quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

NOVAS VILAS PARA O BRASIL COLÓNIA Planejamento espacial e social no século XVIII Parte VIII




                                               Roberta Marx Delson

Tradução: Fernando de Vasconcelos Pinto



Roberta Marx Delson, nascida na cidade de Nova York, recebeu o seu MA (Master of Arts, mestrado em Ciências Humanas) e o seu PHD (Philosophy Doctor, doutorado) em Estudos Latino-Americanos e História na Universidade de Colúmbia. Lecionou na Universidade Estadual de Rutgers (em New Brunswick, estado de Nova Jersey) e na Universidade de Princeton (em Nova Jersey), e tem trabalhado como consultora em programas de estudos latino-americanos e também para o Serviço do Patrimônio Histórico do Estado de Nova Jersey. Atualmente é lente da Academia da Marinha Mercante dos Estados Unidos. Suas obras publicadas compreendem o presente livro, cuja edição original em inglês, data de 1979, Readings on Caribbean History and Economics (Conferências sobre a História e a Economia do Caribe,) (1980) e Industrialization in Brazil: 1700-1830 (1991), esta em coautoria com John Dickenson, bem como muitos artigos especializados. Presentemente está elaborando The Sword of Hunger: A Latin-American History (A Espada da Fome: Uma História da América Latina), conjuntamente com o eminente brasilianista Robert M. Levine.


A ARBORIZAÇÃO DAS CIDADES BRASILEIRAS NO FIM DA ERA COLONIAL.

No final da dominação pombalina em 1777, com a adaptação bem-sucedida do modelo de planificação de vilas padronizado a regiões geograficamente diferentes, os portugueses estavam aptos a voltar sua atenção para os aspectos paisagísticos do desenvolvimento urbano. Descurados no início do século, na pressa de ordenar as ruas e regulamentar as fachadas dos prédios, os jardins e a arborização agora começavam a ser incorporados às composições urbanas. Como nos primeiros exemplos de planejamento já examinados, esse novo cuidado urbano refletia as preferências europeias da época pela arborização extensiva:

No século XVII, caracteristicamente, a maior parte dos hortos de recreio situavam-se fora das cidades. Ainda não se empregavam árvores no planejamento de ruas ou praças. Só no século XVIII ocorreu uma mudança. As novas ideias foram aplicadas até mesmo nas chamadas vilas coloniais, como as povoações militares fundadas por Maria Theresa,... e em Carouge, distrito de Genebra, desenhado por Laurent Giardive em 1784. As cidades eram circundadas por aleias duplas de árvores, e não mais por muralhas, e em alguns lugares as aleias penetravam até o centro.1

No Brasil, os primeiros projetos paisagísticos foram desenhados para postos avançados remotos e comunidades indígenas. Como já foi visto, Casalvasco tinha praças orladas por alas de árvores rigorosamente alinhadas, enquanto na comunidade indígena de Aldeia Maria, em Goiás, a praça principal era ornamentada por uma cercadura de árvores alinhadas e plantadas a intervalos regulares. Nesses exemplos, a arborização realçava a natureza ordenada da composição urbana; árvores dispostas ordenadamente davam a impressão de uniformidade. Concomitantemente, o toque da arborização também tinha uma função ecológica, de acordo com as convicções fisiocráticas dos intelectuais brasileiros do final do século XVIII, segundo as quais a verdadeira fonte da riqueza de um país era a terra cuidadosamente tratada.2  Assim sendo, a câmara de Sabará determinou que todos os que possuíssem terras atravessadas por cursos de água eram obrigados a plantar árvores de raízes profundas (como cedros e pinheiros) nas suas margens a fim de impedir a erosão do solo. Pela mesma razão, a câmara exigiu que no futuro as beiras das estradas fossem plantadas com fileiras de árvores, que proporcionariam conforto e prazer aos viajantes, bem como frutas para as pessoas com fome que se encontrassem nas proximidades dessa vila mineira.3

Nessa mesma época, as cidades costeiras tradicionais também estavam experimentando uma revivescência do verde. Em vez dos primeiros jardins de recreio aristocráticos plantados em Vila Bela para o desfrute exclusivo do governador (ver Figura 6), os administradores portugueses agora procuraram oferecer espaço de recreação mais para o público em geral. Esses parques não só constituiriam centros de recreio para os habitantes da cidade como serviriam de cenários para jardins botânicos, onde se pudesse levar a efeito a experimentação agronômica. O Horto Botânico de Belém, organizado em 1781,4  foi criado para esse fim, assim como os jardins botânicos de Salvador e do Rio de Janeiro.5

Porém foi no Rio de Janeiro que o jardim público, projetado exclusivamente como passeio, alcançou o mais alto requinte. Uma lenda popular carioca muito conhecida afirma que o vice-rei Luís de Vasconcelos (1779-1790), ao passar, ouviu uma mocinha comentar que nos seus devaneios ela havia imaginado a área pantanosa da orla da cidade transformada num jardim magnífico.6 Talvez motivado por essa inspiração oportuna ou, o que é mais provável, pela compreensão mais racional de que o paul infestado de mosquitos representava uma ameaça séria à saúde, o vice-rei ordenou a criação de um jardim de recreio no local do pântano. O arquiteto Valentim Fonseca e Silva, que estudara em Lisboa e voltara para o Brasil com uma inclinação pelo desenho europeu, foi quem traçou a configuração excessivamente formal que o jardim teria; ele parecia-se com uma perfeita miniatura dos jardins do Palácio de Versailles (perto de Paris), com as mesmas alamedas longas e canteiros simétricos.7  Esse desenho de inspiração francesa do Passeio Público durou até o meado do século XIX, quando foi substituído pelo estilo em voga do jardim inglês de forma livre.8

Entretanto, nas cidades mais antigas, o espírito reformista foi além das mudanças consagradas no paisagismo. Por exemplo, em Salvador, cidadãos de mentalidade progressista defendiam a necessidade de uma zona portuária mais limpa. Como observara o bem informado escritor José da Silva Lisboa, a Cidade Baixa era densamente povoada, e as ruas estreitas e escuras tornavam-na ainda mais desagradáve1.9 Os atracadouros deteriorados da orla da Cidade Baixa contribuíam para o quadro geral de desmazelo. Para remediar essa situação lamentável, a câmara resolveu, com o apoio dos comerciantes do local, reconstruir a zona portuária, com um sistema de cais, rampas de estaleiros e novos prédios comerciais cuidadosamente regulamentados. Essa benfeitoria pública deveria ser custeada por taxações, por volume, sobre as mercadorias que transitassem pelo porto.10  Em seguida a essa proposta inicial, foram desenhadas plantas que mostravam a localização de um paredão de contenção em todo o contorno da Cidade Baixa. A finalidade explícita desse paredão era estabelecer uma barreira protetora, para evitar a queda de entulho no bairro da Cidade Baixa.11  Entretanto, o verdadeiro móvel dessa providência era o desejo oculto de conter o crescimento da Baixa e, assim, evitar a contaminação gradativa da Cidade Alta, mais elitista, pela expansão da favela da Cidade Baixa.

Outra preocupação das autoridades da cidade era a aparência geral das ruas da cidade. Embora Salvador não fosse mais a capital do Brasil,12  ainda era uma metrópole importante, com um potencial de crescimento notável. Reconhecendo esse fato, os próceres da cidade resolveram que daí em diante as construções em Salvador teriam de se ajustar às noções de ordem e regularidade (a essa altura corriqueiras no interior) para emprestar à cidade um aspecto de sofisticação. Nessas condições, em 1785 a Câmara elaborou um novo código de construção para a cidade, em conformidade com as recomendações dos fiscais da prefeitura. O historiador Robert C. Smith qualificou essas normas precisas de construção como da maior importância para a história da arquitetura colonial no Brasil.13   O novo código continha regulamentações (já em largo uso no sertão) sobre as alturas dos prédios, as proporções aceitáveis para janelas e portas, bem como limitações insólitas sobre o uso de sacadas em pisos no nível das ruas. Daí em diante prestar-se-ia atenção ao alinhamento da rua, e o descumprimento dos no-vos regulamentos seria punido com a prisão e multas severas.14

O Rio de Janeiro não ficou muito atrás de Salvador na adoção de códigos de construção. Acresce que a Aula de Fortificação, recém-reformada, estava produzindo um fluxo constante de diplomados, amplamente capacitados a empreender a tarefa. Em 1792 o Conde de Resende determinou que todos os alunos da academia militar deveriam estudar arquitetura civil no sexto ano do curso; eles estudariam carpintaria e cantaria e a arte da ornamentação, bem como os métodos de construção preferidos. Já que se esperava que eles contribuíssem com o seu conhecimento em importantes projetos de obras públicas, esses futuros engenheiros seriam instruídos na arte da construção de pontes e canais, assim como em construção e pavimentação de estradas.15  Assim, esses técnicos bem preparados poderiam ser convocados em qualquer situação que requeresse os seus conhecimentos, como a construção de casas na cidade vizinha de Niterói, em terras pantanosas recuperadas.16

Até a provinciana São Paulo foi contagiada pelo espírito da reforma urbana. Tomando as diretrizes do governador Luís Antônio de Souza como roteiro, os administradores da cidade agora trabalhavam para corrigir os equívocos urbanos anteriores. O alvo principal de benfeitorias era o espaçamento irregular das ruas, que tinham desafiado o realinhamento repetidas vezes. Em 1792 o aspecto futuro de São Paulo havia sido mapeado no chamado Plano Topographico, um plano diretor em que se prescrevia o alinhamento para novas zonas da cidade. Todavia, essas disposições não foram executadas senão em 1808, e o velho centro da cidade, praticamente inalterado, continuou a dificultar as comunicações. Em 1809 uma legislação real exigiu o plantio de árvores nos primeiros jardins públicos da municipalidade, na vaga esperança de que a arborização de certo modo camuflasse e compensasse as deficiências flagrantes nas zonas mais antigas e não planificadas da capital bandeirante?17

Como se vê, no resto do século XVIII o destaque à retilineidade e à regularização conti-nuou, agora estendendo-se aos centros urbanos mais antigos. Essa mudança de pólo geográfico do urbanismo moderno foi acompanhada por um aumento do número de povoações promovidas a vila principalmente nas capitanias litorâneas. Com efeito, nas décadas de 1780 e 1790, pelo menos 23 comunidades18  foram elevadas à categoria de vila, das quais 16 se concentravam no eixo entre a Bahia e São Paulo. É certo que a maioria dessas vilas foram criadas a partir de povoações já existentes, porém nos casos em que as aglomerações se originaram do nada (inclusive as aldeias indígenas), elas tenderam a ajustar-se às novas normas urbanas.19

Em contrapartida, as regiões que haviam figurado tão destacadamente nos planos urbanísticos das décadas anteriores agora assistiam a um decréscimo de atividade simétrico. Nas décadas de 1780 e 1790, apenas duas novas vilas foram criadas oficialmente no Norte, enquanto no Centro e no Oeste sabe-se que absolutamente nenhuma povoação foi promovida a vila nesse mesmo período.20

Evidentemente as autoridades da Coroa estavam percebendo que agora não era necessário criar tantas vilas oficiais no interior como dantes. Em termos puramente econômicos, essa mudança justificava-se pelo enorme declínio da renda produzida por essas regiões.

De 1788 a 1798, a decadência da situação econômica tanto do Pará como de Mato Grosso acarretou um decréscimo no comércio, ao ponto de as autoridades temerem que a estagnação total fosse iminente.21

Da mesma forma, a dissolução simultânea das companhias comerciais do Grão Pará e do Maranhão precederam uma contração econômica geral nas capitanias do Norte.

Havia chegado o tempo de reduzir os custos, e isso era mais evidente ao longo da via comercial fluvial Guaporé--Madeira que em qualquer outro lugar. Embora a construção não cessasse por completo, os administradores agora mostravam menos preocupação com a uniformidade das fachadas que dantes. Por exemplo, um memorandum de 1797, em que se requeria a criação de mais uma comunidade no Salto da Cachoeira, fez referência aos gastos feitos pelos portugueses na construção de São José de Macapá e outras comunidades povoadas por colonos açorianos. O autor do memorandum, o engenheiro e sargento-mor Ricardo Franco de Almeida Serra, indicou que uma maneira de reduzir os custos no Salto seria manter um traçado urbano ordenado, mas eliminar as exigências estilísticas quanto às habitações.22  O governador Souza Coutinho aceitou a sugestão do seu engenheiro e decidiu que os habitantes da nova comunidade podiam construir suas casas conforme seus meios e seus caprichos.23   Desse modo, o Tesouro Real arcaria apenas com o dispêndio de transportar imigrantes para a nova colônia e construir a igreja e o hospital público. Diferentemente do procedimento adotado nos primeiros planos de colonização com açorianos, o governo agora assumiria a responsabilidade apenas de fornecer instrumentos aos colonos, em vez de dotar cada família de uma unidade residencial padronizada.

Fig. 26 Planta básica de Linhares, no Espirito Santo, 1819

Mesmo em Portugal, os administradores do final do século XVIII reconheciam que a uniformidade, embora a seu ver estilisticamente preferível, muitas vezes era financeiramente onerosa. Assim sendo, em 1805 as autoridades de Lisboa resolveram que

nas ruas e praças principais da cidade, o aspecto geral já aprovado e estabelecido para a sua construção será observado, e nas demais [os habitantes] terão permissão para introduzir as inovações e variações no aspecto que sejam mais apropriadas ao gosto, conforto e disponibilidade de capital de cada um dos que constroem esses [prédios].24

Por fim, nas áreas do Brasil consideradas urbanisticamente inviáveis, a Coroa poderia, como último recurso, passar contratos a particulares para fundarem as suas próprias comunidades. Na realidade esse mecanismo havia existido já em 1686, quando se concedeu a colonos o direito de estabelecerem aldeias indígenas. Entretanto, uma legislação posterior tornou quase impossível particulares administrarem esses estabelecimentos; paralelamente ao enorme dispêndio que um empreendimento dessa natureza requereria, essa legislação restringia a sua prática.25  Mesmo assim, alguns empreendedores, sempre ávidos pela mão-de-obra indígena, tentaram fundar comunidades desse tipo, apesar dos riscos financeiros certos. Por exemplo, em 1768 Manuel da Rocha Pereira encaminhou um requerimento ao governo pedindo permissão para estabelecer uma aglomeração para os pobres na capitania do Rio de Janeiro. Ele explicou que essa povoação não precisava ser sofisticada; as casas poderiam ser cobertas com sapé, em vez de telhas, que seria o preferível, e os habitantes poderiam manter-se através da agricultura e da pesca. Consoante esse colonizador altruísta, o objetivo era desviar muitas almas do inferno; quanto ao seu interesse pessoal no empreendimento, nenhuma menção é feita.26 

Alguns pretendentes à construção de vilas submeteram as plantas das suas povoações à aprovação do governo. Uma das mais inusitadas foi o desenho da futura vila agrícola de Jesus Maria, na capitania de São Paulo. Para essa comunidade, o projetista ideou uma configuração concêntrica; ruas circulares de casas alternavam-se com faixas de pomares e plantas decorativas, enquanto o centro do círculo foi reservado para a igreja.27 Todavia, esse projeto surpreendente não é tão original quanto parece à primeira vista. Plantas de aldeias indígenas maranhenses do final do século XVII apresentam uma semelhança notável na disposição das casas e na arborização com o desenho da vila de Jesus Maria de 1780,28 e, como observou Aroldo Azevedo, muitas comunidades indígenas autóctones do Brasil eram cercadas por estacadas circulares.29

Não obstante esses afastamentos ocasionais do modelo regulamentar, ditados por razões financeiras, a preferência pela retilineidade e pelo equilíbrio simétrico permaneceu constante em todo o final do século XVIII. Esses conceitos tiveram aceitação nas zonas costeiras nas décadas de 1780 e 1790, quando um grande número de vilas planejadas apareceram na paisagem. Por exemplo, a pequena comunidade de Linhares, no Espírito Santo (Figura 26), tem um traçado em malha ortogonal que não difere do das cidades interioranas do meado do século XVIII.30

Com a Independência do Brasil em 1822, o Império deu seguimento às preferências estilísticas do Brasil barroco, declarando que o crescimento urbano padronizado era não só desejável como verdadeiramente obrigatório. Assim, a Lei de Organização Municipal, de 1828, que estatuiu as diretrizes para o crescimento urbano no País no século XIX, continha instruções precisas para as prefeituras no que se referia à configuração urbana. As câmaras municipais deveriam não só zelar diligentemente pela conservação e pela aparência das suas respectivas cidades, mas também. procurar conseguir, o tempo todo, a elegância e a regularidade exterior dos prédios e ruas.31


N o t a s :

(1) E. A. Gutkind, The Twilight of Cities (The Free Press, Nova York, 1962), p. 38.

(2) Entre os incentivadores das ideias fisiocráticas de maximização da produtividade da terra no Brasil no final do século XVIII figuram José Vieira Couto e José de Sá Bittencourt. E. Bradford Burns, em A History of Brazil, pp. 95-96, analisa a influência do pensamento fisiocrata no Brasil.

(3) Posturas da Câmara Municipal de Sabará, artigos 102 e 103, sem data. Esse código foi transcrito em Augusto Lima, As Primeiras Vilas do ouro (Belo Horizonte, 1962)
.
(4) Ver Rocha Penteado, op. cit., vol. 1, p. 111.

(5) O Jardim Botânico do Rio foi construído por imposição do príncipe regente Dom João VI, depois da transmigração da família real para o Brasil em 1808.

(6) Essa lenda é apreciada em Brasil Gérson, História das Ruas do Rio de Janeiro (Editora Souza, Rio de Janeiro, 3 edição, sem data), pp. 230-231.

(7) Planta do Passeio por volta de 1850, constante em José Mariano, O Passeio Público do Rio de Janeiro, 1779-1783 (C. Mendes Júnior, Rio de Janeiro, 1943).

(8) Planta do Passeio Público depois da reforma radical realizada por Glaziou (1862), ibidem.

(9) Carta de José da Silva Lisboa ao Dr. Domingo Vandelli, diretor do Real Jardim Botânico de Lisboa, da Bahia, 18 de outubro de 1781. AHU-CA, Bahia, 10.907.

(10) O governador Manuel da Cunha Menezes apoiou esse projeto. Ver mapa do ...Prospecto da. Obra que pretendem fazer os Negociantes da Cidade da Bahia, aproximadamente 1776. AHU-Iria, nº 183.

(11) Projecto do novo paredão para conter o impurrão das terras que ameasão queda sobre toda a extensão baixa", aproximadamente 1786. AHU-Iria, n2 186

(12) A capital foi transferida para o Rio de Janeiro em 1763.

(13) Robert C. Smith, "Documentos Baianos", RSPHAN, vol. IX, p. 94.

(14) As ordens completas, datadas de 15 de novembro de 1785, encontram-se ibidem, pp. 95-96. Em 1809 o uso de venezianas mouriscas foi totalmente proibido, que he propio para o me-lhoramento e elegancia não só em particular, da erecção dos Edifficios, mas em geral dos prospectos, simetria e ordem regular, das praças e Ruas...", in Robert C. Smith, op. cit., p. 99. Uma análise do plano de realinhamento de 1785-1786 pode ser encontrada em Affonso Ruy, História Política e Administrativa da Cidade de Salvador (Tipografia Beneditina Ltda., Bahia, 1949), p. 318.

(15) Estatutos da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho da Cidade do Rio de Janeiro, de 17 de dezembro de 1792, Conde de Resende, BNRJ, 1-32-13-27.

(16) Niterói, denominada Praia Grande, situada defronte ao Rio de Janeiro, do outro lado da baía de Guanabara, foi projetada no começo da década de 1820.

(17) Ver Gilberto Leite de Barros, A Cidade e o Planalto: Processo de Dominância da Cidade de São Paulo (Livraria Martins, São Paulo, 1967), vol. I, pp. 223-225.

(18) Aroldo Azevedo, Vilas e Cidades, pp. 37-45.

(19) A malha ortogonal é evidente na "Planta da freguezia de São Fidelis", sem data, BNRJ-SI, Arq. 4-6-10. São Fidélis, na capitania do Rio de Janeiro, foi edificada nos anos 1780.

(20) Aroldo Azevedo, op. cit., p. 37.

(21) David M. Davidson, Rivers and Empire, p. 204.

(22) Ricardo Franco de Almeida Serra, "Discurso sobre a urgente necessidade de uma povoação na cachoeira do Salto do Rio Madeira..., 1797", reproduzido em O Patriota, n2 2 (março-abril de 1814), pp. 5-6.

(23) Rodrigo de Sousa Coutinho, "Memória sobre communicações fluviais do Pará com Mato Grosso", Pará, 4 de agosto de 1797. AHI, Lata 288, Maço 8, Pasta 9. Apensa a esse documento, há uma estimativa do custo total do estabelecimento de colonos na nova comunidade; esse montante, acrescido dos salários dos engenheiros, ascende a 41.637 réis. Pará, 7 de fevereiro de 1799.

(24) Delgado da Silva, op. cit., Supplemento 1791-1820, p. 318. 
Essa ordem foi expedida em 23 de novembro de 1805.

(25) Para obter informações sobre o emprego da mão-de-obra indígena por particulares, ver Colin M. MacLachlan, op. cit., pp. 203-206.

(26) Carta de Manuel da Rocha Pereira à Coroa, de 12 de abril de 1769. BA, 54-XIII-4, doc. 24- 24v.

(27) Planta para a nova comunidade de Jesus Maria, traçada por Manuel Borges Netto Pimentel, 24 de agosto de 1780. BA, 54-XIII-16, fl. 12.

(28) Por exemplo a planta dos índios Barbados, sem data, no final do século XVII, no Maranhão AGU Iria nº 66.

(29) Ver Aroldo Azevedo, "Embriões Por exemplo, a "Planta da aldea dos Indios Barbados", sem data, do final do século XVII, Maranhão. AHU-Iria, n2 66. de cidades brasileiras", in Boletim Paulista de Geografia n2 25 (março de 1957), p. 40.

(30) "Prospecto da povoação de Linhares, anno de 1819", BNRJ-SI, Arq. 30, desenhos, doc. ic.


(31) "Título III — Posturas públicas" da lei de 12 de outubro de 1828, que definiu as responsa-bilidades municipais. Essas diretrizes estão contidas nos artigos 66 e 71, 12 de outubro de 1828. CLB, 1828.

domingo, 19 de janeiro de 2014

NOVAS VILAS PARA O BRASIL COLÓNIA Planejamento espacial e social no século XVIII Parte VII

Roberta Marx Delson

Tradução: Fernando de Vasconcelos Pinto

Roberta Marx Delson, nascida na cidade de Nova York, recebeu o seu MA (Master of Arts, mestrado em Ciências Humanas) e o seu PHD (Philosophy Doctor, doutorado) em Estudos Latino-Americanos e História na Universidade de Colúmbia. Lecionou na Universidade Estadual de Rutgers (em New Brunswick, estado de Nova Jersey) e na Universidade de Princeton (em Nova Jersey), e tem trabalhado como consultora em programas de estudos latino-americanos e também para o Serviço do Patrimônio Histórico do Estado de Nova Jersey. Atualmente é lente da Academia da Marinha Mercante dos Estados Unidos. Suas obras publicadas compreendem o presente livro, cuja edição original em inglês, data de 1979, Readings on Caribbean History and Economics (Conferências sobre a História e a Economia do Caribe, 1980) e Industrialization in Brazil: 1700-1830 (1991), esta em coautoria com John Dickenson, bem como muitos artigos especializados. Presentemente está elaborando The Sword of Hunger: A Latin-American History (A Espada da Fome: Uma História da América Latina), conjuntamente com o eminente brasilianista Robert M. Levine.



PLANIFICADORES E REFORMADORES

Nas últimas décadas do século XVIII, embora o Amazonas fosse o objetivo principal das reformas pombalinas, a faixa litorânea, o Sul e o Oeste do Brasil foram igualmente reavaliados.1  Nessas regiões, o êxito ou o fracasso das novas povoações muitas vezes dependiam da personalidade e da energia dos governadores que as administravam. Nas décadas de 1770 e 1780, a tendência das autoridades dessas regiões era criarem redes de comunidades semelhantes ao eixo Macapá--Mazagão, que fora formado no Norte. Algumas dessas novas redes estavam orientadas para aglomerações urbanas tradicionais, que elas abasteciam com um fluxo contínuo de produtos agrícolas. Outras redes foram estabelecidas em zonas escassamente povoadas, proporcionando-lhes o desenvolvimento de uma autarcia. Desse modo, mais uma dimensão de planejamento regional foi acrescentada aos objetivos já explícitos do programa de construção de vilas. O êxito desse plano diretor e a sofisticação da metodologia empregada podem surpreender os planificadores da atualidade, que parecem julgar que uma abordagem abrangente do desenvolvimento é apanágio exclusivo do nosso século.2

Esse planejamento no nível macroeconômico foi mais perceptível na comarca de Porto Seguro (na zona sudeste da capitania da Bahia) que em qualquer outro lugar. Ali, foi planejado e construído todo um sistema de sete centros urbanos. Neste caso, os abundantes dados documentais e cartográficos existentes proporcionam não só uma intelecção excepcional do processo de planejamento de vilas como também uma compreensão da mentalidade do planificador.

Nos primeiros anos da década de 1760, a comarca de Porto Seguro estava sob a direção do ouvidor Tomás Canceiro de Abreu, que estava interessado principalmente na criação das vilas indígenas de Verde e Trancoso. Ele deixou plantas para a formação das novas vilas que asseguravam um espaçamento regular entre as futuras casas. Além disso, procurou criar uma ordem moral para os novos habitantes, exigindo que de então em diante os índios deveriam viver em casas com:

 ... ao menos 6 quartos, um que lhe servisse de sallinha, outro para os paes dormirem, outro para os filhos, o 4° para as filhas, o 5° para a cozinha e o 6° para terem os seus effeitos.3

No seu zelo pela europeização dos índios, Abreu só foi superado pelo seu sucessor, José Xavier Machado Monteiro, que chegou a Porto Seguro por volta de 1768. Enquanto aquele admitiu ter tido dificuldades em estabelecer as suas novas comunidades-modelo, Monteiro conseguiu fundar vilas viáveis e que funcionavam bem. A chave do seu sucesso foi a criação de comunidades com dois componentes raciais; nesse projeto, colonos portugueses e índios deveriam viver juntos, exatamente no mesmo tipo de moradia. Os europeus forneceriam padrões de comportamento, enquanto os índios, no seu entender, teriam o privilégio de observar e aprender, imitando-os. Pelo que foi dito anteriormente, já se sabe que esse esquema não foi concebido por Monteiro; na realidade ele tinha sido a filosofia subjacente à política de Pombal para o Amazonas de localizar aldeias indígenas junto a vilas européias. No entanto, o ouvidor de Porto Seguro infundiu no programa um fervor quase evangélico, impondo à população branca a obrigação moral de elevar os índios aos seus padrões culturais. No seu relatório anual, ele escreveu: Com referência aos índios, estou procurando civilizá-los.4 Para tanto, Monteiro proibiu as mulheres índias de usarem blusas que mostrassem os seios. Vedou aos homens e mulheres dançarem o sensual batuque, quer em público, quer às ocultas.5 As crianças de mais de três anos não podiam dormir no quarto dos pais, e os meninos e meninas de sete anos para cima foram proibidos de tomar banho juntos.6

Fig. 15. Planta básica de Villa Viçosa, aproximadamente 1769.

O desenho das vilas de Porto Seguro patrocinadas por Monteiro são mais uma confirmação da sua predileção pela hiper-regulamentação. Para cada uma das três vilas criadas pelo ouvidor --Vila Viçosa, 1768; Portalegre, 1769; e Prado, 1772 --, a disposição das edificações foi planejada detalhadamente, desenhada e depois executada no local escolhido. Inobstante Monteiro ter declarado com modéstia que, à falta de um arqui-teto, as plantas foram traçadas pela sua mão inábil,7 os documentos cartográficos existentes revelam que ele tinha um conhecimento muito profundo dos princípios de planejamento urbano do século XVIII, pois, conforme ele admitiu depois, os seus projetos seguiam as normas habituais.8

Todas as três vilas de Monteiro (Figuras 15, 16 e 17) compunham-se de quadras de área uniforme, cuja orla era formada de casas rigorosamente alinhadas de frente para ruas de largura idêntica.9  Os fundos das habitações dispunham de pomares-hortas, criados por parcelamento do espaço interno de cada quadra. Esse administrador utilizou nas suas três vilas o modelo de duas praças, um desenho visto com frequência em cidades litorâneas do Brasil.10

Fig. 16. Planta básica de Portalegre, aproximadamente 1772

Monteiro estava firmemente convicto de que a disposição ordenada resultante amansaria os índios que estavam aos seus cuidados, que ele considerava os mais repulsivos e detestáveis do Brasil.11 Ele baseava essa pressuposição numa compreensão pessimista e verdadeiramente hobbesiana da natureza humana. O ouvidor achava que todos os habitantes tivesse exatamente as mesmas comodidades, inclusive casas análogas, com o mesmo número de janelas e portas e quintais de área padronizada, todas as causas de inveja e dissenção seriam eliminadas.12   Entretanto, diversamente dos sonhos pretensamente socialistas das comunidades dos missioná-rios, Monteiro amenizava suas ideias comunitárias com uma ênfase na unidade familial como o único elemento social de grande importância. Enquanto os padres de mentalidade socialista utópica (especialmente os jesuítas) frequentemente haviam agrupado os seus protegidos em barracões comunitários, Monteiro insistia em que as unidades habitacionais familiais eram indispensáveis para inspirar respeito pelo modo de vida europeu.

Fig. 17. Planta básica de Prado, aproximadamente 1772.

Ao redor de cada comunidade, Monteiro mandou desmatar um anel da largura de dois tiros. Essa disposição protegeria os colonos dos ataques de índios hostis (que poderiam camuflar-se no mato) e, além disso, proporcionaria arejamento, aumentaria a área de pastagem e afastaria as onças, cobras e mosquitos.13   As comunidades dedicavam-se à agricultura, produzindo principalmente algodão e cereais. Essa produção, junto com garoupas pescadas, era embarcada no cais construído em cada vila e mandado para Salvador, onde contribuía significativamente para o abastecimento daquela cidade e da zona açucareira circunvizinha do Recôncavo. Ao mesmo tempo, as vilas de Porto Seguro funcionavam como pontos de parada acessíveis e centros de fornecimento para baianos em demanda das riquezas minerais de Minas Gerais.

Como se vê, a rede de vilas de Porto Seguro constituía uma zona economicamente integrada que, por sua vez, servia uma importante cidade colonial. Ela apresentava uma lógica de ponto central básico que seria copiada em outras zonas da colônia com graus de sucesso variados. Patentemente, a experiência das vilas de Monteiro foi bem fundamentada; em 1803, um visitante expressou aprovação a essas pequenas comuni-dades e elogiou os seus traçados ordenados. Embora Portalegre tivesse sofrido uma perda de população devido a uma inundação pelo rio próximo, Vila Viçosa e Prado ainda existiam e evidentemente mantinham a sua forma urbana original.14

Fig. 18. Planta básica de Caraguatatuba, Paraná, final do Século XVIII.

O entusiasmo de Monteiro por um estilo de vida europeu foi emulado por um contemporâneo seu no Sul do Brasil, Luís Antônio de Souza. Pouco depois de assumir o governo de São Paulo, Souza anunciou suas intenções de reformar comunidades antigas, reunindo pessoas errabundas e estabelecendo novos núcleos urbanos por todo o Sul do Brasil.15  O resultado seria tornar a capitania de São Paulo econômica e defensivamente mais forte, embora, como observou Dauril Alden, Souza também estivesse interessado em notabilizar-se.16 Apesar de suas ambições irritarem vários de seus colegas governadores de capitanias e de o seu atrevimento ter lhe valido ser considerado um petulante pelo vice-rei, o Marquês de Lavradio, Antônio de Souza prosseguiu vigorosamente com os seus planos de construção de vilas e obteve um êxito razoável.

O programa de construção de novas vilas no Sul foi dividido em três etapas: primeiramente seria criado um sistema de vilas na estrada costeira e das montanhas do Sul; em segundo lugar, antigas comunidades indígenas seriam transformadas em unidades urbanas viáveis; e, finalmente, uma rede de fortificações seria construída e associada às populações residentes nas proximidades. A primeira fase foi iniciada pouco de-pois de Souza assumir o seu cargo e foi objeto de uma extensa correspondência entre o governador e o Marquês de Pombal. Em 25 de dezembro de 1766, Antônio de Souza escreveu ao ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, o Marquês de Pombal, comunicando que havia mandado construir seis novas comunidades em áreas vantajosas pela localização estratégica, conforto e fertilidade dos solos. A primeira delas seria localizada na faixa arenosa onde o rio Piracicaba confluía com o Tietê, dez léguas a oeste da última aglomeração fundada na zona. A segunda vila, Botucatu, seria edificada na estrada de Cuiabá, na esperança de restituir a prosperidade que as terras outrora cultivadas haviam tido antes da expulsão dos jesuítas. Uma terceira comunidade, Faxina, seria fundada na estrada que ia de São Paulo a Curitiba, mais a oeste de Sorocaba, já existente; propunha-se uma quarta, Lages, na estrada que partia de Curitiba para o sul, em direção a Viamão, em Rio Grande de São Pedro. As últimas duas vilas desse sexteto seriam comunidades pesqueiras, uma na angra de Guaratuba, abaixo de Paranaguá, e a outra entre Iguape e Cananéia.17

Não vem ao caso descrever os muitos problemas com que o próprio governador se viu a braços. Independentemente deles, é possível examinar o seu programa de construção de vilas a fim de obter uma intelecção do processo urbano. A espinha dorsal do plano de Souza era o agrupamento de todos os recursos humanos das áreas assinaladas para o desenvolvimento urbano; ordenou-se que todo mundo vivesse em povoações civis, por definição uma localidade de mais de 50 lares (casas).18  Ao mesmo tempo, o governador de São Paulo determinou que as novas vilas criadas sob os seus auspícios não seriam apenas pontos de reunião de moradores, mas ostentariam toda a sofisticação urbana e ordem do seu tempo. Essa predileção pelo desenvolvimento urbano regulamentado é patente na correspondência de Souza com o juiz de fora de Santos, em que este foi instruído a providenciar que de então em diante toda construção naquela comunidade portuária obedecesse às normas urbanas preceituadas. O pensamento do governador é claro e revelador:

Uma das coisas de que os países mais adiantados costumam cuidar atualmente é da simetria e harmonia das edificações que estão surgindo em cidades grandes e pequenas, de modo que, da sua aparência (disposição), resulte não só o conforto público, mas também o prazer, com os quais as aglomerações se tornam mais atraentes e apropriadas, sabendo-se da boa ordem com que essas edificações são dispostas, da discipli-na [policia] e cultura de seus habitantes?19

Para com as novas vilas que patrocinou, Souza foi igualmente exigente no cumprimento dos alinhamentos urbanos prescritos. Com referência a isso, é particularmente interessante observar que, no caso de Mathias Leme, antigo fazendeiro que vivia no campo com seus dois filhos, o governador determinou não só que ele se mudasse para uma povoação civil, mas para uma que já estivesse arruada (demarcada).20     Consoante o governador, só depois que um número suficiente de casas tivesse sido demarcado ao longo de ruas alinhadas é que se poderia conceder oficialmente o título de vila a uma povoação.21  Em concordância com isso, quando surgiu a questão de optar entre Mogi-Guaçu e Mogi-Mirim para elevar à categoria de vila, Souza escreveu às autoridades daquela povoação sugerindo sutilmente que, se elas transferissem os seus habitantes para um local plano próximo e depois construíssem casas em ruas demarcadas, então Mogi-Guaçu receberia o pelourinho e todos os privilégios competentes, em vez de Mogi-Mirim, que na realidade estava em melhores condições.22

Atrair povoadores para as suas novas comunidades, apesar da sua aparência ordenada, não foi tarefa fácil para o governador. Como estímulo para induzir colonos para o arraial de Guaratuba, Souza mandou afixar cartazes na vila de Paranaguá, que ficava perto, anunciando que o governo daria terra e instrumentos agrícolas aos voluntários. Além disso, os novos habitantes seriam dispensados do recrutamento para o exército por um período de dez anos, e não seriam obrigados a prestar qualquer outro serviço.23

Evidentemente o programa foi bem-sucedido, pois em 1768 Souza pôde comunicar ao seu superior que a comunidade tinha sido fundada com água boa e com exposição ao sol do lado norte?24 Além disso, 70 casas já haviam sido alinhadas nas ruas da comunidade (Figura 18).25  Dois anos depois a povoação foi constituída em vila, e as autoridades locais foram instruídas a adaptar uma casa da câmara e uma cadeia na sua conformação física. A outra comunidade litorânea, Subaúna, fundada entre Iguape e Cananéia, também foi construída "com modernidade", de acordo com um relatório de 1775, embora esse documento mencione que suas edificações, em estado deplorável, estivessem  em reparos.26

A criação da comunidade de Lages apresentou empeços muito maiores. Em 1766 Luís Antônio de Souza nomeou o capitão-mor Antônio Correa Pinto superintendente da construção daquele núcleo.27 Prometeu-lhe uma grande residência na nova comunidade e pôs um pedreiro-canteiro e um carpinteiro a seu serviço, tudo às expensas do governador. Este até doou uma estátua de Nossa Senhora pintada a óleo, tirada da sua coleção particular, para a futura igreja.28 

Mesmo assim, malgrado o evidente entusiasmo do governador, os trabalhos na nova vila demoraram a começar, em parte devido à relutância de Correa Pinto em se mudar para o novo local,29  mas também em decorrência dos litígios jurisdicionais provocados pelos governos de Santa Catarina e São Pedro30 Dois anos depois, em 1768, o governador viu-se obrigado a manar todos os moradores. das circunjacências de Lages a se mudarem para a nova comunidade, caso contrário seriam expulsos da zona.31  Em-bora a comunidade finalmente tenha sido fundada, há uma certa incerteza entre os historiadores quanto a se o capitão-mor Correa Pinto cumpriu ou não as leis de planejamento urbano.32 Um relato do século XIX afirma que a área foi arruada de acordo com as instruções do governador Souza;33 no entanto, Victor Peluso, especialista em geografia urbana da atualidade, sustenta que a malha urbana quadrangular só foi implantada em Lages no meado do século XIX.34  Outros ainda afirmam que a vila foi deslocada do seu local primitivo, abrindo-se caminho, assim, para a instauração da desordem urbana.35

O caso de Lages pode ser considerado uma decepção para o governador de São Paulo. Mesmo assim ele não desanimou de continuar aplicando suas idéias urbanas em larga escala. Seus planos para antigas aldeias indígenas constituem excelentes exemplos da plena amplitude da sua ambição. Por exemplo, para o extremo oeste do atual estado do Paraná, ele concebeu um sistema de povoações que, segundo ele, poderiam garantir o controle português no território. O núcleo desse plano era a serra de Apucarana, uma zona triangular emoldurada pelos rios Paranapanema e Tibagi. Em resposta a uma carta do seu superior proibindo os paulistas de procurarem riquezas minerais nessa área montanhosa, Souza defendeu suas razões para implantar urgentemente postos avançados nessa zona remota. Em segredo absoluto, ele estabeleceria arraiais de índios e erradios a intervalos de dez léguas. Tomando como modelo o grande número de vilas e aldeias criadas no Pará (e enaltecendo a contragosto o êxito de Mendonça Furtado), o governador de São Paulo propunha-se a criar arraiais agrícolas nos matagais, tão ricos e sedutores atrairiam não apenas os habitantes das redondezas, mas até os índios das missões jesuíticas espanholas próximas. Ele vaticinava que estes

nos virão procurar quando se derem conta de que entre nós eles são homens como todo mundo e são tratados como tais, ao passo que os espanhóis os tratam como animais, privando suas mulheres e filhos da liberdade e espoliando-os de seus bens, sem deixá-los possuir nada.36

Poucos anos depois, Souza criou coragem e escreveu diretamente a Mendonça Furtado, agora ministro das Colônias em Lisboa, pedindo ao antigo urbanizador do Pará orientações sobre a organização de comunidades indígenas. Na mesma carta, o governador, aproveitando sagazmente a oportunidade, informou o ministro de que os recursos disponíveis em São Paulo para a criação dessas vilas eram minguados. Tocando num ponto sensível do modo de pensar do antigo administrador, Souza insinuou que talvez os portugueses tivessem sido negligentes nas suas responsabilidades de criar novas vilas e exortou-os a povoarem o Brasil na mesma medida em que os espanhóis haviam feito na América hispânica.37

O apelo do governador provavelmente foi bem acolhido, pois no ano seguinte ele ordenou a criação da aldeia indígena de Carapicuíba.38  Além disso, nessa mesma época o governador começou a executar a sua proposta de povoações fortificadas no rio Iguatemy. Em virtude de essa zona ficar a um alcance de tiro surpreendentemente curto das terras dominadas pela Espanha, era forçoso que essas comunidades fossem forti-ficadas, bem como autossustentáveis. Pequenos agrupamentos de sete ou oito famílias seriam dispostos nas adjacências do forte a distâncias especificadas; esses agrupamentos constituiriam uma linha de defesa avançada da povoação principal.

Mesmo sofrendo oposição ao seu plano,39 Souza conseguiu ver o seu projeto executado. As plantas de Iguatemy mostram uma praça forte que não difere das guarnições renascentistas do século XVI que os portugueses construíram na Índia. Uma muralha inclinada com redentes (projeções triangulares) circunda um conjunto uniforme de quadras internas; a praça principal não está exatamente no centro (Figura 19).40

Fig. 19. Planta da praça forte de Iguatemy, aproximadamente 1785.

Durante toda a sua carreira, que durou até 1775, Antônio de Souza lutou para cobrir o seu território com comunidades primorosas e bem ordenadas. Perto do fim do seu mandato, ele exortou os administradores que nomeara a terminarem as cidades planejadas nas primeiras fases do seu programa41 e a iniciarem a construção de outras mais, em conformidade com os cânones em voga do bom desenho urbano.42 O go-vernador atribuiu uma função a cada grupo de comunidades assim criadas. As vilas situadas mais a oeste eram necessárias como trampolins para as terras espanholas e também para fornecer suprimentos e servir de ponto de descanso para mineradores esperançosos. Entre Cuiabá e Sorocaba, Souza esperava incentivar o crescimento da produção pecuária e o fabrico de artigos de couro. Em relação ao sul e às vilas mais antigas dentro do seu âmbito de influência, o governador fomentou a agricultura intensiva baseada no cultivo de arroz, algodão e trigo.43 

Como planificador de vilas, Antônio de Souza pertence àquela classe especial de administradores que não apenas patrocinaram povoações como procuraram dotar tais projetos de um princípio diretor de base mais ampla. Junto com Mendonça Furtado, Luís Antônio de Souza coloca-se entre os primeiros a aderirem ao axioma setecentista de que o bom governo era favorecido pelo crescimento urbano supervisionado.

Fig. 20. Planta básica de Albuquerque, atualmente Corumbá, 
Mato Grosso do Sul,  1784.
No Oeste do Brasil, Luís de Albuquerque Melo Pereira e Cáceres, governador de Mato Grosso e um dos expoentes da planificação de vilas, não era menos entusiasta pela criação de novas comunidades que seus confrades de Porto Seguro e São Paulo. O seu  programa para transformar a capitania I numa região viável e autossustentada do império portugueses estava estreitamente ligado às ambições já sistematizadas do governo relativas à via fluvial comercial Guaporé--Madeira--Belém. Como David M. Davidson mostrou no seu excelente estudo do sistema comercial do Madeira,

os portugueses pretendiam pôr em prática uma espécie de projeto de desenvolvimento regional à maneira Grosso do Século XVIII que... implicava em graus mais detalhados de planejamento estatal para uma utilização racional de recursos escassos.44

Segundo Davidson,45 enquanto o volume do comércio no rio Madeira não satisfez às expectativas durante as décadas de 1750 e 1760, a Coroa continuou a patrocinar a criação de feitorias (entrepostos comerciais) ao longo do rio. Duas dessas comunidades, São Miguel e Balsemão, apresentadas inicialmente como modelares da nova organização urbana, haviam sido construídas na década de 1760.46  Nos anos 1770, quando Luís de Albuquerque assumiu o seu posto, Pombal já havia traçado um programa abrangente para o rio que visava a revitalizar a via comercial. A fim de consolidar o comércio e evitar a má administração reinante, ele recomendou que Mato Grosso restringisse o comércio com o Rio de Janeiro, Salvador e outros portos costeiros, privilegiando a comunicação com Belém do Pará. Porém muito mais notável foi sua sugestão de que o comércio tomaria maior impulso se se utilizasse essa via fluvial para o tráfico de contrabando, sancionado pelo Estado, com as províncias espanholas de Quito, do Peru e do Orenoco.47
Fig, 21 A -Planta básica e situação de Villa Maria do Paraguay, em Mato Grosso  1874.

Esse plano secreto estava em operação quando Luís de Albuquerque foi nomeado governador. Sua função dentro do plano do comércio pelo rio Madeira era fiscalizar o tráfego do rio e criar comunidades que pudessem funcionar como entrepostos das mercadorias que chegavam das missões espanholas próximas. 

Fig. 21 B - Ilustração do dia-a-dia em Villa Maria do Paraguay.

O progresso dessas novas povoações foi rápido, em boa parte devido ao zelo incansável do governador. Embora se houvesse predito que logo os espanhóis forneceriam aos portugueses riquezas preciosas (principalmente prata contrabandeada das minas do Peru), na prática o comércio revelou-se medíocre. Como Davidson explica,

as missões forneciam quase que somente gado em pé,... que, embora normalmente em falta em Mato Grosso,... era um sucedâneo decepcionante das riquezas da América espanhola.48

Se hoje, decorridos mais de 200 anos, essa observação é de uma clareza meridiana, tal possibilidade certamente não fora levada em conta nos cálculos do governador, que se apressava em construir as suas comunidades na suposição de um futuro próspero garantido. Dois dos centros de comércio projetados foram fundados na região do Pantanal ao sul de Cuiabá, numa zona escassamente colonizada até aquela época. Albuquerque, um arraial que representava o posto mais avançado do domínio português, foi construído para abrigar tanto índios como soldados. Seu aspecto geral, de disciplina e rígida organização militar (Figura 20),49 estava em conformidade com a sua função estratégica. A segunda povoação, Vila Maria do Paraguay, localizada a sudoeste de Cuiabá, no rio Paraguai, era formada por casais indígenas, embora o governador esperasse posteriormente trazer famílias açorianas.50   Consoante as metas fixadas no termo de fundação, a nova vila atuaria como um ímã para os colonos dispersos nas circunjacências imediatas; na realidade, vários habitantes da comunidade eram índios da província espanhola de Chiquitos atraídos pelos portugueses.51

Como Albuquerque, que recebeu o sobrenome do governador, Vila Maria era um modelo de regularidade e padronização (Figura 21).52   Supondo que o traçado seria seguido fielmente, Albuquerque enviou um carpinteiro ao local junto com os engenheiros militares de costume. Uma estampa da vila, desenhada algum tempo depois da sua fundação, fornece um instantâneo notável da afanosa atividade cotidiana nas novas povoações. Nesse escorço (Figura 21B), vê-se uma longa praça ladeada por duas alas opostas de casas iguais. No primeiro plano, alguns índios estão lavando roupa no rio, enquanto uma canoa conduzindo portugueses desliza diante deles a impressão imediata é de uma prosperidade bucólica, um ideal que Albuquerque evidentemente imaginava estar reservado a todos os seus projetos urbanos. Em 1783, cinco anos depois da fundação de Vila Maria e Albuquerque, o governador criou a comunidade de Casalvasco, num local oito léguas ao sul de Vila Bela. O sítio era uma estância predileta do governador, que passava uma temporada ali todo ano com seu círculo de amigos e sua família.53  Porém, do ponto de vista geopolítico, o mais importante era que Casalvasco ficava numa zona recentemente arrancada dos espanhóis pela comitiva de fronteiras responsável pela demarcação dos limites do Tratado de 1777.54  Albuquerque estava ansioso por ocupar esse território, principalmente depois que os espanhóis relocalizaram a sua Missão de Santa Ana inquietantemente perto das terras reclamadas pelos portugueses.55  A comunidade de Casalvasco, uma pequena povoação vulgar dedicada principalmente à criação de gado, desempenharia assim um papel duplo, desencorajando as ambições espanholas observadas.56

Fig 22. Planta básica de Casalvasco, Mato Grosso do Sul, 1782.

A planta de Casalvasco, como convinha à estação de férias do governador, era de um estilo quase monumental; as edificações foram dispostas metodicamente em várias unidades bem definidas, mas articuladas. A primeira delas, a Praça da Victoria, quadrada e com um lado aberto, era contornada em três lados por uma fileira singular de árvores; nela estavam habitações para índios que dantes foram súditos da Espanha, o quartel para os soldados, os alojamentos dos oficiais, a residência do governador e o hospital. A segunda praça, também aberta de um lado, era igualmente orlada de árvores, mas era de natureza residencial. Atrás dessas praças ficava um largo passeio público ajardinado ladeado por duas alas de habitações com as frentes voltadas para ele; nos fundos de cada moradia havia um quintal para pomar nitidamente demarcado (Figura 22).57

Longe de ser apenas uma pequena povoação vulgar, Casalvasco revelou-se a única das três novas vilas que participou ativamente do tráfico de contrabando com os espanhóis.58 Vila Maria e Albuquerque, que se esperava desempenhassem um papel importante no comércio, foram superadas por Vila Bela e a fortificação próxima de Príncipe da Beira.59  Em contrapartida, as outras comunidades, em conjunto, funcio-naram bem como um sistema de abastecimento e comércio independente do tráfico de contrabando. É bem possível que o governador realmente tenha previsto a possibilidade de fracasso da via fluvial do Madeira e tenha planejado essa rede regional de vilas nas zonas sulinas da sua capitania como uma precaução contra o desastre econômico. Acresce que, em virtude de todas as mercadorias, por lei, terem de vir do Pará, numa demorada e dispendiosa viagem, era sensato tornar a região de Mato Grosso tão auto-suficiente quanto possível. A rede foi calculada meticulosamente: Albuquerque produziria gêneros alimentícios e madeira para construção; Casalvasco forneceria gado e sal, bem como salitre (nitrato de potássio ou sódio) para o fabrico de pólvora para o Forte de Príncipe da Beira. Vila Bela, dedicada ao comércio com as províncias espanholas, absorveria a produção de Casalvasco, enquanto Vila Maria e Albuquerque serviriam o crescente mercado de Cuiabá.60  Em 1786 um engenheiro em visita a Albuquerque observou que essa povoação já havia produzido safras extraordinárias de milho e feijão e tinha estabelecido uma indústria campestre de tecelagem de algodão, cuja produção era barganhada em Cuiabá por artigos de luxo.61

Fig 23. Planta básica de Corumbá (antiga Albuquerque), em Mato Grosso do Sul 1786.

A sabedoria do programa do governador Albuquerque é patente ainda hoje: enquanto Vila Bela (o centro de permuta de contrabando) teve a sua importância ofuscada, finalmente caindo em decadência em meados do século XIX, os centros de abastecimento de Albuquerque (hoje Corumbá, em Mato Grosso do Sul, Figura 23)62   e Vila Maria (a atual Cáceres, em Mato Grosso) são cidades importantes. Não só dotando as novas aglomerações de instalações excelentes, projetadas com vistas a perdurar, como também assegurando uma função econômica diferente a cada uma delas, Luís de Albuquerque revelou-se um dos melhores planificadores regionais do período colonial.

Fig. 24 - Planta básica da Aldeia Maria para os índios Guaiapós. Goiás, 1782. 

Um último administrador esclarecido desse período é digno de menção: Luís da Cunha Menezes, governador de Goiás de 1778 a 1783. Como seus coirmãos supra comentados, Menezes considerava a disposição urbana ordenada como um instrumento eficaz para manter controle sobre os seus governados. Isso é evidente na comunidade regulamentada que ele planejou para os índios caiapós, recentemente pacificados (Figura 24),63  e em São José de Mossamedes (Figuras 25A e 25B),64  uma povoação indígena a oeste de Vila Boa. Em Mossamedes, a monotonia costumeira das comunidades construídas pelo governo foi atenuada pelo detalhe decorativo de cornijas festonadas nos prédios dos lados norte e sul da praça principal. Além disso, o lado sul foi ornamentado com uma arcada de dois estágios rebuscada que lembrava a entrada da praça do Comércio, em Lisboa. Outro ornato original eram as torres localizadas nos cantos da praça. Consoante a legenda da Figura 25A, a perfeição tanto do exterior como do interior devia ser imputada ao governador Menezes. Entretanto, os melhores esforços do governador no campo da planificação urbana concentraram-se em Vila Boa, a capital da província. Apesar de essa vila ter sido uma das primeiras comunidades subordinadas ao código urbano, era dolorosamente claro para o governador, quando ele assumiu o governo em 1778, que as ordens iniciais não haviam sido obedecidas. Seu antecessor no governo de Goiás, José de Almeida de Vasconcelos, tinha tentado reformar um pouco a vila durante o seu mandato (1772-1778), mas havia se contentado com pequenos melhoramentos na pavimentação das ruas e com o reparo da ponte.65 Cunha Menezes atacou o problema com seu extraordinário entusiasmo e sua predileção pela perspectiva ordenada. Numa declaração clássica dos objetivos da planificação de vilas portuguesas, o governador explicou ao ouvidor da comarca de Vila Boa as razões por que a comunidade precisava ser realinhada. Relacionando a regularidade da configuração das ruas com a regularidade do comportamento, Luís da Cunha Menezes expôs a teoria de que a boa administração começava com a construção de vilas correta. Se uma perspectiva agradável pudesse ser conseguida por meio do alinhamento das ruas e da uniformização das fachadas, então se podia esperar que os habitantes da localidade seguissem o exemplo mostrassem uma conduta civil decente. Assim sendo, o governador propunha que daí por diante todos os prédios a construir e reconstruir em Vila Boa se ajustassem a um plano diretor, para que a capital provincial pudesse compartilhar do sistema praticado em todas as nações mais civilizadas da Europa.66  
 Fig. 25 A, Detalhe de São José de Mossamedes, Goiás, 1801. 
  
