Frank Svensson – 19.10.2003
A revolução
russa (1917), bem como, a revolução alemã, a chamada república de Weimar
(1918/19), delimitam um período do desenvolvimento do marxismo. Pela primeira
vez dois partidos socialistas adotaram-no declaradamente como ideologia ao
deter o poder do estado. Evidenciaram-no como uma das principais correntes de
pensamento do século XX. À diferença da
época anterior, o marxismo ganhou sua Meca. Passou a gozar de
referencias geopolíticas concretas das quais captar orientação, não se
limitando mais a pronuncia-mentos individuais de personalidades como Engels,
Kautsky, Plechanov e outros.
Desde 1920 até os anos 70 o marxismo-leninismo oriundo da experiência soviética e da dos paises do leste europeu marcou o desenvolvimento do marxismo. Os marxistas da social-democracia praticamente desapareceram ou foram ligados a distintas distorções do marxismo. Após a segunda Grande Guerra diminuiu ainda mais a liderança teórica de pensadores individuais. No ocidente o desenvolvimento do marxismo como corpo teórico voltou-se para o mundo acadêmico. Segundo Susan James esses novos teóricos marxistas, à diferença de seus antecessores não viram a obra de Marx como fonte de previsão do futuro ou como elaboração de um manual de ação revolucionária, mas como origem de um rico e instigante método explicativo da realidade.1
Desde 1920 até os anos 70 o marxismo-leninismo oriundo da experiência soviética e da dos paises do leste europeu marcou o desenvolvimento do marxismo. Os marxistas da social-democracia praticamente desapareceram ou foram ligados a distintas distorções do marxismo. Após a segunda Grande Guerra diminuiu ainda mais a liderança teórica de pensadores individuais. No ocidente o desenvolvimento do marxismo como corpo teórico voltou-se para o mundo acadêmico. Segundo Susan James esses novos teóricos marxistas, à diferença de seus antecessores não viram a obra de Marx como fonte de previsão do futuro ou como elaboração de um manual de ação revolucionária, mas como origem de um rico e instigante método explicativo da realidade.1
Com a divisão do
socialismo internacional entre comunistas e socialistas, com as
contra-dições entre marxistas revolucionários e partidos
institucionalizados, e entre distintos enfoques de marxismo teórico, a original
dialética de Marx (entre conhecimento histórico, revolução, teoria
econômica e organização do movimento obreiro) decompoz-se em suas partes. Essa desintegração daquilo que um dia
constituiu a obra total de Karl Marx é talvez a principal característica e problema
do marxismo dos nossos dias. Essa
divisão em áreas distintas, com diferentes projetos, diferentes
tendências teóricas e distintas práticas é hoje tão flagrante que é de se
perguntar o que restou do projeto original de Marx. Sua totalidade dialética
constituía um sistema que era garantido por relações internas de componentes
condicionantes uns dos outros.
Nem a teoria
de Marx (filosofia e economia) ou a prática (estratégia revolucionária e
organização dos trabalhadores como classe) baseou-se em algo fora dos homens,
entendidos em suas atividades, dentro de condições históricas particulares. A
grande diferença entre a síntese de Marx
e as dos que vieram depois decorre dele incluir o concreto trabalho
humano em sua dialética histórica.
O sistema
filosófico de Hegel, composto da lógica dialética, da filosofia da
natureza e da filosofia do espírito2, formava ele
também uma totalidade na qual as distintas partes eram depen-dentes umas das
outras. Essa maneira de relacionar distintas áreas da realidade entre si como
partes de uma totalidade necessária era característica tanto para Hegel
como para Marx, bem como para o marxismo inicial. É justamente nisso que se
percebe a continuidade entre Hegel, Marx e os primei-ros marxistas. O que os
distinguia eram as partes constituintes das respectivas totalidades e
como por sua vez produziam distintos conceitos sobre os elementos mantidos no
desenvolvimento do marxismo daí decorrente.
