Claude Schnaidt -- (*
23. Junho 1931 em Genebra; † 22. Março 2007 em Paris). Militante comunista
franco-suíço, arquiteto e teórico da arquitetura, professor de arquitetura, em
Paris.
(Texto do capítulo de mesmo título em: Claude Schmidt: Ce n'est pas fini/No se acabó. Paris/La Habana, École d'architecture Paris-Villemin/lnstituto superior politécnico José Antonio Echeverria 1999, pp. 18-26. Compreende partes de conferencias feitas e artigos publicados sob o título Was ist Architektur? (O que é arquitetura?) em Humboldt-Universität de Berlim em 1988).
De Claude Schnaidtt ver também no blog Arquitetura e engajamento franksvensson.blogspot.com:
Arquitetura,
uma definição, É no saber ensinado
que a sorte real das pedagogias é jogada. Pós-modernismo, e Droit à la Ville – (Intervenção apresentada por Claude Schnaidt -- Colóquio: Traces de
futurs – Henri Lefebvre -- St. Denis, 4 de junho de 1994).
Tradução: Frank Svensson
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Do governo dos homens à administração
das coisas, a Arquitetura é um dos elementos utilitários criados para
apropriação da Natureza. Como utensilio que envolve e serve ao homem,
só existe por e para o mesmo. Produto da
mão e da mente humana resta objeto da Natureza, fragmento de matéria cujas leis
são incontornáveis. Uma vez criada, a
arquitetura mesmo devendo sua existência e seu poder à atividade criativa, como
instrumento inicia sua existência com uma vida autônoma, num sentido imaginário,
num sentido real.
Criá-la consistiu em destacar o
objeto útil da massa indefinida do Universo, dando-lhe uma realidade prática
distinta da de outros objetos. Tudo aquilo que estabelece as relações do objeto
com seu contexto material, o reintegra na indiferenciação aniquilando-o como
eficiente produto humano. Por exemplo, a
ferrugem e a inadequação do dimensionamento da viga metálica causarão sua
ruína. Isolada
da Natureza, tendo ganhado uma forma e um nome próprios, relacionando-se com
seus congêneres, o objeto se põe a dialogar com o Homem numa linguagem que
parece vir do além. Desse modo, a atividade humana produtora de objetos faz-se
criadora de ilusões. Sua relação com os objetos criados se desenvolve contraditoriamente.
A atividade concretiza-se nos e pelos objetos perdendo-se simultaneamente. Os
objetos a supõem, a encarnam, a contêm, mas a dissimulam. O que faz com que o Homem
se atém ao mesmo. Fetichismo e alienação acompanham a realização humana.
Como os mísseis, a alienação
funciona por vários estágios de acionamento de seus motores. Com a divisão do trabalho em material e
intelectual, o espírito pode liberar-se do real e construir a abstração,
desenvolver teorias. As representações elaboradas substituem o conhecimento
imediato, frustrando e abusando do mesmo. Tal desenvolvimento não impede a
consciência de se imaginar ser outra coisa que não a consciência da prática
reinante. Ao contrário, induz ao crime, possibilita as grandes fantasias
ideológicas, oriundas de uma realidade, refratada em seguida através das
representações existentes, selecionada e admitida pelos grupos sociais
dominantes, erigindo-se em totalidade. Tais produtos espirituais mutilados não
detêm em si mesmos nenhum poder. Tornam-se deformadores deturpando a linguagem,
distorcendo os pensamentos, traduzidos por forma notadamente arquitetônica.
Captados e deliberadamente usados pelo poder econômico e político tornam-se acentuadamente
opressivos. Os mestres veem-se obrigados
a guardar seus subordinados em subordinação.
Devem vigiá-los, intimidando-os, incitando-os a trabalhar, a fim de
consolidar o prestígio dos mestres. Valem-se de violências e teatralidade. Para
violência contam com o aparelho de Estado, com as leis, os chefes, os
encarregados, as armas ,,, Para teatralidade,
são as ideias, as obras, as festas, os monumentos executados que justificam a
dominação. Donde a profusão de imagens e
palavras visando à auto exaltação da classe dirigente, à sua glorificação pelas
classes dominadas, à desconsideração e à auto depreciação dos oprimidos.
A arquitetura e suas teorias
mostram a que nível de refinamento podem ser levadas práticas mistificantes.
Dar a impressão de que não existem perorando imperturbávelmente sob a carga
semântica e o código simbólico dos castelos, dos bairros pavilionares e dos planos urbanos, tomando as gentes por atrasadas
perpetuando seu apego aos fetichismos.
