Gunnar Gunnarsson -
(1889 – 1975). Pensador marxista sueco. Entre suas principais obras
encontram-se Os grandes utopistas; A Comuna de Paris; Gyõrgy Lukács; De Machiavelli
a Mao; O ideário da socialdemocracia;
Estética marxista. e História do fascismo.
Tradução: Frank
Svensson
A
filosofia -- criada do capitalismo ?
Durante a Idade Média,
a filosofia era ancilla fidei -- a
criada da fé. Durante o período de luta revolucionária da classe burguesa, a
filosofia foi -- com representantes como Descartes, Spinoza Locke, Diderot,
Voltaire, Montesquieu, Helvetius e Holbach um arsenal para o progresso social e
humano. A propaganda da visão de mundo feita por esses pensadores baseava-se,
em parte, em ilusões, mas elas eram necessárias e úteis ao desenvolvimento, ao
processo histórico. Essa filosofia apregoava o progresso por meio do
capitalismo, por meio da nova técnica e da nova ciência, mas criticava todas as
contradições e distorções possíveis de serem detectadas na própria sociedade
burguesa com relação a desenvolvimento.
Em sua luta contra o
feudalismo, a burguesia servia-se dos ideais da Antiguidade na política, no
direito e na cultura. No centro dessa idealizada formação estava a ideia,
oriunda do pensamento grego, de um desenvolvimento harmônico da personalidade.
As grandes figuras da Renascença -- Leonardo da Vinci, Albrecht Dürer, Leon
Battista Alberti ... -- queriam um desenvolvimento máximo das forças
produtivas, porque tal desenvolvimento, no entender deles, equivalia ao
desenvolvimento das aptidões produtivas das próprias pessoas. Seu ideal de uma
humanidade harmônica pressupunha o domínio de homens livres sobre a natureza,
numa sociedade livre.29
Quanto mais os efeitos
da divisão do trabalho capitalista e da especialização se evidenciavam, tanto
mais claro ficava que o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas
entraria em contradição com o ideal genérico de uma humanidade em harmonia. Já
o período manufatureiro tornava o trabalhador um estreito especialista de uma
só tarefa, e o aparelho de estado de então, tendo a monarquia absoluta como
precursora, começava a transformar seus empregados em desalmados e mecanizados burocratas.
30
Os principais
pensadores do Iluminisrno já experimentavam essa contradição no desenvolvimento
das forças produtivas, pelo qual lutavam. Assim exclama o professor de Adam
Smith, Ferguson, já em 1767 em sua obra: History
of Civil Society:
Somos uma nação de helotes, e não existem
mais cidadãos livres entre nós. 31
Na manufatura perde-se
a personalidade humana a oficina não é outra coisa senão uma máquina cujas partes são os homens.32 Mesmo Adam Smith salienta que a habilidade do
trabalhador setorizado é adquirida à
custa de suas virtudes intelectuais, sociais e guerreiras.33
É
surpreendente o fato de essa crítica da divisão capitalista do trabalho, por
parte dos filósofos do Iluminismo, vir a par com uma enérgica propaganda em
favor de um desenvolvimento das forças produtivas, cujo momento negativo é
justamente essa divisão do trabalho, com desoladores efeitos sobre a
personalidade! Esse conflito é da maior importância para a crise do ideal de
personalidade durante o período da decadência capitalista.
Já apontamos duas
saídas para essa crise. Uma delas é, na prática, tornarmo-nos francos
apologistas do capitalismo, desconsiderando as desarmonias e aceitando os seus
resultados destruidores da personalidade, e na teoria estabelecermo-nos com
todo conforto acima da confusão da luta, ostentando uma fachada
humanista-classicista sem vida.34
A outra é fazermos como
os anticapitalistas românticos: recuar de uma realidade mais e mais repugnante
e construir utópicas soluções aparentes de um futuro mais ou menos
problemático. São caminhos já trilhados pela cultura comum, oficial e protegida
do Estado -- veja-se, por exemplo, a utilização feita pelo nazismo daquela
filosofia selvagem e adepta da brutalidade que tem Friedrich Nietzsche como seu
principal precursor -- por uma Renascença
brutalizada, por uma cultura antiga
conservada em museus sob a forma de coisas
valorizadas.
Os escritores e
pensadores de real valor que vivenciaram esse trágico dilema também não
conseguiram resolvê-lo, enquanto se mantiveram dentro dos limites do
capitalismo. Os pensadores do Iluminismo ainda podiam nutrir ilusões quanto à
possibilidade de conciliar modo de produção burguês com desenvolvimento
harmonioso da persona-lidade. Os clássicos alemães, cuja atividade, em grande
parte, decorreu após a Revolução Francesa e a primeira vitória do sistema
econômico, já sabiam que a solução tinha de ser buscada fora dos limites da
sociedade capitalista. Mas como as forças que na história real irão superar o
capitalismo e suas consequências -- classe obreira, com sua consciência
socialista -- mal começavam a surgir, a solução tinha de limitar-se à forma de utopia.
