Claude Schnaidt - (* 23. Junho 1931 em Genebra; † 22. Março 2007 em Paris). Militante comunista franco-suiço, arquiteto e teórico da arquitetura, professor de arquitetura, em Paris. Dele ver também neste blog: Arquitetura, uma definição e É no saber ensinado que a sorte real das pedagogias é jogada. .
Tradução:
Frank Svensson
Origens e teses
O
pós-modernismo em arquitetura é antes de tudo um requisitório1 sem cessar recomeçado contra a arquitetura moderna. Condena a
acusada de haver sido um dos mecanismos mais elaborados de supressão das
responsabilidades pessoais e de propagação de uma mensagem elitista, redutora
e castradora, travestida em ideologia socialmente engajada.
A
arquitetura moderna teria assassinado as realidades territoriais circunscritas,
saqueado as cidades e o campo, desenraizado as populações de seu modo de vida
habitual, destruído as culturas da construção tradicional, provocando a
frustração geral. Opondo-se à lição das grandes composições da história,
negando obstinadamente que os prédios são feitos para serem vistos, teria se
comportado de dentro para fora e preenchido o espaço de contrassenso.
Querendo-se funcional, teria produzido invólucros iconográfica e simbolicamente
vazios. Sua aliança com a grande indústria resultou numa falência total:
nenhuma melhoria técnica séria, nenhuma redução de custos, nenhuma diminuição
do tempo de trabalho, nenhuma resposta à 'complexidade tipológica e social dos
centros históricos e, principalmente, o desaparecimento do saber fazer artesanal.
A arquitetura moderna, essa filha incestuosa do estilo funcionalista
internacional e da industrialização, não teria nunca sido nem arquitetura nem
construção.
À
primeira vista, a unanimidade dos acusadores da arquitetura moderna não vai
além da condenação. As opiniões divergem quando se trata de definir o que é a
arquitetura do próprio pós-modernismo. Divergem, por exemplo, quanto à questão:
deve-se fazer de conta ou não que a arquitetura moderna tenha existido, ou
seja, incluir ou não incluir urna parte de sua herança no novo sistema? O
vernacular, o passado, o jargão comercial, a geometria, as proporções oferecem
controvertidas possibilidades à pesquisa de uma especificidade do signo arquitetônico.
Alguns pensam que a arquitetura não está condicionada pelo desenvolvimento da
civilização, mas pela do homem em si. Como prova, adiantam que a forma não
decorre das exigências materiais do uso, mas da essência transcendente desse
uso. Afirmam que a origem da arquitetura é sagrada, que a espiritualização do
material conduz à materialização do espiritual.
Existe
uma clivagem, também, entre os defensores das lutas urbanas e os que estimam
que o discurso sobre a adequação entre prática política e prática arquitetural
é insustentável. Uns e outros reclamam do racionalismo, do realismo, da tendência do ecletismo radical, do contextualismo. No seio dessas
diversificadas correntes há raposas e ouriços-cacheiros. Designam-se como
raposas os adeptos das composições detalhadas e minuciosas em oposição aos
ouriços-cacheiros que preferem as grandes tarefas globais. Quando as
circunstâncias permitem, as raposas não hesitam em tornarem-se
ouriços-cacheiros. As ocasiões de ter uma posição de ouriços-cacheiros sendo
raras, as raposas são mais numerosas. Reagrupam-se na corrente desconstrutivista.
De
qualquer maneira, apesar das rixas que habitualmente eclodem no momento de
atribuição de cargos, de encargos e de recompensas, o acordo é quase perfeito
quanto aos pontos dos quais vejamos o conteúdo: a reparação dos males da era
produtivista, a reconciliação dos homens com e pela arquitetura exigem que ela
seja apreendida corno uma linguagem oriunda da lembrança histórica. Se
quisermos modificar o comportamento das pessoas, livra-las de suas ilusões
quanto ao progresso. é necessário começar por empregar uma linguagem conhecida
e falar de coisas que querem entender. Mudar ao mesmo tempo a mensagem c a
linguagem levaria ao insucesso.
Como
todo edifício visa pelo menos a um duplo interlocutor (de uma parte à elite e
aos arquitetos relacionados pelos significados especificamente arquiteturais e,
de outra parte, ao homem da rua cativado pelos detalhes triviais), a
arquitetura pós-moderna terá qualquer coisa de híbrido. O público sendo levado
a observar distraidamente os edifícios, o arquiteto deverá subcodificá-los,
recorrer à redundância dos signos e das metáforas populares, se deseja que sua
obra seja aceita e que transmita a mensagem prevista.
