Eduardo
Neira Alva* - 1998
A espécie humana é dotada de extraordinária capacidade de
adaptação O homem acostuma-se a viver em qualquer condição e supera
possivelmente qualquer espécie animal, à exceção de ratos e baratas. Mas a
civilização perde em cada adaptação quando isso implica aceitar condições
culturalmente negativas. A degradação cultural é pior que a degenerescência
biológica.
O processo regressivo
que vive o Peru há vários anos se traduz numa série de manifestações urbanas de
caráter francamente negativo, especialmente em Lima: ruas e praças cheias de
lixo; o perigo de morte e o ruído infernal produzido por essa espécie de
machismo automotor que domina o tráfego local; o congestio-namento das vias
públicas; deficiências crônicas nos serviços públicos, especialmente em
transporte coletivo, abastecimento d'água e saúde pública; a contaminação das
águas e do ar (outra consequência direta do abuso de veículos automotores).
Existem ainda outras formas de agressão estética, resultado de urna arquitetura
arbitrária, de estilos pessoais, sem autenticidade cultural; da desatada
competição comercial sem o menor sentido de responsabilidade estética; a falta
quase total de manutenção (a maioria dos prédios nunca foi lavada nem pintada);
e de uma ausência total de atenção para com o espaço público, como se pode ver
nessa mistura de dejetos, terra e óleo queimado que enche os espaços
"verdes" de caminhos e divisas que urbanistas ingênuos ou irresponsáveis
tracejam nos planos. Tudo isso findou por criar um "feio ambiente",
cuja origem cultural e histórica foi magistralmente descrita por Sebastian
Salazar Bondy em Lima la Horrible.
*
Observando a deterioração ambiental e a corrosão social no Peru, especialmente
em Lima, o autor — arquiteto e urbanista — esboça um projeto alternativo de
democratização real fundamentado sobre a descentralização do poder de decisão.
Surgem formas de organização da sociedade civil, substituindo as instituições
oficiais nos espaços locais.. Mais do que isso, a democratização da sociedade
implica mudanças muitas vezes radicais no estilo de vida pessoal e no coletivo,
a abertura de um novo político — o da comunidade local —, o apoio da autoridade
às iniciativas locais e uma pedagogia de participação que envolve cidadãos,
governantes e profissionais, porque está fundamentada numa realidade específica
intensamente vivida e cuidadosamente analisada. A problemática abordada pelo
autor alcança o universal.
O convívio com um cenário
semelhante degrada inevitavelmente o habitante urbano, mesmo quando haja
deixado de ser consciente de seus efeitos deprimentes, e talvez justamente por
isso. O efeito coletivo transmite-se à esfera do privado: a sujeira entra pela
porta da rua e cada dia parece menos importante a pintura das paredes, o reparo
de portas e janelas, a manutenção das instalações. Não é certo que esse
processo repressivo seja decorrente do empobrecimento coletivo dos peruanos. Há
coisas, conto o asseio e a limpeza, que custam pouco e muitas vezes não chegam
a ter implicações monetárias. Em todo caso, a degradação ambiental é um
fenômeno progressivo que se estende como um câncer e que finda por
"calcutizar" aquela que fora a orgulhosa "cidade jardim". È
difícil ter de admitir que atualmente Calcutá seja uma cidade mais limpa do que
Lima.
Na realidade, a
deterioração ambiental que se fez tão evidente na cidade e que constitui marca
de vergonha, quando se compara Lima com qualquer outra cidade de seu porte,
reproduz materialmente profunda corrosão social resultante da perda de
identidade de seus habitantes com relação à sua cultura, das frustrações
coletivas e pessoais acumuladas ao largo de anos de depressão econômica e
subdesenvolvimento político, da falta de sentido do serviço público extraviado
nos corredores da burocracia. Em grande parte, produ-to da corrupção que atinge
todas as unidades institucionais e que constitui o maior dos males nacionais,
subtraindo da organização social todo motivo de interesse coletivo.
A deterioração
ambiental de Lima é, na verdade, a expressão de profunda desmoralização
coletiva cuja superação requer corno condição essencial um projeto nacional que
reivindica o futuro com nova luz de esperança. Tal projeto nacional não
passaria de um escapismo da realidade não fora porque existe, apesar de
ocasionais contramarchas, um processo de democratização real da sociedade
peruana que alcança a escala do município, mesmo quando o subdesenvolvimento
político permite ampla manipulação. Nesse processo, democracia não pode ser
confundida com simples exercício eleitoral, senão se corre o risco real, como frequentemente
se comprova, que o sufrágio universal pode legitimar o uso ditatorial do poder.
