Depoimento
prestado pelo professor aposentado da FAU-UNB Frank A. E. Svensson em Jornada
de Filosofa Política. Beijódromo Darci
Ribeiro da UnB, 16 de outubro de 2014 .
Amigos,
gente boa, agradeço o convite de vir mexer um pouco no baú da memória. No início eu entendi que devia escolher um
tema de minha preferência, de enfoque marxista. Falaria sobre a crise do
planejamento urbano no Brasil. Depois, eu recebi o cartaz deste seminário, cujo
título é A Ditadura e a Universidade, e eu sendo anunciado como quem
deveria dar um depoimento. Assim deixei de lado a escolha inicial e penso
abordar alguns tópicos justamente sobre o problema da universidade na ditadura, ou a
ditadura e a UnB.
Desde
1959 sou militante do Partido Comunista Brasileiro. Anuncio isso sem pretensão
alguma de mostrar: “olhe eu aqui”, mas para abordarmos a relação entre a
universidade e a ditadura, talvez seja bom eu deixar isso claro. Sou graduado
pela Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais
em Belo Horizonte em 1962.
A
primeira tarefa que me foi dada como militante foi dirigir uma reunião no
Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte. Lá ia falar um profissional do
partido, Mario Alves (depois trucidado
pelo regime militar). Meu pai, marceneiro, aos poucos se tornou pastor
evangélico, e veio para o Brasil fazer católico virar crente. Por isso eu sabia mais ou menos como é que uma reunião
deveria ser conduzida.
Nela
estiveram presentes vários sindicalistas: Sinval Bambirra, Armando Ziller, e
outros da origem do PCB em Belo Horizonte. Depois eu deveria levar o orador
para uma pousada. No caminho ele quis saber quem era eu, e eu disse: sou
estudante e milito na base de arquitetos e estudantes de arquitetura. Era uma
base vigorosa que tinha recebido muito estímulo através de estudantes
latino-americanos de esquerda que vinham pela Operação Pan-americana, uma instituição
do governo Juscelino Kubitschek de internacionalizar a universidade brasileira,
e na esperança de que os estudantes estrangeiros voltassem para os seus
respectivos países favorecendo um melhor relacionamento com o Brasil. Não se
esqueçam de que Juscelino Kubitschek se declarava socialdemocrata, não
necessariamente trabalhista e chegou a ser um dos vice-presidentes da
Internacional Socialista.
Havia
uma perspectiva de terceira via
surgindo no Brasil e na América Latina. Para terminar a história dessa reunião,
Mario Alves me deu um conselho que eu nunca esqueci, uma marca muito importante
da militância do Partido Comunista Brasileiro, pelo menos até 1964: “jovem, para ser um bom comunista, é muito
importante ser um bom profissional. Fazer-se indispensável à sociedade pelo
saber-fazer”. Depois, infelizmente, viveríamos uma época em que o mais
importante era vencer eleições, não necessariamente saber fazer as coisas.
Oscar
Niemeyer tinha ojeriza por andar de avião. Ele anunciava que ficou muito
traumatizado com a morte de um colega arquiteto, o qual eu até hoje não sei
quem foi num desastre de avião. Oscar tinha um carrinho sueco da marca SAAB e
fazia o percurso por terra entre o Rio de Janeiro e Brasília, pernoitando ali
no Hotel Amazonas. Nós, estudantes de Arquitetura (quatro militantes do PCB)
decidimos procurá-lo numa dessas noites em que vimos o carro ali estacionado.
Na ocasião nos convidou a vir passar os períodos de férias em Brasília. De 1959
a 1962 (nos períodos de férias) eu estagiei, em Brasília, no escritório de
Oscar Niemeyer. Funcionava numa caserna
perto do Palace Hotel. Dormíamos em barracões anexos do hotel e tomávamos
refeições no mesmo.
Oscar
era militante do PCB. Esse seu lado militante de partido hoje é pouco
conhecido. Tanto porque o partido era ilegal (é o partido comunista que esteve
por mais tempo como ilegal no mundo, 56 anos), fazendo com que seus membros
fossem forçados a ser cautelosos e discretos. O PCB pode ostentar toda uma
galeria de cientistas, escritores, artistas e pesquisadores desse período,
reconhecidos pela importância de suas atividades profissionais.
