Elias
Cornell – (1916-2008)
Historiador marxista sueco, foi Professor catedrático de História da
Arquitetura e do Urbanismo no Instituto Tecnológico Chalmers – Gotemburgo. De sua vasta produção literária destacamos: História da Arquitetura (1949); A História da arquitetura das grandes
exposições internacionais (1952): As
técnicas da construção, métodos e ideias através dos tempos (1970); A arquitetura da relação cidade campo
(1979); As raízes da fúria demolidora
(1984); e O espaço na arquitetura,
história e atualidade (1996).
Tradução Frank Svensson
A
virada do industrialismo
O industrialismo sofreu
urna virada no fim do século XIX. Invenções, ao invés de meros experimentos,
tornaram-se de grande utilidade. Ao aço, ao gás e às ferrovias,
consideravelmente ampliados, somaram-se agora o concreto armado, a
eletricidade, o motor à explosão e aos poucos a técnica aeronáutica.
Artistas, arquitetos e
engenheiros libertaram, como nunca antes, o seu trabalho dos seus hábitos
tradicionais. Em primeiro lugar, as encomendas tornaram-se muito diferentes.
Antes engenheiros e arquitetos puderam interpretar suas tarefas submetendo-se a
encomendas feitas por poderosos, na maioria da Igreja e das casas reais. Agora
ninguém tinha sobre si um detentor individual de poder. Corno profissionais
entre leigos, dentro de uma mesma classe burguesa, deviam tanto indicar como
satisfazer as exigências implícitas às suas tarefas. A época mostrou-se brilhante
para prósperos individualistas desde que conseguissem a reputação de gênios das
técnicas e das artes.
Importante é lembrar,
também, que os profissionais puderam reunir experiências das muitas áreas de
trabalho em descobertas muito mais sintetizadas. Para a construção da sociedade
isso foi determinante: a questão da visão abrangente da totalidade. Extrair
unidade da multiplicidade social no fim do século XIX não era nenhuma tarefa
fácil. Tarefa que não se tornou mais fácil com o tempo apesar das tentativas de
muitos radicais. As forças do industrialismo apresentavam-se divididas pela
mesma anarquia que seu sistema econômico, o capitalismo. E não surge nenhuma
solução de forma mecânica nem quando o capital privado é substituído pelo
capital de empresa, de monopólio, de cartéis, de sindicatos e de empresas
multinacionais ou quando o capitalismo é substituído por uma revolução
socialista. No entanto, em raras oportunidades algumas personalidades e grupos
independentes conseguem compreender não só a construção da sociedade no seu
todo como desencadear profundas transformações.
Que
implica a libertação?
Um prédio, mais que
outros, fornece-nos a chave quanto a como engenheiros e arquitetos modificaram
o seu trabalho no fim do século XIX. Trata-se de Palais des Machines na
exposição internacional de Paris, em 1889, um dos experimentos de construção
mais bem-sucedidos daquele século. Nele o arquiteto Dutert abandonou os seus
hábitos histórico-estilísticos encontrando uma nova linguagem da forma com o
emprego de grandes arcos e de amplo espaço. Essa liberdade construtiva
corresponde à orientação de expressiva liberdade que caracteriza a crescente emotividade
dos artistas da época: Vau Gogh e Munch. O engenheiro Contamin encontrou o
arquiteto a meio caminho. Superou a imagem de que estreitas necessidades
ditariam a configuração das estruturas em aço. Ambas as profissões criaram a obra-mestre, escreveu um clarividente
crítico da época.
É bem verdade que nem
sempre arquitetos e engenheiros tiveram oportunidade de trabalhar tão
coordenadamente. O mais comum é vermos os arquitetos darem independência ao
lado artistisco e técnico-artesanal. Os engenheiros, por sua vez, dedicam-se
mais ao científico e ao tecnológico.
Os arquitetos
afastaram-se dos estilos históricos com um estilo libertário próprio, art nouveau ou jugend. Compuseram com símbolos e volumes revestindo as superfícies
com fantásticas decorações. No melhor dos casos conseguiram expressões próprias
por meio de uma forte simplificação artística. No pior dos casos transformaram sua
arte num fim em si, uma configuração sem amarras ou intuitos mais profundos. A alcantaria
transformou-se em confeitaria, disse alguém.
Dutert e Contamin:
Palais des Machines, Exposição de Paris, 1889.
O melhor resultado, com
sua simplificação artística, os arquitetos conseguiram quando deram novo
sentido tanto ao estudo histórico como à mão-de-obra artesanal. Uma tendência
nesse sentido havia sido iniciada na Inglaterra já nos anos 1850, quando o filósofo
da arte John Ruskin apresentou avaliações tanto éticas como místicas do
artesanato da construção. William Morris transformou a teoria da arte aderindo
ao socialismo. Morris dominava vários ramos de artesanato e desejava dentro do
possível resgatar o valor humano do trabalho. Estudou história, não por causa
dos estilos, mas por algo que a era do industrialismo havia desprezado. Algo
que incluía, também, as tradições populares e regionais. Em 1859, construiu a
sua famosa mansão, Red House, com o arquiteto Philip Webb. Nela não se fez
dependente nem do velho nem do novo. A casa foi construída com tijolo prensado
com muito cuidado e com amarrações muito bem feitas. Todos os detalhes de
interior foram trabalhados à mão, em parte pelo próprio Morris. Ele tinha grandes
exigências quanto à autenticidade artística e não empregava imitações ou
decorações industrializadas.