Mas qual
linguagem a adotar? Todas as linguagens às quais as pessoas estão habituadas e
que vos parecem convenientes, dizem os ecléticos. Deveis mesmo misturá-las num
mesmo edifício para facilitar a comunicação e instaurar o diálogo entre grupos
semióticos diferentes e frequentemente opostos. Um arquiteto deve, em certa
medida, desenvolver a sua maneira própria, mas tal personalização não garante
mais ou não significa mais a autenticidade.
Os
racionalistas c os realistas excluem a metáfora sustentando que a arquitetura
deve expressar a linguagem da arquitetura. Se teoricamente enfrentam os
ecléticos, na prática também tomam empréstimos, mas escolhem-nos dentro de um
espectro tipológico limitado da cidade pré-industrial. Para eles, a rua, a
arcada, a praça, o pátio, a quadra, a colunata, o centro e o contorno são os
arquétipos significativos que permitirão à cidade urna leitura clara e legível.
Esses elementos já foram postos à prova e agradam. Esses são no mais alto grau
valores estabelecidos e mais equilibrados do que aqueles que se possa inventar.
Sua repetição e sua organização hierárquica garantem a unidade morfológica da
cidade assim como a durabilidade utilitária dos prédios. E mais, a trama urbana tradicional permite a
combinação de atividades, reduz o custo da gestão do espaço público, favorece a
transmutação convivial da tecnologia da construção. Os arquitetos que se servem
abundantemente desses arquétipos afirmam não obstante: a arquitetura não é uma
linguagem, pois não é um sistema de comunicação, mas um sistema de
significação.
Como não
conhecemos aqueles a quem atingimos com a nossa mensagem, é impossível saber se
haverá um código sobre o qual as pessoas, em sua diversidade se podem entender.
Se desejamos fazer urna arquitetura
significativa, resta-nos talvez mais, como referência, a historiografia, a
crítica e a formação arquitetural. Alguns arquitetos contestam a durabilidade
dos arquétipos fornecidos pela história. Buscam na tipologia uma mediação entre
continuidade e transformação. Entretanto, continuam convencidos da vaidade
implícita à constante remodelagem da forma em função das necessidades.
Um vasto
entendimento reina sobre o tema da cópia. Pode-se copiar o mais estreitamente
possível. Copiar, porque é a melhor maneira de suprimir a confusão física e
ideológica, de se reapropriar do saber histórico perdido quanto à cidade e de
obter as imagens familiares que servirão à unificação da sociedade fragmentada.
Entre os militantes das lutas urbanas, a imitação de modelos tradicionais ocupa
um lugar decisivo em sua estratégia, pois será carregada, em razão mesmo de seu
caráter costumeiro, de um potencial mobilizador infalível. Certos ativistas
exigem que o conjunto do patrimônio seja salvaguardado e não somente alguns
centros preten-samente históricos. Afirmam: não temos por que lutar pela
questão de saber o que é belo ou não. Tudo deve ser preservado. Nada de tergiversações,
mas sim a manutenção dos tecidos urbanos existentes em sua totalidade, bem como
dos imóveis que os compõem. e inclusive e principalmente aqueles sem valor
arquitetural.
Todos os
pós-modernistas se encontram em torno da noção de urbanidade. A urbanidade, no
sentido que dão a esse termo, quer
designar um conjunto de critérios de qualidade da organização ou da criação
urbana desenvolvido em reação à destruição devido às práticas correntes do
urbanismo do movimento moderno
(maciçamente aplicadas durante os anos 1950, 1960 e 1970) e contra os desvios
tecnocráticos oriundos da Carta de Atenas (1933) e de diferentes doutrinas
funcionalistas que privilegiam as dimensões mecanicistas, quantitativas e
materialistas das cidades, suscitando por meio de seu zoneamento a segregação
dos homens, a fragmentação abusiva dos espaços e do tempo. É para se
desembaraçar desses procedimentos do urbanismo dito moderno (que desencadeou
urna verdadeira alienação urbana e suscitou a perda de identidade da cidade)
que o novo uso do termo urbanidade é proposto como alternativa para designar
uma qualidade nova do uso e da gestão das cidades e de suas potencialidades
arquiteturais e humanas. Esse novo sentido da palavra refere-se
propositadamente a seu duplo significado original e moderno. (A urbanidade é o
saber-fazer a cidade e o saber-viver em cidade... ) Essa dupla conotação tende
a adicionar referências à tradição e ao saber-fazer de uma convivialidade
citadina. A urbanidade decorre de uma
civilidade, de um apreço pela cidade existente que não ignora, mas, pelo
contrário procura valorizar e incluir em seu comportamentos.2
O
pós-modernismo será ele umna moda, um despertar salutar de consciências, um efeito
do eterno pendular da história? Para mim, é mais profundamente e simplesmente a
arquitetura do capitalismo em crise.