A democracia representativa só pode ser entendida como o primeiro passo para
regimes de vida democrática onde a participação dos cidadãos ocupe
paulatinamente parcelas sucessivas de poder e substitua o paternalismo do
governo central.
Democratização
e descentralização
A democratização não é só um objetivo político.
É também componente indispensável do desenvolvimento, especialmente quando se
trata de utilizar recursos naturais e habilidade humanas insuficientemente
utilizadas. É por isso que o centralismo, sem dúvida indispensável nas
primeiras etapas do desenvolvimento, torna-se obstáculo à democracia. No Peru,
não há dúvida que o pais se asfixia num centralismo intolerável.
Mas mesmo no Peru a descentralização
tem importante conotação cultural. Até o momento, as regiões do país viveram
subjugadas por culturas hegemônicas, cuja dominação se apoiou na força. À
dominação das culturas inca e espanhola sucedeu, na etapa republicana, a
dominação da cultura criolla
(costenho-limenha). A cultura criolIa contemporânea
é a herdeira da burguesia secular que monopolizou privilégios sociais,
econômicos e políticos, mas não foi capaz de entender sua missão histórica como
elite dirigente na formação e consolidação do país, como o fizeram outras
elites oligárquicas no resto da América Latina. A elite peruana, longe de
cumprir seu papel locomotor do desenvolvimento nacional, monopolizou
privilégios, ignorou o país profundamente e impôs uma férrea ditadura cultural.
É por isso que a descentralização representa a liberação de forças sociais até
agora contidas e a criação de novos valores e padrões de conduta, ou seja, de
novos estilos de vida e novas formas de participação.
A participação popular
implica a descentralização do poder de decisão e a desconcentração do aparelho
administrativo do Estado. Um processo que no Peru está no início. Não é
necessário apenas transferir mais rendas e organismos (p. ex., os serviços de
abastecimento de água e eletricidade) para os municípios, é inadiável a criação
dos governos regionais como estabelece a Constituição de 1979. Esse processo
não termina com o estabelecimento de novas autoridades, embora eleitas pelo
voto popular. A experiência mostra que a descentralização não se dá por simples
decreto legislativo. E produto da luta das forças autônomas da sociedade civil
contra a vontade de dominação do poder central. A luta em que a participação
dos cidadãos excede o limite dos partidos políticos — que tambérn podem ser
centralistas — é o único caminho da descentralização e da democratização. A
descentralização está em marcha em forma independente do marco jurídico
consagrado e se manifesta na insurgência de novas formas de organização da
sociedade civil. Associações habitacionais, organizações vicinais, grupos auto gestionários
e outras organizações similares sem fins lucrativos e quase sempre precárias em
sua origem estão substituindo, de fato, as instituições oficiais que não têm
capacidade para atender as demandas dos grupos so-ciais para os quais não
existe oferta no mercado convencional, nem garantias suficientes na ordem
jurídica que amparem os grupos plenamente incorporados ao aparelho da produção
e do consumo.. O setor informal não só constrói suas próprias casas. Oferece
serviços ao setor formal e cria sistemas produtivos próprios, empenhando-se em
conhecer um marco institucional diferente do convencional.
Paradigmas
e estilos de vida
Desenvolvimento econômico, mudança cultural,
urbanização, democratização são "processos sociais" que se projetam
ao longo da vida da sociedade bem além da vontade e da capacidade de condu-ção
política de um só governo e de seus eventuais "projetos políti-cos".
Governar um país é contrapor processos sociais a projetos políticos próprios da
ideologia governante, mas produtos das conciliações do poder, da dialética
política e das "razões de Estado''. A forma normal de atuação do governo é
a intervenção, que em princípio orienta os processos sociais em função do
projeto político dominante. Quando o projeto político conta com o apoio da
sociedade civil e torna-se um compromisso com o país e não só com determinado
partido político, ganha consenso e converte-se em projeto nacional.
Processos sociais e
projetos políticos estão vinculados pelos "paradigmas sociais", por
visões coletivas geralmente vagas e difusas que a sociedade associa a seu
futuro e quer vê-las transpostas à realidade, mesmo quando sua origem pouco tem
de racional e de-liberado. Os paradigmas congregam muitas formas de fantasia,
suposições e preconceitos que fazem parte da bagagem cultural, mas que são
reflexo de frustrações coletivas, fracassos acumulados, anseios insatisfeitos.
