Tradução: Frank Svensson
Não
quero vos impor a leitura do texto que encaminhei a este Colóquio. Trata-se de
um modesto adendo a l’Introduction a la
modernité e é uma homenagem que devo a Lefebvre, uma questão entre mim e
ele. É ainda uma referência para situar o porquê que o quero dizer: Nem sempre
entendi o que ele como marxista pensa sobre o Direito à Cidade, e não
cesso de me opor à quem insiste nesse
tão raso enunciado.
Henri Lefebvre
Devo, em parte, a Lefebvre haver aprendido que, por Marx e Engels, a cidade não tem futuro. Pelos pais fundadores, cuja audácia inibe muitos marxistas em cima do muro, a separação entre a cidade e o campo mutila e bloqueia a totalidade social.
Henri Lefebvre
Devo, em parte, a Lefebvre haver aprendido que, por Marx e Engels, a cidade não tem futuro. Pelos pais fundadores, cuja audácia inibe muitos marxistas em cima do muro, a separação entre a cidade e o campo mutila e bloqueia a totalidade social.
Ela é a projeção sobre o território, da divisão
social do trabalho. Ela leva à divisão da população em classes. Com que
resultado? A alienação geral. Subordinado à divisão do trabalho o individuo é
submetido a situações e atividades que interrompem sua humanização. De um lado
o campo invadido, do outro a imagem urbana degradada se dissociam. Além disso,
a grande indústria, as exigências de mercado e de produtividade ajudam a dissociar
o econômico e o social. Como
sair desse impasse?
Certamente eliminando a propriedade privada, constituindo
uma economia em comum sobre base associativa na prática, que faça desaparecer
as instituições políticas, mas principalmente ultrapassar a divisão do
trabalho. Tal revolução supõe a supressão da cidade e do campo. Qualquer coisa
difícil de se imaginar que não será nem cidade nem campo. Utopia de
intelectuais assustados por Manchester e pela miséria dos camponeses de
Macklenburg ? Esse não foi o enfoque de Lefebvre. Então porque sua luta
pelo direito à cidade? Um direito que lhe veio ao espírito pensando nas
populações suburbanas, na segregação, na solidão.
Pois sim
Dionisíacos, surpreender-vos-ei por constatar que aos olhos do filósofo da rua
Rambuteau1 não sois
vistos como cidadãos plenos, e que haja inspirado arquitetos durante décadas a
vos prometer: Agora vos proporcionaremos
uma cidade de verdade.
O direito à cidade, Lefebvre
definiu da seguinte maneira: ...
significa o direito dos cidadãos urbanos, e dos grupos que constituem,
participar de todas as redes e circuitos de comunicação, de informação, de intercâmbios.
O que não depende nem de uma ideologia urbanística nem de alguma intervenção
arquitetônica, mas de uma qualidade ou propriedade essencial do espaço urbano: “a
centralidade”. Nenhuma realidade urbana, afirmamos aqui e alhures, sem um
centro: sem a reunião de tudo que
possa nascer e se produzir no espaço, sem a reunião atual ou possível de todos
os objetos e sujeitos. O direito à cidade estipula igualmente que o encontro e acumulação
dos lugares e objetos devem corresponder a certas necessidades geralmente
desconsi-deradas, a certas funções transfuncionais: a necessidade de vida
social e do outrem, a necessidade de funções lúdicas, a função simbólica do
espaço ... .
O único meio concreto
invocado por Lefebvre para fazer avançar o direito à cidade consiste em
interferir nos interstícios entre o imóvel e o conjunto urbano, ao nível macro
arquitetural e micro urbanístico. Nesse nível, afirma ele, se situam as
pesquisas de alguns dos mais eminentes arquitetos da época.4
E qual
nome menciona? Ricardo Bofill o maior mistificador de toda a história da
arquitetura. Evidentemente Lefebvre teria
feito melhor em se abster sobre o assunto. Ocultou o que há de fulgurante nos
fundadores do socialismo científico sobre a questão urbana. Somou uma questão
moral a uma política urbanística retrógrada. Perdeu-se numa visão anacrônica de
centralidade urbana quando as cidades se interligam umas às outras, fundindo-se
em regiões urbanizadas, quando os centros se diluem perdendo sua funcionalidade
de origem. Um direito à cidade em névoas urbanas nas quais as cidades se
transformam em pseudo-cidades.
R. Bofill. Quartier de la Sourderie; Saint-Quentin en Ivelines, 1980.
Sinto-me particularmente
atingido por ser um pouco responsável. Fui, com a camarada Anne Marie Karlen de
Genebra, um dos primeiros a encorajarem Lefebvre a tomar a questão urbana em
consideração. Houve, em seguida a exclusão, maio 68, um outro Lefebvre, e o
direito à cidade já era. Um encadeamento que talvez não seja tão estranho que
se me tornou um sério problema. Ajudai-me a vê-lo com clareza. Agradeço
penhoradamente.
N o t a
s :
1 – Lefebvre, Henri: Espace et politique – Le droit à la ville II. Paris. Anthropos
1972. P.144.
2 – Domicile de Henri Lefebvre au coeur
de Paris.
3 – Op. cit. 1, pp. 21-22.
4 – Op. cit. 1, p, 158.
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