A relação do homem com seus fetiches é exatamente o que nós,
marxistas, denomina-mos alienação. Manifesta-se como apego a si e perda de si;
a capacidade do homem se lhe faz estranha subjugando-o e indomável. Drama que não termina que pela reconquista dos
homens de sua própria capacidade, pela supressão dos superfetiches, seja sob
forma de mercadoria, do dinheiro, do capital, do Estado.
Marx evidenciou o papel
fundamental do trabalho no fenômeno da alienação do Homem, considerando-o como a
totalidade de seus atos, a totalidade dos seus feitos. O homem é definido por sua obra. Sendo
espoliado, é desumanizado, alienado. Na sociedade capitalista, o trabalhador
que cria a mercadoria é espoliado de sua criação, dominado pela mesma. Submetido
como uma fatalidade às leis do mercado.
A propriedade privada, o capital representando o trabalho morto ligado ao trabalho vivo, tornando-se força autônoma, força adversa e estranha, esmaga os viventes. É a partir do trabalho, como se efetua na sociedade de classe, que podemos conhecer o processo pelo qual o homem produtor é destituído, coisificado.
A propriedade privada, o capital representando o trabalho morto ligado ao trabalho vivo, tornando-se força autônoma, força adversa e estranha, esmaga os viventes. É a partir do trabalho, como se efetua na sociedade de classe, que podemos conhecer o processo pelo qual o homem produtor é destituído, coisificado.
O capitalismo não só produz
objetos para sujeitos; produz sujeitos para objetos, ajusta a demanda à oferta.
O trabalhador consumidor é seduzido pelo sistema, família, escolas, empresas,
Estado, em função dos atos a realizar, conforme o lugar que lhe é designado nas
relações de produção. O poderio social oriundo da cooperação na cada vez maior
intensificação do trabalho é visto como uma ameaça pelos indivíduos. Na medida
em que subsiste a divisão social do trabalho, a separação do trabalho manual do
intelectual, da cidade e do campo, do produtor e dos meios de produção
subsistem as raízes da alienação, Para extirpar tais raízes, os trabalhadores
precisam se tornar donos do conjunto do aparelho de produção, decidir sua
finalidade, organização da retribuição do trabalho, bem como, as grandes
orientações da economia, e progredir rumo ao desaparecimento da divisão social
do trabalho. Só assim poderão aceder a uma sociedade na qual os trabalhadores associados entre si são
donos de seu destino.
O socialismo, porque conquistá-lo?
A teoria marxista da alienação propõe
intensa luta pela autogestão socialista e anuncia claramente seu objetivo
essencial: assegurar aos trabalhadores o pleno domínio de sua existência social
na produção e em todas as esferas da vida. Nessa luta, os trabalhadores auto
educam-se, auto transformam-se, tornam-se aptos a se auto gerirem. Marx pensou
com razão que não se pode acomodar com o Estado, pois restará um poder
alienante expressando sempre uma desapropriação do homem produtor. Contudo contornar parece inevitável. Com o enfraquecimento do Estado começa o
surgimento de um novo tipo de Estado, o dos trabalhadores que devem conquistar
o poder político para assumir a transformação das estruturas da sociedade. Tal
período de transição pode tomar diferentes formas. Pouco importa a qualificação
do regime de transição. O principal para que se realize a perspectiva comunista
de autogoverno dos trabalhadores
associados, reside na criação de órgãos de base assegurando aos
trabalhadores a gestão direta dos meios de produção e na tomada do poder
efetivo a todos os níveis da vida social.
Sabemos agora que a propriedade
coletiva dos meios de produção pode não dar aos trabalhadores o poder nas
empresas nem no conjunto da economia. Podemos aferir as consequências de uma
revolução proletária que não transforma fundamentalmente as relações de
produção. Além do curto período quanto os sovietes
obreiros, de camponeses e militares realmente detiveram o poder de decisão nas
fábricas, fazendas e bairros, os Soviéticos viram-se submetidos às ordens de
direções centralizadas e acorrentados
pela divisão social do trabalho. Seus
desejos de compensação às frustrações sofridas são compensados por consumo
atraindo cada dia mais ao consumo do mundo capitalista sem nunca atingir o
nível do mesmo, estimulando o desapontamento a ponto da catástrofe que não
devemos perder de vista a origem: a castração da autogestão socialista.