Alguns arquitetos
escandinavos prosseguiram na linha de Morris, levando ainda mais longe a
qualidade artesanal mas sem a sua linha política. Mesmo assim, o Museu Nórdico
de Estocolmo, o Fórum de Copenhague e a Prefeitura de Estocolrno constituiram
um considerável avanço.
0 valor artístico próprio
da arquitetura, que os arquitetos defendiam, podia implicar intensa e custosa decoração.
A sociedade burguesa aplicava parte de seus excedentes em custosa arquitetura
artesanal. A qualidade variava segundo gosto de subjetivas tendencias. Morris e
seus seguidores tinham outros objetivos. Eram burgueses esclarecidos portadores
de cultura. Desejavam criar qualidades para o bem-estar e o conforto cotidiano,
para uma vida menos marcada pelo desejo de representatividade. Muitos deles achavam
que se tornavam mais livres adotando formas artísticas rnais simples. Alguns
projetaram mansões para a alta burguesia. Mas havia também os que se dedicaram à
habitação em condições mais comuns propondo até mesmo pequenos assentamentos
obreiros. E bem verdade que Port Sunlight e Bournville dos anos 1880 e 1890,
bem corno Átvidaberg de 1889, são resultado da boa vontade de grandes
empresários, mas são melhores e mais agradáveis que as longarinas
institucionais antes encomendadas por líderes filantrópicos. Por trás da
simplificação das minimansões podia haver bem-intencionados intuitos de
política cultural.
A simplificação
artística podia expressar-se com a ajuda de um estilo histórico clássico. Uma
considerável aplicação surgiu com a exposição de Chicago, em 1893. Foi talvez
para legitimar a participação dos Estados Unidos na herança cultural ocidental
que comissionados adotaram o grande estilo da representação. Wall Street Ideology começava a ganhar
forma. O novo capitalismo americano decidiu apresentar-se refinadamente. Meios
estilísticos com tradições desde o tempo do Palazzo Mediei são aplicados à
escala monumental dos novos bairros de instituições. The White City foi a denominação da exposição dada à sua
simplificada e sumária coloração e ao seu imenso tamanho. Uma variante mais
modesta foi a exposição de Estocolmo em 1909, A cidade branca.
Vista atual de rua secundária em Port Sunlight 1890.
Pouco depois, entre
1910 e 1930, muitos arquitetos ligaram-se a classicistas extremados como Boullée
e Ledoux, do século XVIII, ou a Schinkel, do século XIX, o grande classicista
alemão. Nos anos 1920, vários arquitetos extremaram a sua linguagem formal a
tal simplicidade que um crítico a classificou como um implacável
classicismo.
Por meio de toda a
evolução das construções dos anos 1880 e 1890 encontramos um espírito de
experimentação tão forte quanto o do início do século XIX. Diz respeito ao
artístico e ao técnico, bem como à ação recíproca de ambas as áreas. Um caminho
novo surgiu com os experimentos em concreto armado. Nos anos 1890, (o
desenvolvimento era liderado por engenheiros. Muito poucos arquitetos
imaginavam as imensas possibilidades do novo material, mas já bem dentro do
século XX começaram a vê-lo como o principal material a ser empregado no
desenvolvimento da arte de construir. Foi com a ajuda do ferrocirnento que as
profissões da construção deram seu passo maior para sair das formas
tradicionais de construir e foi só com ele que a tecnologia da construção
passou a conduzir o pensamento de todos os trabalhadores da construção. Rapidamente
tivemos todos de participar da invenção do concreto armado.
Os engenheiros
empregavam o ferro desde 1 o século XVIII. No fim do século XIX dominavam tão
bem esse material que foram capazes de construir torres com 300 metros de
altura: Eiffel em Paris; ou pontes com 600 metros de comprimento: Baker e
Fowler sobre Firth of Forth na Escócia. O concreto como tal já vinha sendo
empregado há mais de dois mil anos. O Pantheon de Roma foi uma façanha já em
sua época.
Mas ainda nos anos
1880, os metais limitavam-se mais a astes e o concreto mais a blocos ou volumes
fundidos in loco. A partir do século
XVIII, inventores haviam aprendido a produzir cimento em fábricas, tornando-se
independentes das jazidas vulcânicas. Significativo é o fato de essas invenções
receberem denominações ex-traídas da natureza e da história: o cimento portland deveria imitar o monte da Isle
of Portland, o cimento romano deveria imitar o material das ruínas de Roma.
Os inventores do
concreto armado criaram um terceiro material. Uma mistura nada fácil de compor,
na qual o ferro respondia pela tração, e o concreto, pela compressão. O
material ganhou uma forma própria de se comportar: a monolítica, diziam os
engenheiros. Isso significava uma nova utilização para o concreto. Conseguiram
anular a diferença entre apoio e apoiado, formando corpos e cascas como bem
quisessem. Uma forma de o material atuar praticamente desconhecida até então e
que agora a cada ano evidenciava novas formas de emprego.