Há mais
de duas décadas que a economia dos países capitalistas está à deriva. A
produção cai, o desemprego aumenta, a moeda deprecia-se. A grande burguesia
busca sair intacta, ou seja, enriquecida dessa crise que ela mesma desencadeou.
É por isso que ela deve superexplorar os trabalhadores e as classes médias,
confiscando suas conquistas sociais. Em 1976, Giscard d'Estaing declarou, por
exemplo: Hoje é necessário dar
preferência ao acesso à propriedade individual e não à moradia coletiva, à
reabilitação da casa velha e não à construção nova, à pequena cidade e não à
megalópolis c dar um basta definitivo ao gigantismo.3
Assim
dito, assim feito. Uma grande reforma substituiu a ajuda à pedra (voltada inicialmente aos organismos da habitação
social) pela ajuda à pessoa (voltada
ao habitante). Segundo a propaganda, isso deve permitir ao cidadão reaver a
posse de sua cidade. Na realidade, trata-se de conter as despesas orçamentais
do Estado consagradas à habitação e liquidar as agências de habitação popular –
HLM4 -- cuja vocação de serviço público de finalidade não lucrativa
perturbam o funcionamento harmonioso
do mercado. Quem quer afogar seu cão acusa-o de estar com raiva.
Repentinamente, os grandes conjuntos. os edifícios-torre, a Carta de Atenas c
naturalmente Le Corbusier foram culpados de todos os inales. Nessa campanha os
pós-modernistas ocuparam e ocupam o primeiro lugar.
A
argumentação dos profetas da pós-modernidade contra o gigantismo urbano parte
de preocupações reais da população. Mas escamoteia o essencial, que é reduzido
a algumas poucas palavras: o crescimento veloz das cidades correspondeu, até aqui,
à lógica monopolista de concentração e de centralização de capitais e dos meios
de produção. Os grandes conjuntos foram construídos para abrigar a mão-de-obra
necessária enquanto os bancos se lançavam nos negócios imobiliários às expensas
dos pequenos empreendedores. Com a crise e a fuga de dinheiro para operações
cada vez mais especulativas, a necessidade de grandes reservas de mão-de-obra
diminuiu, e o espaço urbano teve consequentemente de ser reorganizado. Sobre
essa base apoia-se o pensamento urbanístico dos pós-modernos. Em sua Declaração de Bruxelas, pode-se ler por
exemplo: Nós devemos reconhecer o valor
absoluto da cidade de pedra, parar as construções e trabalhar em favor da
reparação do tecido urbano... É necessário reduzir o perímetro construído das
cidades c definir com precisão as zonas rurais a fim de estabelecer claramente
o que é a cidade e o que é o campo. A cidade pós-moderna será sempre
centralidade; não haverá subúrbios nem periferias; o entorno da cidade será já
a cidade.5
As pessoas
suportam mal as nocividades urbanas, temem a expulsão, a marreta dos
demolidores, o exílio rumo às casernas de concreto armado. Querem uma vida em
paz. Se a reparação da cidade preconizada pelos pós-modernos leva tais
realidades em conta, legitima também, por sua ligação com a pressão sobre os
aluguéis, mudanças altamente lucrativas. O desaparecimento progressivo de
lucros da ocupação de grandes conjuntos da coroa urbana impõe aos habitantes a
necessidade de uma decisão. Os menos afortunados não têm escolha, permanecem
onde estão. Aqueles que dispõem de um certo padrão são convidados a povoar as novas aldeias de mini mansões
pseudo-americanas. Os mais afortunados podem comprar um apartamento reabilitado
do centro da cidade liberado de sua população mais pobre. Esta não tem outro
recurso além de se encaminhar a casas populares abandonadas. Até agora não vi
nenhum pós-modernista protestar contra essa escandalosa prática.