O absenteísmo, a evasão, mesmo a
recusa, de uma parte importante da juventude e crescente da classe obreira são
fatos universalmente reconhecidos, Entre as causas múltiplas dessa atitude,
podemos detectar uma revolta contra a repartição dos encargos, o trabalho
repetitivo e desinteressante, a falta de participação nas decisões do processo
de produção. Tal revolta é tanto mais viva que aumenta o nível geral de
informação e se aprofunda entre a abertura cultural e o horizonte demarcado do
trabalho em questão. William Morris viu isso acertadamente em dizendo: Se o mundo não pode trazer felicidade no
trabalho, deve abandonar a esperança de felicidade. Porque o trabalhador
não se encontra em seu trabalho dado o fato do trabalho negado como atividade
criadora, é uma calamidade, um puro meio de satisfazer necessidades, que do
indivíduo são amputadas suas carências criativas ativas não realizando sua
soberania senão no não trabalho, ou seja, na satisfação de necessidades
passivas, no consumo e na vida doméstica. Daí o drama das atividades do lazer
hoje destituídas de sentido que como compensação à monotonia do trabalho e à
pobreza das relações humanas no mesmo. Faz-se evidente não ser possível a
emancipação do individuo social em seu tempo livre não havendo emancipação na
atividade social principal: o trabalho.
O socialismo não tem escolha.
Após o fracasso de distintas variantes de social-democracia e de democracia
popular, é necessário retornar às fontes
e propor como alvo o trabalhador associado aos demais trabalhadores para
regular a produção e as trocas, o produtor dominando o processo de produção ao
invés de lhe ser subordinado, o homem total da práxis criadora. O socialismo
porá fim ao trabalho desumanizado, engendrará outros tipos de consumo, de
colaboração social e de desenvolvimento, gerará uma nova civilização, ou não
haverá uma tal.
Tudo o tecnicamente possível é desejável e necessário?
Contrariamente às aparências e às
ideologias que sustentam as sociedades industrialmente avançadas essas não são
determinadas pela técnica, mas por grupos financeiros e tecnocratas que desviam
a técnica de sua finalidade, entravando e distorcendo o progresso. O poder libertário da técnica e do
conhecimento perverte-se em força de subserviência. A oposição entre cultura e
técnica, entre Homem e máquina, é um traço da alienação do trabalho engendrado
pela exploração do homem pelo homem.
O trabalho retalhado,
rentabilizado, embrutecedor, e percebido como maldição, com tudo o que daí diretamente
decorre – os meios de produção, a técnica, os produtos industrializados – são
percebidos como desumanos. Para que isso mude, a empresa não pode continuar
sendo um lugar de subserviência; é necessário que a escola não seja um bastião
de pura intelectualidade; que os trabalhadores, no seu conjunto, acessem ao
conhecimento e ao poder. Quer dizer que a instauração do socialismo auto
gestionário é a condição primeira da reincorporação da técnica à cultura, da edificação
de um novo humanismo politécnico.
No início do nosso tempo, haveria
de 200 a 300 milhões de habitantes sobre nosso planeta, um planeta de dimensões
desconhecidas. Somos hoje 6 bilhões. Não há mais terra a descobrir. Enviamos
naves ao Cosmos. Manipulamos as partículas invisíveis, O mundo que era imenso, bruscamente
tornou-se minúsculo. A humanidade começa a considerar-se como um todo. Ameaçada
de um suicídio nuclear ou ecológico, de um genocídio ampliado ao hemisfério Sul
descobre que é fatal. Confrontada a seus insucessos existenciais é necessário
pensar e agir diferente. Devemos todos fazer tudo que é de nosso alcance fazer?
A bem da verdade, a questão moral
do bom uso do conhecimento não é nova. François Rabelais já advertira quando da
Renascença: A questão ganhou outra
dimensão quando a tragédia assolou o progresso, marcando sua sobrevida.
Exatamente quando do lançamento da primeira bomba atômica e o processo
criminoso da guerra nazista. Após Hiroshima, Albert Einstein declarou: não se pode fazer não importa o que. Em
Nürenberg, as experimentações de médicos dos campos de concentração foram
julgadas como crimes contra a humanidade. Não
importa o avanço, qualquer que tenha sido, da ideia de Gorbatchov
dando-nos uma esperança anunciando uma nova
maneira de pensar, Mas nada resultou por seu pensamento flutuar nas nuvens
de uma humanidade indiferenciada, nos corredores de uma casa comum na qual alguns chefes de Estrado estrangeiros sonhavam
com reconquistas por defender a perestroika.
Isso para lembrar que um novo pensamento que não responde claramente a questão
de sua finalidade – o que fazer, com e porque, em qual perspectiva? -- não há
nenhuma chance de ser viável face ao pensamento do grande capital, que, esse
sim sabe para onde vai e o declara todos
os dias sem ambiguidade.