Os paradigmas quase nunca são explícitos, apesar de se manifestarem por meio de
ideias-força capazes de mobilizar a ação coletiva como bandeiras de luta da
sociedade civil que podem ser empunhadas pelos partidos políticos.
Enquanto o projeto
político pertence à esfera de competência do Estado, a ideia de paradigma está
associada, em primeiro lugar, à sociedade civil. Quando o projeto político não
leva em conta os paradigmas sociais, seja para afirmá-los ou transformá-los, as
possibilidades de fracasso político podem ser grandes, mas é necessário lembrar
que se a sociedade está em contínua evolução, os paradigmas têm uma inércia
característica que se opõe à mudança. E as discrepâncias entre o dinamismo da
sociedade e a tendência estática dos paradigmas se resolvem sempre em termos de
crise. Isso acontece de forma muito evidente na sociedade peruana: a sociedade
se transforma rapidamente e os paradigmas sociais ficam totalmente obsoletos.
As possibilidades de
mudar os paradigmas sociais dependem da forma corno se tratam os estilos
pessoais e coletivos de vida, ou seja, das formas concretas adotadas pela
existência quotidiana. Enfrentam-se delicadas questões de confrontação e
conciliação de interesses individuais e coletivos e dos espaços onde ocorrem.
Num país como o Peru,
com profundas diferenças sociais, a democratização da sociedade implica
mudanças, muitas vezes radicais, nos estilos de vida de pessoas e grupos
sociais. Na década de 70, quando o centro de Lima foi ocupado por vendedores
ambulantes, subitamente se puseram em contraste dois estilos de vida tão
diferentes que para muitos parecia urna invasão. Na realidade, tratava-se da
invasão de Lima por uns peruanos diferentes, que a muitos fizeram a pluralidade
cultural de uma nacionalidade bastante mais artificial e aparente que a
verdadeira. Mas esses migrantes haviam trocado seu estilo de vida camponês e
provinciano por um novo estilo, o dos assentamentos precários da periferia,
distintos dos das favelas e dos bairros desvalorizados e, evidentemente, dos
bairros empobrecidos da classe média proletarizada pela crise eco-nômica. Para
não falar de bairros de classe média "média" e bairros burgueses, nos
quais as formas de vida e de entender o mundo são ainda mais diferentes. Parece
difícil encontrar uma unidade territorial menor que o bairro onde possam ser
notadas, de forma clara, as diferenças culturais.
Mas, ainda dentro do
bairro — célula do tecido cultural urbano — existe uma unidade territorial
menor que coincide com o alcance material de certos interesses comuns e
quotidianos, como os serviços comuns e alguns indicadores de bem-estar
material, como a tranquilidade, o aspecto de ruas e praças, etc. Trata-se do
espaço publico onde convivem os vizinhos da comunidade territorial que têm
casas numa mesma rua ou num pequeno conjunto de ruas.
Pedagogia
da participação
A organização e o
equipamento do território para adaptá-lo às necessidades sociais é algo que
somente se pode fazer de forma eficiente por aqueles que habitam e compartilham
o território da comunidade. O voluntarismo do técnico e o paternalismo da
autoridade, mesmo quando se trata da autoridade municipal, atuam corno forças
repressivas e inibem a potencialidade criativa da participa-ção. O papel da
autoridade tem de ser de apoio às iniciativas locais, de conciliação dos
interesses da pequena comunidade territorial com a grande comunidade da cidade
e do país; de arbitragem entre os interesses dos distintos grupos sociais que
podem vir a ser conflitivos entre si. Aqui, a planificação se converte em
diálogo e as técnicas de planejamento se transformam em instrumentos de
política, mas de política local, deixando de ser camisa-de-força para estimular
a imaginação e o suporte de novas capacidades. E no espaço político da
comunidade territorial que os interesses pessoais e os coletivos alcançam seu
ponto de maior aproximação e, portanto, onde a experiência política alcança
máxima intensidade. Mas esse exercício, denominado participação, requer ser
aprendido, e este aprendizado só pode ser feito pela conciliação de paradigmas
c estilos de vida diferentes. Mas que é a democracia senão a adequação de
interesses distintos?