As
partes transformam o todo
Toda essa nova
liberdade das partes e toda essa nova tendência de ação recíproca entre os
detalhes atingiu também a conformação da própria sociedade, por toda parte onde
se construía e se reconstruía, sobre cidade e campo indiscriminadamente.
A maneira mais comum
era construir segundo antigos planos e assim modificar enorme-mente a forma dos
assentamentos. Uma das modificações mais estranhas da construção da história
humana surgiu assim: o arranha-céu.
Quando a especulação
imobiliária impôs aperto a cidades como Chicago, Buffalo e Nova York, os
grandes empresários condicionaram a necessidade a uma peculiar consequência.
Encomendaram prédios com mais pavimentos do que se aguenta subir por meio de
escadas. Isso foi resolvido quando algumas firmas de engenharia, nos anos 1880,
conseguiram experimentar e desenvolver elevadores para pessoas com segurança
máxima. Ao mesmo tempo, os técnicos da construção começaram a encapsular os
peri-gosos esqueletos metálicos em cerâmica livrando-os do perigo do fogo.
Os arranha-céus
desenvolveram-se rapidamente. Os arquitetos aprenderam a fazer da necessidade
uma virtude. Aprenderam a dominar as grandes dimensões com a arte da
simplificação. O disforme e o gigantesco foram substituídos por elaborada
composição de fachadas e de volumes. Enormes corpos simplificadamente
esculpidos foram erigidos sobre decorados andares térreos. Adler e Sullivan
foram as principais personalidades dessa nova arquitetura. Os legisladores
seguiam atrás com regras estabelecendo que os prédios se deviam estreitar
gradativamente à medida que ficavam mais altos.
As forças mercantis
ganharam meios de as cidades se alargarem e crescerem em altura por cada nova
geração. A arbitrariedade, desculpada com arte e leis, perdeu as rédeas como
nunca antes. Manhattan, em Nova York, continua sendo construída sobre um plano
da Nova Amsterdam, a cidade de holandeses do século XVII.
Na Europa, onde as
tradições eram mais antigas e as grandes cidades não foram tão rapidamente
ampliadas, os políticos e os profissionais tentaram dominar a transformação com
meios menos drásticos. Um caminho foi o indicado pelo austríaco Otto Wagner.
Ele admitiu como óbvio que as cidades sempre cresceriam, mas queria ordenar tal
crescimento. Fazer da necessidade uma virtude é uma frase de Gottfried Semper
sobre tal comportamento. Semper era um teórico da arquitetura do meio do século
XIX, que muitos ainda consideravam. A arte só reconhece um senhor: a
necessidade, esta era uma outra frase de Semper. Foi esta que Wagner adotou
como lema de uma proposta de concurso, em 1890.
Otto Wagner: vista a partir dos planos de ampliação de Viena, 1910.
Entre ruas e ferrovias
devidamente retificadas, Wagner queria instalar quadras em tabuleiro de xadrez
em estilo Sezession; assim os seus
compatriotas denominavam o art nouveau.
Entre as quadras localizar-se-iam imponentes prédios e elegantes parques. Dessa
forma, os planos seriam repetidos, distrito após distrito, ilimitadamente, a
partir do projeto central da cidade de Viena.
É difícil julgar qual a
importância realmente dada a Wagner. Esses princípios foram considerados um
pouco por toda parte e ampliações de cidades começaram a seguir o modelo da
retificada cidade do século XIX. Até mesmo em cidades totalmente novas foi
aplicado o mesmo sistema. Com planos tardios desse tipo, Walter Burley Griffin,
de Chicago, ganhou um concurso, em 1912, para Canberra, a capital da Austrália.
O padrão principal não é muito diferente daquele usado por L'Enfant para
Washington: am-pliados e multiplicados planos para Versalhes, acoplados em grandes
sequências, algo ordenadas, mas com pouca consideração à topografia e aos
cursos d'água. O grande experimento desse tipo Griffin viu crescer em sua
cidade natal: a grande exposição de 1893; um ideal denominado City Beautiful.
Planos do século XIX foram aplicados em grande
quantidade por não exigirem muito com relação a leis e normas. Até os anos
1920, senão até mais tarde, estes planos surgiram em muitos dos países
ocidentais e até mesmo no Japão. Foram considerados até em colônias com pouca
presença de colonizadores.
As questões relativas à
relação cidade e campo nem Wagner nem outros seguidores dos métodos de
ampliação de cidades do século XIX levaram em conta. Que eram questões
prementes e difíceis de solucionar tanto Marx como Engels já haviam evidenciado
desde os anos 1840. Mostraram claramente que as contradições deveriam ser
resolvidas de forma a tanto a cidade como o campo serem considerados para uma
vida tão digna numa como noutro. Da mesma forma como advertiam contra o
socialismo utópico, advertiam contra a suposição de uma solução enquanto a
sociedade capitalista persistisse.