Meus
estágios em Brasília deram-me oportunidade de conhecer um pouco mais a história
do início da UnB. Numa das vezes, eu fiquei hospedado na casa de Geraldo Joffily,
presidente nacional do Juizado de menores. Era um dos intelectuais, não
filiados ao partido, mas intimamente relacionados com o mesmo. Num fim de dia
ele me perguntou: “tu queres conhecer o Prestes?” Surpreso eu disse, claro,
seria interessante. De noite fui levado eu e mais dois camaradas para a casa de
Maria Las Casas, uma poetisa, que naquela época morava na SQN 104 sul. Lá tivemos oportunidade de falar da
universidade que se previa.
O PCB
tinha uma série de aliados e intelectuais interessados no problema da educação.
Não eram membros militantes, mas eram unidos pela preocupação de como a
Revolução Industrial alteraria o mundo, inclusive em termos de formação, de
educação e cultura. Eu posso citar Monteiro Lobato, Cecília Meireles, Darcy
Ribeiro, Leite Lopes entre outros. Anísio Teixeira era a figura central que
articulava essas pessoas. Monteiro Lobato ficou conhecido por seus livros
altamente pedagógicos para crianças, para a juventude brasileira. Cecília
Meireles tem livros escritos e ilustrados, porque ela desenhava também.
Já
havia no Ministério da Educação um grupo formulando um projeto para a
universidade sob a direção de Anísio Teixeira. Não sei bem como Darcy Ribeiro
chega nesse grupo. Mas havia uma personalidade, que eu faço questão de mencionar,
militante, intelectual orgânico do Partido Comunista Brasileiro; Heron de
Alencar, cearense oriundo da região do Cariri, médico tendo estudado em
Salvador, onde se graduou obstetra.
Dedicando-se a questões de culturas regionais Heron de Alencar, a partir
da presença inicial no Instituto Pedagógico da Bahia, tinha ido parar em Paris.
Veio a ser durante cinco anos o diretor do Departamento de Pedagogia e
Desenvolvimento, da Sorbonne, dirigido pelo famoso Padre Lebret que se dedicava
a questões de Planejamento e Desenvolvimento no 3º Mundo.
Quando
as discussões e os propósitos do projeto da Universidade de Brasília
enfrentaram o problema de traduzi-los, espacial e arquitetonicamente, Anísio
Teixeira aconselhou Darcy Ribeiro – este já tinha sido indicado reitor da
Universidade – trazer Heron de Alencar como assessor para Brasília. Anísio
Teixeira havia começado, a partir da Bahia, o Instituto Nacional de Assuntos
Pedagógicos, que teve filiais em várias capitais do País. Eu mesmo fiz teste
vocacional numa das agências do mesmo em Belo Horizonte. Não deu pra ser
arquiteto. Eu deveria ser diplomata ou médico, mas a vida trouxe
condicionamentos de outros tipos que fizeram com que eu cursasse inicialmente a
escola de Arquitetura. Lembro-me muito bem de como o INAP funcionava junto à
Escola Normal na Avenida Mantiqueira, em Belo Horizonte).
Aqui quero
salientar, como arquiteto, um ponto importante que está esquecido com relação
ao surgimento da Universidade de Brasília. Como espacializar os propósitos
anunciados pela equipe do Ministério da Educação. Houve aqui em Brasília uma
experiência muito rica de projetação
participativa..
Heron
trazia consigo uma experiência de formulação e de precisão conceitual dessa
dualidade entre universidade, região e cultura. Veio a ser conhecido muito mais
como um homem das letras do que da medicina. Tem trabalhos escritos sobre José
de Alencar, analisando o seu realismo nacionalista. Tem um livro sobre Machado de Assis. Quando
chegou a Brasília não só participou dessa experiência de projetação
arquitetônica participativa, como foi quem iniciou a estruturação do ensino de
letras, literatura e afins. Essa projetação participativa contava com Oscar
Niemeyer, convidado não sei por que fatores específicos, mais porque já estava
atingindo um papel importante na arquitetura moderna brasileira, e depois
mundial.
Fundou-se
aqui o primeiro curso de mestrado em Arquitetura desse país. Havia antes, nas
seis escolas de arquitetura no país, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio, Minas
Gerais, Salvador e Recife cursos de cinco anos de aprendizado de arquitetura,
com a possibilidade de mais 2 anos de urbanismo. Para mestrado em Arquitetura,
especificamente como tal, Brasília foi a primeira.