Como György Lukács bem
observa em seu estudo Goethe und sein
Zeit (Goethe e seu tempo), que com suas novelas sobre Werther e,
notadamente, sobre Wilhelm Meister foi decisivo para a evolução do romance
burguês moderno, coloca o problema realisticamente.35 Ele
era bem consciente da dissociação da pessoa moderna:
De que me adianta fabricar bom
ferro,. afirma em Os anos de ensino de Wilhelm Meister -- , se o meu intimo
está cheio de borra? E de que me serve
pôr em ordem uma grande fazenda, se estou dividido dentro de mim mesmo?
36
Ele vê claro também
como a desarmonia do homem moderno está ligada à situação da sociedade
burguesa:
Um burguês pode conseguir vantagem
e, a duras penas, educar o seu espírito; mas perderá a sua personalidade,
independentemente do que faça .... Ele não consegue perguntar: o que és?, mas
só: o que possuis? quais opiniões, quais conhecimentos, quais aptidões, quantas
propriedades ...? Para se tornar útil, tem de desenvolver aptidões especiais, e
pressupõe-se que nenhuma harmonia pode existir, pois para se tornar útil de uma
forma terá de sacrificar a outra.37
É à luz de sua
compreensão da situação de vida do homem moderno que devemos ver a elevada
consideração dos escritores desse período pela atividade artística, pelo belo
artístico. Essa atividade e essa beleza eram para eles não só um meio para
superar a desarmonia, mas também a expressão da harmonia humana perdida. Ocorre-nos,
no mo-mento, a poesia de Hõlderlin Às
parcas, na qual isso ganha a mais bela forma:
Ó
alma que vaidosamente lutaste pelo direito de ser deus, no mundo das
sombras não encontras descanso; no
entanto, a minha obra primeiro se completou, e a
poesia, a sagrada, uma vez deu certo.
Benvinda então, ó paz de pálidas
sombras! Feliz
me vou, mesmo se minha lira para
baixo não me conduz, feliz: pois já uma vez com
os deuses me pareci, e mais não necessito. 38
A harmonia artística não é, portanto só a expressão de uma pessoa à
semelhança dos deuses, mas também o meio
pelo qual a dissociação interna das pessoas é superada. Não deve ser
difícil ver o utópico desse entendimento.39 Se
julgamos que o sentimento de uma vida dissociada pode ser superado em nosso
mundo subjetivo, abdicamos de resolvê-lo no mundo objetivo, no ambiente
capitalista, que é onde ele se radica. É uma solução ilusória e idealista. Até
a teoria da arte de Kant que a via como um folguedo desinteressado, e, depois
dele, a de Schiller são -- ao mesmo tempo em que informam a emancipação da arte
de pretensões feudais e absolutistas -- expressões do idealismo da literatura e
da filosofia clássica alemã: querem mudar a alma das pessoas, não o meio social
concreto em que vivem.
Esse idealismo era, no
entanto, uma etapa necessária na evolução do pensamento. Sua grandeza reside na
sua eminente recusa às negativas consequências da desolação humana ocasionada
pelo capitalismo. O ataque de Hõlderlin a essas consequências destrutivas tem
visos de profecia, depois que testemunhamos a extrema brutalização do sistema
capitalista na catástrofe do fascismo. Atente-se
Não posso imaginar um povo mais
dissociado que o alemão. Vemos artesãos, mas não homens, pensadores, mas não
homens, padres, mas não homens, senhores e servos, jovens e velhos, mas não
homens - parece um campo de batalha, onde mãos, e braços, e todos os membros,
decepados, jazem desordenadamente, enquanto o sangue se esvai na areia?
40
Com esse clássico período artístico, caiu a ilusão de
poder criar um homem harmônico como base para uma cultura puramente estética. O
sonho resignado de Schiller em Briefe über
ästhetische Erziehung (Cartas sobre formação estética) de um estado da bela
aparência, concretizado em:
... alguns poucos e selecionados
círculos, onde não o arremedo de hábitos estranhos, mas onde a natureza própria
e bela regule o comportamento, onde o homem, com audaciosa ingenuidade, calma e
inocência, resolva as mais complicadas situações sem necessitar transgredir a
liberdade alheia para afirmar a própria, ou abdicar de sua dignidade para
proporcionar prazer. 41
também se esvaziou. Já
Hegel considerava que uma solução para o problema da harmonia, no sentido de
Goethe e Schiller estava excluído:
...
“o espirito universal” ultrapassou inexoravelmente a esfera estética em busca
de outros objetivos; o domínio da prosa está assegurado..
42
A prosa eram as novas e enfumaçadas fábricas, o trabalho de crianças
e mulheres, a miséria nos bairros proletários e a riqueza e o luxo da minoria
de vulgares novos-ricos nos píncaros da sociedade. A figura de proa do moderno
romance realista, Balzac, mostra em seus romances, de forma inexorável, quase
cínica, como a sociedade capi-talista, com férrea necessidade, gera desarmonia
e asco em todas as manifestações humanas. Pessoas harmônicas só comparecem em
seus romances como exceção, e não como típicas. Uma situação que corresponde à natureza da sociedade capitalista em seu
estágio avançado. A harmonia humana
simplesmente pode ser conseguida dentro dos moldes dessa sociedade.