O
comércio do passado não é uma especialidade dos pós-modernos. Como em todos os
períodos de dificuldade, a história tornou-se uma obsessão. A cada mês surge
uma carga de obras que se contorcem na história. Fora algumas raríssimas
exceções, esses produtos sugerem a ideia de que o futuro é todo determinado
pelo peso das heranças de longa duração e pela perenidade de estruturas mais ou
menos imóveis. A história seria reinterativa, subdeterminante, e o evento,
principalmente o político, um sobressalto ininteligível, efeito arbitrário de
um fantasma originário ou um comportamento mimético dominado pelo imprevisível.
O
sentido ideológico e a prática política desse sistema saltam aos olhos: a
história que se faz ocorreria necessariamente fora do domínio consciente dos
vivos. Então, por que lutar? Melhor é esclarecer a sabedoria resignada dos
antepassados, ancoradouro de desilusões e perdidas esperanças que se desviam do
presente e do trabalho? Aos arqui-tetos acrescenta-se: por que se esgotar
procurando dominar realidades efêmeras e tenebrosas em projetos que jamais
funcionarão como imaginado? Basta copiar as invariáveis que a história nos há
legado.
Em 1968,
os estudantes e os intelectuais de vários países capitalistas manifestaram seu
descontentamento e sua aspiração a uma transformação real da sociedade. Em face
da crescente oposição desses representantes das camadas intermédias da
sociedade, em face da extensão da contestação dos valores da burguesia, esta
foi obrigada a reagir. Devia absolutamente retomar a iniciativa sobre o terreno
ideológico, e este tanto mais que prenúncios de crise despontavam no horizonte.
É assim que ideias em gestação já há um certo tempo foram beneficiadas, como
que por milagre, por uma larga difusão. Uma infinidade de variações foram
formuladas sobre os temas do crescimento zero, da austeridade, da renúncia
voluntária, da sociedade pós-industrial. A concordância dessas litanias com
aquelas dos arquitetos é gritante.
Atualmente,
os arquitetos não estão em festa. É bem certo que não andam todos à beira da
falência, mas as dificuldades de suas condições lhes causam considerável
ansiedade. Encontram-se presos entres contraditórios interesses: de um lado os
do capital para a realização de seus projetos, de outro, os da massa de
usuários. Em suas relações com os banqueiros, os promotores, os empresários, os
eleitos, os funcionários, os sindicalistas, os representantes dos locatários e
das associações de bairro ficam com frequência perplexos. Sentem-se ameaçados
pela tendência à socialização do processo da arquitetura. Têm necessidade de
distração e de consolo. Os pós-modernos, então, convocam-nos ao tribunal onde
se condena a arquitetura moderna e do qual sairão persuadidos de que seus
predecessores erraram a rota a seguir não obtendo, assim, nenhum resultado
válido. Sairão persuadidos de que nenhuma força organizada será capaz de
resistir ao neoliberalisrno e às forças de mercado. Mas os pós-modernos têm
ainda mais coisas em seu saco. Aos arquitetos ainda em duvida, avisam: estais
infelizes, mas não há por que reparar a nossa cara cidade de pedra europeia.
Assim a burguesia pode dormir tranquila. Com um tal programa, tudo permanecerá
em ordem!
O exemplo dos grandes monumentos de Paris
Entre
1946 e hoje (1976), a população da região parisiense passou de 6,6 a 10 milhões
de habitantes. Assim, quase 1/5 da população francesa vive na aglomeração
parisiense cuja superfície não representa mais que 2% do território nacional. O
crescimento das comunas da periferia imediata — a Petite Couronnc — dispara.
Por outro lado, a população da Grande Couronne continua aumentando fortemente.
Em Paris intramuros, a população diminui. Esse processo geral acelera-se. As
causas são: o inchaço do setor terciário, o fechamento de empresas industriais,
a reestruturação do patrimônio imobiliário (renovação, reabilitação), a alta
vertiginosa dos aluguéis.
