Frank Svensson
Por
volta dos anos 1910, Lenin fez ver que nos últimos cinquenta anos ninguém havia
entendido O capital porque ninguém se
havia dado ao trabalho de penetrar no pensamento de Hegel. Um dos méritos de
Lenin é o de haver mostrado como Marx e Engels procuraram conhecer o método
dialético proposto por Hegel.
A
dialética é o fulcro do corpo teórico habitualmente conhecido como marxismo.
Podemos resumir que o posicionamento de Marx e Engels em face do método
dialético de Hegel se deu seguindo três direções:
Iº
livrar o enfoque de Hegel da linguagem mistificadora em que estava envolvido;
2° apresentar a essência de suas leis de tal forma que constituíssem uma
unidade lógica;
3°
partindo de elementos realistas de sua filosofia, motivar a virada materialista
ocasionada por Marx.
Quanto
aos problemas da linguagem e à vinculação do método dialético com a
infra-estrutura da realidade, o trabalho executado por Engels e Marx é
plenamente satisfatório. Reconheçamos que quanto a relacionar as leis da
dialética configura-se, no entanto, um campo no qual há sempre muito que fazer.
Isso não invalida; porém, as conquistas conceituais básicas feitas pelo
marxismo. Contentar-se com as conquistas conceituais feitas até aqui pode, no
entanto, facilmente conduzir a um materialismo
mecanicista e dogmatismo.
Para que
o materialismo seja dialético há que se reconhecê-lo em desenvolvimento. Hoje,
encontramo-nos num estágio histórico sobremodo difícil de esclarecer. As
conquistas obtidas por meio dos clássicos do marxismo nos permitem avançar um
bom pedaço, mas eles mesmos nos esclarecem a necessidade de prosseguir
enriquecendo o corpo teórico necessário para tanto.
Nesses
tempos em que os ventos de neoliberalismo tanto nos açoitam é bom, por exemplo,
refletir sobre como o marxismo encara conceitos como os de vontade e de liberdade.
Um dos pontos que de forma mais profunda distingue o materialismo mecanicista
do materialismo dialético é a questão da vontade
e o seu papel com relação ao desenvolvimento. Que o materialismo mecanicista é
determinista está claro. Desconsidera qualquer possibilidade da vontade influir
nos acontecimentos. Na melhor das hipóteses atribui ao ser humano uma relativa
liberdade de decidir se quer resistir ou voluntariamente se submeter às
imposições das necessidades.
Os
nossos atos são sempre precedidos de muitas condições — pessoais e sociais —
que não lhes permitem ser arbitrários, mas o desencadeamento do ato em si
implica algo mais. Representa o surgimento de algo novo. Cada ato de vontade
expressa uma de-terminada situação concreta da qual dependem suas reflexões e
impulsos, mas também urna série de considerações anteriores, tanto de caráter
pessoal como principalmente de caráter social. Representa uma inovação
qualitativa de mesmo caráter que as que se dão no campo da fisiologia ou da
química mas num plano superior: o humano e o social. O fato de se dar num plano superior de
relacionamento de leis próprias não quer dizer que essa forma superior seja
desligada de formas inferiores. Não é ignorando as forças e as leis da natureza
que evidenciamos nossa liberdade, mas, isso sim, adequando-nos conscientemente
a elas com o mínimo de conflitos possível.
Para o
materialismo dialético o conceito de liberdade constitui uma categoria com
significação própria quando de sua relação com a consciência e a vida em
sociedade; querer aplicá-lo à matéria inorgânica é um equivoco do materialismo
mecanicista. Como liberdade o marxismo não conceitua outra coisa senão a
aptidão conquistada pelo homem de intervir na realidade modificando-a em seu
favor e assim modificando-se a si mesmo. Desenvolvendo-se, fundamentalmente,
por meio dos modos e das relações de produção, corno ser social.
Essa
aptidão pressupõe situações de causalidade que aprendemos a dominar valendo-nos
do conhecimento e nas quais a nossa vontade se insere, como fator
co-determinante da continuidade do desenvolvimento. Sem essa dialética ação
reciproca entre liberdade e leis da realidade o conceito de liberdade
desmorona-se, reduz-se a uma ilusão subjetiva.
Com este
exemplo do caráter evolutivo do marxismo procuramos demonstrar, também, a sua
atualidade. O marxismo recusa um enfoque mecanicista que nos leve a distinguir
a consciência do ser e a admitir o desenvolvimento dos mesmos como o de duas
substâncias independentes. Para o marxismo o que há é uma experiência sequencial
entre a consciência e a matéria, que todos, na prática, sabemos ser verdadeira
e que nos confirma que a matéria pode existir sem a consciência, enquanto a
consciência sempre pressupõe um substrato material e não pode ser pensada sem
tal base.
Friedrich
Engels, em seu conhecido trabalho sobre Feuerbach — produzido quarenta anos
depois das teses de Marx sobre o mesmo assunto, observa que a maior
contribuição do materialismo emana do desenvolvimento de uma situação natural intacta na qual o espírito a uma certa
altura se apresenta como produto da matéria biologicamente organizada, enquanto
o idealismo vira de cabeça para baixo a situação de fato e deixa a matéria
parecer como uma criação do espirito ou dos deuses.
A
observação de Engels criticando o idealismo não visa atingir a realidade dos
fenômenos espirituais ou suas propriedades qualitativas. O que ele contesta é a
deturpação da experiência histórica e cientifica existente, invertendo a
relação empírica entre ambas as partes. Seria tão inconcebível negar a
existência da matéria, como seria inconcebível, segundo Engels, duvidar de que,
no tempo, preceda o surgimento da cons-ciência. Nessa dupla convicção reside a
motivação teórica de seu posicionamento, posteriormente conhecido como
marxista.
Nosso
tempo, como já observamos, apresenta novos problemas e novas situações as quais
exigem novos esclarecimentos, mas o fulcro do marxismo, seu posicionamento
materialista dialético, continua sendo a mais confiável conquista do
conhecimento humano em termos de referência comum e básica para o
desenvolvimento do saber e da prática humana.
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