Para
aqui acorreram arquitetos recém-formados de diferentes regiões do país, que
aprendiam e ensinavam. Aprendiam com a experiência do Oscar e depois de Alcides
da Rocha Miranda que veio pra instalar o Patrimônio Histórico no Planalto
Central. Este trouxe consigo a sua biblioteca,
teórica e histórica, e a colocou à disposição desses alunos do mestrado. Com
Oscar desenvolviam a prática do exercício do projeto. Edgard Graeff, da Escola
de Arquitetura e Urbanismo de Porto Alegre foi convidado para ser professor de
Teoria e História da Arquitetura em Brasília. Baseava suas aulas em livros de
Lewis Mumford, socialdemocrata autodidata norte-americano que participara do
júri para o concurso do Plano Piloto de Brasília. Os alunos do mestrado de
arquitetura orientavam como monitores, à tarde, os alunos de graduação.
Os
professores da UNB, intelectuais progressistas convidados para as diferentes
áreas do conhecimento e da prática humana, participavam da programação do
ensino. Não se adotou a comum forma de estabelecer um programa teórico e depois
encomendar arquitetos para resolver, segundo sua habilidade artística, a
configuração dos lugares necessários a tanto. Houve uma intensa discussão sobre
o que e como se queria a universidade.
Heron
foi figura central para coordenar as indicações no estabelecimento de um
programa de arquitetura. Tive a oportunidade de conhecer um exemplar do mesmo,
uma vez asilado na Argélia (na equipe do Oscar), e lamento muito não ter feito
uma cópia, mas ainda deve existir em algum lugar; O pensamento dialético,
aparece muito claramente na proposta. A universidade era para ser de
excelência, equiparada às grandes universidades do mundo. Devia ser
fundamentalmente produtora de conhecimento para solução dos problemas candentes
da região e do país, constituir referência para a Reforma Universitária no Brasil.
Nunca se trabalhou tanto e tão seriamente prevendo
o imprevisível em termos de arquitetura.
Herón
de Alencar propôs que a universidade tivesse cinco grandes áreas, que vieram a
ser chamadas de Institutos: Instituto das Ciências da Saúde, Instituto de
Humanas, Instituto de Matemática, Física e Ciências Exatas, Instituto de
Engenharias e, finalmente, por empenho de Alcides da Rocha Miranda, um
Instituto Central de Artes.
Um
Instituto abrigava faculdades, que formariam profissionais necessários à aplicação
do conhecimento no país. Daí surgiu Faculdade de Medicina, Faculdade de
Psicologia, Faculdade de Engenharia, Faculdade de Geologia etc. Além disso o
Instituto fomentava, todas as formas de pesquisas necessárias, ou
interessantes, para a produção de conhecimento, para a solução dos problemas
nacionais e para a implementação no plano pedagógico. Isso implicou numa série
de definições administrativas, hoje esquecidas. A universidade não tinha
departamentos. Trabalhava-se fundamentalmente apoiado em grupos de trabalho, em
cima de temas deliberados, onde se permitia e se estimulava a
interdisciplinaridade.
Cheguei
como professor para a UnB em 1970, vindo da SUDENE que foi a maior experiência
interdisciplinar do hemisfério sul, na época. Éramos 2500 profissionais, metade
de formação universitária e a outra metade administrativa e funcional.
Trouxemos pela vida à fora uma experiência riquíssima de tornarmo-nos melhores
profissionais, através do exercício da interdisciplinaridade.
A
interdisciplinaridade, enquanto num plano teórico, é muito problemática. Cada
disciplina acha que é a principal e tem dificuldades de se entender com as
outras, mas em cima de problemas objetivos, candentes, como eram os definidos
pela Super-intendência, nós tínhamos que chegar a um resultado e os
desentendimentos não poderiam ser excludentes profissionalmente. Eu confesso
que me tornei, não digo que sou bom, muito melhor arquiteto pelo sofrimento das diferenças profissionais
do que pela uniformidade em escritórios de arquitetura herdados da profissão
liberal.
