Versão condensada de ensaio
publicado em Artes – 1/1985, Frankfurt sobre o Meno.
Tradução: Frank Svensson
INTRODUÇÃO
O conceito de pós-moderno ou de
pós-modernismo é um dos mais variados da literatura sobre arte, bem corno do
debate sócio teórico do último decênio. A palavra pós-moderno liga-se a urna série de pós-conceitos e pós-teorias:
sociedade pós-industrial, pós-estruturalismo, pós-empirismo, pós-racionalismo
Nessa malha de pós-conceitos e pós-teorias parece articular-se urna
passagem de época, cujos contornos ainda são imprecisos, confusos e ambíguos,
mas cuja experiência central — a morte da razão — parece enunciar o fim
definitivo de um projeto histórico: o projeto do moderno, o projeto do
Iluminismo europeu ou mesmo o projeto da civilização greco-ocidental. Essa
malha tem um quê de idéia fixa: de um ângulo visual conveniente pode-se
descortinar ainda os contornos de uma radicalização do moderno, um iluminismo
esclarecido quanto a si mesmo, um conceito pós-racionalista de razão. Desse
ponto de vista, o pós-modernismo desponta como um marxismo desmitologizado,
como uma continuação do avangardismo estético ou como uma radicalização da
crítica lingüística.
Assim corno na crítica
lingüística, podemos, nas pós-teorias,
reconhecer a sobreposição de duas imagens: tanto um pathos do fim do Iluminismo corno um pathos de sua radicalização. Confundem por assemelhar um complexo
contexto de fenômenos intelectuais, estéticos, culturais e sociais a imagens
materiais, nas quais o observador, dependendo de índole e perspectiva, pode
descobrir isso ou aquilo; o observador brinca com uma ambiguidade que de uma
vez por todas foi transferida para o fenômeno ótico. Contrariam a compreensão
de uma constelação histórica, mesmo se a ambiguidade está localizada no próprio
fenômeno, radicalmente distinta da observação descobridora -- ou do
descobrimento observado -- de uma imagem material, pela simples razão de que o
observador pertence à própria história, e por isso mesmo não pode observá-la.
Quero salientar que não dá para
apresentar nada de esclarecedor sobre o pós-modernismo fora de uma perspectiva
teórica, filosófica, intelectual ou ética que em sua visão da atualidade ao
mesmo tempo constitua um auto compreensão no tempo, a auto compreensão de um
contemporâneo intelectual, emocional c voluntariosamente engajado.
O que segue não é, portanto, urna
pesquisa de dois objetos bem definidos, o
moderno e o pós-moderno, mas
antes uma tentativa, às apalpadelas, de esclarecer uma perspectiva, na qual
ambos os conceitos entram em relacionamento, e na qual as ambiguidades que
caracterizam o moderno e o pós-moderno vêm à luz. Ao escolher a
palavra dialética para caracterizar
tais relações e ambiguidades e relações entre ambiguidades, fi-lo sem maiores
pretensões filosóficas ou histórico-filosóficas. A palavra dialética deve aqui ser entendida sem conotações de verdade
absoluta ou de história verdadeira. Uma tal compreensão da palavra dialética pode, se quisermos, ser tomada
corno pós-moderna. O emprego da
palavra dialética exclui, no entanto,
um aspecto: a dissolução da dialética em pura energética como postulado por
Lyotard.1 E com isso já comecei a
desenvolver o meu entendimento do pós-modernismo.
APRESENTAÇÃO
Gostaria de iniciar com uma
seleção a esmo de caracterizações do pós-moderno.
Meu intuito é criar uma espécie de colagge,
no qual as partes -- principalmente as citações -- são reunidas de tal forma
que o pós-modernismo apareça como um campo simbólico ou conceptual com algumas
linhas de força.
lhab Hassan, um representante do
pós-modernismo norte-americano, caracterizou o momento pós-moderno como unn-making
-- o que pode ser traduzido aproximadamente por desconstrução (aqui, por motivos de diferenciação, traduzido por desmontagem).
O momento pós-moderno é um momento de
contradição que pressupõe uma radical desmontagem da consciência ocidental --
daquilo que Michel Foucault poderia chamar de “épisteme” pós-moderna. Eu chamo
de desmontagem, apesar de atualmente existir toda uma enxurrada de outros
termos, desconstrução, descentralização, desaparecimento, irradiação,
desmistificação, desconti-nuidade, “defferance”, dispersão, etc. Tais termos
expressam uma rejeição ontológica do sujeito tradicionalmente coeso, do cogito
da filosofia ocidental. Expressam, também, uma composição epistemológica de
fragmentos e rupturas, e o correspondente engajamento ideológico em favor de
minorias políticas, sexuais e linguísticas. Pensar, sentir, agir e ler bem
significa, segundo o “épistème” da desmontagem, rejeitar a tirania das
totalidades: em cada atividade humana a totalização é potencialmente
totalitária.2
Pode-se afirmar que o momento
pós-moderno implica uma explosão do epistema moderno, onde a razão e seu
sujeito -- como o lugar de coesão e totalidade -- desmorona. Observando
melhor, trata-se naturalmente do desejo de destruir -- ou desconstruir -- o
cogito, a razão totalizante, detentora de uma longa história na arte moderna.
Como sabemos, o desejo de desmontagem
começou a manifestar-se mais cedo na arte, já na virada do século. Para Hassan,
os esforços mais radicais na arte moderna estão reunidos e guardados na
consciência pós-moderna: desde os “readymades” de Marcel Duchamps e as “collage”
de Hans Arp até as máquinas autodestruidoras de Jean Tinguely e as obras
conceptuais de Bruce Nauman um certo impulso fez-se presente, voltando a arte
para si mesma no sentido de recrear-se a si mesma ...
O principal é que: num processo
de desdefinição, no dizer de Harold Rosenberg, a arte torna-se, assim corno o
artista, um fato sem contornos mais nítidos, na pior das hipóteses numa espécie
de pesadelo social, na melhor das hipóteses numa abertura ou num início. Essa é
a razão pela qual Jean-François Lyotard exorta o leitor a
abandonar o porto seguro que a categoria
'obra de arte' ou os signos em geral oferecem à consciência e numa atitude
genuinamente artística não reconhecer nada além de iniciativas ou eventos,
independente da área onde se apresentem.3
A oposição à razão totalizante e
seu sujeito é sobremaneira um movimento em favor da obra de arte exclusiva e
sua pretensão de unidade e sentido. Por isso o impulso a vanguardista, no qual
a consciência pós-moderna é formada, tem de questionar não só a unidade do
sujeito e da obra de arte como ainda o próprio conceito de arte. É forçado,
expresso em termos sociológicos, a questionar a distinção de uma das esferas da
arte no mundo moderno, separada do sistema tecnológico, da política e da
ciência.
A partir das declarações
programáticas de Hassan pode-se caminhar no sentido de uma estética neomarxista
(segundo Adorno), bem corno no sentido de uma estética afirmativa, como quer Lyotard. Rejeitando a imposição da razão
totalizante por parte do pós-modernismo, Frederic Jameson vê a possibilidade de
um novo, por assim dizer dialógico conceito pós-moderno de razão. O que Jameson
tem em mente podemos, junto com Adorno, caracterizar como a unidade da multiplicidade aleatória. O próprio Jameson fala de relações de diferenças.4
Lembrando-nos a estética de
Adorno e a de Walter Benjamim, a caracterização da estética do pós-modernismo é
vista por Jameson como uma estética alegórica,
que explicitamente nega a estética do símbolo
-- da totalidade orgânica --, indicando uma forma capaz de unir rupturas e
desigualdades radicais sem eliminar as diferenças.5
A caracterização do pós-moderno leva-nos mais uma vez bem
longe no passado da história da estética moderna. O que pode ser tomado como
especificamente pós-moder-no é muito mais o fato de procurar uma ligação entre
estética e política: para Jameson, a estética do pós-moderno é na realidade uma
micropolítica descentralizada da
neo-esquerda.6
A rejeição da unidade orgânica da
obra de arte simbólica é
correspondida, portanto, pela recusa das formas práticas e teóricas de
totalização impostas de cima para baixo dentro do movimento trabalhista
tradicional marxista. Urna ligação semelhante entre estética pós-modernista e
uma micropolítica democrática descentrada aparece na caracterização da
arquitetura pós-moderna feita por Charles Jencks. Poder-se-ia dizer que o
pós-modernismo, na perspectiva de Jameson, defende uma nova e pós-racionalista
forma de estética, de totalizacão psíquica e social (unidade, síntese). Não se
trata de uma simples negação da razão totalizante e seu sujeito, mas da auto superação da razão e do sujeito
(Castoriadis).
Uma outra linha vai do
pós-modernismo de Ihab Hassan para a estética afirmativa de Jean-François
Lyotard. Em Lyotard -- o Lyotard do
início da década de 1970 --, a crítica da razão totalizante aguçou-se no
sentido de escapar do terror da teoria, da representação, do signo e da ideia
de verdade. Lyotard critica Adorno por permanecer atado à categoria de sujeito
e Artaud por não se afastar o suficiente do generalizado
caminho da de-semiotica.8
Em ambos os casos trata-se -- conforme entendo Lyotard -- só de tentativas
pouco entusiasmadas de romper com o pensamento representativo, com o terror do
signo e do significado. Adorno mantém-se fiel à expressão, e Artaud, a uma
gramática dos gestos. Lyotard postula a dissolução da semiologia em energética.
Para Lyotard, o sujeito, a representação, o significado, os signos e a verdade
são uma seqüência que deve ser rompida. O
sujeito é um produto da máquina da representação e desaparece com ela.9 Nem a arte nem a filosofia
tratam de significado ou de verdade, mas tão só de câmbios de energia, que não podem emanar de uma memória, de um sujeito, de uma
identidade.10 A
economia política transforma-se muna economia libidinal, liberada do terror da
representação.
Essa bizarra interpretação
pós-modernista, feita por Felix Guattaris e Gilles Deleuze, inspirada em L'Anti Oedipe, da passagem do
capitalismo para o socialismo, é ao mesmo tempo um retorno de Adorno a
Nietzsche e uma volta de Adorno rumo ao positivismo. Como Lyotard substitui o comportamento regulado pela construção e
pela artistificação da representação pela vontade -- no sentido de querer o possível -- é impossível distinguir o
pós-modernismo, assim como a dissolução da semiótica em energética, do behaviorismo. Nesse caso, não como em Skinner, um
behaviorismo para engenheiros sociais, mas um behaviorismo que constitui o
emolduramento cultural de um sistema social que se tornou behaviorista. Nesse
ponto, o pós-modernismo torna-se uma ideologia sobre o pós-histórico; não é por
acaso que o pathos do esquecimento
passa a substituir o pathos da
crítica no Lyotard dos anos 1970.
O termo momento pós-moderno pode aqui também ser entendido como um abrir e fechar de olhos. Essa é a
fundamental categoria de uma consciência temporal pós-histórica que não só se
descarregou do peso da herança platônica mas também do passado e do futuro.
Nessa perspectiva, a resolução
pós-moderna, valendo-nos das palavras de Lyotard, pode ser vista como um gigantesco processo de perda de sentido
que levou à destruição de todas as
histórias, referências e finalidades.11 Baudrillard parece-me mais consequente
do que Lyotard quando na falta de história da sociedade pós-moderna observa uma
paródia do já concretizado momento messiânico:
o futuro já veio, tudo já está aqui... Eu
creio que não temos de esperar nem a concretização de uma utopia revolucionária
nem uma hecatombe nuclear. A força explosiva já entranhou as coisas. Não há
mais nada o que esperar... O pior, o pesadelo dos acontecimentos finais nos
quais se baseavam as utopias, a metafísica esperança na história, etc. — o
ponto final já está atrás de nós ...12
O pós-moderno é, portanto, uma
consumada realidade histórico – não histórica, a morte do moderno já ocorreu. A
sociedade pós-moderna seria então um imprevisto híbrido das visões
teórico-sistêmicas e dos sonhos de Ludwig Klage, o renascimento do arcaico
mundo imaginário a partir do espirito da moderna eletrônica.
Jean-François Lyotard passou aos
poucos a representar uma variante modificada do pós-modernismo. Uma variante
inspirada tanto por Wittgenstein quanto pela Kritik der Urteilskraft (Critica da razão) de Kant. De forma
sugestiva combina elementos de urna epistemologia pós-empírica (Feyerbend), uma
estética modernista (Adorno) e um liberalismo político pós-utópico. A ruptura
com a razão totalizante é apresentada agora por um lado como um adeus aos grandes contos -- à libertação da humanidade ou à criação da ideia 13 -- e, para as
aspirações fundamentalistas de legitimações, finais, como uma crítica do -- sucedâneo ideológico da totalização. É
apresentada por outro lado como uma rejeição às formas complementares do futuro
no pensamento totalizante: utopias quanto à unidade, reconciliação e harmonia
universal. Lyotard defende o pluralismo irredutível do jogo das línguas e salienta o inevitável caráter local de todos os discursos, acordos e
legitimações.14 Poderíamos aqui falar, por
exemplo, de um conceito de razão, pós-euclidiana,
pluralista e descontínua, em oposição ao conceito de razão teórico-consensual
de Habermas, o qual Lyotard apresenta como a última tentativa de se manter
ligado à ideia de reconciliação totalizante, ou seja, à unidade de verdade,
liberdade e justiça do idealismo alemão (ou da tradição marxista). Numa
passagem característica, que não por acaso lembra a teoria anarquista do
conhecimento de Feyerabend, Lyotard explica o significado de justiça ulterior ao consenso:
Reconhecer o múltiplo não traduzível, o
intrincado jogo de línguas e não procurar reduzi-las entre si -- com uma regra
que, apesar de tudo deve ser genérica: 'deixai-nos jogar... e deixai-nos jogar
em paz.15
Em Lyotard, o pós-modernismo
apresenta-se corno o resultado de um grande movimento de deslegitimação do moderno europeu. para o qual a filosofia de
Nietzsche constituiu um documento inicial e central.16 Na
minha opinião, o pensamento pós-moderno apresentou sua forma mais expressiva na
filosofia de Lyotard. Quero ater-me mais um pouco ao problema da estética. Em
Lyotard, o pós-modernismo estético apresenta-se caracterizadamente como um
modernismo radicalmente estético -- corno se fosse a autoconsciência do
modernismo.
Uma obra só se torna moderna se primeiro
houver sido pós-moderna. O pós-modernismo nesse sentido não é o fim do
modernismo mas a sua gênese, um estado que se repete.17
Já Adorno viu as características
das modas estéticas dentro de uma contínua obrigação de renovação e solapamento
do sentido e da forma. Ambas as tendências intimamente ligadas com a liberação
das forças produtivas técnicas na sociedade capitalista e a correspondente
destruição do contexto de intenções tradicionais:
Sinais de dissolução é o signo do moderno ...,
explosão é uma de suas constantes. Energia anti-tradicionalista é como que um
redemoinho que tudo absorve.18
De forma semelhante, Lyotard fala
da vertiginosa aceleração que
caracteriza o desenvolvimento das modas estéticas, que continuamente questionam
todas as regras estabelecidas para a produção literária, artística e musical. Para Lyotard – e aqui deparamos com um
interessante paralelismo com Adorno ao qual voltarei mais adiante --, a invariável nesse redemoinho
anti-tradicionalista" é uma estética do sublime. O modernismo
desenvolve-se no distanciamento do real
como a sublime relação entre o pensável e o real.19 A diferença decisiva para com
Adorno consiste, no entanto, em que o pós-modernismo completa essa estética do
sublime sem tristeza e sem nostalgia.20 O
pós-modernismo deveria, portanto, ser um modernismo sem tristeza, sem ilusão
quanto a uma possível reconciliação dos
jogos linguísticos, sem desejo do
inteiro e do coeso, da reconciliação entre o conceito e o sentimento, da
experiência transparente e comunicável.21 Em poucas palavras: um modernismo que com
alegria c coragem aceita a perda de sentido, de valores, de realidade --
pós-modernismo como ciência divertida.
No artigo por mim citado, Lyotard
fala de uma fase de exaustão. Sua
defesa do modernismo estético não é menos dirigida contra uma variante do
pós-modernismo -- ou compreensão do pós-modernismo -- ainda não abordada por mim. Trata-se daquele pós-modernismo que na
arquitetura expressa um novo ecletismo e historicismo, na pintura e na
literatura um novo realismo ou subjetivismo e na música um novo
tradicionalismo.
Somos colocados ante mais uma
descoberta na imagem focal do pós-modernismo.
Existe uma certa lógica interna quando, por exemplo, Charles Jencks descreve a
re-descoberta da linguagem arquitetônica, seu novo contextualismo, ecletismo
ou historicismo, corno
especificamente pós-moderno. Mesmo a estética arquitetônica modernista de
Jencks, que se afasta da tradição Bauhaus, baseia-se numa negativa do racionalismo do moderno em favor de um
jogo com fragmentos e sinais, de uma síntese do diferente, de códigos duplos e
de formas democráticas de planejamento.22
Há sem dúvida concordâncias entre
por um lado o pós-modernismo de Jencks e de Venturi (multiplicidade e contradição contra simplificação, dualidade e tensão
em vez de abertura, tanto/ como em vez de ou bem/ou mal. elementos de dupla função
em vez de elementos de simples ação, cruzamentos em vez de elementos puros,
vitalidade impura — ou totalidade problemática -- em vez de clara coesão,
e por outro lado as ideias de Hassan e de Jameson.23 A ideia
de Van Eyck quanto a uma clareza labiríntica
se volta contra o ideal de uma clareza matemático-geométrica na moderna
arquitetura e urbanismo, mas tem sua origem bem longe na história da estética
do moderno. Uma imagem teórica semelhante reencontramos em Kandinsky e Schönberg,
na fase de transição da pintura realista e da música tonal para a pintura
abstrata e a música atonal. Aqui também a vanguarda pós-moderna se mostra uma
continuação do modernismo estético e não uma ruptura para com o mesmo, pelo
menos enquanto -- com Lyotard. Adorno e mesmo Barthes -- compreende a ruptura
com regras dadas como constitutivas
do moderno estético.
Em Jencks -- para ficar com o
exemplo da arquitetura pós-moderna --, apresenta-se entretanto uma ambiguidade
no pós-modernismo que, pelo menos nessa forma, esteve ausente das manifestações
até aqui mencionadas. Dito de outra forma: Jencks descreve um fenômeno
extremamente ambíguo; essa ambiguidade é dupla em sua estética pós-modernista
em razão de quase não reconhecê-la. Aqui poderíamos, junto com Lyotard,
protestar contra o uso em vão da palavra pós-modernismo.
Em minha opinião, seria mais correto falar de uma ambiguidade dentro do próprio
campo do pós-moderno que também
concerne ao pós-modernismo.
No caso de Jencks, a ambiguidade
reside em conceitos corno historicismo
e ecletismo. É bem verdade que Jencks
é consciente do fato desses conceitos possuírem conotações como exaustão, fuga e conservadorismo,
mas acredita que a arquitetura pós-moderna contém a possibilidade de um
ecletismo e de um historicismo autêntico, distinto daquele da virada do século.
Examinando as criações da arquitetura do pós-modernismo real-- exatamente como o pós-modernismo examina as criações do
funcionalismo real -- encontramos
junto a impulsos avangardistas muito do que é mimoso, maneiristisco,
pseudo-rústico e neoconfortável. É evidente que o teórico nunca consegue
controlar plenamente o contexto social de seus conceitos, e as tendências
ecléticas, historicistas c regressivas da atualidade não podem. por definição,
ser transformadas em expressão de um ecletismo ou historicismo autêntico, tampouco como as criações do
funcionalismo vulgar podem ser transformadas em manifestações de um
funcionalismo autêntico. Cavando mais fundo, aparecem também as ideias sobre
contextualismo e preservação dos modelos
urbanos do centro das cidades, um lado neoconservador e até mesmo defensivo
-- como se só fosse questão de preservar e restaurar um estado que o moderno
praticamente destruiu. O neoconservadorismo dominante une-se aqui às tendências
regressivas e privatistas da anticultura. O projeto cultural do moderno deságua
em movimentos defensivos, enquanto a modernização técnica da sociedade progride
ininterruptamente.
Com isso opino que o
pós-modernismo -- o que é bem claro em Jencks -- tem parte numa ambiguidade
profundamente arraigada no próprio fenômeno social. Trata-se da ambigüidade
numa crítica do moderno -- e com crítica não penso somente numa critica
teoricamente articulada, mas também num processo social no qual atitudes e
orientações mudam -- uma critica que poderia pretender tanto a superação do
moderno em direção de urna sociedade realmente aberta como urna ruptura com o projeto
moderno (Habermas). Isso não deve naturalmente ser confundido com fugir da
moderna caixa metálica da eletrônica, ou seja, mudança do Iluminismo em
cinismo, irracionalismo e privatismo, na medida em que o pós-modernismo só é o
mais recente programa avangardista ou somente uma modismo teórico, a consciência
ainda obscura quanto a um fim ou a uma transição. Mas o fim de quê? E uma
transição para o quê?