A intenção do plano diretor de Menezes é enunciada claramente no parágrafo inicial da sua legislação de planejamento:

Desejando evitar doravante a mesma irregularidade com que os fundadores desta capital construíram os prédios, que estão estragados pelo desalinhamento,... eu determino que a partir de agora a nova forma apresentada nos parágrafos a seguir seja cumprida sem infrações, do que resultarão benefícios, não só para a povoação em si como para os seus habitantes.67

A primeira prescrição da lista de reformas urbanas do governador foi a exigência de que não se poderia mais construir fora do perímetro urbano, visto que muitas das ruas já existentes eram pouco povoadas. Além disso, todas as novas habitações não só tinham de ser localizadas em ruas alinhadas como deveriam obedecer às normas relativas à uniformidade das fachadas, a fim de manter uma perspectiva agradável e a civilização. Para a praça da vila onde o alto custo impedia a reconstrução das casas dentro das novas proporções, o governador recomendou que todos os prédios fossem pintados numa mesma cor, obtendo-se assim uma aparência de regularidade. O arruador da vila (fiscal demarcador) foi encarregado da execução do projeto; ele seria orientado por um plano diretor 68 que continha desenhos de ruas recém-mapeadas e de fachadas possíveis para os prédios da praça principal. A regularidade dos novos elementos urbanos representava um contraste total com o núcleo aleatório da vila, resultante da construção apressada dos anos 1730.
Fig. 25 B. Planta básica em perspectiva de S~]ao José de Mossamedis, 1801.

Como seus contemporâneos José Xavier Machado Monteiro, Antônio de Souza e Luís de Albuquerque, Luís da Cunha Menezes estava convicto da necessidade de regulamentar o desenvolvimento urbano. Trabalhando em regiões geograficamente longínquas e economicamente atrasadas da colônia, esses administradores conseguiram criar redes urbanas modernas e economicamente eficientes. Os índios e os errabundos afetados por esses planos regionais foram submetidos a um meio europeu até então desconhecido nas zonas provincianas. O objetivo final desses administradores era aquele atributo impalpável de civilização; e uma comunidade urbana estritamente controlada era o primeiro passo para introduzir aquele atributo no Brasil. Porém, racionalizações altruísticas à parte, era claro que a Coroa é que tinha a ganhar, como a maior beneficiária das mudanças introduzidas no interior; ordem e regularidade no nível local assegurava o controle absoluto sobre toda a colônia.


N o t a s :

(1) Uma grande parte do material deste capítulo foi publicada em Planners and Reformers: Urban Architects of Late Eighteenth Century Brazil, de Roberta Marx Delson, in Eighteenth-Centuol Studies,vol. 10, n" 1 (outono de 1976), pp. 40-51.

2) Ver também minha comparação dos planos de colonização pós-1964 com as colônias subsidiadas do século XVIII. R. M. Delson, Colonization and Modernization, op. cit., pp. 281- 313.

(3) Tomás Canceiro de Abreu, Relação sobre as villas e rios da Capitania de Pôrto Seguro, in ABNRJ, vol. XXXII (1914), p. 38.

(4) Relatório do Ouvidor de Porto Seguro, José Xavier Machado Monteiro, Porto Seguro, abril de 1773. AHU-CA, Bahia, 8581.

(5) "Leis municipais e provinciais para o bom governo da nova Vila Viçosa", de 24 de fevereiro de 1769. AHU-CA, 7974, apenso ao 7972.

(6) Essa determinação seguiu os padrões gerais de comportamento estabelecidos pelos portugueses para as comunidades indígenas. Ela é mencionada nas Instrucções para o governo dos Indios da Capitania de Pôrto Seguro enviadas a Machado Monteiro, documento datado de 27 de julho de 1777. AHU-CA, Bahia, 9494, anexo ao 9492.

(7) Carta de Machado Monteiro ao Rei, de Porto Seguro, 24 de fevereiro de 1769. AHU-CA, Bahia, 7972.

(8) Ibidem, ". . . o devido formulário".

(9) Figura 15 - Planta básica de Vila Viçosa, aproximadamente 1769. AHU-Iria, n2 179; Figura 16 - Planta da nova vila de Portalegre, aproximadamente 1772, AHU-Iria, n2 180; Figura 17 - Planta da nova vila de Prado, aproximadamente 1772, AHU-Iria, n2 181.

(10) Ver a explanação sobre Macapá.

(11) Carta de Machado Monteiro ao Rei, de Porto Seguro, 10 de maio de 1770. AHU-CA, Bahia, 8215.

(12) Por este modo ... todos os moradores (ficão) huns sem inveja dos outros. In "Provimentos e instrucções do Ouvidor... Machado Monteiro, relativos a fundação da Villa Viçosa", Porto Seguro, 1768, AHU-CA, Bahia, 7975.

(13) "Relação individual do. . . Ouvidor da Capitania de Porto Seguro... desde o dia 3 de maio de 1767 athé o fim de Julho de 1777", AHU-CA, Bahia, 9147.

(14) De acordo com o "Mappa e descripção da Costa, Rios e seus terrenos, de toda a Capitania de Porto Seguro... feito e examinado pelo Capitão-mor João da Silva Santos... Principiado em abril de 1803". AHU-CA, Bahia, 27.113, apenso ao 27.008.

(15) Carta de Dom Luiz Antônio de Souza ao Conde de Oeiras (um dos dois títulos nobiliárquicos do Marquês de Pombal), de São Paulo, 23 de dezembro de 1766.

(16) Dauril Alden, Royal Government in Colonial Brazil, p. 460.

(17) Carta de Souza ao Conde de Oeiras, de São Paulo, 24 de dezembro de 1766, DIHSP, vol. XXIII, pp. 40-43.

(18) "Ordem para que os moradores se ajuntem em Povoações civis de cincoenta vizinhos para cima". Souza faz referência a essa ordem na sua correspondência com o Conde de Oeiras de 23 de dezembro de 1766. DIHSP, vol. XXIII, p. 8.

(19) "Portaria que levou o D.or Juiz de Fora quando foi para Santos", de São Paulo, 15 de se-tembro de 1766. BNRJ-RC, Lista 1, fls. 67-68v.

(20) Mathias Leme tinha o prazo de 15 dias para se mudar para "qualquer lugar arruado". São Paulo, 19 de setembro de 1768, BNRJ-RC, Lista 1, fl. 164.

(21) Em 1769 Souza resolveu que o arraial de Faxina, situado entre Curitiba e Sorocaba, tinha "bastante numero de moradores, e suficientes cazas arruadas para se lhe poder dar o nome de Vila", BNRJ-RC, Lista 1, fl. 164. São Paulo, 29 de junho de 1769.

(22) "Ordem p.a Se Suspender a Capela de S. Ant.o de Mogiguasu...". São Paulo, 15 de novembro de 1769. BNRJ-RC, Lista 1, fls. 178v-179.

(23) Correspondência do Ouvidor de Parnagoa [sie] a Luís Antônio de Souza, de Santos, 2 de fevereiro de 1766. BNRJ-RC, Lista 1, fl. 24. Essa isenção incluía tanto os ajudantes como os ordenanças.

(24) Correspondência de L. A. de Souza ao Conde de Oeiras, de São Paulo, 9 de fevereiro de 1768, DIHSP, vol. XXIII, p. 418.

(25) Planta de Guaratuba in "Cartas Corographicas e Hidrographicas de toda a Costa e Portos da Capitania de São Paulo... levantadas pelo Coronel João da Costa Ferreira" (1790?). SGL, MS, n2 57.

(26) "Officio de José Custódio de Sá e Faria ao Capitão-General Martim Lopes Lobo de Sal-danha", de São Paulo, 22 de fevereiro de 1776. AHI, Lata 267, Maço 6, Pasta 17.

(27) Correspondência de Luís Antônio de Souza ao Conde de Oeiras, de São Paulo, 24 de de-zembro de 1766, DIHSP, vol. XXIII, p. 38. (28) Correspondência de Luís Antônio de Souza ao Conde de Oeiras, de São Paulo, 24 de dezembro de 1766. DIHSP, vol. XXIII, p. 38.

(29) Esse fato foi assinalado por L. A. de Souza em sua carta ao Conde de Oeiras de São Pau-lo, 27 de março de 1767. DIHSP,vol. XXIII, p. 150.