É significativo terem
sido Artur Soria y Mata e um círculo de republicanos espanhóis em torno dele os
primeiros que acreditaram ter a solução para essa enorme contradição. O lema
principal de seu trabalho, Soria y Mata declarou, em 1882, ser: Ruralizar la vida urbana; urbanizar el campo.
Essa efetiva formulação
quanto ao objetivo da conformação social atua dialeticamente como uma exortação
sob forma de lema.
Com relação à Ciudad
Lineal, o projeto e os princípios de planejamento iniciados por Soria y Mata e
seu grupo eram mais idealistas. Com ela os problemas de Madri seriam
resolvidos, diziam. Seus princípios seriam genéricos e com eles seriam
construídas povoações interligadas de Pequim a Bruxelas e trechos semelhantes.
O sistema era cheio, também, de doutrinas formalistas, com as quais linhas
retas teriam valor próprio em desenho e em construção.
O princípio de Soria y
Mata é uma alternativa ao de Otto Wagner; uma correção da cidade do século XIX
formada por estradas de acesso em vez de avenidas contorno.
La Ciudad Lineal seria
constituída de intermináveis séries de povoações conjugadas ou separadas com
assentamentos de diferentes tipos ao longo de uma via de tráfego para vários
tipos de transporte. Prédios administrativos e instituições culturais variavam com
unidades habitacionais de diferentes classes sociais e por toda parte haveria
locais de trabalho, tanto em fábricas e escritórios como na lavoura. Cada
trecho da cidade seria ligado ao campo por ambos os lados.
O movimento idealista
em torno da ideia da cidade em linha atuou durante várias décadas e teve
resultado na Bélgica, no Chile e até mesmo na União Soviética.
Uma louvável tendência
do planejamento da cidade e do campo era que Soria y Mata queria eliminar a
elevação do valor da terra. A ideia era retirada de Henry George, o economista,
filósofo e político norte-americano. A visão tornou-se, no entanto, sectária e
utópica na medida em que se submeteu às contradições da sociedade capitalista.
Um bairro segundo seus ideais surgiu junto a Madri.
Arturo Soria y Mata:
proposta para ampliar Madri segundo os princípios da Ciudad Lineal.
Um dos traços da
construção social do fim do século XIX conhecemos muito pouco: a origem e a
aplicação do zoneamento, ou seja, a divisão segundo finalidades como administração,
comércio, indústria, cultura, habitação, bem como a divisão habitacional por
classes sociais.
A construção de cidades
não conhecera nenhuma distribuição mais detalhada de seus componentes e
tampouco algum zoneamento planejado. É bem verdade que a construção
habitacional em torno das muitas squares
de Londres havia anunciado uma tendência, mas sem nenhuma correspondência sob
forma de exclusivos locais de trabalho ou de instituições.
O zoneamento decorre
fundamentalmente das necessidades de localização do industria-lismo, frequentemente
de seus ditados locacionais. Os proprietários das empresas deci-diam
pessoalmente quais os terrenos a adquirir e povoar de fábricas. Leis e normas
vinham depois. Ordenamento e decisões eram tomados a posteriori. Planos nítidos
a executar, respaldados por autoridades, eram raros. As condições variavam de
lugar para lugar conforme as relações de propriedade, as construções já
existentes, fortificações, cursos d'água, topografia, tradições quanto ao uso
da terra por pastos e lavoura.
O resultado daí
advindo, profissionais e dirigentes tentavam em muitas cidades ordenar com leis
e normas, de forma a dividir a cidade segundo conveniências. As medidas
geralmente eram sábias a posteriori;
as decisões dos planos, talvez ate os próprios desenhos dos planos, surgem
quando a maioria das construções já fora concretizada.
As razões e os
argumentos são muitos. Nos Estados Unidos dizem que o zoneamento começou em São
Francisco. O povo queixava-se do mau-cheiro das lavanderias e queria
transferi-las para um mesmo lugar. Na realidade, tratava-se dos que lavavam:
eram imigrantes chineses. O zoneamento pode, portanto, ter tido origem racista
justamente nos Estados Unidos.
Na espera de uma
difícil e minuciosa pesquisa a respeito, contentamo-nos em afirmar que
zonearnento segundo finalidades das edificações era expressão de um princípio
geral dominante em todo o desenvolvimento edilício do século XIX: o todo
cresceu com suas partes e as partes desenvolveram-se tanto graças ao isolamento
como em relação ao todo.
Ao mesmo tempo sabemos
que para as autoridades não foi fácil manter suas zonas ordenadas segundo as
determinações estabelecidas.
Donos de oficinas
introduziam clandestinamente seu trabalho em áreas habitacionais; construtores
especuladores erigiam casernas de aluguel onde se haviam demarcado parques nos
planos de urbanização e assim por diante. Momentânea e pontualmente era tão
comum transgredir como seguir as regras. Muitos empreiteiros talvez dissessem a
verdade ao afirmar que não conheciam as normas e os regulamentos de ordenação
urbana. Ocorria até que as pessoas conseguiam convencer os tribunais a declarar
as normas inválidas, caracterizando-as como invasão da liberdade de iniciativa
empresarial.