Lyotard tem dado algumas
respostas sugestivas para essas perguntas que merecem ser consideradas. Meu
debate será no entanto parcialmente de caráter indireto. Após algumas
considerações sobre a estética do sublime, em Lyotard. abordarei o tema da
critica da razão e da língua, que figura em todas as variantes de
pós-modernismo, a partir de alguma perspectiva diversa da de Lyotard. Ao mesmo
tempo estou de acordo com Lyotard que uma grande parte dos problemas, das
enrascadas, e das convulsões de nosso tempo se refletem nesse tema. Somente
isso, se não outra coisa, motiva ver no pós-modernismo algo mais que urna
efêmera moda em transição.
INTERMEZZO - STRETA
Retorno mais uma vez à observação
de Lyotard quanto às atuais tendências de
exaustão. É possível compartilhar sua opinião mesmo não estando de acordo
com sua interpretação das mesmas. Minha divergência para com a interpretação de
Lyotard é comparável àquela que Peter Bürger recentemente dirigiu à Adorno. Bürger 24 critica a tese de Adorno que afirma sempre
haver um nível do material estético o
mais avançado a partir do qual podemos decidir o que num dado momento (ainda) é
esteticamente possível ou não. A tese de Adorno é vaga demais para poder ser
defendida. Bürger a aguça, no entanto, a tal ponto -- e nisso estamos de acordo
-- que se torna simplesmente inaceitável. Bürger invoca não somente a polêmica
de Adorno contra o neoclassicismo musical de Stravinskij em Philosophie der neuen Musik, mas também
a seguinte interessante citação:
o fato de que pinturas abstratas radicais
possam ser expostas em recintos de representação sem causar escândalo não
justifica o retorno a uma arte figurativa que agrade a priori, mesmo que se
escolha Che Guevara para ficar atualizada-mente bem com o objeto.25
Contra essa aparente total
desvalorização de toda a arte realista atual, Bürger defende atitudes neorrealistas.
Sua tese quanto ao envelhecimento do moderno não é menos uma tese sobre o
envelhecimento do conceito de Adorno sobre o moderno. Contra Adorno, Bürger
apresenta a seguinte tese:
Nas modas modernas plenamente desenvolvidas
nenhum procedimento e nenhum material é objeto de tabu; o que é esteticamente
possível é decidido pela obra exclusiva no contexto de uma determinada situação
concreta.26
À tese de Adorno sobre o material
mais avançado, Bürger contrapõe o pluralismo dos materiais e das técnicas.
Considero que a tese de Bürger é correta enquanto -- como o próprio Bürger -- a
entendemos como expressão tanto de dificuldade como de liberdade na arte
moderna. Naturalmente temos de concordar com Adorno e Lyotard que não existe
nenhum retorno estético: cada novo realismo dentro, por exemplo, da pintura, só
pode ser um realismo ulterior ao academicismo superado pela fotografia e pelo
filme. Mas na nova pintura podemos encontrar urna produtiva ação recíproca
entre realismo fotográfico e realismo cinematográfico que não tem nenhuma
relação com a volta ao academicismo. Contra isso Lyotard parece apresentar a
tese de que experiências e técnicas realistas são excludentes. Nesse ponto há
uma interessante e esclarecedora identidade entre Lyotard e Adorno: poder-se-ia
dizer que ambos entendem a crescente
falta de sentido como o princípio da arte moderna.27 Um princípio que tem sentido múltiplo já
em Adorno: implica a negação da tradicional forma de conjugação de sentidos (a
obra de arte orgânica) e a negação do sentido estético em correspondência à
falta de sentido inerente à realidade capitalista. É bem verdade que em Lyotard
o negativismo ganha outro direcionamento, mas é de sentido tão múltiplo como em
Adorno. Negação de sentido significa
para Lyotard a negação da representação e da própria realidade representada:
O moderno, independente da época em questão,
nunca aparecerá sem abalar a fé e sem descobrir a falta de realidade da
realidade, ao mesmo tempo em que descobre novas realidades.28
Métodos realistas tais como a
fotografia e o filme contrapõem-se a essa tendência estética de irrealizar a
realidade na medida em que têm a ver com a estabilização
da referência, ou seja, com a reprodução da realidade de tal forma que se
apresente reconhecível -- o realismo como confirmação do sentido como tal.29
A estabilização da referência, a confirmação do sentido, significa
para Lyotard, em última análise, que a conceituação estética equipara-se à
cognitiva. que a aptidão determinante da conceituação substitua a refletora.30 Se uma vez
igualamos representação à conceituação, podemos chamar Kant por testemunha-capital
do pós-modernismo. O que Kant disse sobre o gênio como definidor de regras se
iguala ao princípio da crescente negação da representação:
Um artista ou um escritor pós-moderno encontra-se
na mesma situação que um filósofo; o texto que escreve, a obra que cria, em
princípio, não são dirigidos por regras estabelecidas e não podem ser julgadas
segundo uma conceituação determinante, por meio da aplicação de categorias
comuns a esse texto, a essa obra. Tais regras e tais categorias é o que a
própria obra ou texto pesquisam. O artista e o escritor trabalham portanto sem
regras para estabelecer regras para aquilo que virá a ser.31
A crescente negação da
representação torna-se idêntica àquela nova negação apresentada por cada obra
de arte para com a arte anterior.