A filosofia do progresso burguesa marchou rumo a uma rápida
deterioração. Transformando-se em apologética, degenerou-se numa simples
propagação da utilidade. Apresenta-se
assim na obra de Jeremy Bentham, o fundador do utilitarismo. Marx demonstrou em detalhe, como tanto a critica
romântica do capitalismo como a ideologia burguesa do progresso desembocam numa
covarde, desestruturada e debochada burguesia. A única diferença entre Bentham
e Carlyle consiste no tom sóbrio do primeiro e na esfuziante retórica do
segundo.
A forma cientifica da
qual essa debochada burguesia se reveste é o ecletismo. A lamuriosa excitação
do burguês de conveniência entre posições opostas, ou na sua tentativa de
desculpar-se ou de superar ambas, constitui a essência do ecletismo, ainda que
ele queira aparentar uma condição de critico
ou mesmo revolucionário.
Especialização
e ciência
A especialização na
moderna ciência é especifica da divisão capitalista do trabalho. Parece ser
aceita como um inevitável destino do
nosso tempo. A moderna ciência tornou-se tão abrangente, diz-se, que uma só
pessoa não é capaz de abarcar toda a sua área. Mas com tal argumento eliminam o
mais importante da questão. Gyõrgy Lukács, que tratou minuciosamente do
problema da decadência ideológica, observou, entre outras coisas, que o motivo
por que a moderna ciência não foi além da limitada especialização não se
encontra na abrangência externa da moderna ciência, mas na ten-dência do
desenvolvimento das ciências sociais. A decadência ideológica expressa-se no
sentido de isolá-las, impedindo a interação das áreas de trabalho e
conhecimento, obstando assim um maior enriquecimento das mesmas.
A sociologia é isolada
da economia e vista como ciência específica. O pesquisador burguês crê obter
conhecimento das leis do desenvolvimento social à revelia da economia.
Trata-se, isso sim, de um deslize apologético, pois, segundo O Capital, de
Marx, é impossível negar a contradição fundamental do sistema econômico
vigente, entre capital e trabalho, sendo que esse antagonismo comparece na luta
de classes como lei básica do desenvolvimento social - se analisamos isso em
sua relação com a economia. Mas é justamente a luta de classes que se quer
ignorar, por não corresponder à construção apologética da harmonia. E por isso
que, na pesquisa social burguesa, se separa a sociologia da economia.43
Pela mesma razão
a sociologia da história; se o sistema capitalista for relativizado
historicamente, teremos de reconhecer o seu desaparecimento.
Racionalismo
e irracionalismo
Maxim Góorkij
demonstrou que a contradição entre racionalismo e irracionalismo é a expressão ideológica de impotentes
tentativas de revolta contra a imposição da divisão capitalista do trabalho e
principalmente contra a cisão do trabalho em físico e psíquico. 44
O racionalismo extremo capitula incondicionalmente ante a simples
existência do capitalismo, aceitando as imposições de sua divisão do trabalho.
O irracionalismo, por sua vez, não
passa de um confuso, vazio e débil protesto contra tais imposições. E tem forte
presença na decadência da filosofia, da ciência e da literatura, precursoras do
fascismo. Gyõrgy Lukács, num brilhante trabalho: Die Zerstõrung der Vernunft (A destruição da razão), analisa em
detalhe essa função do irracionalismo. O irracionalismo ganha cedo -- observa
Lukács -- um lugar na apreciação histórica
da realidade. O historicismo é um dos grandes ganhos do pensamento
progressista burguês. Em Hegel -- o último dos filósofos construtores de
sistemas da burguesia --, o pensamento da evolução histórica comparece ainda em
roupagem idealista e metafísica:
O grande conteúdo da história
mundial é ... racional e tem de ser racional; uma vontade divina domina o mundo
e ela não pode ser tão débil que não possa decidir o grande conteúdo.45
Trata-se de uma
formulação metafísica, até mesmo teológica. Mas tem um quê de verdade,
indispensável a qualquer enfoque histórico: podemos
conhecer algo sobre os acontecimentos históricos e saber que eles seguem leis
racionais reconhecíveis. Liga-se a isso o fato de que Hegel, ao aplicar sua
visão histórica, era bem mais realista do que em seu raciocínio abstrato: muito
do que escreveu ainda hoje não foi superado como verdade. A ideia do
desenvolvimento -- mesmo em roupagem idealista, como o movimento racional e necessário da Ideia absoluta 46
--
é a base do seu entendimento da história, e constitui desde então o cerne de
toda história progressista. Essa ideia do desenvolvimento compareceu antes em
distintos pensadores, mas é primeiro com o método dialético de Hegel -- o desenvolvimento move-se por contradições e
pela luta das mesmas -- que ganha a sua real amplitude.
Depois que Darwin
defendeu o aspecto biológico do desenvolvimento e localizou o homem no seu
contexto natural, restou a Marx concretizar a sua natureza social, escoimar a especulação histórica e social de seus
elementos idealistas e pôr a dialética -- que em sua forma hegeliana,
idealista, estava de cabeça para baixo -- sobre seus pés, conferindo-lhe o seu
conteúdo materialista. A história não é o registro das ideias independentes,
livres do desenvolvimento terrestre, mas
a crônica das condições materiais de vida e do modo como condicionam a consciência
humana.