A
busca do todo
Não era suficiente trabalhar somente com as
partes, e não tinha cabimento continuar deixando o todo crescer só em função de
suas partes. Essa era uma ideia com a qual algumas pessoas previdentes, de
diferentes profissões, começaram a preocupar-se na década das grandes mudanças
qualitativas.
Esses pioneiros
começaram a dedicar-se a questões de planejamento e edificação. Participaram da
mesma libertação burguesa que muitos outros interessados em questões de
construção, mas viram algo mais e diferente. Não se contentavam em diferenciar,
mudar e construir partes novas, grandes ou pequenas. Queriam desenvolver o todo
de forma abrangente.
Não pertenceram a
nenhum movimento unitário. Mas unia-os um propósito comum: o de conhecer e
renovar a totalidade e sua relação com as partes novas e antigas, bem como com
a relação das partes entre si. De certa forma, previam ter de compreender e
dominar as contradições da construção
social -- Termo aqui empregado no sentido da conformação abrangente dos assentamentos humanos, tanto do ponto vista físico como social. A falta, em nossa sociedade de um tal enfoque explica o porquê da falta de um termo correspondente -- mais do que os especialistas e os leigos durante o século XIX.
O que procuraram interpretar e realizar era algo bem claro para todos: a conformação da sociedade havia mudado, descaracterizando-se com o avanço do industrialismo sobre a cidade e o campo. Apesar desses pioneiros terem sido poucos e os efeitos de suas obras terem sido desiguais, são eles os renovadores de toda teoria e prática da construção social ocidental. A sua compreensão incluía tanto o desenvolvimento social como o técnico e o artístico, bem como os condicionamentos apresentados pela sociedade, pela natureza e pela história. Tiveram coragem de atacar o problema mais difícil: a dupla contradição entre a cidade e o campo e entre ambos e o industrialismo.
O que procuraram interpretar e realizar era algo bem claro para todos: a conformação da sociedade havia mudado, descaracterizando-se com o avanço do industrialismo sobre a cidade e o campo. Apesar desses pioneiros terem sido poucos e os efeitos de suas obras terem sido desiguais, são eles os renovadores de toda teoria e prática da construção social ocidental. A sua compreensão incluía tanto o desenvolvimento social como o técnico e o artístico, bem como os condicionamentos apresentados pela sociedade, pela natureza e pela história. Tiveram coragem de atacar o problema mais difícil: a dupla contradição entre a cidade e o campo e entre ambos e o industrialismo.
Camillo Sitte, um arquiteto vienense, tinha visto a sua cidade crescer segundo planos esquemáticos e com muito pouca interação entre prédios, ruas e praças. No fim do século XIX, propôs àqueles que planejavam ou restauravam que considerassem aspectos artísticos como uma dimensão da sociedade como um todo. As referências, eles deviam buscar na história, principalmente nas cidades medievais. Dessa forma, conseguiriam evitar a monotonia e o disforme.
O interesse de Sitte dizia respeito à totalidade como percebida pelos arquitetos: a imagem da cidade anterior à era do industrialismo. Considerava que o século XIX havia perdido sua unidade na diversidade. Sitte desprezava os assentamentos do indústrialismo; ou melhor, não os considerava.
Não devemos encarar
superficialmente a obra de Sitte e seus seguidores. Procuremos compreender sua
teoria e sua linguagem formal. Fizeram avançar os ensinamentos de 2.500 anos de
história da arquitetura procurando valer-se das casas e das quadras de per se
em favor da imagem abrangente da cidade. O que os convenceu a tomar tal
posição, uma das últimas do desenvolvimento da arquitetura do século XIX.
Queriam dar coerência interna e rítmica à vida dos bairros e das cidades. Muito disso se havia perdido em épocas quando se construíam quadrículas viárias, assentavam-se subúrbios, eliminavam-se ruas para construir bulevares. Mas tratava-se naturalmente de algo mais do que recuar a variedade visual. Dizia respeito à forma da cidade corresponder à sua função tanto no seu todo como em seus detalhes. Entre muitas outras coisas, Sitte mostrou que o tráfego fluía melhor no centro das cidades medievais do que nas quadrículas de largas ruas. Comparadas com os cruzamentos nos arruamentos em quadrícula, as encruzilhadas e os entroncamentos das cidades medievais continham somente uma quinta parte dos cruzamentos das quadrículas. Nas encruzilhadas e nos entroncamentos, as vias secundárias desembocam nas principais, enquanto nas quadrículas todas as ruas são de igual grandeza.
Queriam dar coerência interna e rítmica à vida dos bairros e das cidades. Muito disso se havia perdido em épocas quando se construíam quadrículas viárias, assentavam-se subúrbios, eliminavam-se ruas para construir bulevares. Mas tratava-se naturalmente de algo mais do que recuar a variedade visual. Dizia respeito à forma da cidade corresponder à sua função tanto no seu todo como em seus detalhes. Entre muitas outras coisas, Sitte mostrou que o tráfego fluía melhor no centro das cidades medievais do que nas quadrículas de largas ruas. Comparadas com os cruzamentos nos arruamentos em quadrícula, as encruzilhadas e os entroncamentos das cidades medievais continham somente uma quinta parte dos cruzamentos das quadrículas. Nas encruzilhadas e nos entroncamentos, as vias secundárias desembocam nas principais, enquanto nas quadrículas todas as ruas são de igual grandeza.