Paris
contava em 1962 com 2,8 milhões de habitantes; hoje, eles são menos de 2 milhões. As atividades
comerciais e administrativas desenvolvem-se às expensas das habitações. De
outra parte, a indústria definha. Nos cinco últimos anos, 26% dos empregos
industriais foram suprimidos. O mercado da habitação redefine-se em função das
exigências dos empresários do setor terciário. As moradias da construção nova
têm um elevado nível de conforto. Aquelas moradias oferecidas nas operações de
modernização são igualmente apartamentos de luxo. Os quarteirões históricos são
particularmente convidativos. Com seus arquitetos de prestigio, fornecem a
decoração conveniente aos novos-ricos.
O preço
das moradias é um fator essencial na expulsão dos trabalhadores para fora de
Paris e na segregação espacial das camadas intermédias. O locatário que paga 12
dólares por metro quadrado por mês pode considerar-se feliz. É melhor calcular 20 dólares, ou seja, 1.200
dólares por um apartamento de três peças. Para lhes dar uma ideia do que isso
representa, eu ganho como professor de arquitetura da mais alta categoria 2.760
dólares por mês. Se eu quiser comprar um apartamento. devo desembolsar entre
5.000 e 6.700 dólares por metro quadrado, ou seja 300.00 — 400.000 dólares por
um apartamento de três peças.
A alta
dos aluguéis tem várias causas. Por um lado, as antigas moradias baratas estão
sendo demolidas, ou seja, reconvertidas em locais comerciais ou apartamentos de
prestigio. Por outro lado, e conforme a política neoliberal constrói-se cada
vez menos apartamentos de interesse social. Ao longo dos dez últimos anos, as
subvenções do Estado para a habitação de interesse social foram reduzidas em
50%. Atualmente, constrói-se em Paris somente 2 mil habitações de interesse
social por ano, enquanto que 140 mil estão inscritas nas listas de espera. O
novo sistema de financiamento. segundo o qual as agências públicas de habitação
de interesse social são forçadas a aplicar critérios de rentabilidade do setor
privado, tem por consequência que as taxas dos aluguéis se tornam insuportáveis
para os pequenos e os médios ingressos. Acrescenta-se a isso a regulação dos
aluguéis nos imóveis antigos segundo preços do livre mercado.
O
transtorno demográfico originado pela alta dos aluguéis fez de Paris uma cidade
socialmente segura. Os resultados das
eleições testemunham uma queda continua dos votos pelos partidos de esquerda.
Essa remodelagem política é uma garantia de um futuro ainda mais glorioso do
capital. Paris deve tornar-se a maior metrópole de negócios da Europa, elevar-se
ao nível de Nova York e de Tóquio. Como praça financeira, Paris deve alcançar e
ultrapassar Londres. Esse volume de transações bancárias dos ingleses é hoje
quatro vezes superior ao dos franceses. Isso não se pode mais aceitar. O avanço
da França em matéria de mísseis e de telecomunicações é promissor. Paris deve
tornar-se a capital mundial do comércio da comunicação, dos satélites
artificiais, do show-business. Enfim,
os turistas não serão esquecidos. Não importa quais os que procuram cultura e
aportam divisas fortes.
Nessa
perspectiva, 7 milhões de metros
quadrados de escritórios juntar-se-ão aos 28 milhões existentes. Nesse sentido,
as estações de triagem, as instalações dos correios e as agências de serviços
públicos são vendidas aos especuladores. Mesmo os hospitais diminuem seus
terrenos. O que resta da indústria de confecção deve em breve deixar o centro
da cidade. Sobre a ilha das fábricas Renault será construída uma fabulosa
marina. Sórdidos hotéis são restaurados num abrir e fechar de olhos e seus
quartos são oferecidos a 150 dólares a noite, sem café da manhã. E de um só
golpe descobre-se que Paris é por demais pequena. O primeiro-ministro e o
prefeito põem-se de acordo: a fronteira da cidade deve ser ampliada. Isso terá
a vantagem de suprimir as comunas da Ceinture Rouge e, ao mesmo tempo, todos os
obstáculos formados pelas mesmas, sua antiquada política social contra a
especulação e a alta dos aluguéis.
Compreendereis
melhor, agora, o sentido dos Grands Chantiers do Presidente da República. La
Villette. o Museu d'Orsay, o Instituto do Mundo Árabe, a pirâmide do Louvre, o
Grande Arco, a Ópera da Bastilha, a futura Três Grande Bibliothèque, todas
essas imponentes obras do pós-modernismo são as armas estratégicas do
expansionismo parisiense:
1) Elas
servem à satisfação das necessidades culturais dos novos ricos que conquistaram
a capital.