Lembro-me
que o aluno passava um período de dois anos de curso básico, por uma espécie de
reciclagem do seu curso secundário, direcionando-se para essa nova experiência
pedagógica que, de certa forma, seria também o início da reforma universitária
no Brasil da época. Depois em seu curso
de graduação ele tinha que completar uma quantidade de créditos para subir para
trabalho de conclusão de curso. Eu não me lembro de nada assim muito em detalhe,
mas eu tenho uma vaga memória de que o aluno devia completar 120 créditos, e
esses créditos eram avaliados por uma orientação, permitindo buscar informações
tanto na faculdade específica da sua profissão, como em outras áreas da
universidade.
Tive,
como professor de Arquitetura durante três anos, alunos de História, de
Engenharia, de Ciências Sociais. O que garantia o bom resultado dessa formação
para trabalhos de graduação era a escolha de objetos de estudo comuns. Dessa
forma nós estudamos os novos assentamentos ao longo das novas rodovias, tanto
da Transamazônica com da Belém-Brasília. Chegando numa cidade como Ceres, por
exemplo, os estudantes me perguntavam: o que é que nós viemos fazer aqui? Aqui
não precisam de Arquitetura. Indo conversar com o prefeito da cidade
mostrou-nos quais eram as necessidades.
Ceres
é uma das cidades planejadas do governo Vargas, como Brasília e outras duas
dezenas que se construíram no país. O prefeito disse: olha, o que está mais
urgente aqui é murar o cemitério. Os bichos estão cavoucando as covas. Nós precisamos
aumentar a estação rodoviária porque os ônibus da Belém-Brasília estavam
aumentando em quantidade e não cabiam na existente. Nós precisamos de uma
espécie de praça de alimentação na Feira. O sorvete e a pizza tinha chegado no
Planalto, concorrendo com a pamonha e o curau. Nós precisamos de mais escolas.
Foi ficando evidente para os estudantes, de diferentes formações profissionais,
que o objeto comum da cidade de Ceres e sua região, era comum mas exigia
enfoques distintos, orientados a partir das respectivas faculdades de formação
profissional. Isso é só pra dar um exemplo de todos os mecanismos de síntese do
pensamento dialético que estimulou a fazer parte do projeto inicial da
Universidade.
No
meu caso, que vinha com a experiência da SUDENE, fui destituído da
Universidade, acusado de conscientização comunista. Eu nunca fiz proselitismo
partidário. A conscientização que esse tipo de pedagogia estimulou nos alunos,
sem nunca trocarmos palavra sobre militância político-partidária, incomodou o
regime militar da ditadura.. Foi o trabalho em si que fez estimular a
consciência da necessidade de arquitetura, pondo em questão toda uma história
de estilística anterior.
Eu
vim da SUDENE pra Brasília quando a essa começou a ser desmontada. O regime
militar impediu relacionamentos da SUDENE com a CEPAL e passamos a ser
dirigidos pela orientação da OEA Organização dos Estados Americanos, a partir
de Washington. Os projetos da SUDENE foram entregues a companhias
internacionais de planejamento, cadastradas junto ao Banco Mundial. Não havia
uma única empresa ou companhia de planejamento brasileira. Não vou entrar em
como a SUDENE e o primeiro Plano Trienal de Desenvolvimento Nacional foram
alterados.
O
PCB, a partir de sua célula de arquitetura em São Paulo, achou que eu podia vir
a Brasília trazer essa experiência da SUDENE. Eu não devia ser exposto como
comunista. Deveria fazer uma ligação de assessoria ao deputado Francisco Pinto,
da Bahia, que era membro do PCB mas militava no MDB. Essa ligação não conseguiu
ficar oculta por muito tempo e aos poucos não souberam manter o fato da minha
militância em sigilo.
Havia
duas células do PCB na UnB, uma no Minhocão e outra no Hospital de Sobradinho.
Na do Minhocão coube a mim ser dirigente, durante dois, três anos. Tudo isso resultou
em que eu sou o único professor da UnB enquadrado no AI 5, proibido – com a
chancela do Ministro da Educação, Jarbas Passarinho – de exercer serviço
público e de lecionar em todo território nacional
Isso
pesa no meu currículo. Eu não digo isso para me valorizar. Mas para saberem que
na UnB houve também um professor enquadrado no ato AI 5. Fui julgado por um
tribunal militar e depois inocentado por falta de provas. Mas perdi o cargo e
desempregado, me aproximei da minha origem europeia passando 16 anos
involuntariamente fora do Brasil. Sempre militando nos partidos comunistas onde
estive, na Suécia, na França, na Argélia onde o partido era clandestino e em
Angola.