É possível imaginar um
paradigma geral para Lima: uma cidade onde o dinamismo da metrópole moderna não
impeça formas de vida sossegadas (quanto mais agitada a vida pública, mais
aprazível deveria ser a vida privada). O que quer dizer, entre outras coisas,
trânsito organizado, supressão de ruídos incômodos (o machismo automotor se
apresenta de novo como um monstro que mata e que através do barulho altera a
estabilidade emocional das pessoas); disponibilidade de ambientes adequados a
diversas atividades (onde passar sem perigo e sem ruído em Lima ?); maior
oferta de serviços básicos (nem todos jogam golfe, mas necessitam de mercados
livres e protegidos da contaminação); eliminação da discriminação espacial (não
deveriam existir bairros onde a água só chega durante alguns dias e algumas
horas). Certamente ninguém se oporia a um paradigma que reconhecesse o direito
de qualquer pessoa, independentemente de seu ingresso e padrão cultural,
encontrar ambiente adequado que dentro de suas possibilidades permita plena
satisfação de seus interesses vitais, sem contradição com os interesses dos
demais habitantes da cidade. Mas nessa cidade ideal, inspirada no pluralismo
cultural, a preservação da qualidade do ambiente significa capacidade para
conciliar estilos de vida diferentes, dentro de normas civilizadas e
democráticas.
A preservação da
qualidade de vida urbana supõe mudanças de atitude dos automobilistas que
querem ver em cada rua uma pista de corrida, das pessoas que preferem
divertir-se a todo volume numa discoteca, dos anunciantes que deterioram a
paisagem urbana e das autoridades municipais interessadas em cobrar o direito
de anún-cio desses anunciantes e dos usuários das vias públicas, para conseguir
que o trânsito urbano volte a ser uma prática civilizada de toda a população,
para manter a cidade limpa. Mas tais mudanças são precisamente as que
resultariam da pedagogia da participação. E a participação não poderá ser
conquistada sem transferência do poder de decisão do governo central aos
governos locais, e destes, em diferentes assuntos e graus, ao bairro e às
comunidades de base.
A principio, os
governos municipais têm poder de arbitragem sobre os interesses dos distintos
grupos sociais que vivem na cidade, que não são unicamente grupos de cidadãos
com níveis semelhantes de ingresso, graus de educação e preferências culturais
pareci-dos, senão também grupos que representam diferentes interesses
econômicos, como os anunciantes que enchem a cidade de volantes e cartazes que
ofendem a paisagem urbana, e corno as indústrias — que enchem de fumaça e gases
a atmosfera. A função de arbitragem não é exercida cabalmente porque a
representação da população é feita por meio dos partidos políticos, que não
representam necessariamente os interesses vicinais. O espaço local da política
não parece de interesse, senão nas eleições dos partidos políticos; a ideologia
política, de direita e de esquerda, não se tem interessado pela política local.
Para que o poder de intervenção dos governos locais possa tocar de perto os
interesses da comunidade local, a representação política teria de ser feita a
partir de bases diferentes ou da modificação da práxis tradicional dos partidos
políticos. Para que haja participação será necessário que o poder de decisão
desça do poder central até não só a instância local (regional e municipal),
como também ao bairro e à comunidade territorial. Conseguir essa transferência
de poder parece utópico, mas utópico é também pretender que o processo de
democratização avance sem a participação da população.
A participação requer a
abertura de um novo espaço político, o da comunidade local. E no bairro, na rua
e na praça que a participação se torna exercício de autonomia c não resposta
interesseira (e portanto espúria) a iniciativas externas à comunidade,
geralmente concebidas como forma (demagógica) de ganhar a adesão popular. A capacidade
de iniciativa e a liberdade de escolher opções e propor soluções são
características da participação coletiva, que é poder de decidir e de assumir
responsabilidades. Sem tais características, a participação se converte em
forma dissimulada de dirigismo populista. Não se deve esquecer que o fascismo
usou amplamente a "participação" para conseguir a dominação da
sociedade civil por um Estado todo-poderoso. o mesmo que ocorreu em alguns
socialismos de Estado. Althusser, o revisionista francês do marxismo, disse que
quando o socialismo não se traduz em estilo de vida não passa de artifício
burocrático.
