que lutava pelas reformas indispensáveis, a
clareza com que definia seus pontos-de-vista, baseados em muitos anos de estudo
e saber. E o fazia dentro de uma linha política progressista, visando a
grandeza de nossa pátria, sua independência econômica e política. Infelizmente
a incompreensão não permitiu o diálogo indispensável e, pouco a pouco, seu
entusiasmo transformou-se em desesperança e amargura obrigando-o – com cerca de
200 professores – a abandonar a Universidade de Brasília; levando-o, mais
tarde, para o exterior para longe dos amigos e dos problemas brasileiros que o
absorveram e apaixonaram a vida inteira.
Durante
anos Heron permaneceu fora do Brasil, mas foi em Paris, onde já atuara
lecionando na Sorbonne. Que se instalou
definitivamente dirigindo o no IRFED, instituto criado pelo padre Debret,
instituto de pedagogia e desenvolvimento.
Perdera-o
de vista por algum tempo, mas um dia o trabalho que nos aproximara em Brasília
voltou a nos unir no exterior. Era outra vez o ensino que nos convocava; a
Universidade de Constantine na Argélia. E
a ela nos dedicamos com o maior empenho e amizade.
Tratava-se
de um país como o nosso, em vias de desenvolvimento – sujeito também a pressões
externas, mas em plena evolução social, consciente de seu papel no Terceiro
Mundo, mundo que cresce e se liberta como uma imposição histórica.
Tudo
isso deu às nossas tarefas maior relevância.
Levávamos para o estrangeiro um pouco da nossa cultura, dávamos ao
estudante argelino que não nos permitiam dar ao nosso irmão do Brasil.
Lembro
como iniciamos esse novo período de trabalho e do dia que procurei Heron para
elaborar o programa da Universidade de Constantine já iniciada. Expliquei-lhe nessa ocasião meu projeto,
solução radical que idealizara em 1964 para a Universidade de Acra, reduzindo o
campus universitário a sete edifícios substituindo todos os prédios das
faculdades por somente dois blocos: o bloco de classes, destinado a aulas e
anfi-teatro e o de ciências destinado aos laboratórios. Encareci ao meu amigo
as razões da solução adotada: terreno preservado, eliminação de ruas, redução
de blocos, distancias, etc.
Contei-lhe como a elaborara sem um programa definido, baseado apenas na minha experiência em Brasília, na minha intuição de arquiteto, na explicação fácil e lógica, para mim irrefutável, que a ideia oferecia. E fiquei satisfeito vendo-o concordar entusiasmado com o texto que eu redigira nas vésperas de se iniciarem as obras, para atender dúvidas que surgiam.
Contei-lhe como a elaborara sem um programa definido, baseado apenas na minha experiência em Brasília, na minha intuição de arquiteto, na explicação fácil e lógica, para mim irrefutável, que a ideia oferecia. E fiquei satisfeito vendo-o concordar entusiasmado com o texto que eu redigira nas vésperas de se iniciarem as obras, para atender dúvidas que surgiam.
A
partir desse instante Heron organizou sua equipe: Luis Hildebrando Pereira da
Silva, Euvaldo Matos, e Ubirajara de Brito. E em pouco tempo apresentava o
programa da Universidade, ratificando meu projeto e a obra em andamento criando
a universidade flexível e integrada que sempre imaginara. E tal foi o nível da
sua colaboração que o Ministro do Ensino Superior, Benyahia, o convidou para
atuar na reforma do ensino Recordo om
satisfação essa extensa faixa de trabalho e os seminários internacionais
realizados em Argel, nos quais Heron se impunha com o peso do seu saber, do seu
raciocínio, e da sua posição política atualizada.
E
o seu campo de ação multiplicou-se.
Juntos projetamos mais duas universidades: a Universidade Científica de
Argel, e com Darci Ribeiro, a Universidade de Ciências Humanas, também em
Argel.
Como
nos velhos tempos de Brasília, os problemas do ensino o apaixonaram novamente e
a eles Heron dedicou-se com a mesma perseverança, o mesmo idealismo. Recordo o dia em que, já enfermo, com o braço
paralisado, o encontramos a redigir com a mão esquerda um projeto de lei que
Benyahia solicitara. Que entusiasmo! Que
exemplo nos dava o querido amigo!
E
foi com tristeza que acompanhamos diariamente, durante meses, a evolução da sua
doença, vendo-o superar, generoso, suas íntimas suspeitas para nos dizer
sorrindo: “desta vez ainda não me levam”.
Infelizmente
seu destino estava traçado e um dia o nosso amigo seguiu para o Rio, sua última
esperança.
Pela
primeira vez, no aeroporto de Orly, o nosso irmão deixou transparecer
emocionado seu pessimismo. Receava não mais nos ver, e nós, conscientes de
tudo, sentíamos arrasados, que dele nos separávamos para sempre. Perturbado
fiquei a vê-lo de longe, na cadeira de rodas que o levou ao ponto de embarque.
E o triste mundo de Sartre – injusto e absurdo –envolveu-me mais uma vez com
seu pessimismo doloroso.
Contam-me
do Rio seus dias derradeiros, recostado junto a janela que abre sobre o parque
da Casa de Saúde Dr. Éiras, onde se internara.
Olhava com tristeza as árvores e os pássaros como a se despedir da Natureza
que lhe fugia para sempre. Despedia-se da sua terra querida. Terra que soubera
amar e compreender.
Integra-se
o velho companheiro no seu universo, universo que tanto o atraía com seus
mistérios e grandeza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário