Giulio Giorello
(Milão, 1945 -- ), Filosofo marxista,
matemático, titular da cátedra de Filosofia da Ciência na Universidade de
Milão. Colabora com o jornal Corriere dela Sera.
Tradução: Frank Svensson
III Como se articula a teoria
do reflexo?
Materialismo e empiriocriticismo não trata tão só de questionar o
ponto de vista de Mach ou da física fenomenológica, mas também do materialismo
mecanicista, assim como das formas de realismo que se reclamam concepções
mecanicistas. Combate às críticas feitas
ao materialismo pelas tendências de tipo fenomenológico é visto por Lenin como
da maior urgência. Mesmo com tal enfoque é indispensável recusar o antigo
materialismo na medida em que, paradoxalmente, é justamente graças ao
dogmatismo dessa concepção que as tendências fenomenológicas se desenvolvem.
Lenin reconhece a Rücker o mérito de haver
sustentado o ponto de vista do matéria-lismo espontâneo, na medida em que o
cerne de seu pensamento é que a teoria da física é uma cópia (sempre bem exata)
da realidade objetiva.
O mundo é matéria em movimento o que
aprendemos a conhecer mais e mais profundamente. 37
A inexatidão da filosofia de
Rücker decorre de sua defesa da teoria mecanicista, bem como, da incompreensão
das relações entre verdade relativa e verdade absoluta. Ele conclui: Só falta a esse físico o conhecimento do
materialismo dialético.38
A explicação apresentada pelo
materialismo mecanicista era uma explicação última, a qual não previa a
possibilidade de explicações ulteriores. Uma vez admitida, por exemplo, que a verdadeira essência do calor é o
movimento ou que as substâncias físicas são compostas de átomos ou de
moléculas, como componentes últimos da realidade, parece impossível, desse
ponto de vista se chegar mais longe. No entanto a concepção mecânica do calor
será reexaminada, com reversamento
importante de categorias físicas implícitas à redução de processos
termodinâmicos da mecânica. O átomo será decomposto em componentes ainda
menores, o elétron poderá ser considerado com boa razão inesgotável. O fenomenismo
tem, portanto boas razões de criticar as pretensões absolutistas dessa forma de
materialismo, Mas a constatação que um tal ponto de vista é insustentável não
significa necessariamente o abandono de todo materialismo e a aceitação do
fenomenismo do tipo Berkeley ou Mach.
Esta constatação é justamente o
ponto de partida da crítica de Lenin aos defensores russos de Mach que atribuem
ao materialismo de Marx e Engels os traços característicos do materialismo
mecanicista. Hoje podemos pensar que tal crítica é eficaz na medida em que
Lenin indica, em oposição ao antigo materialismo por um lado, e o fenomenismo
por outro, a possibilidade de uma concepção que descartaria a tentação de
aplicações definitivas sem com isso aceitar aas premissas de um modo
naturalista de pensar.
Lenin transforma de maneira
fundamental as observações de fundo que podem ser tiradas do relatório de
Rücker (a respeito por um lado dos diversos enfoques de tipo mecanicista
caracterizados por hipóteses particulares sobre as propriedades estruturais das
partículas, por outro lado a análise por graus sucessivos) na ideia de que a
admissão de diferentes níveis de hipóteses capazes de explicação não contradiz,
mas completa esta concepção fundamental: A
natureza é inteligível ao homem (Helmholtz). Há níveis de explicação relativamente
simples; outras mais refinadas; outras ainda, mais complicadas: que o calor é
uma forma de movimento pode ser
deduzido pela filosofia da natureza, determinado com Joule e Helmholtz de uma
forma mais rigorosa, a do primeiro princípio da termodinâmica, pode enfim
encontrar uma explicação na teoria cinética da matéria, como Boltzmann a
desenvolveu no início do século XX, servindo-se essencialmente da noção de
probabilidade física. O mesmo se dá com a constituição da matéria, com a
decomposição das moléculas em átomos, depois se descobriu serem os átomos novos
sistemas compostos e em consequência veio o descobrimento das propriedades dos
elétrons. Ou seja: novas teorias podem fornecer interpretações de fenômenos já
conhecidos, distintas daquelas já conhecidas num primeiro momento de modo a alterar
mesmo a intuição do pesquisador. Alterar-se-ia mesmo a noção física da matéria?
Não é de excluir: mas tal mudança profunda não implicará imediatamente o
abandono do materialismo dialético, mas esta revisão de que falou Engels. A
multiplicidade de teorias que pretendem explicar os fenômenos observados
corrobora, e não recusa, a tese segundo a qual a ciência, cujo objetivo real é compreender a natureza, deve partir da
ideia de que a natureza é compreensível.39
Admitida uma teoria ou um sistema
de teorias como definitivas, como depositárias de uma verdade absoluta, todo
limite dessa teoria ou desse sistema torna-se um limite imposto ao conhecimento
possível da Natureza. . O materialista mecanicista em sua pretensão ao absoluto
tornou absolutos os limites de certos contextos teóricos. Disso resulta que
toda tese tendente a esclarecer seus limites aparece automaticamente como uma
tese compatível somente com uma concepção fraca de explicação científica e
incompatível com a afirmação do caráter compreensível da Natureza.
Por isso, para Lenin tal
materialismo é metafísico.
O realismo de Rücker desconhece
as relações entre verdade relativa e verdade objetiva. A ideia leninista do
reflexo é que as teorias que relacionadas a essa realidade objetiva não têm
nada a ver, nesta perspectiva, com a noção de copia tal como é apresentada no parágrafo I deste texto. Particularmente
se entendemos por copia uma correspondência
exata entre um objeto e sua imagem. Só um materialismo ingênuo, débil face o
modo naturalista de pensar, pode pensar assim. Falar de uma realidade objetiva
refletida em teorias significa ao contrário para Lenin afirmar que essas
teorias permitem compreender um mundo que não se reduz às aparências o que na
concepção dos adeptos de Mach, a teoria deve simplesmente resumir. A ciência
compreende o mundo na medida em que vise às verdadeiras teorias. Não se pode
pretender – como quer o materialismo ingênuo – que ideias fundamentais como as do átomo ou do elétron expliquem de
forma definitiva a essência dos fenômenos naturais. Nem mesmo quere passar tais
noções por noção de observação; fazendo isso expor-nos-emos às críticas fáceis
de tipo fenomenista.
Concordamos sempre com um antigo
juízo de Engels, para quem as propriedades
atômicas não se esgotam a não ser com o progresso do pensamento. Enfim, a
afirmação segundo a qual a ciência visa teorias de verdade -- como o
quer a teoria leninista do reflexo – não é desmentida pelo fato de não
se poder afirmar de forma absoluta a verdade de uma teoria particular. A
ciência progride em elaborando teorias que comparadas às precedentes podem ser
consideradas como melhores aproximações da verdade.
A noção de reflexo é inseparável
à de progresso por aproximações sucessivas que enviam finalmente à de
aprofundamento. Aprofundamento em que as modalidades podem ser extremamente
variadas: mesmo por mudanças qualitativas quase imperceptíveis como profundas
modificações qualitativas, por exemplo; isso é só uma ilustração que assume
distinção como a de Engels (que Engels mesmo não considerava absoluta). Esse
ponto de vista – o qual consideramos como um dos pontos que distinguem o
materialismo dialético de Lenin de outras formas de materialismo – é
corroborada hoje por todas as considerações que mostram não existir pura
aparência – pura observação e que a experiência
nua, ao contrário do que é para a atitude naturalista, não passa de um primum, mas sempre o resultado de uma
certa interpretação compreendendo teorias e hipóteses. Quando às intuições que
proporcionariam garantias a um materialismo ingênuo, parecem mais ligadas às
condições históricas do que tal materialismo não quer fazer crer. Aquilo que
hoje parece intuitivo pode parecer muito menos no passado, quanto se dispunha
de referencias históricas que permitiam construir modelos menos articulados de
compreensão da realidade.
Isto posto, devemos dar outros
esclarecimentos sobre o modo como se articula a teoria de um reflexo. Limitar-nos-emos
a quatro pontos fundamentais:
III – 1. Reflexo e
dialética.
Do momento em que reflexo e
aprofundamento aparecem em Lenin como dois aspectos tais que um não ser
compreendidos sem fazer referência ao outro, certas teses de Materialismo e empiriocriticismo têm seu
desenvolvimento natural em passagens de Cadernos
Filosóficos.40 Lenin escreve nessa sua célebre
observação a propósito da dialética:
A dialética como conhecimento vivo,
multilateral (o número de lados aumenta perpetuamente), com uma quantidade de
nuances por todos os modos de abordar, de se aproximar da realidade [...] vejam
aí um conteúdo incomensuravelmente rico, em comparação com o materialismo
metafísico cuja maior deficiência é ser incapaz de aplicar a dialética à “Bildertheorie”,
ao processo e ao desenvolvimento do conhecimento.41
Novamente, o reflexo relacionado
ao desenvolvimento do conhecimento: e lá onde Rücker teria visto somente insuperáveis
limites, Lenin percebe uma quantidade de aspectos em perpétua aumentação. Ou,
em outros termos, débil e exposta a todas as críticas que a taxam de resíduo
metafísico. Quando se resta no contexto do antigo materialismo, a teoria do
reflexo é corroborada pela história da ciência, bando de ensaio da dialética. Se
a tese do reflexo significa em Lenin retomar numa nova perspectiva da
objetividade como conhecimento científico, a garantia dessa objetividade é
fornecida pela historicidade da ciência, compreendida através das categorias leninistas da aproximação e
do aprofundamento.
III – 2. Limites temporais e
crítica do kantismo
Reconhecer os limites de um
conhecimento científico, por exemplo do mecanicismo, não significa considera-lo
como absoluto. Como já sublinhamos, esses limites, em torno do fato evidente de
que eles condicionam a pesquisa científica, são eles mesmos condicionados: são
limites temporais, determinados historicamente e claramente identificáveis em
fazendo referência ao contexto científico de uma dada época. Não podemos fazer
passar por barreiras insuperáveis, configurada pela Natureza contra o
conhecimento, nem mesmo como limites inerentes de forma essencial ao sujeito
conhecedor. Recusando a acusação dos adeptos russos de Mach, segundo a qual a
admissão de limites em certos sistemas teóricos, bem como, a noção mesma de
aproximação sucessiva reduziria o materialismo dialético a uma fora de kantismo, retomando a opinião segundo a qual o conhecimento
jamais lhe compreenderia.42
Lenin em Materialismo e empiriocriticismo, relaciona a temática kantista ao
agnosticismo. Uma breve observação de caráter histórico se impõe aqui. A
segunda metade do século XIX, principalmente da Alemanha, foi uma época de
retorno a Kant: E. Zeller, H. Cohen, F. A. Lange, etc. Num primeiro momento,
Engels viu nesse movimento um primeiro passo rumo a uma descoberta da dialética
racional. Fenômeno complexo, o Zurück zu
Kant (retorno a Kant) apresentara vários aspectos; alguns de natureza
política: a escola de Marburg (Cohen, Natorp etc.) tinham ligações com a
socialdemocracia, por exemplo, por meio de Lange, um dos alvos dos ataques de
Plekhanov. A crítica de Bogdanov,
portanto, tinha todo um significado particular. O quadro mostrou-se ainda mais
complicado pelo fato do Zurück Zu Kant
ter tido enorme eco junto aos mais brilhantes cientistas alemães, que ao invés
de se identificarem com uma escola kantiana ou neo-kantiana particular viam non
kantismo uma doutrina filosófica genérica (se isso não é simplesmente filosofia
em francês) que servirá de alvo a suas atividades. O retorno a Kant significa
no mais das vezes uma recusa a Hegel considerado como criador de um sistema absurdo no qual se pretendia construir à priori os resultados das
ciências: estas são as palavras de Helmholtz, que via em Hegel o principal
responsável pela cisão entre ciências da Natureza e Filosofia. O caráter
unilateral de tal crítica foi denunciada por Engels, em particular em Dialética
da Natureza, mas incontestavelmente, o kantismo parecia ser a melhor solução
que, de uma parte, como Helmholtz, insistia sobre o caráter inteligível da
natureza, como premissa indispensável à ciência
e ao mesmo tempo não ousava se aventurar até uma tese de caráter
nitidamente materialista (Lenin fala a esse respeito de materialismo envergonhado).
O resultado final, como sublinha
Lenin em Materialismo e empiriocriticismo,
não pode ser outra coisa que a coisa em
si, por demais que seja desconhecida. Em consequência, em inúmeras
passagens de Cadernos Filosóficos,
Lenin insiste sobre a necessidade de uma crítica do kantianismo (e do
agnosticismo implícito na doutrina da coisa em si) não do ponto de vista do
materialismo metafísico – como o fez essencialmente Plekhanov – que teve que
recusar a priori as teses do criticismo, mas do ponto de vista do materialismo
dialético, que tem por traz de si a mesma crítica de Kant por Hegel. Crítica
que mostra, por Lenin, que O caráter
findo, transitório, relativo, convencional do conhecimento humano (suas
categorias, causalidade etc.) Kant tomou por subjetivismo e não como dialética
da ideia (da sua própria natureza) quando ele separa o conhecimento do objeto.43
Os limites das teorizações
científicas não se definem a não ser a preço dos limites do sujeito (no sentido
kantiano). Consequentemente, os kantianos associam os materialistas aos
dogmáticos, tanto que com menos coerência Bogdanov descobre no materialismo
dialético o espectro da coisa em si. Na base deste duplo erro, há o fato para
Lenin, que kantianos e fenomenista, com seus distintos pontos de vista, não
compreendem o ponto fundamental que é o seguinte: O curso do conhecimento leva à verdade objetiva.44
III – 3. Flexibilidade das categorias e teoria do
conhecimento.
Nesta perspectiva estudaremos
como Lenin vê no sujeito do criticismo kantiano uma forma vazia (uma representação por
si) sem análise concreta do processo do conhecimento. Isso mostra já que
toda tentativa de readaptar o marxismo à
la gnoseologia kantiana será objetivamente anti-leninista. Além disso há um
outro ponto fundamental de divergência. Se uma teoria do conhecimento (o termo Erkenntnistheorie nasceu do meio kantiano
da segunda metade do século XIX, por exemplo, com Zeller) consiste no estudo de
categorias ou se quisermos estruturas que tornem possível a constituição de
objetos científicos que organizem à
priori, por assim dizer a possibilidade da experiência e tornem possíveis
as distintas ciências. O materialismo dialético não é uma teoria do
conhecimento: não é a confrontação fora do tempo do sujeito e do objeto. Tal
oposição limita para Lenin toda a filosofia crítica, Os conceitos lógicos são
subjetivos – escreve Lenin nos Cadernos Filosóficos – na medida em que restam abstratos em sua forma abstrata, mas
expressam também ao mesmo tempo as coisas em si. Os conceitos humanos são
subjetivos em sua abstração, em seu isolamento, mas são objetivos na
totalidade, no processo, na soma.46
Um pouco depois, a propósito das
categorias kantianas, acrescenta: Kant
não mostrou a passagem das categorias de uma à outra.47 Mas uma vez admitido que as categorias são flexíveis, uma vez que a teoria do
conhecimento (o termo foi apresentado aos marxistas por Plekhanov) referindo-se
ao desenvolvimento histórico do
pensamento humano (Engels), a oposição entre coisas em si e coisas para
nós perde seu caráter absoluto.
Na
teoria do conhecimento como em todos os domínios da ciência – observou Lenin em
Materialismo e Empiriocriticismo – importa raciocinar dialeticamente, ou seja,
não supor nossa consciência imutável e pronta, mas analisar [...] como o
conhecimento incompleto, impreciso, fica completo e mais preciso. 48
Inúmeros exemplos mostram a
transformação de coisas em si em coisas em nós. No entanto quando uma
concepção estática de categorias é função de uma oposição estática do sujeito e
do objeto, a aceitação da flexibilidade das categorias e de sua dinâmica
interna permite achar as conclusões que ocorrem
a todos os homens em sua vida e que o materialismo tem conscientemente como a
base da gnoseologia, ou seja, fora de nós existem objetos, coisas, corpos e
nossas sensações são imagens do mundo exterior.
Uma vez articulada assim a teoria
materialista segundo a qual os objetos existem em torno de nós [entretanto que]
nossas representações são suas imagens, esta discriminação entre [as imagens]
verdadeiras e falsas dada por Lenin pela prática mostra-se ser um momento
essencial do desenvolvimento do conhecimento, uma motivação mesmo de
aprofundamento teórico. Isso não significa que Lenin esboce uma concepção
pragmática da teoria ou que reduza o pensamento a simples momento de ação. A possibilidade de controlar uma
teoria de uma parte por um cientista em laboratório – como a mesma
possibilidade de realizações de caráter técnico – é garantida pelo fato que o conhecimento é o reflexo da natureza pelo
homem, parafraseando uma fase dos Cadernos
Filosóficos. Nessa perspectiva, as teorias científicas que conhecem um
sucesso prático, por exemplo nos setores da tecnologia – como de resto as
análises do socialismo científico no domínio da política econômica, da história
– não podem ser aceitas como verdadeiras na medida em que elas tenham sucesso
mas elas têm sucesso justamente porque são verdadeiras (naturalmente no sentido
definido no início do parágrafo 3).
III - 4. Noção física de matéria e conceito de
matéria em física.
Compreendemos como Lenin, já em Materialismo e Empiriocriticismo
refere-se a Engels e Hegel. A afirmação apresentada acima implica aceitar a
relatividade de nossos conhecimentos, mas não por isso abandonar a objetividade
da ciência.