A revelação (cuidadosamente
ocultada) da falência do produtivismo é o grande acontecimento do fim do século
XX. O produtivismo não exclui o
terceiro-mundo e os países socialistas do Leste europeu, ele
avança suas trincheiras ao limite que a terra pode suportar. Os séculos de nova ordem mundial prometida em 1991 por
George Bush e seus comparsas de grandes potencias industriais são impensáveis.
Por isso esses senhores desarmam seus mísseis para fazer crer na novidade de sua
ordem, mas escondem o outro arsenal que lhes permitiu avassalar o Iraque num
abrir e fechar de olhos.
Os vencedores podem sem dúvida se
desembaraçar de 4,5 milhões de maltrapilhos
que ameaçam estragar seu festejo. No entanto, supondo que sejam bem sucedidos,
quem irá encher as placas de concreto, montar peças e latas de lixo vazias?
Novos escravos que, por sua vez, também se revoltarão? Robôs que logo evidenciariam
a desigualdade dos homens como completamente obsoletos?
Não há outra saída do que outro
desenvolvimento: produzir outra coisa e de outra forma. Isto não é um sonho
desde que aqueles que, de uma maneira ou de outra, resistem à bobagem e têm em mente,
ainda confusamente, uma outra civilização; são muito numerosos: Niamey em
Estocolmo, o urbanismo rural em Cuba, as aldeias da França. Eu vi recentemente
os 300.000 camponeses que vieram demonstrar em Paris pela sua sobrevivência.
Não eram os fantasmas de uma era passada. Raciocinaram por planejadores que não
aceitam como inevitável a gestão capitalista dos recursos em uma França em
processo de desertificação. Certamente, eles não chegaram ao final de suas lutas.
Mas os tecnocratas do espaço económico europeu, os estrategistas da OCM, os
gigantes da agro alimentação que os perseguem não têm mais futuro que seus
imitadores do Leste os quais exauriram os campos para nutrir os monstros
industriais, enfartar os gansos poloneses e húngaros para captar as divisas dos
comedores de fois-gràs, levar o
Uzbequistão ao desastre com a cultura do algodão.
Muitas páginas da história
louvando a expansão industrial e a mundialização do comércio já foram viradas,
temo que venham ainda outras tão sangrentas. O livro está por terminar e não
terá continuação. Tem que ser escrito um
novo livro começando por: Tudo o tecnicamente possível é desejável e
necessário?
Produzir outra coisa e diferentemente para cambiar a vida
Após de dois séculos, a grande
indústria e o mercado internacional menosprezaram as particularidades,
extirparam as diferenças, uniformizaram o mundo. Em 1917 pensou-se que algo de
novo seria construído, mas, gradativamente, o socialismo pôs-se a imitar o
capitalismo. Com atroz resultado. O
terceiro-mundo gerara a esperança de um não alinhamento, mas atolou-se em
dívidas por força de um crescimento segundo modelo imposto. Hoje está
impossibilitado de resgatar suas dívidas e morre de fome. Com sua nova ordem mundial, suas maquinas, seus
supermercados e suas forças armadas, o Capital anuncia sua determinação em
fazer desaparecer da superfície do planeta tudo o que reste de anormal.
Entretanto, após dois séculos, as
particularidades resistem obstinadamente. Passam à ofensiva desde que as
circunstancias não lhes sejam por demais desfavoráveis. As hostilidades eclodem
aqui e acolá, aumentam e se avivam. A reivindicação de identidade e de
soberania que as motivou é muitas vezes marcada por individualismo, corporativismo, nacionalismo, religiosidades,
o que permite à força opressiva e repressiva se valer de ares de progresso e de
modernidade. Ora, tão enganador que possa parecer, o futuro da civilização está
em mãos dos que se batem pelo direito à diferença. Cada vez que é rejeitado um
saber-fazer original, desmantelado uma rede de solidariedade marginal,
destruída uma cultura periférica, a humanidade é amputada de uma parte de si
mesma, diminuída de sua pluralidade e de sua capacidade de cooperação, da essência
de seu sucesso.