É no marxismo que o
enfoque histórico alcança a sua formulação científica. É certo que ainda existem
clarividentes historiadores burgueses, os quais, sob a influência de ideias
marxistas e sob a pressão dos fatos, enriquecem a ciência histórica. Através da
tradição do Iluminismo e da grande revolução antiautoritária, a cultura
francesa, ainda durante o período da decadência burguesa, tem podido, com
grande proveito, participar do desenvolvimento das ciências da história.
Henri Pirenne, em sua
obra sobre a Idade Média, procurou inserir também, com grande sucesso, a
história econômica numa visão global, mesmo carecendo da base metodológica do
marxismo e sem excluir traços do ecletismo. Podemos citar ainda obras como as
de Henri Sée sobre o surgimento do capitalismo, de Aulard, Mathiez, Soubol e
Rude sobre a Revolução Francesa, ou a de Jacques Pirennes: Les grands courants de l’histoire universelle.47
Mas em grande parte a
observação histórica não goza de maior popularidade no mundo do capitalismo
decadente. A história mostra que aquilo que se ergue também decai, que as
diferentes formações socioeconômicas sucedem-se umas às outras e que a luta de
classes é a parteira do novo. A classe burguesa não quer reconhecer a
necessidade de o seu domínio ter um fim. Em consequência, renega a sua própria
maneira de pensar, renega as leis e a razão da história. Filósofos como
Windelband e Rickert põem-se à disposição com uma filosofia que tem como função
demonstrar que a história não é uma ciência que obedeça a leis, mas serve
apenas para estabelecer das Einmalig,
aquilo que só acontece uma vez. 48
No extremo desse
anti-historicismo estão os principais ideólogos do fascismo: Bãumler, Rosenberg
e Krieck. Em vez de um historicismo baseado em leis comuns a uma história universal que concerne a toda a
humanidade, apresentam uma maneira isolada de pensar:
Cremos hoje, diz Rosenberg em “Mythos
des zwanzigsten Jahrhunderts” (O mito do século), que não existe uma história
mundial no sentido do termo, mas somente a história de distintos povos e raças.
49
Esse pensamento
formula-se em direção ao mais puro anti-historicismo, substituindo a visão histórica pelo mito racista. No caso da raça,
na realidade não existe história, pois as propriedades raciais fundamentalmente
não podem ser modificadas, mas somente ser levadas
em conta, ou modificadas e até mesmo anuladas, através da influência de outra raça. A raça pode
apresentar variações de aparência, mas na essência é sempre a mesma. O
essencial da existência não está disponível para a razão humana. -- a dedicação
ao inescrutável (não confundir com
aquilo que ainda não se conhece) é o que distingue a visão de mundo nazista da
filosofia superficialmente
racionalista e científica, cujo principal saco de pancadas é Hegel.
Depois que os EEUU
assumiram o papel do império alemão e da velha Rússia tzarista como gendarmes do mundo, para a manutenção do
status quo. o quartel general foi
transferido para o outro lado do Atlântico, e o anti-historicismo passou a ter
os seus mais influentes representantes em antiheguelianos e antimarxistas como
Popper e seus imitadores.
A capitulação da
ciência burguesa frente a ímpetos apologéticos é tão manifesta como a queda de
Hegel até Rosenberg é estonteante. A mesma infiltração irracionalista é
observável também no debate filosófico mais recente.
Neokantismo
e bergsonismo
Agora não se trata de
doutrinas puramente fascistas, mas de sutis e pseudocientíficos precursores: o
neokantiano Bergson, bem como os vitalistas
e fenomenólogos alemães.
Logo antes da Primeira
Guerra Mundial, a filosofia burguesa limitava-se a combater o materialismo com
uma palavra de ordem: Retornemos a Kant!
O neokantismo não devia restringir o
grau de interpretações metafísicas e religiosas, de que a burguesia necessitava
para ancorar tecnicamente o seu domínio numa lei divina, numa santa verdade
ou em valores eternos. Por outro
lado, o desenvolvimento das ciências naturais, das quais o sistema de produção
burguês dependia, ficava garantido. Heinrich Rickert resolveu esse problema
anunciando, juntamente com Wilhelm Winband, dois diferentes métodos de
pesquisa, um generalizante, para as ciências naturais e outro indivi-dualizante, para as ciências da cultura. Consoante essa
teoria, a consideração causal só é válida para as ciências naturais (as
ciências nomotéticas), enquanto que
as ciências da cultura (ideográficas)
-- principalmente a história e as ciências sociais -- têm a ver com o não
causal, o ocasional, aquilo que só acontece uma vez.50 Através dessa divisão
metodológica da ciência, o neokantismo abriu caminho para correntes
irracionalistas e místicas do pensamento burguês.