O desenho livre dos
planos de Sitte permitia que terreno e cursos d'água concordassem com as vias
em curva e em rampa, enquanto as quadrículas em conflito com a topografia do
terreno tinham de admitir ladeiras, becos sem saída e outras interrupções.
Em 1888, Camillo
publicou seu livro Der Stãdtebau nach
seinen künstlerischen Grundsätzen (Construção das cidades segundo seus
princípios artísticos). Para seu tempo e para o mundo que o sucedeu, deu vida
ao que considerava o principal valor da história da edificação: o sentimento
espacial da cidade. Sentimento que se havia per-dido nas ruas intermináveis e
nos edifícios monumentais gratuita e arbitrariamente localizados. Com relação a
esse aspecto, a importância da obra de Carnillo Sitte ainda perdura.
Defender princípios
artísticos é indispensável. Só defender princípios artísticos é, no en-tanto,
insuficiente, algo que concerne a qualquer forma de arte. Em se tratando de
configuração urbana, ninguém mais autorizado a se pronunciar do que escoceses e
ingleses, os que primeiro viram o industrialismo expandir o seu progresso e a
sua arbitrariedade, formando manchas as mais diversas nas cidades, no
patrimônio cultural, nas reservas naturais, frequentemente sem ressarcir com
valores novos aqueles destruídos.
Um dos que melhor
compreenderam o problema em toda a sua extensão e multiplicidade foi Patrick
Geddes, em Edimburgo, um pesquisador naturalista de amplos conhecimentos. Desde
a juventude, classes, assentamentos humanos, técnica, arte e economia eram de
seu domínio, cientifica e genericamente. Tornou claro prin-cipalmente a ação
reciproca das partes entre si.
Geddes menosprezou as
contradições de classes e subestimou a força anárquica das em-presas
capitalistas. Sua doutrina foi mais ecológica do que dialética. Mesmo assim
está entre os primeiros a exigir que os planejadores da sociedade preparassem
suas propostas com múltipla cientificidade. Cities
in evolution (Cidades em evolução) é um livro de 1915, com uma visão
abrangente do extraordinário conhecimento amealhado por Geddes por meio de suas
lutas e de seus estudos. Pesquisa anterior a planos é seu lema maior, simples,
evidente e indubitavelmente acertado, mas ainda hoje pouco considerado por
autoridades e profissionais.
É principalmente graças
a Geddes que a nova visão ganhou o nome de urbanismo. Algo desconcertante. Desde Geddes as questões ligararn-se a algo
muito maior: como devem os assentamentos, as regiões e até mesmo as nações
considerar um planejamento abrangente, cientificamente preparado, para resolver
a dupla contradição entre cidade e campo, por um lado, e entre esses e o
industrialismo, por outro lado? A verdadeira urbanização dizia respeito à
edificação urbana dentro da cultura de cidade e campo. Tal desenvolvimento já
havia começado a esvaziar-se no século XVIII. O industrialisrno, por sua vez,
não é a origem do urbanismo. Ao contrário, aponta para a sua dissolução, algo
que poderíamos chamar de desurbanização.
A estranha incumbência
de lidar com projetos de comunidades desde a base foi algo que um grupo de
ingleses assumiu já no inicio do século XX. Seu clarividente e destemido pioneiro
foi Ebenezer Howard, um homem de forte engajamento social, primeiro como
agricultor, depois como estenógrafo. Muitos amantes das artes e reformadores
sociais eram de seu conhecimento: Ruskin, Morris, Octavia Hill. As piores
condições habitacionais da história eram do conhecimento dos mesmos: desde os
estudos de Engels e os romances de Ellisabeth Gaskell nos anos 1840 até o
relatório da Real Comissão Britânica sobre as condições habitacionais das
classes trabalhadoras em 1884.
Durante um tempo,
Howard, na América do Norte, deixou-se impressionar pela pretensio-sa utopia de
Edward Belamy: Looking Backward
(Olhando para trás), transformando os Estados Unidos numa idealizada sociedade
cooperativa. À diferença do americano Bellamy, o inglês Howard era extremamente
prático. Rapidamente redigiu um livro sobre planejamento de comunidades: Tomorrow: a peacefull path to real reform
(O amanhã: caminho pacifico de verdadeira reforma). Edições posteriores tiveram
como título: Garden cities of tomorrow
(As cidades jardins de amanhã).
O livro inclui
pensamentos claros e fundamentais quanto à construção social sem praticamente
nenhuma alusão a opiniões de especialistas. Trata, isso sim, de equilibrar, da
melhor forma possível, as forças da cidade, do campo e do industrialismo.
Howard comparava essas forças a magnetos. Queria participar da construção de
uma sociedade na qual as contradições fossem transformadas de conflitos em ação
reciproca. O poder do capital devia ser compensado por cooperação. A nova forma
de construção social seria movida com comércio, lavoura e indústria. De
preferência, devia ser auto-sustentável e dotada de todas as instituições
necessárias: moradias, parques e demais serviços. Howard ganhou muitos adeptos.