2) Elas
são o atrativo para a nova elite de turistas insaciáveis que quer passear,
comer e beber.
3) Elas
são as vacas de leite e os campos de treinamento dos diferentes ramos da
indústria de cultura de massas.
4) Para
as grandes empresas de construção, são particularmente rentáveis por não
estarem submetidas aos preços habituais dos edifícios públicos,
5) Elas
fazem subir o valor de uso e, consequentemente, o valor de troca dos terrenos e
dos imóveis da redondeza.
6) No
espetáculo da mídia internacional, elas são os troféus que anunciam
periodicamente a atratividade de Paris.
7) Elas
certificam a prosperidade aparente e a vocação de Paris a tornar-se uma metrópole
mundial.
8) Elas
inspiram confiança ao pequeno povo que teme o neoliberalismo c a instabilidade
do inundo.
9) Para
o príncipe — Paládio já o dissera na Renascença elas são um belo meio de
fazer ver durante sua vida e de deixar após si as marcas de sua grandeza c de
seu espírito.6
Os pós-modernos são falsários
A
arquitetura pós-moderna é a arte da ilusão, da cínica mentira. A reivindicação
de Mudar a cidade para mudar a vida é
substituída pela palavra de ordem Mudar a
imagem da cidade para que mude a ideia que os homens fazem de sua vida Sim, realmente, os pós-modernos são uns falsários.
Como
arquitetos:
--- eles
pretendem perpetuar a tradição da arquitetura eterna. De fato. fabricam a
arquitetura do capitalismo em crise:
— eles
são pela redução do campo de responsabilidades, atribuem aos signos, ou seja, à
dimensão estética uma prioridade absoluta; menosprezam, senão recusam, os
outros aspectos da arquitetura. Isso não os impede de legitimar e de promover a
mais retrógrada de todas as políticas de construção do século XX;
— eles apoiam-se
nas necessidades qualitativas autênticas da população mas não encontram nada de
melhor do que converter essas necessidades em objeto de procura comercial;
— eles
exigem a compreensão e o respeito da engenharia local. Ora, em Berlim e em
Paris, na Filadélfia e em Milão, vertem os seus produtos no mesmo moinho.
— eles veem
nos desenhos de arquitetura urna incitação à reflexão epistemológica.
Praticamente, suas imagens não servem senão à imitação mecânica e à alimentação
do mercado de arte.
Como
historicistas:
— eles
querem desembaraçar os fios da tradição perdida. Entretanto, ignoram as fontes
vivas, servem-se deliberadamente de cartas marcadas, de falsos testemunhos e de
caricaturas;
— tentam
reacomodar o tecido urbano. Infelizmente, eles depreciam os verdadeiros
vestígios do passado que parecem imitar suas próprias imitações.
Corno
ideólogos:
— eles
se apresentam como liberais e humanistas. Alguns erguem até a bandeira
vermelha. Portanto, não têm mais do que uma missão: exorcizar a ideia do
progresso possível, esse mal essencial que sempre espalha o terror entre os
privilegiados, desbaratar a ideia de que nada mais indigno do que a
desigualdade social; destruir a ideia de que existem respostas políticas à
degradação e à inospitalidade da cidade.
Como
cidadãos:
— eles
desejam transmitir a seus contemporâneos a mensagem que desejam ouvir. As pessoas
emudecerão de admiração: que chance, exclama o poder. Assim se reconfirma a
velha regra dos déspotas: o povo irá se calar lá onde as pedras falarem.
_ _ _ _ _ _
N o t a s:
1. Discurso
ou artigo que contém uma série de acusações contra alguém.
2. A la recherche de l'urbanité (Em busca
da urbanidade), CCI Informations, Paris 10/1980.
3.
Valery Giscard d'Estaing, Démocratie
française (Democracia francesa), Paris, 1976.
4. HLM =
habitations à loyer modere (alojamento social).
5. A declaração de Bruxelas (prefácio de
Maurice Culot e Philippe Lefevre), Bruxelas, Archives d'Architecture Moderne,
1979.
6.
Andrea Palladio, 1 quatro libri
dell'architettura, Veneza, 1970.
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