A dialética como já explicava
Hegel, integra como um de seus momentos o relativismo, a negação, o cepticismo,
mas não se reduz ao relativismo. A
dialética materialista de Marx e de Engels inclui sem contestar o objetivismo
sem se reduzir a tanto; ou seja, admite a relatividade de todo conhecimento,
não no sentido da negação da verdade objetiva, mas no sentido da relatividade
histórica dos limites da aproximação de nossos conhecimentos em relação à
verdade.49
Nessa perspectiva não só
compreendemos o erro do fenomenismo que pretende considerar as sensações em sua
singularidade descoladas do processo do conhecimento de que fazem parte, mas
ainda realizamos como toda sensação, mesmo suscitada por coisas em torno da consciência por sua ação sobre os órgãos do
sentido não nos fornece uma primeira imagem aproximativa da realidade: trata-se
de examinar com os instrumentos teóricos adequados o conjunto das imagens
fornecidas pela sensação.
O pensamento -- é visto nos Cadernos filosóficos – arraigado na representação refletindo ele também a realidade.50
Consideramos que, por um lado, essas teses dos Cadernos são o resultado da aliança
entre a noção de reflexo e aquela de dinâmica do conhecimento realizada em
Materialismo e Empiriocriticismo. A utilização do relatório de Rücker ao mesmo
tempo em que a crítica dos materialismos mecanicistas e ingênuos (ver. § 1 e 2)
conduzem a uma concepção do reflexo extremamente articulada segundo a qual este reflexo não é simples, nem imediato,
nem total, mas um processo feito de uma série de abstrações, que tomam
forma de conceitos, de leis etc. esses conceitos e leis abarcam relativamente,
aproximativamente, as leis universais da natureza em movimento e desenvolvimento
perpétuo.51
Nesse contexto fica clara a
distinção fundamental introduzida por Lenin: a distinção entre a matéria
entendida como noção filosófica e a matéria como conceito científico. A matéria tal qual é apresentada pelas teorias
mecanicistas em física, pelas teorias atômicas, etc., é um conceito relativo à
condição histórica das ciências. O conteúdo científico dessa noção muda com o
desenvolvimento do conhecimento, ou seja com seu aprofundamento. A noção
filosófica da matéria não muda, na medida em se afirma como observou Althusser, a
objetividade de todo conhecimento científico de um objeto. 52
N o t e s :
37. Sou eu que sublinho (G.G.)
38. Lênin, Materialismo
e empiriocriticismo, p. 288.
39. Helmholtz, citado em Rücker, obra. cit., p. 21 573.
40. Não abordamos a questão da continuidade entre Materialismo
e empiriocriticismo e Cadernos
Filosóficos. Contra a tese dois filósofos
de Lenin, ver os argumentos feitos por L. Geymonat em Histoire de la pensée philosophique et scientifique », Milan,
Garzanti, 1972, v. VI, chap. IV, particularmente no que ele sustenta em pp. 114
et ss. Sobre o relatório teórico-prático e em pp.116-117 sobre o sentido da
referência de Lenin à Hegel. Isto posto, a seguir abordaremos várias passagens
de uma ou outra obra de Lenin, buscando mostrar como se articula de forma fundamentalmente
certa a teoria do reflexo e do aprofundamento.
41. Lénine, « Cahiers
philosophiques », CEuvres complètes, t. 38, p. 346.
42 -- Os materialistas, dizem-nos admitir qualquer coisa de
impensável e de inconcebível, a coisa em si, a matéria além da experiência,
além do nosso conhecimento. Caem num verdadeiro misticismo admitindo qualquer
coisa além, situada fora dos limites da experiência e do conhecimento. Quando
declaram que a matéria, agindo sobre os nossos órgãos dos sentidos suscitam
sensações, os materialistas se baseiam sobre o desconhecido, sobre o nada, pois
que eles mesmos – dizem eles – reconhecem nos sentidos como a única fonte de
conhecimento. Os materialistas caem no kantismo [...] duplicam o mundo,
apregoam o dualismo, pois que para eles, por trás dos fenômenos, há ainda a
coisa em si, por trás dos dados imediatos dos sentidos admitem outra coisa, não
se sabe que fetiche, um ídolo, um absoluto, uma fonte de metafísica, uma
dublagem da religião (a santa matéria, como diz Bazanov) Lenin Materialismo e Empiriocriticismo, p.
20.
43. Cahiers philosophiques, p. 197.
44. Ibidem, p. 192.
45. Ibidem, p. 194.
46. Ibidem, p. 198.
47. Ibidem, p. 199.
48. Lénine, Matérialisme et empiriocriticisme, p. 104.
49. Ibidem, p. 140.
50. Lénine, Cahiers philosophiques, p. 216.
51. Ibidem, p. 172.
52. Althusser. Lenine et la filosofie, Maspero, Paris
1969, p.33.
OBS. Em seguida Parte IV
OBS. Em seguida Parte IV
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