Todo um movimento com associações e companhias, Letchworth, a primeira
experiência, foi inaugurada em 1903, e Welwin Garden City, a segunda, em 1920.
O movimento das garden cities de Howard teve uma dupla
significação para a construção social do Ocidente, mesmo se a consequência de
fato foi pouca. Por um lado, pela primeira vez a construção social do
industrialisrno foi algo diferente de uma utopia no planejamento e um caos na
execução. Esses dois extremos tinham sempre dominado o processo e o fazem na
maioria dos casos. Por outro lado, a relação do subúrbio com a cidade mudou. O
subúrbio deixou de ser um mero apêndice passando a ter autonomia como
assentamento humano.
Ebenezer Howard:
diagrama para planejamento da relação cidade e campo, 1898.
Além disso, Howard manteve
distância da filantropia. Nem Letchworth
nem Welwin foram vitimas de tutela patriarcal, livrando-se depois de qualquer
tutela sociopolítica.
Howard teve tal sucesso
porque soube escolher colaboradores competentes e autônomos, porque soube distinguir
entre preparação e execução e porque percebia a vitalidade das contradições
entre a cidade e o campo e entre essas e o industrialismo. Suas ilustrações são
diagramas e não planos. Sua construção social cresce na comunidade em que vive
e atua. Não existe pronta na imagem interna de um sonho. A relação com Londres
era importante. Constatou que Letchworth ficava longe demais. Welwin foi
localizada mais perto da capital, permitindo ponderar melhor entre dependência
e autonomia.
Howard e seus colaboradores
aprenderam tanto com Camillo Sitte quanto com Patrick G-ed-des. Estes nunca
cristalizaram os planos em desenhos precoces e decisões sumárias, não
cristalizando assim a imaginação artística. Romperam claramente com uma longa
tradição das utopias. Deixaram planos, esboços e desenhos esperar até o tempo
ficar maduro para tanto, ou seja, até conhecerem bem a paisagem, a situação e a
pretendida distribuição de trabalho e habitação e até perceberem como indústria
e lavoura iriam funcionar dentro do todo.
Dessa forma, o
assentamento resultou descontraído e promissor tanto em Letchworth como em
Welwin. No plano que Raymond Unwin e Barry Parker cuidadosamente elaboraram em
Letchworth, especialistas identificam aquilo que foi chamado de City Beautifull. Arquitetos mais jovens
com difusas exigências de objetividade têm falado de romântica alienação, onde
os arquitetos das garden cities não
tiveram outra intenção além de construir casas simples e despretensiosas para o
povo em geral.
Barry Parker e Raymond Unwin; o primeiro plano geral de Letchworth, 1904.
Barry Parker e Raymond Unwin; o primeiro plano geral de Letchworth, 1904.
A partir de quadras
numa disposição ortogonal, com lojas, escolas e outras instituições,
espalham-se indústrias e áreas residenciais em livres agrupamentos conforme as
exigências do terreno. Depois começam as áreas de lavoura, em menor quantidade
do que a desejada por Howard. As casas caracterizam-se pela diferença de
estilos segundo o gosto dos arquitetos e dos usuários. A exigência principal
foi bem atendida: é possível construir um assentamento bem organizado, onde os
usuários moram perto do trabalho e onde indústria e lavoura apoiam-se
mutuamente. Obtido isso, importa pouco que arquitetos formalistas e
antiformalistas de décadas posteriores, a servico do gosto das elites
burguesas, tenham dificuldade de fazer coincidir suas impressões com suas
ideias preconcebidas.
Louis de Soisson foi
arquiteto de Welwin Garden City durante os primeiros anos. Com liberdade, mas
de forma consequente, ordenou essa comunidade -- obra de toda uma vida. Valeu-se
de constatações, boas e más, da experiência com Letchwort.
No centro ha dois
conjuntos de ruas ortogonais -- um de cada lado da ferrovia -- e a estacão. Um
comporta instituições e centro comercial, o outro, indústrias. O contraste com
as áreas residenciais com suas ruas tortuosas e escolas espalhadas equanimemente
é mais claro do que em Letchworth. As casas dos anos 1920 em Welwin são de
estilo georgiano, ligam-se ao classicismo da Inglaterra do início do século
XIX.
Welwin Garden City, situação em 1945
Welwin Garden City, situação em 1945
Letchworth e Welwin
constituíram, portanto, dois momentos do desenvolvimento do movimento das
cidades jardins de Ebenezer Howard. Considerando a intenção global: permitir
que o industrialismo cooperasse com a relação cidade e campo. Letchworth mostrou-se,
ao longo do tempo, como a experiência mais bem-sucedida. O fator que fez com
que Welwin progredisse primeiro foi a curta distância de Londres. Nos anos
1920, não era fácil prever que a pressão sobre Welwin seria tão grande que
impedisse o desenvolvimento da lavoura. Para Letchworth, por sua vez, a maior
distância de Londres foi uma vantagem. Indústria e lavoura
estão bem ponderadas. Como a indústria foi localizada na própria cidade e nunca
pôde expandir-se sobre os terrenos agrícolas, a relação cidade e campo
continuou bem ponderada.