Sob a influência dessas
correntes, o neokantismo sofreu mudanças. A catástrofe da Primeira Guerra
Mundial, a vitória da Revolução de Outubro na Rússia, os movimentos
revolucionários na Europa Central, e a derrocada do império colonial capitalista
-- ou seja, o primeiro grande colapso capitalista -- despertaram na burguesia a
necessidade de uma metafísica e de uma mística mais consistentes. O neokantismo
não podia trilhar os novos caminhos de todo o coração. Rickert criticou os
movimentos cujos novos caminhos ele mesmo havia preparado: o vitalismo, o
existencialismo etc. A especulação neokantiana, dado o seu caráter dualista,
mostrou-se dotada de imensas possibilidades de apropriar-se do irracionalismo.
Separando a teoria da
prática, Rickert, ao mesmo tempo em que defendeu a integridade do pensamento
científico, puramente teórico, concedeu maior espaço à metafísica e à mística
na prática. Isso aconteceu com o apoio de uma nova divisão, agora entre filosofia científico-formal, e visão de
mundo. Aquilo que não é permitido na filosofia é permitido na visão de mundo.
Rickert pode, portanto, na filosofia, conservar a sua face anti-metafísica e
atacar os fenomenólogos e existencialistas, ao mesmo tempo em que, na sua visão
de mundo, exige uma metafísica que não só pode como deve abdicar do uso da
razão! 51 O neo-kantismo acaba como uma filosofia da
adaptação, na medida em que Rickert mais tarde se declara abertamente favorável
ao fascismo. 52
Enquanto o neokantismo
segue um caminho tortuoso e difícil, o filósofo francês Bergson confessa-se
abertamente irracionalista. 53 Atribui à inteligência, como órgão do
conhecimento, um papel secundário em relação à intuição, cuias raízes se
estendem até ao instinto, com ajuda do qual alcançamos a verdadeira essência
das coisas, o caudal eternamente fluente -- la
durée -- que continuamente cria algo novo.
O bergsonismo é a segunda linha de defesa na luta da
filosofia burguesa contra o materialismo histórico e dialético. Uma luta que se
aguça primeiramente com a vitalismo
alemão, o qual tem afinidades tanto com Nietzsche como com Bergson. Assim, o
pensamento de Georg Simmel parte de um valor próprio da vida: o pensamento, a razão -- o espírito, para usar a sua terminologia -- situado acima de todos os
rígidos conceitos, reduzindo-o a simples meio a serviço da vida. E a vida, identificada com a própria vivência, é em si o
valor maior. Essa filosofia é aprofundada
por Max Scheler, que na vivência subjetiva só vê uma ressonância da vida
autêntica, que se manifesta em atos ligados a objetos, tais como amor ou ódio.
A
filosofia vitalista e a vida
O
vitalismo é uma expressão da banalização do pensamento que
caracteriza a burguesia durante o período da decadência. Em sua concepção refletem-se
confusamente as dissociações oriundas da real divisão do trabalho: entre
trabalho corporal e trabalho espiritual, entre o físico e o psíquico, entre
razão e sentimento, entre reflexão e instinto, entre vontade e impulso, como um
conflito metafísico entre espírito e vida. Deslocando esse conflito para a
esfera da própria existência, escapa-se de qualquer responsabilidade de
resolvê-lo na esfera concreta do social.
Em vez disso,
contrapõe-se a vida ao espírito, o irracional e o místico ao
racional e ao lógico, sentimentos primitivos ao pensamento humanista. Quanto
mais sem sentido, quanto mais irracional o sistema capitalista se mostra, tanto
mais ansiosos são os filósofos apologistas por glorificar o sem sentido e o
irracional como a essência da vida. Quanto mais as contradições do capitalismo
se agravam, quanto mais brutal se torna a exploração do proletariado e dos
povos dominados, tanto mais ciosos ficam os apologistas de ancorar
metafisicamente a opressão na vida como tal. Max Scheler, por exemplo, é bem
consciente do aumento da miséria e do sofrimento humano durante o período
imperialista, mas está pronto a desculpar tamanho sofrimento, afirmando que
seria lucrativo quando:
... crescendo o volume e a
qualidade do amor da oferta, liberam-se também sentimentos de secreta
bem-aventurança, que mantêm [o homem] incólume ante as crescentes dores e eleva
a alma acima delas ...
como escreve em Vom Sinn des Leidens (Do sentido da
dor). 54 Noutro contexto, esse sonhador sábio de
escrivaninha fala da rara,
claro-embaçada, suave-dolorida, gozo-sofrida condição da vítima.55
Isso antecipa a
doutrina fascista do sacrifício, que exige tudo em favor do povo -- seja, do sistema dominante -- e
do líder, mesmo se por outros
motivos. Em nome da vida, tudo se
torna o contrário, inimigo da vida, como valor e norma de um sistema social
bestializado.
O fato de aqui
tratarmos de uma apologética do capitalismo não contradiz o tom anticapitalista
e antiburguês com que essa mística filosofia de vida e de sacrifício é
apresentada, tom esse que mostra que tal filosofia não passa de uma das
derivações da forma indireta e traiçoeira de defesa ideológica do capitalismo,
que é a sua crítica romântica. O próprio Scheler acentua que ele se volta
contra o espírito capitalista, não
contra o sistema capitalista nem contra a classe burguesa. Esse espírito, ele via-o corporificado na
moderna filosofia positivista -- portanto, no extremo oposto do irracionalismo,
a acachapada e interesseira derivação do racionalismo -- no pessimismo
wagneriano e schopenhaueriano, e na biologia moderna utilitarista.