Só pode haver modelo universal de
desenvolvimento na mente dos imperialistas
O desenvolvimento necessário a ser promovido com toda urgência, é endógeno. Ele surge do foro interior de cada sociedade, definindo soberanamente sua visão ou seu projeto, contando com suas próprias forças. Tirando racionalmente partido de seus próprios recursos e cooperando com as sociedades que comungam seus problemas e aspirações. Isso implica as gentes se organizem para desenvolver o que são por e para si mesmos. Os resistentes à uniformização do mundo e a convocação das massas serão a alavanca desse outro desenvolvimento. Já se reagruparam numa multitude de associações, de partidos, de movimentos, de sindicatos, de cooperativas, de comunidades. Todas essas formações, oriundas de iniciativas de base, são movidas pela mesma vontade das gentes tomarem seu destino em mãos, de escapar da tutela do Estado, de agir fora e contra as leis do mercado. Constituem uma colossal força crescente na medida da nova ordem que se organiza, como pretendido por mais de cem anos. Os opressores querem tudo. Nós não podemos exigir menos. Queremos o mundo na totalidade de suas particularidades.
O desenvolvimento necessário a ser promovido com toda urgência, é endógeno. Ele surge do foro interior de cada sociedade, definindo soberanamente sua visão ou seu projeto, contando com suas próprias forças. Tirando racionalmente partido de seus próprios recursos e cooperando com as sociedades que comungam seus problemas e aspirações. Isso implica as gentes se organizem para desenvolver o que são por e para si mesmos. Os resistentes à uniformização do mundo e a convocação das massas serão a alavanca desse outro desenvolvimento. Já se reagruparam numa multitude de associações, de partidos, de movimentos, de sindicatos, de cooperativas, de comunidades. Todas essas formações, oriundas de iniciativas de base, são movidas pela mesma vontade das gentes tomarem seu destino em mãos, de escapar da tutela do Estado, de agir fora e contra as leis do mercado. Constituem uma colossal força crescente na medida da nova ordem que se organiza, como pretendido por mais de cem anos. Os opressores querem tudo. Nós não podemos exigir menos. Queremos o mundo na totalidade de suas particularidades.
Agora se batendo heroicamente,
aqui em Cuba, por vosso direito à diferença, buscai soluções que sejam vossas, os exércitos de especialistas do marque Ting, de estilistas e arquitetos
que se dedicam a empurrar as gentes para a massa do conformismo, a fazer falar
os objetos, a lhes fazer significar outra coisa que não são a fim de seduzir os compradores, de anestesiar os
consumidores e de acrescer os lucros.
Povos inteiros se sublevam por
acesso ao grande mercado de bugigangas reluzentes. Em 1992, cento e nove anos
após a morte de Marx, fetichismo e alienação prosperam como nunca. É equivocado no entanto pensar que a
mistificação só funcione por violência, embriagues e besteira. Os mestres, os
aproveitadores e seus lacaios não podem difundir ilusões de um golpe de varinha mágica. As
ideias – falsas ou verdadeiras – não ganham as consciências senão lançando suas
raízes na experiência vivida. Não é porque a Igreja ensine que o Criador
combinou, conforme a proporção, o fogo, a terra, a água, o ar para fazer o
mundo, que a proporção justa seja um artigo de fé. Não é porque os teóricos tenham decreta que
uma coluna dórica devia ter oito diâmetros de altura que tal regra é
indiscutível.
Para confeccionar todos os dias
massa e reboco, é preciso respeitar certas proporções. Não é porque a mídia
capitalista apregoa cada um para si que
as pessoas se concentram quanto a si mesmos. Entre nós esse comportamento é
mais gratificante do que a ação coletiva. Eis aí uma falha no processo de
alienação que nos indica o que fazer. Se as ilusões lançam raízes na vida real,
a melhor maneira de combatê-la é agir sobre a realidade e mudar a vida. Outras experiências substituirão falsas
ideias e estimularão a busca de ideias
mais exatas e eficazes. Outros produtos irão convencer os produtores e os
consumidores que é possível fabricá-las, de obtê-las e viver de outra maneira.
Utopia? Talvez, mas em todo caso
mais concreto da que consiste a crer que as coisas poderão persistir no estado
em que se encontram num mundo onde o desenvolvimento muito problemático de um
quarto de seus habitantes tem por corolário a regressão e a falência de todos
os outros e, ao fim, o esvaziamento dos recursos naturais – se o apocalipse
nuclear não sair do cenário, a vida.
Podem curvar-se ante o peso de dominações e afundar-se na barbárie. No momento é a segunda possibilidade que
domina. Terão consequências inevitáveis que me fazem compartilhar o otimismo de
mensagem que um desconhecido afixou no monumento Marx-Engels em Berlim: Da próxima vez faremos melhor.
O mundo gira. Os homens podem se
re-apropriar do poder que criaram por sua atividade social, se associarem e se
autogerirem passando à administração das coisas e mudar.