A principal
mudança de Hegel a Marx foram suas restrições quanto ao conceito hegeliano do
absoluto, ou seja, o entendimento de uma idéia ou de um espírito
existente desde o surgimento do universo e independente da historia humana.
Para Hegel a natureza objetiva era expressão dessa idéia já num
segundo estágio, o de quando ainda não tinha consciência de si mesma. Condição
básica para a estruturação de todo o sistema de Hegel. A crítica de Marx à
noção hegeliana do absoluto baseava-se na crítica naturalista que
Feuerbach fez de Hegel, e em Feuerbach concebendo a sua totalidade no realmente terreno
e no homem dotado de sentidos.
À diferença de
Feuerbach, Marx via esse homem como ser objetivo e ativo, atuando em
circunstâncias historicamente determinadas. Desenvolveu uma filosofia da
história de conteúdo totalmente distinto da de Hegel. Segundo Marx a essência da história humana
reside no desenvolvimento de suas forças produtivas dentro de suas condições
sociais e não como queria Hegel afirmando o desenvolvimento espiritual dos
homens como a questão central. A economia constituía em Marx a base das
relações sociais, ou seja, do comportamento social dos homens. O restante da
totalidade de Marx, a elaboração de uma estratégia da revolução socialista,
compunha-se de duas partes: 1) a teoria da revolução socialista e 2) a teoria e
o trabalho de organização da classe obreira. Aqui também havia uma
interdependência das partes, ou seja, não é possível entender a teoria da
revolução de Marx desligada da teoria da organização da classe obreira e
vice-versa. Condições históricas fizeram, no entanto, com que essas duas partes
se separassem ao correr do tempo.
O conceito de
totalidade de Marx baseia-se numa práxis filosófica de caráter político tendo
a práxis revolucionária como sua principal categoria. Sem a mesma as
demais partes da totalidade de Marx podem facilmente ser vistas como isoladas
umas das outras. Vê-se então, por um lado, a revolução socialista em resposta a
uma necessidade histórica e econômica objetiva dependente de uma práxis
revolucionária, e, por outro lado, a organização da classe trabalhadora como um
movimento em si independente de práxis revolucionária. Nesse caso a totalidade
de Marx pode fácilmente ser reduzida a uma teoria da história, bem como, a uma
teoria econômica, ambas objetivas mas independentes do processo
histórico do qual participam, tanto como teoria sobre a história como como
teoria sobre a economia capitalista para a continuidade da história e
como teoria da revolução socialista.
Mesmo se a idéia
de um socialismo científico, baseado em leis dialéticas, foi importante
para a vitória do marxismo como ideologia de movimento, há que considerar que o
seu desenvolvimento teve como determinantes as condições sociais e políticas reais
da Alemanha e da Rússia. Na Alemanha existia já em 1880-90 um movimento obreiro
politicamente orientado para o socialismo, mas faltava um movimento
revolucionário que com todos os meios lutasse pela queda do regime reinante. Na
Rússia dava-se o contrário. Lá havia a mais de meio século uma tradição de luta
clandestina revolucionária, mas sem um movimento operário autônomo. Foi pelo
marxismo que o movimento operário alemão teve sua identidade caracterizada como
revolucionária, enquanto que o movimento revolucionário russo teve suas raízes
no proletariado teoricamente identificadas pelo marxismo. Com a ajuda do
marxismo podia-se ignorar o fato que o movimento operário alemão não era, e
nunca havia sido, um movimento revolucionário da mesma forma que na Rússia com
a ajuda do marxismo foi possível legitimar o surgimento de um movimento
operário independente e muitas vezes em contradição com a intelectualidade
revolucionária daquele país.