Em contradição a
Spencer, o qual em vida buscava uma
concordância entre relações internas e externas", Scheler salienta a
vida como atividade. Liga-se assim a Nietzsche, que define a vida como uma existência que só pode acrescentar ou “diminuir”,
mas que nunca busca uma simples e passiva “permanência". Aquilo que
Scheler chama de ideal do homem moderno,
do burguês moderno, do pesquisador e do artista modernos são, segundo ele,
valores de um tipo de homem em extinção.
Vidas em declínio, diz
Scheler referindo-se diretamente à crescente pretensão de objetividade da
ciência burguesa, em Vom Umsturz der
Werte (Da subversão dos valores),
irão sempre, mesmo se “ornadas com aparente razão objetiva”, marcar toda a vida
orgânica em correspondência a seus “valores fundamentais”.56
Esses valores
fundamentais são: disponibilidade, submissão, medo, que fazem parte da sagacidade, da cautela, da sabedoria, da
economia e demais virtudes da população -- ou seja, daquilo que Spencer e os
biólogos seus seguidores supuseram como lei da vida orgânica: adaptação e subsistência.
A ideologia que Scheler
aqui enfrenta é naturalmente burguesa. É a visão de mundo da classe burguesa
durante o que se pode denominar de capitalismo consumado, no período pré-imperialista. Nesse tempo, quando se
consolida o poder do capital, a classe burguesa tinha necessidade de -- uma
ideologia liberal, de fé no
progresso, em um desenvolvimento uniforme e numa sociedade harmônica. Ao mesmo tempo, a realidade do sistema começou a se
revelar, minando a ingênua crença numa infinita prosperidade social, econômica
e cultural sob a égide da classe burguesa: esse o pano de fundo do seu
pessimismo.
A frustrada revolução
de 1848 é o ponto de virada, e a filosofia de Schopenhauer é a senha de união
dos burgueses derrotados, desconfiados e desiludidos.
O imperialismo que
surgia na passagem do século, exigia um novo posicionamento. Implicava em
enorme concentração de capital nas mãos de uma reduzida minoria da classe
dominante, num colossal acúmulo de riqueza num dos extremos da sociedade e num
incremento da miséria material e espiritual no outro. Significava, por um lado,
uma exploração da classe operária e das massas trabalhadoras dos povos
colonizados dantes nunca vista, e por outro lado, o luxo parasitário de uma minoria
em desaparecimento nos Estados capitalistas mais industrializados.
As contradições da
sociedade capitalista apresentavam-se mais irracionais, rudes e sem sentido do
que nunca. A burguesia necessitava de uma filosofia capaz de justificar a falta
de sentido, a desfiguração, a crueldade no mundo capitalista. Essa é a função
ideológica da filosofia de vida, a
verdadeira razão do irracionalismo.
Seu anti-capitalismo e antiburguesismo, volta-se contra uma ideologia burguesa
caduca, que já perdera a sua função -- e não contra a burguesia em si ou contra
o seu imperialismo. Durante a Primeira Guerra Mundial, os vitalistas,
principalmente Scheler, como fanáticos adeptos do imperialismo do Kaiser, da
mesma forma que Bergson na França, não proferiram uma só palavra contra a
burguesia de seu pais.
N
o t a s :
29
Compare a elevada admiração que Marx e Engels expressaram pelo Renascimento.
30
Compare, quanto a esse desenvolvimento, Erich Fromm: Flykten fran friheten (O medo da liberdade), Estocolmo, 1945, e
Gyõrgy Lukács: Marx und Engels als
Literaturhistoriker (Marx e Engels como historiadores de literatura),
Berlim, 1947, e principalmente o ensaio Volkstribun
oder Bürokrat (Tribuno do povo ou burocrata?). Ver também
Henryk Grossman: Die gesells-chaftlichen
Grundlagen der mechanistischen Philosophie und die Alanuhaktur. em
Zeitschrift für Sozialforschung, 1935 e Nordal Akerman (red): Byrakratin - ett niidvãndigt ont? (A burocracia - um mal
necessário?). Estocolmo, 1973.
31
Citação a partir de Marx: O Capital,
vol I. p.321.
32
Marx: O Capital, vol. I, p. 329. 33
Ibidem, p. 329.
34
O auge desse desenvolvimento foi o propagandístico fachadismo de uma
arquitetura megalomaníaca, bombástica e pseudoclássica; uma heroizante
pseudo-antiga pintura; e uma ostentação musical pseudo-wagneriana -- como
anteparos da realidade de Maidanek e Auschwitz.
35
Gyõrgy Lukács: Goethe und seine Zeit
(Goethe e seu tempo), Berna, 1947.
36
J. W. Goethe: Wilhelm Meisters lãroar
(Anos de viagem de Wilhelm Meister). Estocolmo, 1931, vol. II, p. 15.