Tony Garnier era o nome
de um francês exclusivo, que se tornou urbanista-chefe na cidade de Lyon, em
1905. Dedicou quase 20 anos de sua vida elaborando planos cuidadosos e
detalhamentos para uma cité industrielle,
com 35 mil habitantes. Tratava-se de um projeto de cidade ideal ligada a Lyon.
Planta geral da eité industrielle de Tony Garnier,
anterior a 1917.
O político Edouard
Herriot escreveu que Garnier era representante de sua época ao rnes-mo tempo em
que buscava inspiração no mais puro espírito grego. Garnier realmente partiu
das quadrículas gregas, mas, ao mesmo tempo, quis mostrar como era possível num
tal plano diferenciar zonas segundo habitação, indústria e instituições
públicas, sem maiores distâncias e mantendo a cidade com muita vegetação nas
ruas e nas quadras.
Planta geral da cité industriel de Taunay Garnier, anterior a 1917.
Planta geral da cité industriel de Taunay Garnier, anterior a 1917.
Garnier achava que
mesmo comunidades menores deviam ser dotadas de todas essas partes sem que as
zonas fossem rigidamente diferenciadas. O sistema zonal, que surgirá como uma
auto-defesa da cidade no século XIX, Garnier procurou elevar à condição de
princípio arquitetônico do planejamento urbano, uma racionalização que resultou
infeliz, urna indicação de como construir a sociedade por pedaços.
Um traço unitário foi o
material de construção. Garnier foi o primeiro a querer construir toda uma
cidade em concreto armado. Com o concreto buscou a mesma simplificação estética
impessoal que os gregos, praticamente sem nenhuma ornamentação. Em certos
detalhes mostrou-se um fantástico construtivista.
Com relação ao tempo a cité industrielle de Garnier situa-se
entre Letchworth e Welwin Garden City. Desenvolveu a ideia de totalidade numa
outra direção que a de Unwin e Louis de Soisson. Na sua ânsia de libertar a
construção social de seus traços caóticos, sacrificou, no planejamento, a
própria liberdade.
Aqui começa, portanto,
a mesma forma de transição de liberdade e irregularidade para a rigidez formal
e formalista tantas vezes reinventada pelos homens em suas culturas com
distintas formas de economia bem como em todas as suas culturas de cidade e
campo. Garnier a Ultima experiência até aqui: trata-se, agora, de formalizar a
construção social do industrialismo. O traço helênico descoberto por Herriot
mostra que Garnier, consciente ou inconscientemente, aplicou a formalização
como uma espécie de lei histórico-cultural: reunir todos os conflituosos
elementos da construção social numa imagem abrangente, segundo um padrão
geométrico.
Em 1917, Garnier
publicou um livro sobre sua cité industrielle,
e em 1920 publicou outro sobre os trabalhadores de Lyon. Com isso, sua proposta
passou a exercer uma considerável influência mesmo só tendo sido construídos
alguns poucos prédios.
As novas ideias e a
nova prática desde Sitte até Garnier expressam profundas mudanças qualitativas.
Ocorreram todas justamente quando do fim do início da sociedade industrial no
Ocidente. Geddes viu seu tempo como a transição de um período da antiga técnica
para o da nova técnica. As exigências dos pioneiros de reconhecimento e de
renovação, de humanismo e de atenção para com a natureza e a história eram tão
cabíveis quanto previdentes. Quiseram elaborar planos abrangentes, de longo
prazo, mas também passíveis de alterações.
O trabalho desses
pioneiros é uma espécie de prenúncio na nossa perspectiva histórica. Anunciam a
possibilidade de a sociedade industrial, a partir de princípios próprios, poder
planejar e realizar a sua construção social. Um trabalho infelizmente mais
desenvolvido em inúmeros planos, pesquisas, pró-memórias e outros atos do que
em concretizações.
No início do século XX, tanto engenheiros como arquitetos interessaram-se cada vez mais pelo tráfego como aspecto abrangente da totalidade. Interessava esclarecer o papel das vias de intenso tráfego, dos cruzamentos e dos nós viários, e não só a técnica de construção dos mesmos.
No início do século XX, tanto engenheiros como arquitetos interessaram-se cada vez mais pelo tráfego como aspecto abrangente da totalidade. Interessava esclarecer o papel das vias de intenso tráfego, dos cruzamentos e dos nós viários, e não só a técnica de construção dos mesmos.
Eugene Hénard foi durante um certo tempo o mais considerado planejador de tráfego. Na rede viária proposta por ele para Paris, levou os princípios de Haussman a seu extremo. Uma proposta de concurso para a exposição de Paris, em 1900, mostra que ele queria fazer experimentos de tráfego em escala natural com bulevares, avenidas e praças.
Para dominar o fluxo de
veículos inventou sistemas de circulação também em vários planos. Com isso,
começou-se a trilhar o desastroso caminho que leva o tráfego da grande cidade
da condição de servir às ideias dos planejadores para dirigi-las.
* * *
A seguir: partes II e
III.
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