(30) Os termos (limites legais) de Curitiba, em Santa Catarina, e Viamão, em Rio Grande de São Pedro, não haviam sido fixados definitivamente. Assim sendo, quando Luís Antônio de Souza autorizou o capitão-mor Antônio Correa Pinto a localizar uma nova comunidade entre esses dois núcleos urbanos já existentes, automaticamente lançou o seu agente num litígio jurisdicional inconcluso. Ver Américo Brasilense Antunes de Moura, "Governo do Morgado de Mateus no vice-reinado do conde da Cunha: São Paulo restaurado", in Revista do Arquivo Municipal (São Paulo), vol. LII (1938), pp. 9-155.

(31) "Ordem para que todos os moradores do Certão das Lagens fação Cazas na Villa que se manda formar naquela paragem", de São Paulo, 6 de agosto de 1768. BNRJ-RC, Lista 1, fl. 131v.

(32) Os conceitos de planejamento de L. A. de Souza para Lages estão especificados na sua "Portr.a para formatura da nova Villa do Certão das Lagens", de 1Q de agosto de 1768. BNRJ-RC, Lista 1, fl.131. Consoante esse documento, o governador de São Paulo ordenou que "esta [Lages] seja formada em quadras de sessenta, ou oitenta varas [metros] cada hua, e dahy para cima, e que as ruas sejão de sessenta palmos de largura, mandando formar as primeiras cazas nos angulos das quadras, de modo que fiquem os quintaes p.a dentro a intestar huns com os outros". Esse desenho, em que os cantos das quadras seriam chanfrados, pode parecer muito com a planta de Balsemão (cf. Figura 10).

(33) Manuel Joaquim Almeida Coelho, Memória Histórica da Província de Santa Catharina (Typographia Desterrense, Desterro, 1865), pp. 178-179. Um esquema do século XVIII da comunidade encontrado no "Diário da rotina da expedição exploradora chefiada pelo Brigadeiro José Custódio de Sá Faria, 1774-1776" (AHI, Lata 288, Maço 6, Documento 1) confirma o emprego de uma disposição em malha ortogonal no traçado inicial. O governo atualmente proíbe a reprodução desse mapa em virtude da categoria em que o documento foi classificado.

(34) Victor Peluso Júnior, "Tradição e plano urbano: cidades portuguesas e alemãs no estado de Santa Catarina", in Boletim Geográfico, ano XIV, na 133 (1956), pp. 335, 352 et passim.

(35) DIHSP , vol. XXIII, p. 42, nº 1. Essa parece ser a explicação mais plausível.

(36) Correspondência do governador L. A. de Souza ao Conde de Oeiras, de São Paulo, 17 de setembro de 1765. AHI, Lata 267, Maço 6, Pasta 12. A sua descrição mordaz da vida dos índios entre os jesuítas não é diferente da de Robert Southey, que publicou um relato do Brasil no começo do século seguinte. Ver o subtítulo "The Guarani Mission: The Despotic Welfare State" (A missão guarani: o despótico Estado do bem-estar social) da sua History of Brazil (2 vols., Londres, 1817), reeditado em Magnus Mõrner (editor), The Expulsion of the Jesuits from Latin America (Alfred A. Knopf, Nova York, 1965), pp. 55-62.
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(37) Correspondência de L. A. de Souza a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, de São Paulo, 4 de julho de 1767. BNRJ-RC, Lista 2, f1.7.

(38) "Ordem p.a ser Director José Fry da Aldea de Carapicuiba", São Paulo, 12 de julho de 1769. BNRJ-RC, Lista 1, fl. 165v. De acordo com essa ordem, os índios deveriam ser reunidos e receber casas em ruas alinhadas a fim de poder viver com a "civilidade apropriada".

(39) Uma análise dessa oposição pode ser encontrada em Dauril Alden, Royal Government in Colonial Brazil, pp. 462-465.

(40) Figura 10 -- "Demonstração da Praça de N. S.ra dos Praseres", BNRJ-SI, Arq. 23-10-6 (o forte é mencionado ora como Praseres, ora como Iguatemy, por causa do rio junto ao qual se situava).

(41) Ver "Portr.a p.a o Sargento-mor . . . completar a erecção da nova V.a da Faxina no termo de seis mezes", São Paulo, 16 de maio de 1772. BNRJ-RC, Lista 1, fls. 312-313.

(42) Por exemplo, as ordens para usar de regularidade no desenho das edificações são repetidas na "Ordem p.a o Sarg.to. . erigir hua Povoação . chamada Caraguatatuba", São Paulo, 27 de setembro de 1770. BNRJ-RC, Lista 1, fl. 205.

(43) Uma análise dos planos econômicos de L. A. de Souza para as zonas a desenvolver pode ser encontrada em Ernâni Silva Bruno, Viagem ao Pais dos Paulistas (José Olympio, Rio de Janeiro, 1966), pp. 83-104 et passim.

(44) David M. Davidson, op. cit., p. 145.

(45) Ibidem, pp. 140-227.

(46) Ver o Capítulo VIII, seguinte.

(47) David M. Davidson, op. cit., pp. 191-192.

(48) Ibidem, p. 198.

(49) Figura 20A — "Perfil da Povoação de Albuquerque", 1784, MU-CI n2 15; Figura 20B — "Plano da direcção e forma con que se acha estabelecida a Povoação de Albuquerque", sem data, MU-CI, n2 16.

(50) "Termo de Fundação de Vila Maria do Paraguay", de 5 de junho de 1779, IHGB, Lata 61, Doc. 11.

(51) Carta de Luís de Albuquerque Melo Pereira e Cáceres a Martinho de Mello e Castro, apen-sa ao "Termo de Fundação", IHGB, Lata 61, Doc. 11. Ver também J. C. Freitas Barros, Um Quadro e uma Figura: O Mato Grosso e Luís de Albuquerque (Lisboa, 1951). Segundo esse relato, o número de índios reassentados em Vila Maria foi de 78. Além deles, outros colonos foram atraídos para a nova comunidade, e àquela altura a população total era de 239 habitantes (ver p. 13). Outra sinopse da fundação de Vila Maria pode ser achada em "Vila Maria do Paraguay e providencias para o seu engrandecimento", ia RIHGB , vol. XXVIII, n21 (1865), pp. 110-117.

(52) Figura 21A — "Planta de Villa Maria do Paraguay", 1784, MU-CI, n2 68A; Figura 21B — Villa Maria, sem data, MU-CI, n2 45.

(53) Virgílio Correa Filho, "Luiz de Albuquerque: fronteiro insigne", in Anais do Terceiro Congresso de História Nacional (Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1942), p. 196.

(54) Isso está registrado nos ofícios do governador Luís de Albuquerque a Martinho de Mello e Castro (1772-1800). AHI, Lata 266, Maço 1, Pasta 12.

(55) Virgílio Correa Filho, As Raias de Mato Grosso (São Paulo, 1925), vol. IV, p. 99.

(56) Correspondência de Luís de Albuquerque a Martinho de Mello e Castro (1772-1800) de 26 de novembro de 1763. AHI, Lata 266, Maço 1, Pasta 12, Doc. D.

(57) "Planta da nova povoação de Cazalvasco..., erigida no anno 1782", MU-CI, n2 A1.

(58) vide M. Davidson, op. cit., assinalou diversas transações ocorridas em Casalvasco já em 1784. Ver o seu Apêndice 4, Quadro K, p. 462.

(59) O Forte de Príncipe da Beira também foi construído sob a orientação de Albuquerque. Para obter dados sobre as barganhas feitas no forte e em Vila Bela, ver ibidem.

(60) O documento em que esse plano regional está exarado não tem assinatura nem data, mas parece ser da lavra do governador Luís de Albuquerque. Está contido em "Documentos com diversas anotações sobre a região, 1772- 1805", AHI, Lata 266, Maço 2, Pasta 4.

(61) "Diário da diligencia da Comissão chefiada pelo Engenheiro Ricardo Franco, 1785- 1786". Essa observação foi feita em junho de 1786. AHI, Lata 266, Maço 1, Pasta 21.

(62) "Planta da Vila de Corumbá. ... Outubro de 1876", MIGE n2 1175.

(63) Figura 24 — "Plano projeto de hu [um] novo estabelecimento de In:lios da Naçao Cayapo margem do Rio Fartura e denominado Aldeya Maria... . 1782". AHU-Iria, n2 84.

(64) Figura 25A — "Perspectiva da Igreja e Quarteis da Aldeia de S. Jozé de Mossamedes. 1801"; Figura 25B — "Aldeia de S. Jozé de Mossamedes", aproximadamente 1801. Ambos os mapas pertencem ao acervo da Biblioteca Municipal de São Paulo, MS D3.

(65) Ernâni Silva Bruno, Grande Oeste, vol. VI, História do Brasil, pp. 66-67. O Capítulo IV contém uma análise da evolução de Vila Boa.

(66) Carta do governador Luís da Cunha Menezes ao Ouvidor Antônio José Cabral de Almeyda contendo instruções sobre o realinhamento da vila, datada de Vila Boa, 28 de dezembro de 1778. BNRJ, IV-13-14-10, Documento 17.

(67) Roteiro para o realinhamento de Vila Boa, sem assinatura nem data. Esse documento provavelmente foi escrito em 1778 por Cunha Menezes. Faz parte do acervo da BNRJ, IV-14-4-10, Documento 16.

(68) Ver as Figuras 5A e 5B, no Capítulo IV.