37
Ibidem pp. 15 e 16. Comparar com a descrição que Schiller faz da dissociação do
homem moderno: Eternamente manietado a
uma pequena porção do todo, o homem atualiza apenas uma pequena fração de suas
potencialidades; eternamente com os ouvidos invadidos pelo ruído da roda, que
ele faz girar, não desenvolve nunca a harmonia do seu ser, e em vez de
caracterizar a humanidade de sua natureza, torna-se tão somente a impressão de
sua profissão, de seu conhecimento. Da formação estética do homem, p. 40.
38
Tradução sueca de Romantismo alemão,
Estocolmo, 1929, vol. II, p. 15.
39 Comparar com Tegnér: A harmonia entre a natureza e o homem já foi extinta, de uma vez por
todas, na tendência de nossa formação. O olhar livre e alegre dos velhos so-bre
o mundo, voltou-se para dentro do abismo de nossos corações. Não uma harpa que
soa à luz do sol, mas um alaúde tocado à noite, é a nossa poesia, Esaias
Tegnér: Brev, i urval (Cartas
escolhidas), Estocolmo, 1947, p. 39.
40 Friedrich Hólderlin: Hyperion, Zurique, 1944, pp. 243-244.
41
Friedrich Schiller: Da formação estética
do homem, p. 182.
42 A moderna indústria deturpa a própria apreciação
romântica da natureza. Quando Tieck viajou à Inglaterra, não conseguiu fruir da
contemplação da natureza, pois com a
indústria, ela tinha sido despojada de sua aura poética. Brandes: Hovedstrõmninger (Tendências capitais),
vol. II, p. 126. (Brandes não faz justiça a uma apreciação romântica que não
pode ser reduzida a admirar o luar).
43
Gyórgy Lukács: Karl Marx und Friedrich
Engels ais Literaturhistoriker (Carlos Marx e Frederico Engels como
historiadores de literatura), Berlim, 1948, p. 125426.
44 Maxim Górkiy: Die Zerstõrung der Personlichkeit (A
destruição da personalidade), Dresden, 1922.
45
G. W. Hegel: Fórnuftet i historien (A
razão na história). Estocolmo, 1919, p. 25. - É uma infelicidade que a
autocrítica alemã em face à Segunda Grande Guerra, classifique Hegel como precursor do nazismo; ver, por exemplo,
A. Demal: Wurzein der nazistischen
ideologie in, der Philosophie Hegels (Prenúncios da ideologia nazista na
filosofia de Hegel), em Einheit 2:1947. Uma avaliação mais correta de Hegel é
feita por Lukács em: Schicksatswende (A virada do destino) Berlim, 1948.
46
Ibidem, p. 123. Além dos estudos sobre
Hegel feitos por Marcuse e Lukács, observamos que, a partir do enfoque burguês,
a defesa da sua honra é feita por Fiundlay em: Hegel, a reexamination (Hegel, um reexame) Londres, 1970.
47
Henri Sée: Les origines du capítalisme
moderne (As origens do capitalismo moderno); Jacques Pirenne: Les grands courants de l'Histoire
Universelle (As grandes correntes da História Universal) I-IV, Neuchâtel,
1945: As tendências apologéticas na pesquisa histórica podem ser vistas segundo
as tendências principais seguintes:
1) O fato histórico é visto com
um propósito nitidamente apologético em defesa da forma social reinante:
Treitschke, von Below, Westphal. --
Ver D. Sandberg: Über die Tãtigkeit der
deutschen Historiker in der Epoche des imperialismus (Sobre a função do historiador
alemão na era do imperialismo), IL 8/9:1945. Sobre Ranke, a escola prussiana, e Treitschke, entre outros, G. P. Gooch: History an Historian in the Nineteenth
Century (História de um historiador no século XX), Londres, 1967.
2) O fato histórico decompõe-se
num emaranhado de empirísticas pesquisas de detalhes, a partir das quais se
opina que o inter-relacionamento das leis históricas é metafísico e destituído de objetividade. Esse tipo de apologética empírica
vulgar tem sua origem nos EEUU. Compare com G. Alexandrov: Über die modernen biirgerlichen Theorien der gesellschaftlichen neigung
(Sobre as tendências da moderna teoria social burguesa). Lewis Mumford, em A condição humana. Estocolmo, 1948, é
exemplo de como essa forma de escrever história, quando procurar tirar
conclusões genéricas da matéria empírica; acaba caindo na mais franca
apologética. De um enorme acumulo de informações sobre a história do homem
europeu ocidental, Mumford não deduz nenhuma alternativa para sua atual
situação a não ser um -- naturalmente utópico -- neoliberalismo baseado num
capitalismo reformado e simplificado! Compare-se com a teoria de Eric Johnston
sobre o capitalismo popular numa
América unlimited.
3) O fato histórico é resumido
numa eclética sínteseem que história
econômica e social são reunidas, sem uma análise concreta da inter-relação das
mesmas, numa história geral: Henri
Sée.