A ação social, a
atividade cívica das pessoas na rua, no bairro e na cidade não se improvisa,
pois requer aprendizagem, conhecimentos. Em primeiro lugar, as pessoas e as
comunidades têm de aprender a examinar suas próprias necessidades e
organizar-se para a decisão e a ação. Em seguido lugar, a população deve
adquirir certo conhe-cimento técnico para aproveitar o conhecimento dos
técnicos e recusar o voluntarismo ilustrado que "pensa" pela
população e substitui o povo em suas iniciativas. O conhe-cimento técnico deve
ser um dos ingredientes da decisão política, não seu substituto. Em terceiro
lugar, a população precisa estar disposta a aceitar responsabilidades
executivas e a renunciar ao paternalismo tradicional das autoridades.
Tudo isso há que ser
aprendido pela comunidade, pelos técnicos e pelas autoridades. E aprendido na
prática: aqui não há teoria. A pedagogia da participação é um exercício que
envolve os cidadãos, os governantes e os representantes da comunidade, os
profissionais que intervêm através de organismos públicos e empresas privadas
na gestão local; arquitetos, engenheiros, mestres-de-obras e demais
"trabalhadores profissionais do habitat".
Por isso qualquer forma
de participação da comunidade na organização e no equipamento de seu habitat
implica necessariamente: a) descentralização das decisões políticas e técnicas;
b) desenvolvimento de novas capacidades locais de iniciativa, poder de decisão
e organização executiva; c) desenvolvimento de alternativas tecnológicas dentre
as quais a comunidade possa escolher as mais adequadas à sua realidade local, a
seus padrões culturais e a seu meio ambiente natural; d) difusão de
"tecnologias de usuário" entre a população; e) formação de nova
consciência profissional democrática, sem voluntarismo e com respeito à
pluralidade cultural.
As duas últimas
condições resultam de um corolário democrático: a eficiência social de
artefatos e dispositivos materiais só é possível quando artefatos e
dispositivos são coerentes com as necessidades coletivas definidas pela mesma
comunidade. O que só resultará possível quando as práticas sociais que
intervierem nos processos de organização e equipamento do espaço social se
afastarem dos modelos tradicionais de planejamento e da tecnologia convencional
aplicada à habitação e aos serviços urbanos.
Esses modelos,
implícitos ao pensamento e à prática dos sistemas de formação profissional do
país, são transcrições diretas dos modelos imperantes nos países ocidentais
tornados como exemplo de desenvolvimento e alienados da realidade nacional, Esses
modelos teriam de ser repensados, em função de seu valor político, como
instrumentos do processo de democratização; sob pena de se reafirmarem corno
meios de dominação econômica, cultural e política.
A pedagogia da
participação deveria ser um dos componentes básicos da educação. No entanto, é
lamentável verificar que a escola e a universidade se afastaram dos conteúdos
concretos da vida e esqueceram sua função básica de socializar; de inserir na
sociedade razões e formas adotadas, na prática, pela organização social. Pouco
resta de tudo isso nos programas de educação básica que preparam o futuro
cidadão para a vida quotidiana. Pouco há nos programas universitários para
poder transmitir, junto com conhecimentos especializados, a consciência da
responsabilidade social do profissional, ao qual corresponde, dentro da
distribuição do trabalho de uma sociedade democrática, levar conhecimentos à
comunidade, não substituí-la em seu poder de tomar decisões políticas, especialmente
quando se trata de decisões locais.
Aqui reside o que
seguramente há de ser a pedra de toque na prática da democracia: a consciência
de que não existem tecnologias universais senão técnica, social e
ambientalmente adequada a cada realidade. Esse princípio e sua aplicação podem
converter aplicação de uma técnica habitual num exercício de política local. E
conciliar dois conceitos fundamentais para o avanço da civilização: democracia e tecnologia.
* Conheci Eduardo Neira
Alva em Caracas 1962 numa reunião clandestina em casa de um dirigente do
Partido Comunista Venezuelano. Participávamos ambos de um Congresso de
Urbanismo na Universidade Central de Caracas.
Eduardo Neira havia
sido presidente da União de Estudantes do Perú já então como militante do
Partido Comunista Peruano. Em apoio a revolução cubana viveu alguns anos
naquele país.
De lá decidiu voltar ao
Perú e militar legalmente vindo a ser consultor do Banco Interamericano de
Desenvolvimento em Washington. Como tal viveu vários anos no Brasil atuando
junto ao Projeto de Desenvolvimento Regional do recôncavo baiano.
Dados mais
pormenorizados dessa sua atuação podem ser encontrados no GOOGLE sob seu nome. O presente artigo foi o
ultimo que dele recebi antes de vir a falecer em sua querida Lima.
Frank
Svensson 2012.
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