Quando nos anos
1890 a tendência reformista do movimento alemão, bem como, a tendên-cia
economicista do movimento obreiro russo começou a despontar, a ideologia do
marxismo teórico viu-se desafiada. Na Alemanha perguntava-se se o movimento
operário era realmente revo-lucionário enquanto na Rússia se questionava a
posição do movimento operário em face da revolução burguesa.
Outra tendência
de se notar foi a de uma maior compreensão pela dialética da natureza
desenvolvida por Engels, do que do conceito de atividade humana
apresentado por Marx. O desenvolvimento do capitalismo e sua passagem para uma
sociedade socialista foram em muito entendidos como decorrentes de um processo
histórico sujeito a leis similares às da natureza. Mesmo se a idéia de um socialismo
científico (à guisa das leis da natureza) baseado em leis dialéticas
foi importante como ideologia do movimento comunista, o desenvolvimento e
conteúdo do marxismo foram determinados muito mais pelas relações políticas e
sociais das condições con-cretas e factuais. Na Alemanha, como já vimos, havia
um movimento operário organizado e voltado para o socialismo, enquanto que a
Rússia detinha uma tradição de meio século de trabalho de oposição clandestina
ao regime tzarista. Essa dualidade histórica do desenvolvimento do marxismo
tornou a dialética -- como síntese entre filosofia da história, teoria
econômica, movimento revolu-cionário e organização da classe operária –
problemática.
São conhecidos
os esforços de personalidades como Bernstein, Lênin e Rosa de Luxem-burgo por
resolver o problema. Condições idênticas às de Marx e as de décadas após não
voltaram a se apresentar. Marx foi quem inegavelmente apontou certos processos
funda-mentais da economia capitalista melhor do que qualquer um de seus
concorrentes, como por exemplo: a vitalidade da economia capitalista, seu poder
de concentração e centra-lização e o inevitável das crises econômicas.
Conseguiu prever que a classe trabalhadora tornar-se-ia uma classe específica
da sociedade burguesa e que no desenvolvimento do capitalismo dar-se-ia um
movimento social e político entre os trabalhadores. Nisso residiu e reside
ainda a força do corpo teórico e do exemplo de vida de Marx.
Os seus esforços
por uma síntese das condições burguesa e proletária, do objetivo
e do subjetivo, de materialismo e de idealismo, de ciência e de crítica,
de reforma e de revolução, resul-taram após a sua morte numa ciência objetiva
materialista revolucionária com sua expressão maior no marxismo-leninismo. Foi
nele que se quis manter a ação recíproca dos componentes da totalidade
reconhecida por Marx. Em muito por formas afins às da dialética da natureza.
O grande desafio de nossos dias passa pelo reconhecimento ativo de o marxismo
fundamentalmente constituir um corpo teórico identificado por seu caráter ativo
e político. Pelo esforço em favor da síntese contemporânea de seus
componentes essenciais. Para tanto não bastam as ações e reflexões individuais
por mais interessantes e instigantes que possam ser. Implica a ação e reflexão
resultante de formas socialmente organizadas entre as quais os partidos e
agremiações que se querem de base marxista são chamados a assumir um papel de
vanguarda.3
1 - Susan James no
capitulo sobre “Louis Althusser” em Skinner, Quentin: Return of Grand Theory
in the Human Sciences. Cambridge
1985.
2 - A Filosofia do Espírito de Hegel é constituída de
três partes: Espírito subjetivo, que trata do que se poderia denominar
questões psicológicas, bem como, das aptidões do ser humano como ser pensante; Espírito
objetivo que trata o espírito corporificado na sociedade humana, ou seja,
sua Filosofia da História e Filosofia Política; e finalmente Espírito
absoluto que trata do conhecimento absoluto de si mesmo expresso na arte,
na religião e na filosofia.
3
– De Per Manson: Fran Marx till Marxism –
Em studie av Karl Marx och marxismens framväxt (De Marx ao marxismo – Um estudo
de Carlos Marx e o desenvolvimento do marxismo). Röda Bokförlaget, Gotemburgo,
1987
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