Lyotard compreende o caráter não
conceitual e transdiscursivo da arte -- que Kant analisara -- como uma negação
e representação (estética). Se é que o entendo bem, a ideia subjacente é a seguinte:
em cada representação estética de algo, aquilo que por meio da apresentação
fica manifesto caracteriza um momento conceituai no objeto estético: uma
pintura não é como pintura de um objeto, de um interior, de uma paisagem, uma
pintura pura no sentido de ser um objeto estético. Enquanto a arte representa,
faz parte de um discurso para o que foi chamada a superar. O conceito de apresentação
estética aproxima-se assim do conceito de interpretação conceituai e a
determinação da arte passa a ser a de negar a representação. Com isso, a ideia
de Kant do belo artístico apresenta-se como um inaceitável híbrido que o
desenvolvimento da própria arte foi obrigada a questionar. Assim só nos resta
escolher entre urna estética do ornamento e urna estética do sublime. Sob o
pressu-posto de que essa seja a única escolha, todo aquele que considera a arte
importante irá junto com Lyotard escolher a estética do sublime.
O paralelismo entre Adorno e
Lyotard fica evidente: ambos definem a crescente
negação de significado -- respectivamente da representação -- como
principio da arte moderna, mas justamente nesse movimento negativo a arte se
apresenta para ambos como um número absoluto. Para Adorno, a obra de arte é a
presença aparente -- sensorial daquilo que não pode ser pensado nem produzido --,
a realidade numa condição de reconciliação. Para Lyotard, a arte torna-se uma
alusão àquilo que se pode pensar mas não produzir. Mostrar que algo existe, que pode ser imaginado sem que possa ser visto
ou mostrado, essa é a contribuição da arte moderna.
A pintura moderna procura representar algo que não é possível
representar.32 A diferença
em relação a Adorno é evidente, bem como o comum entre os dois: em Lyotard, a
aparência estética é desprovida de conteúdo utópico, mas também para si está
absolutamente ancorado naquilo que se manifesta.33
Que a obra de arte justamente no
movimento que nega o significado -- respectivamente a representação -- alude o
absoluto pode ser um pensamento de certa profundidade. Minha crítica concerne à
instrumentação filosófica desse
pensamento em Lyotard, mas também em Adorno. Naturalmente -- quero acentuar --
isso implica uma certa deturpação, quando eu igualo a negação de significado
(Adorno) à negação de representação (Lyotard). O que me interessa é, no
entanto, a semelhança estrutural entre Adorno e Lyotard, a qual consiste no
seguinte: tanto para Adorno como para Lyotard o conceito de arte apresenta-se
de forma negativa para um conceito sobre o
conceito (o pensamento identificador,
a representação), que tem suas raízes
numa tradição nietzschiana de critica linguística e critica racional e que, do
ponto de vista de filosofia linguística, me parece problemática.
As semelhanças gramaticais de fundo entre a crítica linguística
e racional de Adorno e a de Lyotard manifestam-se sob forma de homologias
estruturais entre a crítica do pensamento identificador e a crítica do signo representado.