Quero
sublinhar uma convicção quanto à importância histórica do trabalho coletivo
interdisciplinar. Nos séculos XV e XVI surgem as primeiras universidades na
Europa: Salamanca, com a tradução da Bíblia, depois Paris, Uppsala na Suécia e
outras. Isso pela necessidade de que o conhecimento não cabia mais em áreas unitárias. Precisava-se de uma instituição que
favorecesse a pluralidade do conhecimento quando da formação de profissionais e
quando da aplicação do conhecimento profissional.
Isso
coincide com o surgimento da imprensa, com a Reforma, com a nova fase do
capitalismo mercantil, com o surgimento do Brasil como exemplo de novas formas
de colonialismo. Configura-se um momento de globalização extremamente
importante, sendo um dos frutos o surgimento da Universidade, mas a
universidade continuou tendo raízes na sociedade de classes.
Os
professores nomeados pelo rei, ou pelos reis, para serem catedráticos
responsáveis por pesquisa e ensino, reitores responsáveis pela parte
administrativa, com direito a assistentes leitores que eram os professores que
liam as aulas formuladas pelo catedrático. Este era vitalício tendo
responsabilidades de resolver problemas surgidos na Sociedade. Se um prédio
desmoronasse, como ocorre frequentemente no Brasil de hoje, era o professor
catedrático de sistemas estruturais que era nomeado para dirigir a comissão de
sindicância, e esclarecer ao governo por que aconteceu aquilo e o que devia se
fazer. Da mesma forma em Medicina (pestes que surgiam…). Quando eu estive
morando um tempo na Suécia, as focas do mar Báltico estavam morrendo
envenenadas por um tipo de alga. Então foram nomeados dois professores
catedráticos para pesquisar e debelar esse mal. Quando surgiu um movimento pela
paz, foi instituída uma cátedra, em Estocolmo, de como estimular a indústria
bélica a ser tornar uma indústria pacífica, e diminuir a produção de armamento.
Isso só pra dar algum exemplo.
A
universidade, como de elite, naturalmente estava organizada pelos interesses da
mesma. Mas foram surgindo os partidos obreiros, em diferentes pontos e, por
fim, o Partido Comunista na Bélgica. Verificou-se que o partido obreiro não era
só pra fazer oposição aos partidos burgueses. Da sua prática nasce um novo tipo
de conhecimento social diferente da Engenharia Social de Augusto Comte. Nas
democracias obreiras Ciências Sociais
passaram a ser eram estudadas em escolas do partido em nítida interação com a
práxis social. Isso eu presenciei em cursos que fiz na Alemanha Oriental,
Moscou, Praga, e na experiência vivida em Angola. Na medida em que as tensões
da sociedade de classe vão sendo superadas, há, necessariamente, um estímulo a
uma crescente convivência entre os partidos trabalhistas e a universidade.
Quando
veio o golpe militar – agora falando da Ditadura – eu não estava presente na
UNB. Voltei para o Brasil oficialmente em março de 1970, para reabertura do Instituto
Central de Artes. Oscar Niemeyer foi convidado pra reabrir a experiência do
Instituto Central de Artes, mas disse: “eu não posso, só posso se os 200 que
foram demitidos voltarem”. O PCB foi contra a demissão, quer dizer, foram mais
as tendências social-democratas, trotskistas, e de outros radicalistas que
achavam que seriam convidados de volta porque o governo não saberia desenvolver
a universidade sem eles – o que não ocorreu. Bom, o Oscar sugeriu que se
consultasse o Instituto de Arquitetos no Brasil, e esse formulasse uma comissão
para a reabertura do ICA~FAU Nesse tempo era reitor o doutor Amadeu Cury e
vice-reitor o almirante Azevedo (depois isso se alterou, e o Azevedo passou a
ser reitor). Mais ou menos este disse o seguinte: “eu sei que vocês são
comunistas, mas desde que vocês não militem na universidade, e me garantam que
vão fazer funcionar o Instituto de Artes, dá para conviver”. Não foram
exatamente essas palavras, mas foi mais ou menos o acordo que se fez. E o
ICA-FAU teve um papel preponderante na reabertura; nos períodos, que muitos
conhecem melhor do que eu, quando se tentou fazer funcionar a Universidade sem
professores progressistas.