Sobre
essa problemática em sua totalidade, ver Friedland: Marxismus und westeuropaische Historiographie (Marxismo e a historiografia
da Europa ocidental); UdBM Arnold Ljungdal: Marxismens
vãrldsbild (A visão de mundo do marxismo), Estocolmo, 1947 (principalmente
137-285): Ernst Troeltsch: Der
Historismus und seine Probleme (0 historicismo e seus problemas), Tübingen,
1922; Erik Wittenberg: Historiska ideer
och makter (Forças e idéias históricas). Estocolmo„ 1944.
48
Ver principalmente Heinrich Rickert: Die
Grenzen der naturwissenschaftlichen Begriffsbildung (Os limites do
conhecimento das ciências naturais); Tübingen, 1921, e Kulturwissenschaft und Naturwisenschaft (Ciências humanas e
ciências naturais). Já Marx demonstrava claramente como o enfoque
anti-histórico penetrava nas ciências econômicas: Os economistas comportam-se de forma peculiar. Para eles, só existem
duas instituições, afetadas e naturais. Lembram nisso os teólogos, que também
dividem as religiões em dois tipos. Toda religião que não é a deles é inventada
pelos homens, enquanto que a própria é uma revelação de Deus. Quando os
economistas dizem que as atuais relações - as da produção burguesa - são
naturais, querem dar a entender tratar-se de relações segundo as quais a
produção de riqueza e o desenvolvimento das forças produtivas obedecem a leis
naturais. Dessa forma, essas relações estariam de fato livres de respeitar as
reais leis naturais em mudança. Tratar-se-ia, outrossim, de leis eternas que
perenemente dirigiriam a sociedade. Dessa forma, teria havido uma história que
deixou de existir; houve uma história porque houve instituições feudais que não
correspondiam às instituições burguesas e desenvolveram relações de produção
distintas das da sociedade burguesa, as quais os economistas querem aceitas
como naturais e, consequentemente, eternas, Karl Marx: Misere de la Philosophie (Miséria da filosofia), Marx/Engels
Gesamtausgabe, Erste Abt. VI, p. 188.
49
Alfred Rosenberg: Mythos des zwanzigsten
Jahrhundeierts (O mito do século XX), Munique, 1938, p. 263. Comparar com
pp. 23 e 695.
50
Há ciências que não visam ao
estabelecimento de leis naturais, nem mesmo à formulação de conceitos
genéricos, e essas são as ciências históricas ... -- Heinrich Rickert, Kultur-wissenschaft
und Naturwissenschaft (Ciências humanas e ciências naturais), pp. 60-61. Para ilustrar o seu
questionamento Rickert compara a exposição do pesquisador von Baer sobre o
de-senvolvimento da galinha no ovo com a descrição feita pelo historiador von
Ranke sobre os papas, nos séculos XVII e XVIII, em Roma: Num dos casos, uma multiplicidade obscura de objetos é submetida a um
sistema de conceitos genéricos, com a função de valer para cada exemplar
arbitrário desse conjunto, e também para todos os que vierem a se repetir. No
outro caso, é entendido um encaminhamento único das realidades, de forma a
permitir a expressão das particularidades e a individualidade de cada uma, e
permitindo que cada caso ainda não acontecido possa ser admitido. Ibidem p.
65. Note-se que uma condição para a validade do exemplo de Rickert é justamente
o fato de Leopold von Ranke esvaziar o método histórico crítico em favor da
apologética. Parece, em princípio, constatar no caso um desenvolvimento
idêntico ao de Guizot: a completa marginalização da perspectiva da luta de
classes, e a mistificação da história, adotando conceitos como o espírito do tempo, a mão de Deus sobre nós, os maravilhosos desígnios do destino
etc.
51
Em 1920, Rickert enfrenta a filosofia
vitalista em seu texto Philosophie
des Lebens (Filosofia da vida). Mas em Grundprobleme
der Philosophie (Problemas fundamentais da filosofia) não fala só de duas formas de Filosofia, exigindo lugar
ainda para uma metafísica, observada de
forma a abdicarmos sobremodo da nossa razão. Faz concessões ainda a
conceitos raciais.
52
Em Die Heidelberger Tradition (A
tradição heidelbergiana), Rickert explica que, se a visão de mundo de um alemão
não coincide com as exigências do dia,
dando um peso maior a valores culturais de outra nação, ele deve adequar o seu
ponto de vista quanto ao sentido da vida moderna à situação histórica. Senão,
deve abdicar de qualquer atividade da vida cultural!
53
Do ponto de vista marxista, Bergson foi avaliado por Georges Politzer em: Le Bergsonisme. Une mystification
philosophique (O bergsonismo. Uma mistificação filosófica), Paris, 1947. Ver
ainda Bruno Latmann: Henri Bergson --
Stamvater der Nazi-philosophie? (Henri
Bergson - pioneiro da filosofia nazista?) Das
Wort (A palavra) 3:1938.
54 Max Scheller: Schriften zur
Sociologie und Welt-anschauungsiehre (Textos sobre sociologia e visão de
mundo), vol. I, p. 70. Leipzig, 1923. 55 Ibidem, pp. 68-69. 56 Max Scheller:
Vom Umsturz der Werte (Da subversão dos valores), pp. 123-124. Leipzig, 1923.
* * * *
OBS. Em seguida Parte III.
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OBS. Em seguida Parte III.
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