É em razão dessas premissas comuns que tanto Adorno como Lyotard são incapazes
de indicar o que na obra de arte a faz algo mais que só um número do absoluto,
ou seja, a complexa forma pela qual a arte se relaciona com a realidade.34 Em ambos os casos parece
tratar-se de um profundo dogmatismo quanto à teoria: assim como a arte em
Adorno é amarrada à negação do significado por causa de sua conceituação, em
Lyotard é fixada da mesma forma à negação da representação. Assim como a
crítica do pensamento identificador é a chave da estética de Adorno, a crítica
da representação é a chave da estética pós-moderna de Lyotard. O problemático
são as premissas filosófico-linguísticas e racionais comuns a ambos por
constituírem uma crítica inacabada da lógica da identificação. No que tange a
Lyotard, só posso apresentar aqui esta pressuposição; em relação a Adorno,
voltarei mais adiante.
N o t a s :
1. Jean-François Lyotard, Intensitãten (As intensidades). Berlim, 1978, p. 104.
2. Ihab Hassan, The
critic as innovator: the Tutzing statement in X frames (A crítica
inovadora: a afirmativa de Tutzing em X frames), America Studies (Estudos
Americanos). Caderno i-10• 1, 1977, p. 55.
3. Ibidem, p. 57.
4. Uma entrevista com Frederic Jameson, Diacritics, vol. 12, outono de 1982, p. 82.
5. Ibidem, p. 83.
6. Ibidem.
7. Ver Jean-François Lyotard., Apathie in der theorie (Apatia na teoria), Berlim, 1979, p.36.
8. Ver Jean-François Lyotard, Essays zu einer affirmativen Esthetik (Ensaios sobre uma estética
afirmativa), Berlim, 1978, p. 17.
9. Ibidem, p. 21
10. Ibidem, p. 121.
11. Tod der Moderne. Eine Diskussion (Konkursbuch); A morte do moderno.
Uma discussão (A
falência do livro)), Tübingen 1983, p. 25.
12. Ibidem, p. 103.
13. Jean-François Lyotard, Das postmoderne Wissen (O saber pós-moderno), Bremen, 1982, p. 121.
14. Comparar ibidem, p. 123.
15. Conversa entre Jean-François
Lyotard e J. P. Dubost, ibidem , p. 131.
16. Comparar ibidem, p. 71 e a seguir.
17. Jean-François Lyotard, Resposta à questão: o que é o pós-moderno?, Post-moderna tider?
(Tempos pós-modernos), Nordstedts, Estocolmo, 1986.
18. Theodor W. Adorno, Ásthetische
Teorie (Teoria estética). Frankfurt sobre o Meno, 1970, p. 41.
19. Jean-Francois Lyotard Resposta
à questão... , op. Cit.
20. lbidem.
21. Ibidem.
22. Ver Charles Jencks, Die
Sprache der postrnodernen Architektur (A arquitetura pós-moderna). Stuttgart, 1978; e Albrecht Wellmer,
"Arte, indústria e arquitetura", Arquitetura e Conhecimento, n°. 1,
Brasília, Ed. Alva, 1994
23. Ver Jencks, op. cit., p. 87.
24. Peter Burger. "Das
Altern der Moderne!" ("A velhice do moderno!"), Adorno-Konferenz 1983 (editado por
L. von Friedeburg e J. Habermas), Frankfurt sobre o Meno, 1983, p. 177 e a
seguir.
25. Ästhetische Theorie (Teoria estética), op. cit., p. 315 e
a seguir. Comparar Bürger, op. cit., p 186.
26. Ver Bürger, op. cit., pp 191
e 194.
27. Ver Allbreeht Wellrner,
"Sanning, sken, fõrsoning" ("Verdade, imagem,
reconciliação"). Dialektiken mellan dei moderna och dee postmoderna
dialética entre o moderno e o pós-modemo), Symposion, Estocolmo/ Lund, 1986.
28. Jean-François Lyotard,
"Resposta à questão... ", op.cit.
29. Ibidem.
30. Ibidem.
31. Ibidem.
32. Ibidem.
33. Ibidem.
34. Ver Allbrecht Wellmer, Sanning, sken, fõrsoning (Verdade, imagem, remição). Dialektiken mellan dei moderna och det
postmoderna (A dialética entre o moderno e o pós-moderno), Symposion,
Estocolmo / Lund, 1986.
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A seguir: Partes II, III. e IV.
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