Só
mais uma palavra a respeito das características da solução arquitetônica no
campus, histórica, porém esquecida.
Oscar Niemeyer não era um pesquisador de teorias, mas era um militante
na célula do PCB na parte sul do Rio de Janeiro. Tinha como colegas de
militância Nelson Werneck Sodré, João Saldanha, Horácio Macedo e várias outras
figuras que abrilhantaaram a História deste país.
Na
época estava na moda ler os estudos de Georges Lukács, pensador marxista
húngaro, sobre a estética da arquitetura. O grande mérito de Lukács, é que ele
desenvolve a visão de Hegel sobre arquitetura e diferencia arquitetura, de
escultura, por ser espaço necessário e ocupado. Ele vincula a espacialização
com a própria vida. Sobre conhecimento de construção, de fazer monumentos
segundo a forma, a história já tinha fornecido muita coisa, mas conhecimento
sobre a vida, o fato do homem ser um ser locacional, do homem não sabe viver
sem lugares era raro. Ele configura lugares para suas atividades. E quando isso
entra, através do enfoque marxista, no conhecimento da arquitetura, a coisa
implica novas conclusões. Em termos de estética, o Lukács coloca: a proporção,
a fluidez espacial, a surpresa vinculando a experiência da arquitetura às
emoções. Oscar, o Niemeyer bebeu muito disso.
Desafiar
o esforço material das estruturas é criar emoções parentes da emoção estética
diante de outros ramos artísticos. Desafiar as forças da natureza com os
grandes vãos. Para tanto, ele se caracteriza por um outro aspecto: qual
material a ser usado? A arquitetura estava superando a limitação da geometria
euclidiana de ângulos retos e linhas paralelas. Começavam surgir, com mais
possibilidade, as superfícies curvas, aproximando-se da assimetria da natureza
e permitindo uma melhor integração, com a paisagem natural. Havia surgido um
material, uma mistura de diferentes elementos: areia, brita, cimento e água que
permitindo criar uma massa que ganha a forma da forma que lhe for atribuída.
Conseguiu ainda a convivência com um matemático e cientista, Joaquim Cardoso,
que lhe permitiu, principalmente na arquitetura para Brasília, soluções
arrojadas de concreto armado. Concreto armado que poderia ser misturado
praticamente por qualquer operário, desde que orientado tecnicamente.
Material
permitindo uma aproximação de formas como reinterpretação do barroco colonial
brasileiro, num modernismo neobarroco. Eu digo isso pra combater a ideia de que
a arquitetura do Oscar Niemayer não faz sentido porque não é funcional etc.
Isso porque ninguém se aprofunda no
conhecimento de como ela foi feita, inclusive socialmente; e também para valorizar
a cultura brasileira. A arquitetura desenvolvida a partir de Oscar, e ele não
foi o único, não dá pra confundir, por exemplo, com a arquitetura mexicana
moderna que continuou totêmica, ela tem identidade cultural. Bom, eu não vou
falar muito mais disso.
Eu só
quero sublinhar a militância política de arquitetos da época, e que nas seis
escolas de arquitetura havia as células de arquitetos e estudantes da
arquitetura, até 64. Depois veio uma onda de neoliberalismo, de cada um pra si,
e de saudosismo pseudo-histórico, numa interpretação muito primaria da
história, não incluindo a força de transformação que a mesma anuncia.
Isto
posto eu coloquei um pouco a relação do que eu sei e do que eu vivi na
Universidade de Brasília no tempo da ditadura, e principalmente no resgaste da
democracia que veio depois. E aí eu não vou dizer muita coisa, mas se
implantou, com o neoliberalismo, a ideologia da não ideologia. Hoje não é
científico, não é sério, não é admissível que o conhecimento seja enfocado
politicamente, mas isso não vai se aguentar. Nós vamos caminhando para dias
tensos, em que passamos do capitalismo do período industrial para o capitalismo
do período da informática, em que tudo é visto de forma virtual afastando-nos
do conhecimento da essência da realidade. Eu acho que esse foi o maior contributo
do regime militar. Ele escancarou as portas para o subjetivismo depreciando o
pensamento objetivo e crítico na busca do conhecimento e no exercício de sua
aplicação.